MCHV_057_Regina Hiroko Hatano Kogawa
Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020 e 2021
Regina Hiroko Hatano Kogawa
Entrevista História de Vida HV_057
28 de abril de 2021
Entrevistado por Luís Paulo Domingues e Cláudia Leonor
Transcrita por Selma Paiva
(00:41) P1- Regina, pra começar eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R- Regina Hiroko Hatano Kogawa. Eu nasci no dia 24 de julho de 1976, em Guaíra, estado de São Paulo.
(00:58) P1- Certo. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- Mitu Hatano é o meu pai e Mieko Sameshima Hatano minha mãe.
(01:10) P1- Ah, sim. Você conheceu seus avós?
R- Conheci só a minha avó por parte de mãe, né? E o meu avô, praticamente, quando ele faleceu. Me lembro dele doente, já estava. A lembrança que eu tenho dele é na cama...
P1- Sei.
R- … doente, né? Só lembro deles na cama e depois o falecimento dele, que também não me lembro como foi, mas eu sei que logo em seguida ele faleceu.
(01:41) P1- Sim. E eles moravam todos em Guaíra?
R- Não, não.
(01:46) P1- Não?
R- Não. Eu nasci em Guaíra, mas meus pais eram de Miguelópolis, embora eles não tinham nascido lá. Mas eu sei que eles passaram uma boa parte em Miguelópolis. Minha mãe também, né? A família da minha mãe. E a família dos meus pais também. Mas sempre trabalharam em lavoura, mexendo com lavoura. Mas ali naquela região, sabe? Miguelópolis, Guaíra, Guará, aqueles pedaço ali.
(02:13) P1- Sim. E seu pai e sua mãe já nasceram no Brasil ou eles vieram do Japão?
R- Não, meus pais nasceram aqui no Brasil. Os meus avós que eram do Japão.
(02:25) P1- Do Japão, né?
R- Isso.
(02:27) P1- Certo. Guaíra é no norte do Paraná ou é São Paulo?
R- Não, é estado de São Paulo.
(02:33) P1- Estado de São Paulo, né?
R- É por isso que eu falei estado de São Paulo, porque eu sei também que tem uma no sul, que tinha um parente também de lá, né? Então, tinha essa confusão toda quando criança. (risos) Então, por isso que eu falava Guaíra, estado de São Paulo. (risos)
(02:47) P1- Tem uma outra cidade com nome bem parecido, que é no Paraná e tem uma no Rio Grande do Sul também. Por isso eu perguntei.
R- Ah, tá.
(02:57) P1- Os seus avós vieram do Japão para trabalhar na lavoura, como todo mundo vinha, né?
R- Sim, sim.
(03:04) P1- Você sabe a história deles? Primeiro eles foram para alguma fazenda, depois compraram alguma propriedade? Você sabe a história?
R- Olha, eu sei que meus avós, como você disse, foram realmente trabalhar na lavoura. E eu sei que o meu avô por parte de pai é que ele chegou a conquistar, assim uma parte de terras, né? Ele trabalhou, conseguiu comprar uma fazenda. Então, depois ele dividiu entre os filhos, uma família muito grande. É uma história bem interessante, mas eu não sei muito, assim, sobre meus avós. Sei que eles eram pessoas muito guerreiras, sistemáticas, né? Mas que tiveram suas conquistas. Agora, por parte do meu avô paterno, já tinha uma outra história, né? Não chegou a conquistar terras ou uma coisa parecida. Então, eu sei que o meu avô por parte de mãe bebia bastante, a minha mãe sofreu bastante com essa questão da bebida do pai, né, enfim, mas graças a Deus todos eles venceram, meus tios, irmãos da minha mãe, graças a Deus, né, todos se encaminharam, né? Com os filhos também, todos encaminhados, graças a Deus.
(04:29) P1- Muito bom.
R- Então, são vitórias, né? Vitórias.
(04:33) P1- Legal. E você sabe, Regina, como seu pai conheceu a sua mãe?
R- Nossa! Olha, é que na cultura japonesa, antes, né, existia o casamento, assim, arrumado. Por exemplo: a gente chamava de Miai isso. E eu sei que a minha mãe conheceu meu pai nessa condição. Não foi um amor, assim, né, como a gente sonha, sabe? Foi muito sofrido para a minha mãe, ela disse que praticamente viu o meu pai duas vezes: uma antes de casar e no dia do casamento. Então, ela até brincava, ela falava para mim assim: “Nossa, no dia do meu casamento eu não sabia” - porque os irmãos eram tudo meio parecidos, ela falou: – “Bom, eu nem sei qual é o meu noivo, bem dizer, né? Porque eles são muito parecidos”. Mas enfim, teve uma trajetória de muito sofrimento, muita luta. Eu tenho a minha mãe como exemplo de uma mulher muito guerreira, que hoje ela não está com a gente, né, ela não está presente, mas ela deixou muita coisa, muita lembrança, muitos ensinamentos, muitos valores que hoje, graças aos meus pais, a gente carrega tudo isso e é o que eu ensino para os meus filhos também.
(05:50) P1- Sim, muito bom. O seu pai e a sua mãe, eles faziam o que, profissionalmente, assim? Também lavoura?
R- Bom, o meu pai, ele sempre trabalhou na lavoura, mas para as outras pessoas. Porque quando o meu avô, ele faleceu, ele deixou um sítio para cada filho. Tipo assim, sabe? Não lembro. E então, enfim, tinha algumas questões, né? Que alguns foram, outros não foram. E o meu pai foi um deles, que perdeu, né, o que meu avô tinha deixado e ele foi trabalhar na lavoura, mas para outras pessoas. E aí, muitos anos assim, né? E a gente sempre mudando. Eu me lembro quando eu era criança, a minha avó ainda falava para mim que o meu pai parecia cigano. Cada vez que ela perguntava para a minha mãe onde estava, minha mãe estava num lugar. Então, a gente passou realmente por várias fazendas em Minas, né? Foi tudo assim. E quando eu era… a gente pegou naquela fase onde a gente precisava ir para escola, e tudo. O meu pai até tentou colocar a gente numa escola lá na roça, mas era muito longe. Não tinha cerca, na verdade, então os gados ficavam tudo soltos. Então, a escola era muito longe, era bem longe, a gente tinha que atravessar fazendas, pastos e tudo mais. E aí foi onde quando minha mãe veio pra Ribeirão, que os irmãos dela já estavam aqui em Ribeirão e tudo mais. Ela veio visitar a minha vó e aí ela acabou me deixando aqui em Ribeirão. Então, ficou eu na casa da minha avó e os meus dois irmãos na casa do irmão do meu pai, que morava também em outra cidade, em Minas, né? E eles nos ajudaram bastante, porque durante dois a três anos, ou até um pouquinho mais, o meu tio ficou então cuidando dos meus dois irmãos, o mais velho e o mais novo, que eu sou a do meio. E eu fiquei na casa da minha avó. E a gente só se encontrava nas férias mesmo, né?
(07:55) P1- Certo.
R- Mas foi uma fase que, para minha mãe, foi muito difícil, para o meu pai também. Mas para a gente que era criança, estava tudo certo, né? Ou melhor, a gente achava que estava tudo certo. Mas aí depois a gente descobre, depois de adulto e tudo mais, que isso tem uma consequência, né? Aquela, às vezes, sensação de abandono. Porque a minha mãe, quando ela me deixou na minha vó, ela ficou com dó, né, de despedir e não ver a gente chorando, eu chorando e tudo o mais, porque eu nunca tinha ficado longe da minha mãe. E ela foi embora. Ou seja: nem me falou tchau, nem nada. Quando me dei conta dela, ela não estava mais.
(08:38) P1- Sim.
R- Eu sei que foi muito triste porque, por mais que a minha tia, né, que cuidou de mim, a minha vó, falava que ela ia voltar, eu achava que ela não vinha, né? Demorou. Quer dizer: para quem espera, seis meses é uma eternidade, né? Então, isso foi… isso marca bastante.
(09:00) P1- Incrível essa história! E, para criança, né? Pra criança seis meses é muito mais tempo, né?
R- Nossa! Então, aí você vê, meu apelido, quando era criança, era ‘manteiga derretida’, porque tudo eu chorava, tudo eu chorava, chorava. Mas, assim, né, qualquer coisa eu queria minha mãe, minha mãe não estava perto, né? Nem tanto meu pai, porque meu pai era muito bravo, muito sistemático, sabe? Então, naquela época a gente a gente tinha… era o medo misturado com o respeito, porque a gente tinha um medo de apanhar danado, né? Porque o meu pai, só de olhar assim, a gente já sabia que alguma coisa ia acontecer depois. Não ia acontecer agora, mas em algum momento isso, ia mais cedo ou mais tarde, acontecer. E meu pai, ele era muito rigoroso, sabe, com os ensinamentos dele. Mas era o que ele aprendeu, né? Então, está tudo certo.
(09:55) P1- Era a cultura, né? Da época, inclusive.
R- Sim. Imagina que, na época, ele também passou situações piores ainda, né? Porque meu vô também era muito rigoroso, muito rígido com ele. E aí a gente vem fazendo tudo isso, né? Então, de uma certa forma, isso acaba marcando e a gente não sabe, eu não sabia disso, né? Hoje a gente tem um pouquinho desse entendimento, né? Então, fica mais fácil da gente aceitar algumas coisas.
(10:24) P1- Está certo. Regina, e na sua infância, o que que você lembra de quando você era bem pequenininha? Primeiro você ficava mudando de cidade até chegar em Ribeirão. Você lembra da cidade?
R- Sim, é porque... da cidade? Ah, sim, olha, lembro que a gente foi morar numa... em Volta Grande, né que aí todos os irmãos, a maioria dos irmãos dos meus pais morava ali perto, né? Então, foi uma casa assim, que a gente viveu um bom tempo ali. Mas eu sei que eu lembro de umas conversas assim tipo: “Nossa, a represa vai...”, ia acontecer alguma coisa com a represa e aí onde a gente morava ia inundar. A gente teria que mudar. Então, eu peguei algumas conversas assim. Depois eu lembro que a gente foi para uma fazenda chamada Fazenda Mocotó, em Minas, que era perto de Conceição das Alagoas, ali. Depois nós fomos para uma fazenda chamada Fazenda Quebra Chifre, depois fomos… também em Minas. Passamos bastante coisa de infância muito legal ali, embora, né... legal, maneira de dizer, tá? Na cabeça da criança, na minha criança ali estava tudo certo.
(11:43) P1- Então, vale a pena.
R- É tudo, era motivo de brincar, né? Então, era muito interessante. Depois nós fomos para Ituverava, na cidade. Lembro que foi numa fazenda, que era num posto de gasolina de um japonês. E daí, dali meu pai foi trabalhar na fazenda dele, que era em Ituverava, chamava Pedra Branca. Mas quando eu fui para casa da minha avó, a gente morava na Fazenda Mocotó. E aí foi que eu vim para Ribeirão, minha mãe me deixou aqui em Ribeirão.
(12:19) P1- Sim.
R- Aí, quando eu voltei, ela já estava morando na Fazenda Quebra Chifre, né? Aí passamos um tempo ali. Eu lembro de algumas fases do meu irmão, no começo eu lembro que meu tio o levou de volta lá para fazenda, porque ele ficou doente, aí ele não queria... acho que ele só queria minha mãe, não sei. Eu só sei que meu tio levou ele. Aí ele ficou um tempo com a minha mãe, depois ele tornou a ir para lá, né, para a casa dos meus tios, do meu tio, na verdade. Que, aliás, é um tio que eu vou te contar, de todos sempre tem o que marca a vida da gente. Os primos, né, que são os filhos do meu tio, que são com as idades tudo parecidas com a nossa, né.
(13:03) P1- Sim.
R- E aí, enfim, depois, a Fazenda Pedra Branca foi a última fazenda que a gente morou. Que eu me lembre foram esses lugares aí, antes de ter morado, porque eu morei no comecinho em Guaíra, na Fazenda Coqueiros, que era a fazenda do meu avô, que também morava os irmãos tudo ali pertinho. Depois se separaram, aí depois foi onde eu te falei. Depois a gente veio para Ribeirão, né? Em Ribeirão eu sei que foi assim: a minha mãe veio para cá, conversou com os meus tios, que são irmãos dela, que também tinham vindo para Ribeirão. Eles trabalhavam, vendiam verdura, legumes na rua. Depois eles compraram acho que uma pedra no Ceasa, começaram também a trabalhar com comércio, começaram a melhorar a condição de vida. E eles trouxeram praticamente todos os irmãos, só ficou a minha tia de Guaíra, né, a Maria Helena, que é a minha madrinha lá de Guaíra. É uma pessoa muito guerreira, ela morreu muito cedo. Os quatro filhos são formados, são maravilhosos, sabe? Então, assim, é uma conquista muito grande. E os outros irmãos da minha mãe estão tudo em Ribeirão. Veio tudo para Ribeirão. E o meu tio trouxe todos eles para cá. A minha tia que morava em Goiás, todos vieram para cá. E eu lembro que, quando nós viemos, o meu tio, como a gente não sabia fazer nada, né, tipo assim: não tinha uma profissão, né, então viemos para cidade, eu lembro que o meu tio, ele comprou… alugou uma casa de dois cômodos ali em frente à casa da minha avó, na mesma travessa, comprou uma perua para o meu pai, uma banca de feira, o tomate, foi aonde meu pai só trabalhava com tomate, porque meu tio também trabalhava com tomate, aí o ensinou a trabalhar, então meu pai começou a trabalhar na feira, né? E meu tio ia com ele, ensinou como funcionava e tudo mais. E aí foi. E aí meu pai foi fazendo esse trabalho sozinho. Meu outro tio que tinha vindo mexeu com verdura, ele também ajudou muito, né? E assim por diante. Então, aí depois meu pai começou a trabalhar na feira, começou a melhorar, ele comprou uma casa. Alugada. Trabalhamos assim com aluguel, depois a gente mudou para a Rua Maranhão, no Ipiranga. Depois aí meu pai comprou um terreno, aí montou a casinha dele lá no Ipiranga. E assim por diante. E aí, como ele começou a trabalhar com feira, eu de criança, né, porque lé eu lembro que a minha mãe sempre falava assim: “Deu dez anos, mais tardar dez anos, tem que trabalhar, não pode ficar”. Então, a gente sempre teve isso na cabeça né? Dez anos. Tanto que o meu filho mais velho, ele começou com dez anos. É lógico que a gente conversou um pouquinho antes, a gente dava algumas atividades para ele fazer. Mas, assim, levar um trabalho mais sério, ter um compromisso de, foi a partir de dez anos. Então, a gente sempre... a minha tia, minha mãe falava: “Ó, já está na hora, está com dez aninhos, tem que dar uma responsabilidade para ele”.
(16:03) P1- Sim.
R- Então, hoje meu filho ainda, ele fala assim: “Mãe, graças a Deus que vocês fizeram isso comigo”. Porque algumas pessoas que ele conhece, que é do mesmo meio, né, então nós tivemos alguns colegas que se destacaram até mais do que ele, enfim, mas teve alguns que não tiveram uns exemplos muito bons e que ele falou: “Nossa, se eu tivesse no meio junto, o que será que eu teria feito, né? Então, foi bom quando você falava para mim: ‘Não, tem que colocar jornal na caixa a hora que você acabar’ - que a gente dava a missão, porque a gente sabia que ele não ia acabar naqule...(risos) - Então ele falava, “Ainda bem”, porque aí na hora que ele ia jogar bola na rua, já não dava mais, já estava tarde, né? Mas enfim, então tinha essa cultura. E voltando, então quando eu comecei a trabalhar na feira, também comecei a trabalhar cedo, compromisso. Então, mesmo que, quando eu tinha 18 anos, eu fui trabalhar fora, né, eu trabalhava na feira no fim de semana. Ou seja: eu trabalhava no shopping de segunda-feira a sábado, mas o domingo eu tinha que ir na feira. Meu compromisso era com eles, eu tinha que trabalhar na feira, né? E então assim foi. E aí eu conheci meu marido na feira. Meu marido trabalhava com verdura. Ele sempre... Ele nasceu em Ribeirão, o pai dele é do Japão, bem raiz mesmo. E então eu conheci meu marido ali na feira. Ele fazia… A gente tinha bem do ladinho um do outro, sabe? Eu trabalhando com tomate e ele com a verdura. É lógico que, no começo, meus pais não tinham muito esse negócio de ficar paquerando, essas coisas. Não, nada assim. Eu lembro que teve até uma situação, uma época que era só amizade e tudo e aí meu pai e minha mãe, imagina, né? Eu tinha 16 anos na época, não podia, estava muito cedo ainda. E aí eu sei que eles tinham duas bancas na feira e aí, então, quando o Mauro chegava, que ele chegava mais tarde que nós, meu pai sempre foi o primeiro a chegar na feira. Ou seja: era duas e meia da manhã, ele já estava na feira, já estava lá montando a barraquinha dele, que pra ele era perder horário. Ele não… Três horas, nossa, ele fazia um escândalo, porque já estava tarde. Então, era rigorosamente aquele horário e tudo mais. E, quando o Mauro chegava, a caminhonete dele virava assim, meu pai falava: “Vai lá para a banca da sua mãe”. Eu não entendia ainda, não, mas eu ia, né? Depois que eu me liguei. Eu falei: “Ah! Quer dizer que é muita coincidência: ele chegava e eu tinha que sair da banca e ir para outro lugar”. Aí, na hora que eu descia, a hora que a feira quase que acabava, a minha mãe mandava eu descer para a banca do meu pai. Por quê? Porque o Mauro já tinha ido embora, né? Porque era para ele embora sem a gente se falar. (risos)
(18:43) P1- Ele já sabia que vocês combinavam, eu acho, né?
R- Não sei, só sei que a gente não podia se encontrar. (risos). Então aí, enfim, depois, quando eu completei meus 18 anos, né, aí a gente começou a conversar um pouco mais e tal, enfim, aí foi que foi surgindo algo mais entre a gente. Que, graças a Deus, não foi como os meus pais, né? Eu tive a felicidade de poder escolher um marido. A minha mãe, tadinha, ela não teve.
(19:13) P1- Regina, posso só voltar um pouquinho na história?
R- Pode.
(19:18) P1- Queria perguntar essas coisas todas que você está falando, mas eu queria saber também, na infância sua em Ribeirão, vocês estavam… qual era o bairro que vocês moravam e como que era a rua?
R- Como que era?
(19:37) P1- É.
R- Ó, eu lembro que quando… toda vez que eu chegava em Ribeirão, a gente pegava ônibus e subia a Dom Pedro. A Avenida Dom Pedro, ela tinha aqueles canteiros no meio, a rua era paralelepípedo, né, era umas coisas assim. Tinha muita casa. Inclusive, a casa da minha mãe ficava… a da minha avó era na Avenida Dom Pedro. Então, tinham várias coisas que hoje está tão moderno que falava: “Gente, aqui para nós era o fim do mundo, né?” Era… então, algumas lembranças, eu tenho a Cianê, aquela fábrica de tecido que tinha também, eu lembro alguma coisa ali, alguma coisa funcionando ainda. Mas depois que eu vim para cá acho que aí, ele deve ter desativado, não sei. Mas eu lembro ainda de uma parte funcionando, que a gente via bastante gente ali, sabe, quando funcionava. Aonde tinha uma rádio também, uma área, de… eu não lembro, mas eram algumas antenas, que tinham ali para cima da Dom Pedro, acima da casa da minha avó. E, assim, mudou muito. Então, a Avenida Dom Pedro, onde era ali a minha tia, casa que tinha campainha era casa de gente rica, chique. Era umas coisas muito assim, né? Eu lembro que, como era novidade, era um tal de apertar campainha e sair correndo, sabe? (risos) Novidade. Nossa, e quando eu vi uma enceradeira, eu fiquei encantada, porque eu nunca tinha visto enceradeira na minha vida. Aí, o que que aconteceu? Eu tinha… Minha vó tinha uma vizinha lá, mais para frente, que ela tinha enceradeira, aí eu passava assim e ficava olhando aquele negócio funcionando, eu ficava: “Gente, para que será que serve aquilo?”. Aí eu era muito curiosa, sabe? Tudo eu perguntava, tudo. E a minha tia falava: “Nossa, mas você pergunta demais”. Ela chamava minha atenção para algumas coisas, porque tudo eu ficava perguntando, né? Porque que funciona, para que que serve, para que é aquilo e tudo. E às vezes eu acho, a impressão que eu tinha é que eu enchia o saco, né? Ela falava para mim: “Menos, né? Não precisa ser tanto, só pergunta, mas também não precisa aprofundar tanto”. Então, quando assim, via essas coisas, nossa, tem muita história daquela época, muita coisa mudou. Inclusive, quando eu ia para a escola, para a gente era um pouco longe, mas a gente era acostumada, porque não era tão longe assim, né? Mas a minha tia levou o quê? No máximo uma semana eu a pé para a escola, que era ali no Musa. Eu lembro que no Musa, aquelas árvores, que ainda nem sei se é a mesma, mas quem plantou as primeiras árvores ali eu lembro que era nós, porque não tinha nada ali. Então, eu lembro a gente na escola plantando aquelas árvores ali em volta, né, da Escola Professora Amélia dos Santos Musa, né? Nossa! Quanta coisa que a gente passou por ali, cada vez que você passa, o negócio está diferente. Mas, enfim, lembrar de tudo isso, sabe, da... nossa, é tanta coisa, se eu for lembrar de tudo ali, puxar, menino do céu, é muita coisa! Que dorme, né? A gente nem lembra disso.
(22:31) P1- Vocês brincavam na rua, assim?
R- Nossa, menino, muito, muito, muito. Umas das coisas que eu brincava demais, mas assim, muito, muito, pensa em muito. Nossa! Eu passava… Porque, como eu morava com a minha vó, eu não tinha compromisso nenhum, o meu compromisso era só estudar e brincar. E eu lembro que eu brincava muito de pular corda. Nossa, o que eu mais brincava era de pular corda, era de correr, eu adorava apostar corrida. Menino, olha, pra mim, nossa, não tinha coisa melhor. Não gostava muito de ficar passando anel, mas a gente brincava, né? De Amarelinha, disso e daquilo. Meu negócio era pular corda e correr. Olha, para mim era desafiador, porque a gente morava na travessinha Jamil Jorge ali, então a gente apostava corrida de uma esquina pra outra, né? Quem chegava primeiro, aquela coisa. E ainda descalço, nada de chinelo, era todo mundo descalço. E era muito bom. E aí, o que acontece? Sabe que, olha que interessante: já faz uns três anos atrás, eu reencontrei um colega, depois de tantos anos, né? A gente fica pensando: “Nossa, você mora na mesma cidade, num bairro só diferente, você passa anos, anos...”. Eu passei praticamente assim, mais de trinta, quase quarenta anos, praticamente, sem ver esse meu colega, sabe? O Frank foi o menino que me levava na escola e eu não gostava dele. Eu não sei por que, mas eu não gostava dele. (risos) Assim, eu tinha uma certa implicância com ele, eu não sei, acho que ele devia ter falado alguma coisa, eu não lembro, mas eu só sei que eu não queria dar a mão para ele de jeito nenhum. E eu tinha que atravessar a Avenida Dom Pedro, que a minha avó morava bem na esquina da Avenida Dom Pedro. Então, para ir pra escola eu tinha que atravessar a avenida e depois aí estava mais tranquilo. E a minha tia falava assim para mim: “Rirokinha, espera o Frank, que ele está vindo aí ó”. Ele chegava na esquina: “Dá a mãozinha pro Frank” - e eu não queria dar a mãozinha. (risos) - “Dá a mãozinha para ele, você tem que atravessar a avenida”. E eu queria morrer na hora de ter que dar a mão para o Frank. (risos) Mas, enfim, e aí ele só dava a mão só para eu atravessar a avenida. E você sabe o que eu acho interessante? Que eu não sei, agora que eu estou te contando isso aqui, mas você sabe que eu tenho um medo de atravessar a rua, não sei por quê. Sabe assim? É impressionante. Eu sei atravessar a rua, mas me dá uma sensação estranha quando eu vou atravessar uma avenida, principalmente, menino. Estou te contando aqui, mas não sei se isso marcou na minha cabeça. Porque toda vez que eu vou atravessar uma avenida... por incrível que pareça, só a Avenida Dom Pedro, você acredita? Eu vou atravessar, esses dias eu fui atravessar de manhã, me deu a mesma sensação. Sei lá, é uma coisa estranha, parece que vai acontecer alguma coisa, não sei.
(25:07) P1- Marcou?
R- Eu acho que marcou, porque eu tinha que dar a mão para ele pra atravessar a rua, porque senão eu acho que ia acontecer alguma coisa na cabeça dela, né? Mas, enfim, foi muito bom, né, voltar a ver essa pessoa, que eu praticamente não reconheci, porque pensa quanto tempo isso passa e às vezes tem pessoas que realmente mudam muito, né? Muda, porque o Frank, ele cresceu muito, ficou enorme, um baita homão. E, na época, ele tinha o quê? Pouca coisa mais que eu, deve ser uns dois anos mais velho que eu, se for, né? Tipo assim. Então, mudou demais, eu não reconheci ele, né? Eu reconheci por causa da mãe, a mãe dele que me apresentou o Frank de novo. Porque, né, eu encontrei a Dona Maria, começamos a conversar, tudo e aí, então, foi que, né, a gente, de vez em quando, de domingo a gente se encontra, eu conheci a filha dele, a esposa, sabe? Toda uma história aí, que inclusive eu e ele passamos pela mesma situação, né? Nessa época de pandemia nós dois pegamos, ficamos com Covid e nós dois ficamos muito mal, em períodos diferentes, mas nós ficamos, né? Ele também chegou a ser entubado, eu também. Então, foram coisas assim que vão marcando, até porque como a gente se encontra só nos domingos e às vezes, olhe lá! Então, quando se encontra, né, eu lembro que às vezes são datas que marcam, porque a minha mãe faleceu num mês de maio, mês do Dia das Mães e logo depois, em agosto, o pai dele faleceu, que era o mês do Dia dos Pais. Então, assim, foram datas que marcam, que a gente acaba não esquecendo, né? Então, é muito gostoso quando você volta, né, como você me fez agora. Nossa, quanta coisa tinha dormido aqui! Está me passando um monte de coisa na cabeça, você acredita? Nossa, é muito bom poder lembrar a infância, né?
(26:55) P1- É bom lembrar a infância. E outra pergunta, sobre a escola: você ia para a escola lá, todo dia. Você já sabia que você ia trabalhar com seus pais em algum momento, mas na escola alguma coisa te despertou, assim? A área de Humanas, a área de Exatas...
R- Então...
P1- … que você possa ter pensado assim: “Eu posso usar isso como profissão, né? Eu posso ser engenheira, alguma coisa”? O que você pensava?
R- Sim, então, olha só! Eu, na verdade, eu, quando comecei a estudar e comecei a entender o que eu queria, eu queria muito ser assistente social, eu queria muito ajudar as pessoas. Foi uma das coisas que eu fiquei muitos anos com isso na cabeça, né? Depois, por uma fase curta, quis ser jornalista. Muito curta, só passou pela minha cabeça que eu queria ser jornalista. Depois me encanei, né? Quando eu estava numa faixa de adolescência, eu invoquei que eu queria ser dentista e queria trabalhar na Cruz Vermelha, tá? Então, eu acho que pelos problemas que eu tinha de dente e tudo mais, eu achava que isso me encantava, sabe? Qualquer coisa eu olhava, então era uma coisa que falava assim: “Você lembra do fulano?”. Eu lembrava dos dentes, lembrava de tudo. Aliás, da boca, do dente, o que vinha primeiro era o dente, porque era a primeira coisa que aparecia, sabe, na minha cabeça, que eu via numa pessoa era a boca, devido à minha, né? Então, como a minha deixava a desejar, eu queria fazer alguma coisa para alguém, que eu fosse… que deixasse essa pessoa feliz. Então, eu fiquei muitos anos nessa parte de ser dentista. Aliás, eu acho que foi a última profissão que fui até o final. É, foi, porque eu lembro que quando eu fiz… antes disso, antes do dentista, passou também pela minha cabeça fazer Nutrição. Mas foi muito curto também, só passou pela minha cabeça, porque eu vi alguma coisa, mas também não foi algo que chamou minha atenção, mas foi algo que passou pela minha cabeça. E aí, nessa fase do dentista, eu cheguei, fiz cursinho, fiz o ginásio... aliás, o colegial com o cursinho junto, prestei vestibular para fazer Odonto, né? Na verdade, eu prestei duas vezes e não consegui. Mas a minha força de vontade não era tão grande como eu pensava, entendeu?
P1- Certo.
R- Por quê? Porque, se fosse tão grande, eu teria ido mais além, nada me impediria. Então, assim, eu comecei a trabalhar e uma das coisas que pesava era assim: a minha família toda trabalhava e eu fazendo cursinho. E essa questão de você só estudar, a gente acha que é só, mas não é só, não. É muita coisa, é muito. Mas só que, na cabeça da gente que estuda, a gente cobra da gente e a gente acha que as outras pessoas também estão cobrando, às vezes até mais do que a gente, mas a gente se cobra muito. Então, eu falava: “Nossa, meus pais, meus irmãos acordavam de madrugada, iam trabalhar e eu aqui nessa vida, tipo vida boa? Não está certo isso, eu tenho que trabalhar”. Tanto que, quando eu fui trabalhar, eu fui fazer uma ficha no shopping, para trabalhar, eu fiquei com medo da minha mãe não deixar eu trabalhar. Porque… Então, aí eu consegui um emprego, fiz uma entrevista e consegui um emprego. Aí eu fui contar para ela que eu tinha conseguido um emprego, que eu queria trabalhar e tudo, tal. E ela concordou, mas desde que eu não parasse de estudar. E aí foi. Eu fui, mas aí eu não consegui conciliar as duas coisas, porque aconteceu uma outra coisa junto. Então aí trabalhar, estudar e apareceu o Mauro na minha vida, né? Aí eu tinha que dividir esse tempo. Então aí… Ou seja: acabou acontecendo, atropelando tudo. O que eu tinha planejado, quando eu não tinha um alguém, quando eu não tinha o Mauro que, para mim é importante, né, eu pensava em ser independente, pensava um monte de coisa. Depois eu vou te contar uma coisa muito interessante que aconteceu comigo. Tá bom, aí enfim, eu comecei a trabalhar, fui largando os estudos de lado, parou. E aí eu comecei a trabalhar, estudar e fazer alguns cursos paralelos: cursos de estética, de depilação, umas coisas que eu também não gostava, eu fiz porque a minha mãe gostava, porque a minha mãe falava assim... o sonho da minha mãe era que eu fosse cabeleireira, mas eu nunca gostei de mexer com cabelo, você acredita? Aí, algumas coisas eu fiz porque era o sonho dela, (risos) mas não era o meu. E aí eu fiz algumas coisas, mas não foi pra frente, porque não era o meu sonho. E aí, sim, foi. Aí, enfim, depois eu casei, né? Encontrei com o Mauro, casei. Parei de trabalhar no shopping e comecei a trabalhar com o Mauro. E o Mauro trabalhava na horta. E até teve alguns comentários falando: “Nossa, mas você trabalhava no shopping assim, era toda arrumadinha, agora está trabalhando na horta? Como assim, né? Isso não é para você”. Mas eu não me importava. Não me importava em trabalhar lá, sabe? Mas só que era uma coisa que eu também não gostava, entendeu? Mas só que também eu nunca reclamei de ter que fazer isso, porque quando o meu sogro e minha sogra também eram da horta, eu pensei assim: “Nossa, coitada da minha sogra. Na idade que ela está, ficar na horta o dia inteiro no sol e tudo mais, não está certo”. Isso na minha cabeça. Foi aí que ela foi cuidar do meu filho, meu sogro e minha sogra começaram a cuidar do meu filho mais velho e eu e o Mauro fomos para a horta. Então, nós nos dedicamos à horta. Era eu e ele direto, aí depois arrumamos um senhor para ajudar e tudo mais. Mas aí assim foi, durante o período em que eu fui mãe, né? Fui mãe, então aí foi essa experiência que eu tive. Então, quando...
(32:55) P1- Só voltando um pouco, você… então primeiro você trabalhou com seus pais, como todo mundo tinha que trabalhar com dez anos?
R- Isso, exatamente.
(33:03) P1- Aí você arrumou _______ (33:05) no shopping?
R- Isso. Mas isso eu tinha meus 18 anos. Eu trabalhava na feira no fim de semana.
(33:12) P1 – No shopping.
R1 – No shopping. Quando eu estava de férias eu ajudava na feira, entendeu? Quando tinha feriado, alguma coisa assim, a gente também sempre estava lá ajudando, né? De alguma forma.
(33:24) P1- Ganhava bem? O shopping pagava bem?
R- Não, não. Não era… Não… Acredito que não mudou muita coisa, não, né. Eu acredito que não. Mas eu gostava do que eu fazia, né? Eu aprendi a me dedicar sempre naquilo que a gente faz, sem reclamar. Então, não é do hábito ficar reclamando por trabalhar, entendeu? Então, isso é uma das coisas que...
(33:49) P1- Aí, quando você foi pra horta, aí já era um negócio de vocês, né? Do seu marido.
R- Isso, é. Aí começou a mudar tudo, né? Por exemplo: meu marido já começou a fazer, porque meu sogro, ele plantava e vendia só o que plantava. Aí, quando meu marido começou a trabalhar, começou, tipo assim: “Agora sou eu que vou tomar a frente”, aí ele começou a fazer diferente, ele já começou a fazer compra e venda, comprar coisas que a gente não tinha, para aumentar o faturamento. Enfim, várias coisas foram acontecendo ali. E tudo isso serviu de lição. Então, é o que eu falo sempre: “Nossa, Deus vai preparando a gente. A gente não sabe o porquê, mas a gente está sempre sendo preparado para alguma coisa. Porque tudo que eu aprendi na horta eu uso hoje para ensinar os meus colaboradores. Porque, se chega uma verdura: “Olha, isso aqui está com um problema assim, assim, assado”, eu falo: “Não, isso é normal. Na época de chuva, na época disso, isso acontece”. E aí você explica tudo. Imagina se eu não soubesse nada disso? Eu também ia achar que isso era um problema, mas que não fosse da natureza, mas de qualquer outra coisa, menos aquilo que eu aprendi, entendeu? Dar valor às pessoas que eu compro hoje. Que eu falo que eu não me importo de pagar, porque eu sei o quanto é duro, eu sei o quanto é difícil, eu sei o quanto a gente já perdeu muita coisa que plantou e não tinha quem comprasse, entendeu? Então, muitas coisas foram acontecendo, para a gente também entender como funciona a outra pessoa lá fora, como funciona o meu fornecedor disso, meu fornecedor daquilo. É por isso que a gente busca. Eu estou fazendo também um trabalho com o Sebrae de buscar pessoas para, de uma certa forma, colaborar com eles também nesse sentido. Porque eu sei o quanto é difícil a mão de obra na agricultura, é muito difícil. Porque a maioria das pessoas, Luís, a dificuldade de trabalho na rural é muito difícil. Se na cidade já é, que é um escritório, um ambiente confortável, que não pega chuva. Imagina, você ficar lá, né? Ninguém quer ficar exposto. Ou seja: você quer ficar melhor. Ou seja: até nós, que somos, desejamos aos nossos filhos o melhor. Por isso que meus filhos estão todos estudando, eu quero o melhor. Não quero… não que não mereça, mas a gente quer algo que seja mais assim... menos sofrido, né? Tem, hoje em dia mudou muito, né? Nós temos a hidroponia, hoje você trabalha mais no alto, não tem que ficar agachada, igual na nossa época, né? Ficava ajoelhada no chão, tomava sol, tomava chuva, enfim. Tudo aquelas coisas todas, né? Hoje em dia já não é tão assim, mais, mudou muita coisa, mas assim mesmo, os filhos das pessoas, eu conversei com o pessoal do assentamento de Ribeirão Verde e a dificuldade deles: “Meus filhos não querem saber”. Quem estão lá? São os pais, que já não estão mais com a idade e não têm o mesmo empenho como o jovem, não é? Então, essa dificuldade. Eu também, quando eu comecei a trabalhar com o Picadinho, eu trabalhava na horta mesmo. A gente começou, o meu marido trabalhou muitos anos na Avenida do Café ali, que era tradicional, é antigo ali, né, a Avenida do Café, tinha aquelas aroeiras. Meus tios também moravam naquelas chácaras, que muitas pessoas que trabalhavam na feira, todos passaram por aquelas chácaras, por incrível que pareça, né? E plantava ali. Tinha a Santal, atrás né, das chácaras alí, tinha a Santal... Que, inclusive, meu cunhado, que é casado com minha irmã, trabalhava na Santal e minha cunhada trabalhava na horta, o fundo deles era ali. Então, tem toda uma história, né? Enfim, é uma vida difícil. Então, a gente deseja sempre o quê? O melhor pros filhos. A minha preocupação, quando eu tive os meus filhos, era: “Nossa, será que meus filhos vão conseguir se formar, será que eles vão ser alguém?”. Sabe, essa preocupação de encaminhar os filhos da gente, né? E, enfim, aí quando nós estávamos na Avenida do Café, deu aquele temporal, aquele que deu em Ribeirão, uma chuva que acabou com tudo, lembra? Eu não lembro exatamente a data.
(37:59) P1- Sim.
R- Então, pegou justo a horta do meu marido. Ficou irreconhecível. A gente tinha acabado de reformar.
(38:07) P1- Nossa!
R- É. Meu sogro, a cultura dele era tipo assim: ele morava numa casa de aluguel e nada tinha sido feito, uma benfeitoria. Por quê? Porque era casa de aluguel. Eu falava: “Gente, mas não é porque é casa de aluguel que a gente não vai fazer alguma coisa”. A gente pintou, arrumou um barracão, a gente deu uma melhorada. Justamente quando tinha acabado de fazer essas coisas, deu aquele temporal e pá, acabou tudo. Mas em nenhum momento, nenhum momento, por Deus do céu, a gente reclamou, sabe?
(38:38) P1- Sim.
R- Não teve uma... se eu falar para você que a gente ficou lamentando, chorando, não teve da nossa parte. Eu e meu marido, esse lado nosso, né, que é de não reclamar das coisas que acontecem, é muito forte. Então, o que a gente fez? Aí eu lembro que meu sogro e minha sogra foram para a minha casa. A gente morava na Cohab aqui no Dutra e o meu sogro e minha sogra moravam na chácara, né? Então, também tinha aquela questão do meu marido, quando a gente casou era assim: filho é que cuida dos pais. Homem, o homem. E o meu marido era o único filho. Seis irmãs e o filho. Então, quando a gente começou a namorar, ele falava assim para mim: “Você sabe que eu vou ter que cuidar dos meus pais, né?”.
(39:22) P1- Sim.
R- Eu falei: “Não, eu sei”. (risos) Eu sei que tem”, como se fosse alguma coisa que fosse atrapalhar a gente. Não, a gente sabe disso. É lógico, né, às vezes acontecia algum comentário, tipo eu falando com a minha mãe, minha mãe falava assim para mim... engraçado: eu, com certeza, naquela época devo ter falado alguma coisa para ela que ela falou assim para mim: “Você pensa que você vai cuidar do seu sogro e da sua sogra, mas o mundo dá muitas voltas, minha filha. Vou te contar uma história”. Aí ela me contou uma história seguinte: tinha uma pessoa na mesma condição, tinha que cuidar do sogro e da sua sogra. E aí ela foi morar com o sogro e a sogra e era um tormento. Ela achava que ela tinha que cuidar dos pais e que aquilo era um peso. Só que aconteceu um acidente com o marido dela e o marido morreu. E ela ficou paraplégica, né? Sabe, tipo assim? E quem que cuidou dela e do filho que ela tinha?
(40:25) P1- A sogra.
R- A sogra e o sogro. “Então, você está vendo? Você pensa uma coisa, mas você não sabe o que vai acontecer na sua vida. Então, não reclama”. Então, acho que aí também eu aprendi a não reclamar, né? Porque a minha mãe falou isso para mim, nossa, acho que ficou marcado, né: “Não fica reclamando que as coisas...”, né? Então assim, esse hábito de não reclamar eu acho que vem, é lógico, eu acho não, vem da mãe falar que não adianta, não reclama, que não vai melhorar você reclamar, né?
(40:52) P1- Exatamente, né?
R- Só fica pior, né? Mas então, depois daquela chuva toda que acabou...
(41:02) P1- Era perto da horta, quando deu essa chuva?
R- O quê? Não.
(41:06) P1- Onde vocês moravam vocês tinham que ir todo dia para a horta, né? Para trabalhar na horta.
R- Sim.
(41:12) P1- Era longe?
R- Não, era assim ó: eu morava no Dutra, minha sogra na Vila. Então, todos os dias a gente ia do Dutra, né, lá pra Avenida do Café, ali na Vila Tibério. No caso dela era a Vila Amélia, da Avenida do Café para baixo é Vila Amélia. Do quarteirão para cima parece que é Vila Tibério.
(41:30) P1- Sim.
R- Então, como eram chácaras, né? Que era a primeira rua paralela à Avenida do Café. Então, a gente… foi o que aconteceu: meu sogro e minha sogra foram para a minha casa, porque caiu a árvore, caiu o pé de abacate em cima, fez um estrago. Aí nós os trouxemos para morar com a gente, né? E, quando a gente conseguiu arrumar tudo etc e tal, a gente ouviu dizer que um dia, mais cedo ou mais tarde, a gente teria que sair de lá, porque iam ser construídos prédios ali. Tinha um projeto futuro para prédios, para aquele lugar onde eram as chácaras. E a chácara onde o meu marido morava era a última, a última casinha. Acabou o asfalto, a primeira casa sem terra era do meu marido, ali na Avenida do Café. Aí depois dava sequência para aquelas várias chácaras, dali até na lá no HC, lá perto do Hospital das Clínicas, né? E aí eu sei que a gente começou a procurar outros lugares para tocar a horta, né? A gente estava preparando a terra, mas também de olho. Por quê? A gente tinha que, mais cedo ou mais tarde, procurar uma alguma coisa.
(42:36) P1- Certo, né,
R- E aí, enfim… E aí tudo foi acontecendo. E foi exatamente nesse ano que tudo aconteceu, tudo aconteceu, tá? Nós conseguimos, depois de várias tentativas e tudo mais, a gente conseguiu comprar. Que é uma história aqui que vai ficar muito longo se eu contar, mas é algo que é pra você, isso foi pra você.
(43:01) P1- Pode contar.
R- Posso contar? É demorado, mas eu posso contar? Porque é muito gratificante para mim.
(43:10) P1- Só para localizar a entrevista, até então vocês vendiam o que vocês plantavam na horta?
R- Isso.
(43:20) P1- Vendia na feira ou no supermercado também?
R- Não. Era só feira. só na feira.
(43:28) P1- Aí, o que você vai contar que foi que mudou tudo, né?
R- Isso, aí já começa a mudança, né? Começa a mudança, porque eu lembro que aí nós conseguimos uma chácara, minha cunhada comprou uma chácara. Inclusive ela vendeu. O que tinha na casa, o que tinha dentro, ela vendeu para comprar uma chácara, né? Que era a chácara onde ela tocava. E aí, enfim, que também é uma história muito de luta, porque ela foi morar numa casinha, pensa num casebre. Era o dela. Porém, a gente sabe onde a gente está investindo, porque a gente sabe do nosso potencial. Que o que você vai fazer com a terra? A gente o que vai fazer com a terra. Então, ela falou assim para mim uma vez, a gente vindo aqui na casa dela que, inclusive, ela mora do lado da minha chácara. Ela falou: “Regina, tá vendendo aquela chácara ali do lado”. Aí eu falei: “Sério?” Ela falou: “É”. Mas olha, eu falei assim para o meu marido depois: “Ô bem, vamos lá ver uma chácara? Está vendendo uma chácara lá do lado. Vamos ver quanto que ele quer?” Aí meu marido deu uma risada para mim. Ele falou assim: “Você está louca? Não tem dinheiro para comprar isso, não”. Eu falei: “Mas que custa a gente saber pelo menos quanto que o cara quer, né?” Aí ele falou: “Bem, tipo assim: pensa bem. Nós vamos perder tempo indo lá, perguntar uma coisa que a gente não vai comprar”. Eu falei assim para ele: “Ô, bem, não tem aquela história de simpatia gratuita? Quem sabe o homem não simpatiza com a gente, né?” Ele falou: Mas sem dinheiro, bem?”. Eu falei: “Mas vamos lá, vamos lá ver, vamos conversar”. E eu primeiro vim ver a chácara. Aí nós demos a volta e eu vim ver como que era essa chácara. E, na hora que eu estava descendo, eu falei assim... para mim, lógico, que tudo era grande, né? Aí eu olhei assim, já estava de noitezinha, estava meio escuro. Aí eu falei assim para ele: “Nossa, como que aqui é grande, né?” Mas só que me veio uma sensação assim, uma coisa boa. Eu não sei te explicar. Mas me veio algo, não sei, uma coisa muito boa. E aí gente foi procurar essa pessoa, quem que era o dono da chácara etc e tal.
(45:44) P1- Sim.
R- Se eu te contar que essa pessoa é uma pessoa que deve ser de outro planeta, de outro mundo, contando a gente não acredita. Mas o ‘seu’ Zen, ele era um agrônomo, trabalhava na usina. Chegamos lá no Jardim Paulista, ali em frente à Predileta. Ele morava ali num sobrado,né. Aí a gente parou lá. Aí meu marido: “E aí, a gente vai lá? Vai ou não vai?”. Carro importado na garagem. Falei: “Ai, minha Nossa Senhora, que vergonha, né? O que nós vamos fazer lá? Mas vamos, né? A gente já chegou até aqui, o que custa, né? Vamos lá!” Aí fui. Eu, a minha filhinha, minha menina tinha meses. Na época acho que ela tinha uns sete meses, a minha segunda filha. E tinha o meu menino, né, um pouquinho mais velho. E aí a gente foi lá, conversou, perguntou e tal. E aí tudo bem, voltamos para casa, aí meu marido: “Bem, você está doida, de onde nós vamos tirar esse dinheiro?” Eu lembro que foi engraçado, que a gente estava indo embora e meu filhinho estava sentado atrás no carro e a gente conversando, né? Eu tinha até esquecido deles. Eu lembro que eu falei assim para ele: “Bem, mas será que se a gente vender tudo que a gente tem, a gente não consegue comprar?”. Aí meu filho (risos) atrás virou assim: “Até meus brinquedos?” (risos) Até os brinquedos dele. (risos). Aí nós: “Nossa, o Wendel escutou lá atrás, meu Deus”. Eu falei: “Não, filho, seus brinquedos não. A gente não vai vender seus brinquedos”. (risos) Isso, se eu te contar que foram meses e meses, toda semana praticamente eu batia lá. Aí chegou uma hora que o ‘seu’ Zen falou assim para mim: “Vocês não querem alugar? Eu alugo para vocês a chácara. Porque não tem, eu alugo para vocês a chácara”. Aí eu olhei para ele e falei assim: “’Seu’ Zen, eu não quero alugar, eu quero comprar”. Aí ele falou: “Mas como que você vai comprar, se você não tem dinheiro?”. Eu falei: “Eu não sei, mas eu quero comprar”. Tá bom. Fomos embora para casa. E aí vai. Eu falei: “Bom, e se a gente fizer assim?”. Nós pensamos em toda possibilidade. Eu acho que o ‘seu’ Zen, não sei, menino, ele falou assim para mim, ele é da Seicho-No-Ie, ele falou assim pra mim: “Olha, eu queria muito um alguém”. Mas antes, né, lógico, para que isso brotasse aqui na minha cabeça, ele falou um negócio antes para mim, ele disse o seguinte para nós: “Eu queria muito vender a minha chácara, porque eu quero que ela produza. Terra foi feita para produzir e a minha terra está parada”.
(48:12) P1- E era o que você queria, né?
R- Era o que a gente queria. A gente queria plantar. Eu queria uma coisa. E eu falei: “Nossa, então agora eu tenho que ter, é por aí, né? Então, vamos lá”. E ele falava: “Não, eu quero produzir, eu quero que alguém plante”. Então, eu falei para ele de nossa vontade etc e tal. Enfim, e foi tudo. E o ‘seu’ Zen foi a pessoa mais maravilhosa que apareceu na minha vida e fez algo muito mais do que um pai fez. Muito mais. A gente não tem ideia de quantas coisas! Eu nunca contei essa história, assim, eu conto para as pessoas, mas nunca contei isso pras pessoas, que como existem pessoas boas nesse mundo, que não se apegam ao material. E o ‘seu’ Zen é esse tipo de pessoa. É uma pessoa que eu vou te contar: é incrível, incrível, incrível. Que eu falava para ele. Quando a gente… eu… Enfim, nós vendemos a casa da Cohab para ele. E aí o cara que morava aqui não queria sair da chácara. Nós tivemos que pagar e o ‘seu’ Zen pagou a metade. Eu lembro, na época, que era quatro mil reais. Nós pagamos dois mil e ele pagou dois mil para o cara sair da chácara, porque tinha que vir para cá. Eu tinha que morar na chácara, não tinha onde morar, porque tinha vendido minha casa. Enfim, foi toda uma história. E aí eu já não tinha mais o que vender. Eu falava para ele assim: “O senhor não quer um carro?”. Aí ele falou assim, que carro que eu tinha? Um fusquinha. Pensa: quem tem um carro importado, o que ele ia fazer com um fusquinha velho? Aí ele falou pra mim: “Não”.... Falou pra gente. “vai dar certo”. E foi. E aí eu falava ó… E naquela época a gente vendia telefone. Na época telefone era caro, era coisa assim… então na época telefone era um negócio. Eu disse: “’Seu’ Zen, o senhor não quer comprar um telefone? Eu vou vender o telefone”. Aí ele virou e falou assim para mim: “Não. O telefone você não vai vender. Porque o papai e a mamãe, se acontecer alguma coisa com eles, vocês vão precisar de telefone”. Porque aqui, quando eu vim morar onde eu moro, era longe, era deserto, não tinha nada aqui perto. Era rua de terra, era mato. Então, realmente era abandonado, tipo assim, era um lugar muito distante para socorro, não tinha nem Via Norte, não existia este lugar. Mas, enfim, eu só sei que não ia dar ainda. Além dele ter me vendido, né, além dele ter vendido para nós a chácara com o valor venal, presta atenção: vendeu com valor venal, não ia dar, eu falei assim… aí nós chegamos, conversamos, eu falei assim: “’Seu’ Zen, é o seguinte: tem como o senhor abaixar mais um pouco, não? Porque não vai dar”. Ele tirou mais quatro mil reais, descontou do que a gente pediu. Eu falei: “Meu Deus, se depois disso, né? Bem, não, está errado”. Então, o desejo, a vontade, tudo isso, que Deus mostra para nós o tempo inteiro como Deus vai fazer por nós. Nós temos que ter a certeza, decidir o que a gente quer e ir à luta. Não importa como ela vai vir, se ela vai vir. Se for pra você, ela vai vir. E eu sou a maior prova disso: de que, quando você quer, você decide e ele vai chegar. É tudo que eu te falo: “Gente, não sei como, mas eu consegui, graças a Deus”. Por quê? Porque Deus prepara tudo para você, só que você também tem que ir à busca, porque se você não for à busca, ele não vai chegar e bater na sua porta, entendeu?
(51:29) P1- Sim.
R- Então, tudo foi acontecendo. Por exemplo: eu, toda terça-feira, toda terça-feira, eu pegava um engradado de verdura, tudo fresquinha e colocava na caixinha e entregava na casa dele. Todas as vezes eu passava, toda terça-feira eu batia lá, eu arrumava o dinheiro da semana, tudo o que eu conseguia na semana eu entregava para ele. A semana que não dava, eu falava: “’Seu’ Zen, essa semana eu não consegui. Essa semana foi assim, essa semana foi assado”. Com muita sinceridade, muita transparência. Então, gente, para mim isso é um exemplo, eu sempre falo para os meus filhos. Só que essa gratidão, isso que eu tenho, foi para mim. Então, eu não obrigo os meus filhos a terem. Eu tenho como exemplo, mas eu falo para ele: “’Seu’ Zen, tudo que eu for pagar agora para o senhor, não vai pagar o que o senhor fez para mim. Não paga, não tem preço, não tem preço, eu vou passar o resto da minha vida e não vai ser o suficiente”, sabe? Então, assim, não foi só isso, é muita coisa, muito mais coisa. Sabe, isso é só uma história de muita gratidão, eu tenho muita gratidão por essa pessoa. Ele, a Dona Ana, que é a esposa dele, sabe? É eterna, gratidão eterna.
(52:47) P1- Aí ele viu vocês produzindo na chácara? ______ (52:50) um monte de coisa.
R- Viu. Ele veio pra cá, ele veio. Quando nós mudamos para cá, para a chácara, ele estava reformando a casa dele. Aí ele falou para mim: “Regina, você quer as coisas que eu tenho?” Eu falei: “Meu Deus!” Quase que um caminhão de coisas eu trouxe para a minha casa: berço, era cama, era ventilador, era tudo que tinha. Nossa, a maior festa, a maior alegria, com tudo que ele dava, tudo que ele fazia, sabe? Ele chegou a vir na minha casa para a gente fazer uma oração, para você ter ideia do coração dessa pessoa, sabe? Então, assim, eu tenho, graças a Deus, assim isso que eu acredito que não seja com qualquer pessoa, que isso acontece. Isso é um exemplo, é um exemplo dele, eu o tenho como exemplo, de que a gente pode fazer isso por alguém. Pode, porque o que a gente faz, às vezes parece ser pequenininho para nós, mas você pode ser muito para outra pessoa. Representa muito para a outra pessoa, entende? Então, aí assim foi, né? Aí nós começamos a plantar aqui na chácara e tudo mais. E aí fomos indo, tá. Então, foi na época em que a gente começou a mudar um pouco essa questão de... quando a gente comprava a verdura, então era assim, sabe: eu tinha uma colega de trabalho, hoje muito admirada, uma pessoa muito trabalhadora, muito guerreira, como exemplo. Eu tenho uma pessoas… Acho que eu nunca mencionei nas minhas falas, né, quando eu conto essas histórias, das pessoas que realmente me inspiravam, né? Eu não tinha pensado. A Edna já é amada, para mim, é uma japonesa muito... que me inspirou muito, porque a banca dela, de verdura, lotava de gente e a minha não tinha gente. E eu falava: “Gente, como assim?”. Eu ficava olhando, eu olhava, mas não com olhar de inveja. Eu ficava perguntando para mim mesma o que que eu tinha que fazer, será, de diferente, para que eu também chamasse pessoas para minha banca. Porque, afinal de contas, espaço tem para todo mundo, atender bem a gente atende. Mas, quer dizer, a gente procurava, né? A gente procurava atender, mas todo dia a gente estava perdendo. Então, eu ficava, eu ficava vendo assim. E a gente sempre trabalhando muito perto, uma da outra. E eu ficava vendo aquilo todo dia: “Mas meu Deus, o que será que eu posso fazer, para ser diferente, né?” Eu também queria tanto uma banca que tivesse movimento, que tivesse tanta gente assim. Mas não vinha nada na minha cabeça. Eu pedia e passava, continuava trabalhando, normal. E vinha, pedia, olhava aquilo e falava: “Meu Deus, por que não pode ser? O que acontece, o que eu tenho que fazer, para que eu também tenha uma banca assim, florida de gente?” Aí, o que que aconteceu? Trabalhando na horta e fazendo isso na feira. Na horta era um trabalho que não era algo que era, para mim, tipo assim, não era algo que eu amava. Não era uma paixão. Eu gosto de plantar, eu admiro, mas não era minha paixão. Mas todos os dias eu vinha, eu subia do fundo da horta, quando eu vinha para casa, eu pegava um brotinho de couve e vinha rodando aquele brotinho e pedindo para Deus me dar uma luz. Eu falava: “Meu Deus” – rodando, sabe, ficava assim eu falava– “Meu Deus, me dá uma luz. O que eu posso fazer para sair dessa vida?” Eu queria fazer alguma coisa diferente, não queria fazer isso aqui. Mas eu também não sei que eu quero fazer.
(56:41) P1- Sim.
R- “Me dá uma luza”. Todo dia eu pedia a mesma coisa: “Meu Deus, me dá uma luz”. Eu chegava no tanque, onde a gente lavava as verduras, que era uma subidinha, uma rampinha que tem até hoje ali, que é minha lembrancinha. Eu pegava meu montinho de couve e colocava embaixo do tanque. Parecia um ritual, era todo dia a mesma coisa. E era sempre a couve. Inclusive a couve é um dos meus carros chefes, né, de venda. E foi. E aí, ficar antenada nas coisas que os seus clientes procuram. Primeiro: sempre tinha alguém que pedia meio maço. Porque naquela época não tinha não se tinha meio maço, era grande as coisas, era tudo grande, era farto era fartura. E as pessoas falavam: “Nossa, mas é muito. Você não faz meio?”. Ela ia em outros lugares e ninguém gostava de fazer meio maço. Mas eu fazia. Também eu vi um dia, eu falava assim: “Também vou vender, né?”. Com isso você vai agradando seu cliente e você vai percebendo que é muito, né? E aí a gente começa a observar algumas coisas. E como eu sempre pedi uma luz para Deus, é o que eu falo para você: “Deus te dá a luz, só que a gente tem que estar ligada, para saber que luz é essa, porque ele não vai sair falando para você: ‘Ó, essa é a luz que você tem que ver’. Mas, enfim, aí foi indo. Aí quando... eu tinha um… tenho até hoje um colega, que aliás eu também nem sabia disso, o Augusto, ele também vendia verdura e a gente trabalhava do lado. E tinha umas clientes ali na feira de terça-feira ______ (58:14) que falavam assim para mim: “Regina, eu quero couve, né”. E eu lá com meu mação. E ela falava: “Não, eu quero picada. Mas eu quero… Seu colega ali vende” “Ah, tá”. Aí eu ia lá: “Augusto, me dá uma pá de couve?” Vendia pra ele, dava o dinheiro para ele, normal. Aí foi indo, estava muito frequente o negócio. E eu: “Mas espera lá, está muito, deixa eu dar uma olhadinha nesse negócio aqui”. Aí um dia eu peguei o pacotinho de couve dele, bati o olho assim, sabe? Dei uma olhada e falei: “Nossa, mas acho que essa couve aqui dá pra melhorar”. Se essa couve está assim e está agradando os clientes, né? Tipo: eu acho que eu vou fazer em casa, sabe? Aí eu comecei a picar em casa. E não é que ficou mais bonitinho? Falei: “Nossa, ficou melhor, né?” Aí, quando o cliente vinha: “Ai, tem no Augusto?” Eu falei: “Não, eu tô fazendo, ó. Vê o que você acha e depois você me fala”. E foi. E aí foi indo. Só que era numa época em que as pessoas, nessa época, nem todo mundo aderia ao cortado. Eu tinha lá, por exemplo, só couve. E aí muita gente, muitas também, naquela época, falavam assim ó: “Mas couve cortada? Não, pode deixar que eu corto, minha empregada corta. Eu tenho empregada, ela corta. Porque, se ela não cortar, o que ela vai fazer?” Elas pensavam assim, muitas pesavam assim: “Se eu levar para ela pronto, ela vai fazer o quê?” Mas aí então tinha algumas pessoas que pensavam assim. Nós tivemos algumas resistências. Porque, o que aconteceu? Eu não sei, eu lembro que numa época eu cheguei a parar. Eu lembro que eu parei e poucas pessoas me perguntavam: “E a senhora vai voltar a picar?” E eu voltei só por algumas pessoas que realmente pediam e tal e eu fazia. Depois eu comecei a voltar, aí foi gradativo, foi de pouquinho, foi indo só couve. Mas só para aquelas que iam, tal e tal. E aí era só a couve. Só que aí, como eu trabalhava na horta, então eu cortava aquilo que eu plantava. E aí, então, eu fui pensando: “Bom, eu tenho que fazer tudo diferente. Eu não posso fazer igual”. Por quê? Porque não era também não só o Augusto que vendia picado. Tinha gente que picava na banca. Eu falava: “Mas não é isso que eu quero”. Porque, se a pessoa vai comprar, ela já tem que comprar algo prático, já tem que comprar limpo. Porque, você veja bem, se você compra cortado, se você não selecionar a folha, não tiver uma seleção boa, você vai com uma folha que não deve. Pronto, se você não olha a folha, você vai cortar com bichinho junto, também não vai rolar. Se a pessoa for higienizar, fazer isso depois de cortado, primeiro: não vai ficar bom, não vai ter o resultado que eu quero. Então, eu tenho que começar a fazer um trabalho diferente. “Então tá, vou fazer na minha casa”. Então, quando eu vendia e acabava e a pessoa pedia para eu picar, porque eu estava com o maço lá na banca. Eu estava com a faca lá, mas eu não picava. Por quê? Porque não era esse o meu trabalho. O meu trabalho ia ser diferenciado, eu já tinha decidido que o meu trabalho ia ser diferente, ele não ia ser desse jeito. E, se eu vendesse por dinheiro aquilo, eu ia desconstruir aquilo que eu estava construindo. Porque pensa, se uma pessoa não pensaria dessa forma: “Bom, se ela faz aqui, como será que ela faz na casa dela? Será que ela tem essa preocupação, realmente? Será que a preocupação dela é só o financeiro?” Então, muitas coisas, Luís, depois foram sendo construídas, né? Para que hoje, assim, os clientes que eu tenho, graças a Deus, de feira, que são avós hoje, que eram pais, os filhos continuaram comprando, a família continua comprando e uma família passando para a outra. Então, aqui em Ribeirão, muita propaganda de boca, que é a melhor propaganda que a gente tem, que é a da credibilidade. Você passa essa credibilidade. E, por eu estar na feira ali junto com o cliente, a gente foi aprendendo junto, tanto eu, quanto o cliente. São ‘N’ histórias que, se eu te contar, eu gostaria muito de um dia eu poder contar cada história que aconteceu na minha vida, para que cada vez me fortalecesse, pra falar assim: “Não, é esse aí o caminho, o caminho é esse”. Até eu descobrir que isso era a missão. Então, quando a gente começa a fazer esse trabalho e fazer direito, né? Começou a sair. Então, tinha assim ó, tinha pessoas que às vezes queriam comprar, mas tinham vergonha de comprar, porque ia ser criticada em casa.
(01:02:47) P1- É?
R- Muito. “Nossa, minha sogra vai acabar comigo se eu aparecer com um negócio desse. Nossa, minha mãe vai falar um monte, se eu fizer isso”. Então tinha ainda esse receio, era muito mais forte, né? Porque a cabeça era diferente, naquela época o cenário econômico nosso era outro, né? A gente vivia mais para filho, não tinha essa correria de hoje, que hoje marido e mulher têm que trabalhar para conseguir sustentar, porque a gente quer dar uma vida melhor para os filhos enfim e tudo mais, né? É um conforto, você quer viajar, você quer fazer alguma coisa, não é? Então, tem tudo isso. Uma escola melhor para o filho. A gente não se conforma em simplesmente pôr ali e ali ficar. Não, a gente quer o melhor. Então, vamos trabalhar, para a gente poder dar aquilo que a gente não pôde, o que a gente não teve a gente vai querer dar para os nossos filhos, né? Então, assim, muita coisa. Tinha cliente que eu tinha que enrolar porque, na época, como eu vendia verdura, eu tinha jornal em volta da caixa, né, pra poder pôr. Eu tinha que enrolar as bandejinhas no jornal, enrolava para ninguém vê, punha na sacolinha, para o vizinho não ver. Porque, se o vizinho visse, meu Deus! Entende? Então, a preocupação com a opinião do outro. Tinha também tudo isso. Mas, em contrapartida, eu também tinha muitas pessoas que, ao mesmo tempo, que hoje eu entendo por que as pessoas faziam isso, coitadas: é o medo da crítica. Muito. Quantas e quantas vezes eu ouvi na feira alguém passar e falar: “Isso é coisa de preguiçosa”. Quando que isso é coisa de preguiçosa? Quando? Entende? Então, assim, é uma coisa que, por detrás de tudo isso, é muito mais. Que hoje eu vou ter oportunidade de dizer o que é a missão da Regina Picadinhos, que muita gente não sabe. Muita gente não sabe qual é a missão da Regina Picadinhos. Então, assim, aí Luís, então a gente teve todo esse trabalho, sabe de ter… de passar por tudo isso que as pessoas... da crítica, do medo, né?
(01:04:48) P1- Desculpa te cortar um pouquinho, mas aí começou a alavancar a renda de vocês, né? Vocês passaram a ganhar mais.
R- Sim, começou. Porque aí, o que acabou acontecendo? A gente… Estava eu, comecei sozinha, aí depois foi a pessoa que trabalhava comigo, né, me ajudando. E aí, depois, inclusive é uma história muito bacana, porque você sabe que hoje eu tenho os filhos do Manoel, que é o que trabalhava na horta comigo, hoje eles estão trabalhando comigo no Picadinho. Entende? É muito gratificante, porque eu os vi meninos, vi eles bebês, que eram da idade do meu filho, entende? Hoje, quando você vê, não só do Manoel, mas a gente tem vários, assim, que são parentes que trabalham na fábrica, que são filhos, que são primos. Que são assim… Alguns parentes que tem essa sabe, que você viu criança e que vem vindo e que eu torço para que eles deslanchem, que eles vão, que eles estudem. Tem que incentivar a sair. Essa semana, por exemplo, nós estamos com a filha da Vânia, que trabalhou comigo há um tempo, o sonho dela é ser veterinária. Eu falei: “Filha, vai. Tem que ir, porque é cada um no seu quadrado. A gente tem que fazer aquilo que gosta. Se você não gosta do que está fazendo, não tem problema, está tudo certo, entendeu?” Vai, eu tenho que apoiar, eu preciso apoiar, porque eu entendo tudo isso. Então, sabe, então aí tem tudo isso. Aí, quando a gente começou a vender, começou a surgir as necessidades. Como? Então, vamos supor: a Janete, um exemplo. A Janete… O pai da Janete era nosso cliente. Eu não conhecia elas, nem a Carmen e a Janete. Então, eu conhecia o pai dela. O pai dela adorava almeirãozinho de primeiro corte. Quando tinha almeirãozinho de primeiro corte era tudo para ele. Era mais de vinte maços, juro por Deus, era mais de vinte maço só para ele. Ele tinha o capricho de pegar o almeirão e ele separava tudo por tamanho. Pensa num almeirão de primeiro corte desse tamanhozinho, tudo ser separado por tamanho. Ele separava todas as folhinhas, cada um num tamanho, assim. Aí, depois, ele guardava, né? Porque, afinal de contas, almeirão de primeiro corte só dá uma vez, né? Porque o resto dos almeirões varam meses e meses, você está com o mesmo almeirão. Mas enfim. Então, depois que a gente começou a trabalhar com o processado, né, pegando essa transição do processo do in natura para o processado, eu conheci as filhas dele, né que é a Carmem e a Janete. A Janete tinha uma gráfica, que foi o primeiro cartão de visita, foi ela que me deu. Ela me deu 25 cartõezinhos de visita, né? Porque eu lembro que ela me perguntou o telefone, não sei, não tinha, não sei o que aconteceu. E aí ela falou para mim assim... um dia ela veio com esse cartão. Ela bolou esse cartãozinho, né e tal. Uma gracinha, uma paixão. Eu fiquei… eu me emocionei muito quando ela me deu, porque eu me senti uma pessoa tão importante quando ela me deu isso, que você não tem ideia. Aí eu cheguei em casa e falei: “Helena, olha o que eu ganhei, menina, eu ganhei isso aqui, ó filha”. Eu achava, assim, o máximo, né? Muito importante ter um cartão.
(01:07:50) P1- Muito importante, pra fazer, para começar um tipo de propaganda.
R- Isso. Foi daí que os cartões começaram a surgir, foi por causa do dela. Ela me deu um, aí foram as necessidades de outros, foi indo, foi indo, foi indo. E há uns três anos atrás, vo cê acredita? Faz tantos anos isso, mas olha só que interessante: a Dona Antonieta, eu dei o primeiro cartão dela e há três anos atrás, esse cartão ainda estava na carteira da Dona Antonieta. Você acredita? Eu abri a carteira e falei: “Dona Antonieta, desculpa o meu olho, mas esse cartão não é meu?”. Ela falou: “É, Regina, eu guardo aqui”. Menino, se você soubesse quanto cliente que tenho assim de coração, sabe, aqui olha, você não tem ideia. É tão gostoso, sabe? Muito gratificante. “Imagina, eu guardei, eu guardo isso aqui”. Que eu acho que eu devo ter dado com muita emoção, não sei o que aconteceu não, mas pra uma pessoa guardar um cartão seu há tantos anos, significa alguma coisa, porque senão já teria jogado fora. Mas, enfim, o primeiro cartão. E a Janete foi uma das pessoas que falou assim para mim, pegava a couve, aí ela falava assim pra mim assim: “Regina, eu não gosto muito de picar salsa. Você não pica salsa para mim?” Eu falava: “Claro, eu pico, mas eu vou picar só para você, tá?”. Aí eu picava só para a Janete. Mas como todas as coisas que eu faço, nunca ficam assim, na medida, né? Sempre passa um pouquinho. Porque a gente sempre fala: “Antes sobrar do que faltar, antes sobrar do que faltar”. (risos) Sempre sobrava. E aí, o que aconteceu? Sobrava, aí eu entregava no dela, sempre, mas você sabe que em banca de feira você nunca fica sozinho, né? Sempre tem gente. Aí na hora que eu entregava para ela, aí tinha: “Não, mas o que é isso?” “Ah, é salsa da Janete”. A Janete: “Ah, você não sabe como é bom. Porque é prático, não sei o quê” “Ah, eu também quero” “Eu tenho mais um aqui”. (risos) Sabe? E foi indo, assim por diante. E aí, cada coisa que foi surgindo, foi surgindo como uma necessidade. Então, a feira, para mim, é assim, é uma escola, é um tudo, assim. De tudo que eu tenho hoje de conhecimento, de troca, de desenvolver, de técnica que eu tenho, tudo foi graças ali, o meu ganha-pão, sabe? Ali na feira. Cliente fiel que vem toda semana. E ele não ter vergonha de te dar um feedback sobre aquilo que ele comprou: “Ai, Regina, comprei semana passada, mas não estava bom. Eu não sei o que aconteceu, mas melou”. Entende? Então, no começo, você veja bem: até a gente trabalhar tudo isso, é difícil. Porque, no começo, a gente aceitar feedback é difícil, porque a gente fala: “Nossa, imagina, como eu iria prestar atenção”. Não, a partir do momento que eu comecei a aceitar as críticas que as pessoas vinham fazendo sobre o seu produto, eu vou falar uma coisa, que é muito importante, que eu nunca tinha me atentado, mas assim ó, que serve muito para a gente: às vezes a gente quer tampar os olhos achando que a gente faz tudo certinho, bonitinho, né? Mas depois você vai ver o quanto você ainda tem que melhorar. Então, assim, aí eu lembro que isso aí foi começando e foi indo foi indo. E uma das coisas que eu lembro agora foi um colega do Mauro, na feira de domingo, lá na Vila Tibério. Eu sempre tive aquela preocupação, nossa, eu arrumava a fachada, sabe? Arrumava a bandejinha e ela ficava bonitinha de frente. E um dia o colega do Mauro falou assim para mim: “Regina, posso te falar uma coisa?” Eu falei: “Pode”. Na hora doeu um pouquinho, mas na hora que ele me mostrou, aí que eu vi a feiúra da coisa. Ele falou assim para mim: “Ó, sabe a sua bandeja de couve? Tá bonito aqui, não tá? Mas olha atrás.” Estava cheio de fiozinho atrás, menino. Eu falei: “Gente, mas eu nunca reparei nesse negócio. Esse homem reparou atrás da bandeja? Que coisa doida!”. Aí eu comecei a reparar que algumas pessoas, eles pegam a bandeja, ele olha na frente e nas costas. Interessante! É lógico que, se você está comprando uma bandeja de couve e encontra uma cenoura atrás, você fala: “Mas o que essa cenoura está fazendo aí atrás? Que mesa é essa que diz que está limpa e tem uma coisa que não tem nada a ver dentro?”. E muitas outras coisas. E aí você começa a prestar atenção nas coisas que as pessoas falam para você e que, depois... na hora pode até ser que não faça muito sentido, mas depois você para pra você refletir, que faz todo o sentido para o resto da sua vida. Porque você vai percebendo que não é só couve, não, as outras coisas também estavam com o mesmo problema. Então, é aprender a ouvir e aceitar as coisas porque, quando o cliente fala alguma coisa para você, eu sempre entendo o seguinte, mesmo quando ele venha bravo, porque acontece, né? Eu sempre penso assim: se ele está assim, é porque ele quer continuar comprando. Porque, se ele não quisesse continuar comprando, ele não ia perder tempo em falar. Ele não ia perder tempo em falar: “olha”, É que é em outras palavras. Ele fala de um jeito, mas está querendo dizer para mim assim: “Ô, pô, melhora. Você tem condição de melhorar isso aqui. Eu quero continuar comprando de você. Mas só que, para eu continuar comprando, ele tem que ficar assim”. Entendeu?
P1- Sim.
R- Então, é isso que eu sempre busco, sempre olho isso. Sabe, a gente vai aprendendo, né, a gente vai aprendendo com o tempo isso, porque não foi fácil aceitar tudo isso, viu? A gente vai aprendendo a aceitar e ver o outro lado das coisas, sabe? Olhar como o cliente, não olhar como você quer vender, mas um outro olhar. Passar para o outro lado e pensar com a cabeça daquela pessoa, para ela poder chegar e agir dessa forma, né?
(01:13:11) P1- Regina, desculpa, eu estou muito curioso quanto a... vocês abriram lá no novo Mercado Municipal, né?
R- Ah… Entramos. Então, vamos lá.
(01:13:23) P1- E como foi essa ideia aí? Porque você tem um monte de feira, né?
R- Tenho.
(01:13:30) P1- E lá é um lugar da zona sul, né? Um lugar mais...
R- Então, olha só! Na época… É então... Na época eu tive bastante resistência também na feira, porque naquela época - eu vou chegar lá no Mercadão, tá? - Lá na época quando eu comecei a fazer feira, inclusive até por colegas de trabalho mesmo, né? Então, ou seja: eu comecei a trabalhar com bandejinhas, era um outro tipo de negócio e que as pessoas se sentiam prejudicadas com o negócio. Então, eu tive que, por exemplo, teve gente… que o fiscal me proibiu de vender na feira o picadinho. Eu cheguei, ele chegou: “Não, não pode. Pode guardar tudo isso aí, que não pode” etc e tal. Então, foi uma das vezes, eu tive que guardar tudo, tirei tudo da banca, deixei só as verduras, as minhas coisas ficaram tudo por detrás da banca. Mas graças a Deus naquele dia eu vendi tudo. Tudo escondido, tipo assim, nada exposto, tá? Escondido que eu digo é nada exposto, tudo atrás da banca. E foi uma luta tudo isso, sempre, sempre foi. Quando introduzi um tempero, sempre quando você quer colocar algo novo, quando você quer inovar, as pessoas em vez de… as pessoas se sentem ameaçadas. E não deveriam se sentir ameaçadas. A gente deveria se se sentir como? Poxa, eu também quero fazer e eu quero fazer melhor. Então, vamos melhorar a feira, vamos fazer alguma coisa. Mas não era esse pensamento que tinha. Bom, aí uma das coisas: feira. A feira, Luís, ele tem o dia certo. Então, toda terça-feira. Ou seja: o bairro que perde a feira daquele dia, ele perdeu. Só vai ter daqui a uma semana. E você sabe que público de feira é diferente. São pessoas que não se acostumam muito. Quem costuma ir na feira livre para comprar, é diferente dele ir no supermercado e escolher lá no supermercado, sabe? Essa dinâmica de ir ali, essa dinâmica daquela energia, daquela coisa de estar em casa, de chegar e contar. Tem gente que não vê a hora de te encontrar e contar alguma coisa do que fez, do que aconteceu, de te ver, de saber da sua vida. Saber da sua vida, mas não no sentido de fofoca, mas de amizade mesmo. Então, tinha tudo isso, né, acontecendo. O cliente perdia e como é que a gente entregava? Naquela época também não tinha muito esse negócio de entregar, sabe? Eu até entregava, mas aí surgiu a necessidade de um ponto fixo. Onde, se ele perdeu a feira, está lá em qualquer momento, que o dia que ele for, ele vai encontrar, está ali.
P1- Sim.
R- Bom, mas nesse meio tempo, eu comecei a fazer algumas entregas. Teve uma época que a gente fez bastante entrega. Andei me queimando muito com questão de entrega, porque não sabia trabalhar com isso e foi bastante difícil. Aí, um dia, eu encontrei... agora é uma outra história também, que eu falo para você que as coisas para mim parecem uma bênção, acontecer esse tipo de coisa. Mas, enfim, o Mercadão também foi uma história para mim. Porque quando o Mercadão ia ser lançado, a Dorinha, que era cliente minha de terça-feira, falou: “Regina, tem um negócio aqui que você precisa ver. Eu quero que você seja a primeira a ver, porque o negócio é muito bom”. Aí eu falei assim: “Dorinha, vem no final da feira, porque agora não dá”. Ela trabalhava lá na Imobiliária Fortes Guimarães, ela era corretora. “Não, mas você não pode perder” “Não, vem, é que agora não dá para conversar, vem no final da feira”. Aí no dia deu certo. Ela me mostrou: “Isso aqui vai sair ainda e não foi nada vendido ainda. Você é a primeira pessoa que eu quero que você veja, porque você vai escolher um lugar para você”. Eu falei: “Menina, você está doida? Quanto custa um negócio aí? Meu Deus, lá vem eu de novo com uma coisa que está parecendo ser absurda”.
(01:17:04) P1- Muito cara.
R- É. Bom, enfim. E, escolhendo, escolhendo: “Aqui. Esse, é box 21. Ah, eu gostei daqui”. Na época, para mim, era o melhor lugar. Eu também não entendia muito bem, não, mas para mim era o melhor lugar. Bom, o que aconteceu? Eu segurei esse negócio sem ter dinheiro. Não tinha, não. Segurei, segurei, segurei. Aí a Dorinha em cima do Reginaldo. Aí a gente vai ter que entrar com dinheiro mesmo. Porque agora o negócio já vai acontecer e tudo mais e tal. E, enfim, na época eu até chamei meu cunhado, que tinha voltado do Japão, para ser sócio, trabalhar comigo, falei: “Eu entro com serviço, eu entro com qualquer coisa, mas entra com dinheiro, porque eu não tenho dinheiro”. E ele ficou até meio pensando. Aí um dia ele chegou e falou: “Regina, você não vai ficar chateada comigo, mas eu não vou entrar”. Eu falei olha… Eu falei pra ele, antes de ele falar isso para mim: “Olha, é um negócio arriscado, tá, eu não sei. Só que também eu não quero que você me culpe depois, se o negócio não der certo. Então, você pensa bem antes de você aceitar porque, se o negócio der errado, a culpa não vai ser minha, hein, tá?”. Porque a gente sempre teve uma conversa muito assim, sabe, sincera. Aí ele pensou, pensou, depois veio falar comigo, falou: “Regina, ó eu acho que não vai dar negócio”. Eu falei: “Não…”. Você não vai ficar chateada?”. Eu falei: “Não, de jeito nenhum, Mauricio. Fica tranquilo. Você sabe por quê? Porque eu penso o seguinte: se for para ser meu, ele vai ser meu”. Desliguei. Liguei para a Dorinha. E falei, “Dorinha”... Eu já tinha dado um cheque pré-datado para ela e nem tinha fundos. Falei: “Dorinha, não vai dar certo. Não vai dar, cancela tudo, não tenho dinheiro” etc e tal, tarara. Mas a Dorinha já estava sabendo da minha situação, só queria segurar o lugar, porque em algum momento ia dar certo esse negócio. Na minha cabeça tinha que dar certo. Aí não deu certo, desligamos, me desliguei, continuei meu trabalho normal. Aí, um dia, na feira de domingo, lá na Avenida Portugal, chega Dona Maria Helena e fala: “Regina, eu trouxe fulana para conhecer a sua barraca, assim e assado. Bem que você podia entregar, né?”. Eu falei: “Não, mas a gente entrega, Dona Maria Helena”. Ela falou: “Mas as suas corridas são bem salgadinhas, né?” Eu falei: “Sabe o que é, Dona Maria Helena? É que eu moro lá do outro lado, sabe onde Judas perdeu a meia? Então, é depois que perde a bota, sabe? Depois da bota, vem a meia, perde a meia. Então, eu moro lá. É muito longe, é fora de mão. Então, as corridas realmente ficam caras, porque a maioria das pessoas que compram, que pedem, é tudo desse bairro aqui. Existem lugares específicos, né? Então, tem tudo isso, né?” Então tá. Ela ficou assim pra mim. Eu falei: “Mas um dia, Dona Maria Helena…”, eu falei pra ela, “mas um dia, Dona Maria Helena…” se Deus quiser, eu vou ter um lugarzinho, tá? Eu vou montar um lugar e aí eu vou poder cobrar mais barato. Às vezes eu encontro alguma coisa por aqui, aí a corrida vai ser bem mais cara. Porque ó, é metade do caminho”. Ela falou assim para mim: “Você quer alugar um ponto?” Eu falei: “Ah, se repente tivesse um lugar bem interessante, quem sabe, né?” Ela olhou para mim, virou e falou assim: “Eu tenho um ponto. Comprei lá no Novo Mercadão”.
(01:20:07) P1- Olha!
R- Calma. Eu olhei para ela.
(01:20:10) Coincidência!
R- Não é coincidência, nada é por acaso na vida. Olhei para ela e falei assim: “Dona Maria Helena, vai me dizer que é o box número 21 que a senhora tem?” “É”.
(01:20:21) P1- Olha. (risos)
R- Luís, eu chorava, chorava, chorava tanto. Menino, mas eu chorava de soluçar. Ninguém entendia, né? Ninguém entendia porque eu estava chorando, nem ela, ficou parada assim, sabe? Eu não conseguia falar. Por quê? Porque era para mim, era para mim. E eu sempre acreditei que, se for para você, vai ser para você, mais cedo ou mais tarde, vai ser na hora que é para ser seu, não é na hora que você quer, não é na hora do seu jeito, entende? Aí eu chorei tanto e eu não conseguia falar, não conseguia falar. Ela pôs a mão no meu ombro, virou e falou assim para mim: “É seu”. Só isso. Não falamos mais. Sendo que lá ainda não tinha nem construído, viu? Quando ela me falou isso ainda ia fazer, estava no projeto ainda.
P1-Sim.
R- Aliás, quando ela me falou, acho que já estava no esquema ainda, mas não estava... quando eu vi, eu não tinha achado onde que era a placa do Mercadão, porque eu fui procurar, fui eu e o meu cunhado para saber onde que era isso. Menino, meu cunhado assustou, porque só tinha mato para aquele lado. (risos)
(01:21:24) P1- Mas agora está cheio de prédio lá.
R- Pois é, mas naquela época não achou, a gente custou para achar a placa que estava no meio do mato. (risos). Mas, enfim...
P1-Sim.
R- E aí foi. Ai quando o box lá estava mais ou menos no esquema, né, a Dona Maria Helena me procurou e falou assim: “Regina, o box está quase pronto. É bom você ir lá, vamos conversar a respeito para você ir lá ver, ver como é que você quer” etc e tal. Na minha cabeça o Mercadão eu imaginava que era igual feira, sabe? “Ah tah…” Eu não pensava que tinha que ter computador, sistema, que tinha que ter essas coisas. Eu imaginava que era igual feira. Eu ia montar uma banca lá, ia usar meu aventalzinho e atender as pessoas assim. Aí, na hora que eu fui ver como era o negócio, eu falei: “Ai, meu Deus. O negócio não é bem com eu pensei não, eu vou ter que gastar”. Aí eu fui ver nos outros boxes como é que estava sendo feito, aí eu falei: “Ai, meu Deus do céu, eu acho que me enganei, né?” Eu, inclusive, até fui em São Paulo, para ver no Mercadão lá, pra ver como é que era, sabe?
P1-Sim.
R- Porque eu não tinha noção, eu só trabalhava, trabalhava na horta, eu não tinha… nunca fui muito de ficar assistindo televisão. Era muito meio que _________ (01:22:35) lá, né? _________ (01:22:35). E aí foi aonde a gente começou a fazer um trabalho ali, tudo. Mas foi onde o box começou, né? Ou seja: a pessoa ter um ponto fixo. E acontece quando é feriado, não tem, está lá. Quando a Regina não vai, está lá, entende? Então, assim, essa foi por essa necessidade, tá? Tanto minha quanto dos clientes.
(01:22:59) P1- Mudou a clientela também? Porque tem muito condomínio fechado ali perto. Tem o shopping center, que é perto.
R- Tem.
(01:23:13) P1- Você… O que foi, a clientela foi mudando, assim? Foi ficando outra clientela?
R- Não, não que seja... existe uma assim… é diversificado. Porém, é uma das classes que mais consome, né? Já é assim um nível um pouco mais... com um nível de entendimento melhor. O que eu digo melhor assim, às vezes não é questão de melhor, é questão de poder também. De… Porque às vezes você quer, você sabe que é bom, mas você não tem condição de comprar, entendeu?
P1-Sim.
R- Então, é diferente. Muitas vezes a gente fala: “Ah, se eu tivesse dinheiro eu compraria isso, mas eu vou comprar aquilo, porque eu não tenho no momento. No momento eu não posso”. Ah, então, tem essa questão. Então, para você ter ideia, existem diferenças também. Por exemplo: quando a gente faz feira, dependendo do bairro, existe uma variação também. Então, existem tendências para determinado tipo de produto. A consciência de que isso aqui é uma coisa que está lá atrás. Hoje já não está tão assim, mais. Mas antes, quando eu vendia, falava assim: “Mas isso vai ficar muito mais caro. O maço custa X, então eu vou poder fazer umas três ou quatro vezes”, mas a pessoa não usa três, quatro vezes. Às vezes vai para o lixo, acaba não usando. Pior, porque fica caro. Que nem comer um pedacinho, uma folhinha você comeu e você já jogou tudo no lixo, entendeu? Então, hoje a consciência é diferente, assim, foi melhorando um pouco mais a forma de enxergar tudo isso. Como que eu enxergo essa praticidade, né? Então, assim, no nível tem? A maioria tá… a maioria é num nível. Temos outras? Temos. Temos também, tá? Então, é um produto que dá acesso a todos. Quem consome mais, vai mais. Tipo: eu tenho um poder que eu posso usar para a semana inteira? Posso. Tem pessoa que vai lá para o dia. Ah, hoje está corrido, então hoje vai Regina Picadinho. Tá, ponto.
P1- Sei.
R- Entendeu? Ah, não… dá para usar dois dias? Eu uso dois dias. Mas tem o prazer de poder usar. Você sabe que na feira de quarta-feira, eu tinha uma cliente que eu descobri depois, né? Ela Virou… Conversando, ela virou e falou assim para mim - você dava desconto, fazia aqueles pacotes. Porque feira é outra coisa, né? Feira você tem a hora da xepa – Então, ela falou assim pra mim um dia, ela falou assim: “Você acredita que esse dinheiro que eu estou te dando, eu vou a pé embora e o que eu economizo, é o que eu compro de bandejinha”. Eu falei: “Caramba, caramba”. Então, isso são coisas, né? Luís, se eu te contar, tem tanta história, que eu vou falar para você, que quando eu descobri que a minha missão… a minha missão é o que eu faço, a paixão dobrou. A minha paixão dobrou, entende? Porque a pessoa fala assim: “Ai, Regina, o picadinho _________ (01:26:17) é prático”. Mas a minha missão é motivar as pessoas a cozinhar, porque cozinhar é um gesto de amor.
(01:26:26) P1- Sim.
R- Muito. Você quer cozinhar para o teu filho: “Não, deixa que eu vou fazer a papinha do meu filho”. Alguém está doente em casa: “Pode deixar, que eu vou fazer aquela sopa para você, que só eu sei fazer”.
P1- Sim.
R- Por quê? Porque você… é o prazer de pôr. Aonde entra, quando fala: “O slogan da Regina é Praticidade e Sabedoria”. A sabedoria é muito mais além, que inclusive quando eu encontrei aquele slogan, né, uma cliente falou pra mim... falando, falando, falando, falou tanta coisa, que ela falou assim: “Não, mas as suas coisas, é não sei o que lá, é Praticidade a Serviço da Mulher. Não, é Praticidade e Inteligência”, não, eu falei é praticidade... Como é mesmo que ela falou? Tipo assim: Inteligência a Serviço da Mulher, uma coisa assim. Eu falei: “Opa, eu gostei do que a senhora falou”. Que todas as coisas que às vezes aconteciam ou acontecem, eu perguntava para o ‘seu’ Zen, né? Que eu sempre estava em contato. Eu perguntei: “’Seu’ Zen, o que o senhor acha do meu slogan ser Praticidade e Inteligência a Serviço da Mulher?”. Ele parou e falou assim para mim: “Se eu fosse você, eu colocaria Sabedoria, porque ser sábio é mais do que ser inteligente”. Falei: “É?” Ele falou: “É” “Então, tá, vou colocar”. Aí a gente foi começando a trabalhar tudo isso. Aí eu fui descobrindo que realmente, menino! Porque que a gente… o que nós vamos fazendo, que aparentemente é algo que é simples, ele não é tão simples quanto parece. Porque tem muita coisa por detrás disso tudo, tá? Não só a minha, quanto do cliente. O cliente ele fica feliz quando ele compra: “Ah, eu vou comprar as suas coisas porque...”. Não, é a nossa. A sabedoria está no prazer, tanto meu, quanto ver o meu cliente feliz, porque funciona. O que a gente faz é mais do que prático, ele não é só prático, ele realmente funciona. Porque tem coisa que é prática, mas não funciona, não é? Mas o nosso, ele funciona, ele deixa a pessoa feliz, deixa a família feliz, porque sobra tempo para a pessoa ficar um pouco mais com o marido, ficar com o filho, sobra tempo da empregada dar um trato na sua cozinha melhor, entendeu? Ela fica mais feliz. O dia que a Maria Alice falou um dia para mim: “Regina, deixa eu te contar, olha o topete da minha empregada”. Mas ela falou brincando. Ela deixou um bilhetinho para ela assim, um bilhetinho para a feira, o que ela precisava: “Tatata, observação. Quero tudo picadinho, da Regina”. Ainda deu o nome. (risos) Então, gente, é muito gratificante. Aí, o que que acontece? Então, quando a gente fala sobre isso, é aonde que está o encanto? Aonde está o prazer de comprar coisas da Regina Picadinho? É que, quando você faz, é você que coloca a cerejinha no bolo, entendeu? É você que deixa o meu prato, o nosso prato gostoso. Porque não adianta eu picar tudo bonitinho, tudo quadradinho, peneirar, fazer tudo que você tem que fazer e você me salgar o prato, você não coloca um tempero. Se você não sabe cozinhar, você estraga tudo, entendeu?
P1- Verdade.
R- Então, quando a pessoa fica feliz porque dá certo, é porque ela fez dar certo, não foi eu que fiz dar certo, foi ela que fez, entendeu?
P1- Sim.
R- Então, tem muitas coisas. Ou seja: quanta coisa eu não criei para virar um prato e virou outra coisa muito melhor? Fiz um para virar salada, me fizeram torta, fizeram bolo, fizeram sei lá o que: “Meu Deus, como assim?” (risos) A gente fez para isso e virou isso. Quanta criatividade! Mas essa criatividade, ela foi estimulada, ela foi motivada através do quê? Através da praticidade, porque se torna muito mais prático, se torna muito mais prazeroso. Não só por você economizar a água, mas não por você ver aquilo tudo sendo jogado fora.
P1- Sim.
R- Aquilo que você joga fora é desperdício, entendeu? Isso, de uma certa forma, te incomoda, de você ter que jogar tanta coisa fora. De você saber que você não pôde socorrer: “Ai, era para ter feito anteontem, caramba”. Só vi hoje, agora vou ter que jogar metade fora.
P1- Sim.
R- Quando que, na verdade, tudo que você vai usar é 100% do que você está enxergando. 100% da bandeja, 100% do que vai, é que você vai… é a quantidade ideal para você consumir. Então, eu falo assim: “Nossa, mas uma bandejinha eu vou fazer essa berinjela frita?” Eu falei: “Minha filha, olha, é sob medida, fritura a gente não pode comer muito. Então, você come uma bandejinha, está excelente”. (risos) Ainda brinca, né, com isso tipo de coisa? (risos) Mas é uma sabedoria atrás, de não só... Deus faz isso com a gente, sabe? Ele abençoa, porque é um prazer muito grande ser escolhida, é uma honra muito grande da minha parte por ter sido escolhida por Deus, tá? Por ter sido eu escolhida para colocar todos os nossos legumes e as nossas verduras numa... eu nem sei se a palavra é essa, mais uma cliente um dia falou assim para mim, que as minhas bandejinhas pareciam uma vernissage. Tipo assim, parece uma exposição, não sei o que é, não, mas é tipo assim, eu entendi mais ou menos isso. (risos) Então, de eu poder pegar isso e transformar aquilo que, às vezes, você nem dá valor. Você encontra no chão, você… às vezes tem gente que chuta, que joga, que não dá o mínimo valor pra aquilo que está ali. Mas olha no que ele pode ser transformado, entendeu? Está ali, num lugar aonde que você admira… é um lugar aonde que você admira antes de fazer. E admira na hora que você come. Não é? Olha não, tudo isso. Gente, é doido.
(01:32:080 P1- E hoje, com quantos funcionários você está, hoje?
R- Ó, hoje, na produção nós somos em quarenta ou quarenta e alguma coisa. Com essa pandemia, a gente também tem bastante gente que fica afastada. Mas no geral, aqui, nós temos uma média entre quarenta e quarenta e cinco pessoas na produção.
(01:32:27) P1- Sim. E vende no Mercadão, nas feiras.
R- Sim.
(01:32:33) P1- Vocês vendem para fora de Ribeirão também?
R- Vendemos. Vendemos. Vendemos. A gente, inclusive, recebeu também convite para estar fornecendo fora, mas é um produto perecível. Então… e a nossa produção aqui é diária, então não tem estoque. Não tem como estocar. Então, né, nós fornecemos assim: em Ribeirão e região.
P1- Sim.
R- Tem em Barretos, Franca, Pradópolis, que mais? É tudo região, por enquanto, região, tá? Mas sonhos? Sonhos a gente tem, de levar essa praticidade longe.
(01:33:15) P1- A próxima pergunta seria essa: se vocês não têm o sonho de, sei lá, expandir muito mais, montar uma marca que saia de Ribeirão. Não saia, mas vá para outras cidades, vá produzir em outros estados.
R- Isso. Nossa, Luís, eu tenho tantas pessoas que viajam por aí e que vêm me trazendo tipo: “Regina, se você montar em tal lugar, você está rica”. Tá bom. O negócio é o seguinte: a gente precisa se preparar para tudo isso. E nós estamos nos preparando pra isso, nós estamos nos preparando, nós estamos nos profissionalizando para isso, tá? Por quê? Porque tudo isso, gente, não foi feito para ficar aqui, não. Ribeirão, eu estou aqui em Ribeirão porque nós fomos escolhidos, nós somos abençoados com essa praticidade, tá? Porque tem muitos, mas muitos lugares que têm poder aquisitivo, mas não têm o que vocês têm aqui em Ribeirão. O que eles falam para mim não é que em outros lugares não tem processado. Tem processado, mas ele não tem o processado como a Regina oferece. A variedade que a Regina oferece, o amor que a Regina oferece. É diferente, entende?
P1- Sim.
R- Porque tem que ter amor, tem que ter, senão não sai bem feito, gente e é uma luta constante. Porque, para você escolher pessoas que tenham o mesmo... a mesma missão, que se enquadram com a sua missão, sua visão e com seus valores, tá, é difícil. Porque você veja bem: hoje, quando eu montei, né, fiz minha missão, visão e os valores da empresa, eu chorei quando eu montei a visão da empresa. Porque eu achava, Luís, que eu não tinha o direito de sonhar alto, porque se eu nem tinha, se eu nem conseguia fazer aquilo que eu deveria, se eu ainda tenho tanta coisa para fazer, quem sou eu para sonhar com algo lá na frente? E aí, depois de um treinamento que eu fiz, por que a visão da Regina Picadinhos é o quê? É ser reconhecida como uma empresa de contínua superação, de conhecimento, de desenvolvimento. E é isso que eu comecei a fazer com os meus colaboradores, dando treinamento. Eu participando também de treinamento, para a cabeça abrir um pouco mais, para poder entender um pouco mais as pessoas que trabalham comigo. Me entender primeiro, entender eles, para depois a gente começar a expandir. Porque não adianta você fazer o boom e depois recolher. É você fazer o boom e permanecer nesse boom cada vez mais. Então, a intenção não é sabe... Então eu quero, eu quero que os meus colaboradores também cresçam comigo, não é uma empresa onde ela só vai pensar nela, não. Não, nós vamos crescer juntos. São essas pessoas que eu quero do meu lado. Eu quero pessoas que façam com amor, eu quero as pessoas como a missão da Regina, eu quero que você faça com competência aquilo que você faz. A gente pode não ter um diploma, porque a minha mãe me disse assim: “Ó, já que seu negócio está dando certo, filha, faça disso a sua profissão”. Ou seja: eu não preciso de um diploma para fazer aquilo que eu faço ser a minha profissão. Ser profissional é ser competente naquilo que faz. É fazer bem feito, é fazer com amor, é dominar o assunto, é saber. Então, é isso que eu vou procurar, é isso que eu procuro, tanto nas pessoas que trabalham comigo, quanto comigo. Primeiro comigo, para depois eu cobrar deles e eu dar condições para eles, para que eles tenham isso. É esse todo movimento que eu estou fazendo com a minha empresa. Porque eu quero deixar, eu quero dar essa continuidade, o meu filho vai dar continuidade nessa missão que eu tenho. Já conversei com ele a respeito disso, primeiro, para saber se é isso que ele quer, em primeiro lugar.
(01:37:01) P1 - Tem que ver.
R1 - Porque não adianta eu, porque vai ser para mim, não é para ele, entende? Eu não quero ser como lá atrás, como eu falei, que a minha mãe queria que eu fosse cabeleireira, mas não era o que eu queria, entendeu?
P1- Sim.
R- “Então, está claro, filho? É o que você quer? Então tá, então eu tô com você e você está comigo, nós vamos preparar tudo isso. Porque tudo que eu passei você não vai passar, você vai passar uma outra fase, onde você vai poder dar um novo rumo na empresa. Ele saiu da roça, do chão, agora a gente não está mais aqui, agora daqui nós dois vamos caminhar mais um pedaço junto e depois você vai caminhar sozinho. Mas eu quero que você dê o boom. Você vai acabar de completar aquilo que a gente veio fazer. Se eu não conseguir concluir aquilo que deveria, mas pelo menos você sabe que é esse o caminho. Que nós estamos aqui para colaborar com as pessoas, a gente está aqui para fazer alguma coisa”. Eu posso não estar fazendo 100% daquilo que eu quero, sabe, ajudar as pessoas da forma como eu queria. Mas, se eu fizer bem-feito no meu profissional, eu já estou colaborando, eu já estou fazendo uma boa parte. E olha, com o Sesc, né, vocês estão falando aqui em Sesc, com vocês aqui, com o Mesa Brasil, com coisas que vocês fizeram, me despertaram...
P1- Sim.
R- ... o desperdício, entende? O que eu desperdiçava, que eu jogo fora, que agora já não jogo mais.
P1- Sim.
R- Graças ao Sesc, nós passamos um bom tempo fornecendo as coisas que eu jogava fora, para o Bosque dos Animais, que era descartado, que eu simplesmente descartava assim, de uma forma que não era para nada, né? Outra: quanta coisa que vocês distribuem, fazem isso por nós, facilitam o nosso caminho, a nossa vida, fazendo isso por nós. Ou seja: é uma corrente, eu vou até aqui e você me ajuda a ir até lá. E assim por diante.
(01:38:51) P1- Exato.
R- E assim, agente... juntos, a gente consegue fechar tudo isso. E cada um fazendo um pouco vai ser muito, vai se tornar bastante, né? Agora, melhor do que ninguém fazer nada. Então, por isso que eu admiro o projeto do Sesc, estou com vocês, eu admiro muito esse trabalho, muito organizado. Porque depois, Luís, com sinceridade: quando o Sesc me apresentou a quantidade de produtos, o exemplo que eu vou falar para você, sobre miolo de abobrinha: “Mas você joga fora miolo de abobrinha?”. Não, jogo porque não dá para usar, não tem como usar, beleza. O dia que ele veio: “Você joga muito?” Não é muito. Mas eu não tinha noção de quantidade.
(01:39:29) P1 – Sim.
R- E quando o Sesc me apresentou o que eu tinha doado para ele em toneladas, eu assustei. Eu falei: “Eu? Mas a gente joga tudo isso de toneladas de abobrinha?” Pois é. Em um mês eram toneladas jogadas fora, que vocês conseguem distribuir isso, para alimentar outras pessoas e muitas pessoas, em muitos lugares.
(01:39:52) P1- É verdade.
R- Então, aí através de uma coisa, te desperta para outras coisas. Para vocês a gente fornece os miolos, para outros lugares eu forneço miolo de cabotiá, que eu também dou, para engrossar o caldo de alguns outros lugares. O farelo, né? Eu falo farelo, porque tudo que a gente processa, a gente passa pela peneira, para não dar aquele aspecto de feito e jogado, colocado de qualquer forma, não é? Para dar aquele outro aspecto. Aquele pó que eu falo, também é doado pra alguma coisa, que antes também era jogado fora, mas que também foi despertado através do Sesc, que eu posso aproveitar isso aqui. Se o Sesc pode, então outro lugar também pode. A gente ofereceu, deu certo. E olha, os farelos não são só para a sopa. O pessoal faz arroz misturado, faz torta, faz tanta coisa com ele, que eu falo: “Gente”. Eu fico pensando assim: “Olha a felicidade que a Regina Picadinhos pode proporcionar para os voluntários. Porque o voluntário, ele já está se doando, já trabalhou. Aí ele vai lá para fazer mais uma maratona, aí quando ele chega e pode facilitar a vida deles. Ô, meu”. Olha, você vai com muito mais entusiasmo criar alguma coisa. Você vai ser muito mais criativo...
P1- É verdade.
R- Não é? Para oferecer algo para a pessoa. Então, por isso que eu falo para você que, atrás de tudo isso, né, assim, parece ser uma coisa, mas desencadeia tanta coisa. Muita coisa, não é verdade, Luís?
(01:41:23) P1- Sim, é verdade, certo. Regina, queria te agradecer muito pela entrevista. E gostaria de saber o que que você achou de ter dado um depoimento que vai para o museu, né? Você sabe que o Museu da Pessoa, que é o que faz esse trabalho do Sesc, ele é um museu de histórias de vida. Você contou a história da sua para a gente, né? Agora. E aí ele vai ficar nesse museu, a sede é lá em São Paulo, mas é um museu virtual. Você acessa de qualquer lugar do mundo e as histórias de vida que, desde 1994 as pessoas estão contando, estão lá. E a sua vai ficar também.
R- Que legal!
(01:42:08) P1- O que você achou de contar uma história que vai ser uma peça de museu, que é a história da sua vida?
R- Então, Luís, olha, eu fico muito grata. É o que eu falei para você: eu me sinto muito... como eu vou te dizer? ... de vocês terem lembrado da minha história, me feito esse convite. Porque qualquer lugar, qualquer lugar entre aspas, porque a gente sabe que para a nossa família, a gente é uma lembrança, é uma peça de museu. Você não vai nunca ser esquecida, você vai demorar para ser esquecida. Tipo: você vai ser vó, você vai ser isso e aquilo. Mas quando você faz parte de uma história onde outras pessoas vão conhecer, outras pessoas também podem se inspirar em algo melhor do que a gente fez, né? É muito gratificante, é muito gratificante. É uma pena, assim, porque às vezes é o que eu falo: quando eu vou falar alguma coisa, passa um filme, é tanta coisa que eu quero pôr para fora, que a gente acaba não falando tantas coisas. Mas eu gostaria, já que vai para uma parte, né, vai para um museu, como vocês disseram, o Museu da Pessoa, eu gostaria muito de falar o quanto a família é importante. A gente fala sobre a empresa familiar, né? Tudo surge, a maioria, é familiar. E o quanto é importante, por mais problemas que aconteça dentro de uma empresa familiar e ela consegue realmente, porque ela é familiar, né? Então, exatamente, muitas vezes acontece quando eu falo, eu esqueço de falar das pessoas mais importantes. Por exemplo: o meu marido, que depois que ele começou a me apoiar a fazer os picadinhos, foi muito mais para frente. Porque até então ele também achava que isso não levava para muito lugar, então ele ficava na dele. Aí o dia que ele viu que o negócio estava indo, que ele resolveu botar a mão na massa comigo, aí o negócio foi, o negócio deslanchou, você entendeu? Aí, depois que meu filho, passamos por uma fase dos filhos todos pequenos, mas hoje, graças a Deus, olha só: o meu filho mais velho se formou em Administração de Empresas, trabalha comigo. A minha filha do meio está fazendo Medicina. A minha filha caçula está fazendo Engenharia de Alimentos, para também trabalhar na minha empresa, porém eu falei para ela: “Vai para fora, vai aprender tudo que você precisa, vai ter oportunidade de trabalhar em outra empresa, para você trazer para a sua empresa conhecimento, algo novo, porque essa empresa também vai ser sua. E eu quero que você cuide muito bem dela”. E eu tenho certeza que eu vou deixar em excelentes mãos a minha empresa, a empresa pros meus filhos. Então, veja bem: o meu marido… o meu filho, depois que ele se formou, que ele começou, a empresa deu um outro boom. Então, eu entendi que, quando a gente está pequeninho, a gente cresce, só tem o tamanho, porque a gente é sozinho. Mas quando ela começa a tomar um formato de empresa mesmo, a gente precisa desse braço, a gente precisa dessas pessoas, a gente precisa de todas essas pessoas, da minha família, eu preciso de todos os colaboradores, para que todos nós consigamos juntos conseguir realizar a visão da empresa. Porque a visão da empresa ela só é… a gente consegue só chegar lá com essas pessoas. Sozinha a gente não consegue chegar, vai demorar demais e olhe lá, para a gente chegar. Porque é uma coisa que depende de todos, sabe?
P1- Sim.
R- Então, eu comecei uma política também diferente, a trabalhar dentro da empresa. Que é, primeira coisa: saber se eles se identificam com a missão, visão e os valores da empresa. Se identificam, pronto, fica mais fácil para a mim trabalhar. Porque, se você não se identificar, não tem problema nenhum, né? Significa que aqui não faz parte dos seus sonhos, tá bom? Então, vamos procurar outro lugar, está tudo certinho. Olha, foi tão bom fazer isso, sabe? Quando você vê, quando você começa a falar da sua missão, visão e valores, a pessoa fica assim: “Nossa, realmente faz sentido, eu também sou assim, poxa”. Olha, se você soubesse, que quando a gente consegue ter um comum, é muito mais fácil para a gente poder trabalhar. E de cobrar também, sabe?
P1- Sim.
R- De cobrar isso, você também disse isso, você… então você se comprometeu a isso. Então, é muito bom. E poder participar do Museu da Pessoa, embora você sabe que a minha filha até tirou sarro aqui de mim, né? Ela falou: “Mãe, Museu da Pessoa? Está velha, hein, mãe”. (risos) Meu marido riu, meu Deus! (risos) Eu falei: “Está certo que eu não sou novinha mais não, tá?” Mas um dia isso vai ficar para história. Não é isso?
(01:46:40) P1- Sim.
R- Um dia vai ficar para história. Um dia eu vou virar, realmente, uma história de museu. Porque o pouco que eu conversei com você hoje, Luís, olha como era Ribeirão e como ela está hoje!
(01:46:53) P1- Exato.
R- Olha quantos anos já se passaram, não é? Meu filho está com trinta anos, gente! Eu comecei isso antes dos trinta anos, faz mais de trinta anos que a gente está aí, ó… né? Estamos nessa luta. E aí a gente tem que ver o quanto ainda a gente ainda tem que caminhar. E o quanto ainda a gente vai crescer. E o quanto isso vai servir pra muita gente, porque você sabe que outro dia eu pensei assim: “Olha, engraçado, né, a nossa geração, a gente estava lá na roça, a gente sabia como é que era, a gente subia no pé, a gente via. Chegava, mordia, comia. Hoje, se você bobear, Luís, daqui a uns tempos, a pessoa só vai saber como é quando ela ver imagem. Ela não teve o prazer que nós tivemos. Não sei. Eu falo nós, mas assim, de subir num pé de uma árvore, de você mesmo ir lá apanhar uma fruta e comer, saboreá-la ali no pé. Entendeu? Não tem. Como você começa essa geração minha... eu me preocupei, sabe que um tempo atrás eu fiquei pensando: “Gente, mas eu corto tudo picadinho. A pessoa consome os meus produtos, a família que consome meus produtos, a criança que come meus produtos, um dia ela vai falar assim: “Como é uma cenoura? Ela é redonda, ela é quadrada, ela é cumprida, ela é retangular? Qual o formato que é uma cenoura? Porque eu só a vejo de vários jeitos, então eu não sei como ela é”.
P1- Certo.
R- Passei pela minha cabeça, sabia? Eu fiquei pensando: “Será que isso vai passar um dia na cabeça da criança? Deixa eu pesquisar”. Você sabe que esses dias, desculpa, eu encompridei aqui, a minha filha falou assim para mim: “Ô, mãe, eu achava que eu nunca tinha visto um pé de cenoura”. Assim, sabe, um canteiro? Viu no mato. Mas arrancar... aí a gente estava olhando umas fotos antigas de quando ela era criança, eu até coloquei no quadro essa foto. Ela andando, devia ter uns dois aninhos, não sei, ea arrancou a cenourinha do canteiro e ela veio correndo com a cenourinha assim, com terra, vindo correndo e rindo. E eu tirei uma foto dela naquela época lá. Tirei, mas a gente nem lembrava. E ela falou: “Mãe, eu achava que eu nem sabia como que era uma”. Olha só como é que são as coisas, não é? Então, eu agradeço vocês por terem lembrado, tá, lembrado de mim, lembrado da minha história, né? E que isso possa inspirar muitas pessoas, né?
P2- Nossa, sim
(01:49:09) P1- Sim. Nós é que agradecemos, Regina, foi muito legal a história, é muito interessante a trajetória que você contou para a gente.
R- Obrigada, eu que agradeço viu, gente. Cláudia, um prazer viu?
P2- Também, obrigada. Eu acompanhei tudo foi ótimo. Amei.
R- Ah, obrigada viu, eu que agradeço!
P2- (risos) Tchau. Tchau.
R- Desculpa ter me atrapalhado, mas…
P2- Não, foi lindo… Tchau. Tchau.
R- Foi (?) então tah bom. Obrigada, tchau, viu? Prazer. Tchau. Tchau.
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