IDENTIFICAÇÃO Sou Maria Marilene Rogante. Nasci em Catanduva, São Paulo, em 23 de janeiro de 51. FAMÍLIA Meu pai é Luis Rogante, minha mãe Maria Catelã. A minha família é de origem italiana. Meus avós são imigrantes e ficaram na região de Araraquara, para onde meu pai também foi depois. A família do meu pai, meus avós, foram para Dobrada e da minha mãe também. Os dois imigrantes italianos, dos dois lados. E sempre trabalhando em fazenda, na agricultura. Era assim a vida deles, naquela época. Até que meu pai mudou para Catanduva. Foi convidado. Tinha uma grande máquina de beneficiamento de café que eles exportavam café e tinha muito fluxo com trem, através de trem, naquela época. Era outra realidade bem diferente da de hoje. Hoje, essa máquina até existe, uma máquina bem grande, imensa lá em Catanduva, mas está deteriorada e fechada. Eu acho que a família decretou falência, alguma coisa assim, mas meu pai se aposentou trabalhando nessa máquina. Não tenho lembrança de meus avós. Eu tenho só as histórias deles. Tenho uma baciada de irmãos (risos) Uma baciada de irmãos. Nós éramos em nove. Agora perdi uma irmã e somos em oito. A maioria deles, das mulheres, foram ser donas de casa. Algumas conseguiram estudar e trabalhar em outras coisas. (emoção) É que lembro a infância, mexe. Faz tanto tempo que a gente não fala e não relembra, é incrível. Meus irmãos, alguns deles trabalharam na agropecuária também, outros foram para São Paulo tentar uma vida melhor, conseguiram trabalhar. Um irmão meu trabalhou na Gessy Lever, o outro foi ser caminhoneiro e os gêmeos conseguiram se formar: um é farmacêutico. Eu consegui me formar, sou enfermeira e tenho uma irmã que é administradora. Os demais todos se deram bem, embora a gente tenha uma origem muito humilde, mas eles conseguiram, todos os nove, ser trabalhadores. Seguiram a mesma filosofia de trabalho do meu pai, de trabalho, dedicação,...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Maria Marilene Rogante. Nasci em Catanduva, São Paulo, em 23 de janeiro de 51. FAMÍLIA Meu pai é Luis Rogante, minha mãe Maria Catelã. A minha família é de origem italiana. Meus avós são imigrantes e ficaram na região de Araraquara, para onde meu pai também foi depois. A família do meu pai, meus avós, foram para Dobrada e da minha mãe também. Os dois imigrantes italianos, dos dois lados. E sempre trabalhando em fazenda, na agricultura. Era assim a vida deles, naquela época. Até que meu pai mudou para Catanduva. Foi convidado. Tinha uma grande máquina de beneficiamento de café que eles exportavam café e tinha muito fluxo com trem, através de trem, naquela época. Era outra realidade bem diferente da de hoje. Hoje, essa máquina até existe, uma máquina bem grande, imensa lá em Catanduva, mas está deteriorada e fechada. Eu acho que a família decretou falência, alguma coisa assim, mas meu pai se aposentou trabalhando nessa máquina. Não tenho lembrança de meus avós. Eu tenho só as histórias deles. Tenho uma baciada de irmãos (risos) Uma baciada de irmãos. Nós éramos em nove. Agora perdi uma irmã e somos em oito. A maioria deles, das mulheres, foram ser donas de casa. Algumas conseguiram estudar e trabalhar em outras coisas. (emoção) É que lembro a infância, mexe. Faz tanto tempo que a gente não fala e não relembra, é incrível. Meus irmãos, alguns deles trabalharam na agropecuária também, outros foram para São Paulo tentar uma vida melhor, conseguiram trabalhar. Um irmão meu trabalhou na Gessy Lever, o outro foi ser caminhoneiro e os gêmeos conseguiram se formar: um é farmacêutico. Eu consegui me formar, sou enfermeira e tenho uma irmã que é administradora. Os demais todos se deram bem, embora a gente tenha uma origem muito humilde, mas eles conseguiram, todos os nove, ser trabalhadores. Seguiram a mesma filosofia de trabalho do meu pai, de trabalho, dedicação, honestidade. E acho que é isso que mexeu agora porque nós somos... Nós éramos em 11 e não conheci dois que tinham morrido antes de eu nascer e agora recente eu perdi uma irmã. Mas todos e todas são trabalhadores e estão levando uma vida bacana, normal, com sobrinhos, família, etc., a família crescendo cada vez mais, se multiplicando. MIGRAÇÃO Eu vim para Campinas em 1972. Eu trabalhava e estudava. Sempre em colégio público. Me formei, naquela época, no científico. Tentei fazer uma faculdade, eu queria ser enfermeira, mas a gente não tinha formação. Em 1970, você não tinha informação do que existia em São Paulo, onde existiam as faculdades. Eu sabia que em São José dos Campos tinha uma escola técnica de enfermagem. No ginásio onde eu me formei, vi num mural que lá tinha esse curso técnico e eu entrei em contato. Eu queria fazer o técnico em enfermagem. Eu trabalhava, nessa época, já me formando, não tinha o que fazer lá em Catanduva, fui fazer uma faculdade de matemática lá em Bebedouro. Eu fiz seis meses de matemática, trabalhando numa loja de cristais e pratarias, num comércio lá de Catanduva. Eu estava embrulhando um cristal no jornal, para ficar bem firme, e olhei o jornal que era recente. Estava: “Campinas abre faculdade de enfermagem”. Foi onde eu tomei conhecimento. E que os três primeiros colocados, ganhariam bolsa. Eu fui a segunda. Então, eu vim pra cá, fiz a faculdade com bolsa, durante esses quatro anos, me formei na PUC de Campinas, assim que a faculdade abriu. Sou da primeira turma da faculdade de enfermagem de Campinas. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Recebi um convite pra trabalhar no Hospital das Clínicas em São Paulo e eu queria também fazer outros cursos de aperfeiçoamento. Na época, ainda não tinha mestrado nem doutorado, era mais curso de especialização. Logo depois, surgiram na USP, os cursos de mestrado e doutorado, mas aí eu já tinha partido para as especializações. Eu fiz especialização em médico cirúrgico; fiz no São Camilo, administração hospitalar. Depois saí do Hospital das Clínicas, por convite, para trabalhar na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Depois que conheceram meu trabalho, o Oswaldo Cruz ficou interessado e me convidaram para ir pra lá, pra UTI do Hospital Oswaldo Cruz. Eu acabei pulando de um hospital para outro no intuito mesmo de conseguir ganhar experiência profissional. Eu também tinha interesse em retornar para Campinas; eu não queria fazer a minha vida em São Paulo. O Hospital Oswaldo Cruz até fez proposta para eu ir para a Alemanha, para me interar e ficar mais anos lá com eles, mas eu já tinha feito a opção: o meu marido é de Campinas, já conhecia, meu namorado e depois eu decidi mesmo, prestei concurso público na Unicamp, lá na Santa Casa de Misericórdia. Ainda a turma falava: “Você vai sair daqui de São Paulo e vai segurar os pilares da Santa Casa.” Eu falei: “Não é bem assim. A gente pode estar também modificando toda essa história” Eu vim com bastante experiência profissional porque eu já tinha passado na unidade de choque, pronto socorro lá do Hospital das Clínicas de São Paulo, e mais as experiências nesses hospitais particulares. Fiquei aqui na Unicamp. Na época, a Unicamp ainda não tinha faculdade de enfermagem. Em 78, eles abriram a faculdade de enfermagem, começaram em 79. Eu tinha duas possibilidades: ou ficar na assistência ou ir para a docência. Eu escolhi ficar na assistência. Quando eu cheguei aqui era outra realidade, diferente de São Paulo, era tudo muito pobre, a enfermagem não tinha normas, não tinha rotinas, não tinha procedimentos, cada um fazia uma coisa. No Hospital das Clínicas, a maior parte da minha experiência profissional foi na área de terapia intensiva. Aqui faltava método para cuidar do paciente, aquilo me assustava muito. Eu comecei a descrever todas as técnicas de enfermagem, tanto as básicas quanto as especializadas, para poder treinar os funcionários. Eu fiz com esse intuito, de ajudar a enfermagem a ter uma normatização dos procedimentos. Eu fiz dois livrinhos, pela própria Unicamp, para servir como treinamento: “Procedimentos Especializados” e “Procedimentos Básicos”. Fui me envolvendo cada vez mais com essa assistência e menos querendo docência, porque tinha alguma coisa que fazer na assistência, não parava aí. Em 86, a gente veio pra Barão Geraldo, no Hospital das Clínicas. Trabalhei desde a fundação do hospital, ajudei a organizar o hospital desde ver a planta física, propriamente dita, que a gente era chamada para dar opinião de fluxo de pessoal, fluxo de roupa, fluxo de lixo, alguma opinião em central de material esterilizado, centro cirúrgico que compunha uma unidade do paciente. Eu ajudei a planejar toda essa parte de fluxo e de material, de equipamentos do hospital, com foco na UTI. Assim foi a minha vida até me aposentar no HC. Trabalhei em várias áreas de administração e depois, no final, fiquei na assessoria de recursos materiais na superintendência do Hospital das Clínicas. Eles viram que a enfermagem tinha que cuidar da administração desses produtos e equipamentos, tinha que dar uma assessoria para a superintendência nessa área, que não tinha padronização de materiais. E isso foi feito na unha também. Na época, não tinha nada. Por exemplo, seringa, agulha, tudo o que você possa imaginar desde uma atadura até um equipamento, não tinha nada descrito, nada padronizado. Vinha produto de tudo quanto é canto e você era obrigada a comprar aqueles produtos sem qualidade. Eu fiz toda a padronização, a descrição desses produtos, vendo sempre a parte técnica legal, da Anvisa, do Ministério da Saúde, Inmetro, enfim, toda a parte de legislação, todas as RDC, portarias. Fazia essa parte de assessoria nas compras de todos esses produtos até me aposentar. Me aposentei e falei: “O quê eu vou fazer agora?” Entrei em desespero porque a gente nasceu trabalhando, é complicado você parar e eu gosto muito da enfermagem. Eu falei assim: “Eu sempre sonhei com...” Quando puseram uma loja de produto hospitalar no centro, eu falei assim: “Um dia também eu vou colocar uma loja de produtos hospitalares.” Eu gostava muito dessa coisa que envolve o paciente. Eu não fui a primeira que colocou a loja lá, foi um rapaz que montou a loja e eu falei: “Não é possível, o rapaz teve a mesma idéia que eu Eu estava esperando aposentar para colocar, como que ele me vem na minha frente?” Eu fique arrasada Fiquei muito chateada. Fui conversar com ele: “Ah, senhora, isso daqui não dá dinheiro, não dá nada, eu vou vender a loja.” Eu falei: “Eu compro” (risos) Comprei a loja, me aposentei e estou tocando a lojinha, mas com o objetivo maior de cuidar da parte ergonômica da saúde do trabalhador, propriamente dita, da parte ergonomia e dos dispositivos para idosos. Mas aí você vê que a realidade é outra, não tem como você só focar nisso. O Brasil ainda está muito atrasado nesse aspecto da saúde do trabalhador; tem muita coisa para fazer, muito dispositivo para ajudá-los a trabalhar melhor, a não se acabar muito porque é coluna, todas essas doenças que são repetitivas; a enfermagem faz muito peso, carrega, faz muita força. Seria o ideal, a gente estar empregando algum dispositivo no Brasil. Mas não consegui ainda não Só lancei a idéia e fiquei mesmo naquele trivial que é o comércio de produtos hospitalares. INFÂNCIA Tenho uma lembrança muito boa da infância. O meu pai era uma pessoa muito especial. Ele sabia tirar leite de pedra. Ele tinha, para nos sustentar - ele tinha sempre o como garantir o conforto da família, o básico – uma cabra, que ele tirava o leite, dava leite para gente. A gente tinha horta, pés de fruta. Eu morava próximo ao centro da cidade, a minha casa ficava entre o rio e a estrada de ferro e nesse pedaço tinha bastantes árvores, tinha tudo para dar o sustento da família. Ele tinha a criação de porcos, de galinha e a horta. E eu lembro da minha infância muito feliz, muito Não sei andar de bicicleta, não sei (risos) Os meus irmãos sabem. Tinha uma bicicleta para os nove; as meninas ficavam de fora. Eu nem sei se as outras minhas irmãs sabem andar de bicicleta. Os meus irmãos sabem. (risos) Mas foi uma infância maravilhosa. Eu me lembro eu ia a pé até o grupo escolar. Lá eu tinha tratamento dentário, tinha os professores e, naquela época, eu já falava para minha professora do primeiro ano, que eu queria ser enfermeira. Eu tenho uma lembrança muito boa, a minha infância foi muito boa, minha mãe também sempre dedicada, costurava, fazia todas as nossas roupinhas, a roupa de um passava para o outro e assim vai; o sapato de um passava para o outro. Mas a gente tinha o básico, não no sofrível. A gente não era miserável. Era pobre, mas não era aquele pobre miserável, por quê? Porque o meu pai com todo esse bando de filho, conseguia ter tudo isso planejado, que dava alimentação pra gente, tinha o porco, tinha a carne, tinha a banha, não tinha geladeira, mas tinha as latas de banha com as carnes que eles punham no meio, tinha lingüiça pendurada, tinha um cômodo que era só para deixar essas carnes virarem secas, ficarem depurando lá na conserva, sei lá, nos varaizinhos. A necessidade de alimentação, graças a Deus, ninguém teve por causa dessa sabedoria do meu pai. O meu pai sabia como fazer no meio de nada. Até conseguir juntar o dinheirinho, construir uma casinha pra gente com dinheiro dele. Mas eu acho que era porque a gente estava numa cidade do interior e meu pai sabia como fazer com as coisas naturais do ambiente. O que tinha ele tirava do ambiente mesmo, que era verdura, era inhame, era cenoura, mandioca, enfim, a gente tinha tudo na nossa mesa, tinha tudo. Tinha a galinha, não tinha carne de vaca que era difícil, mas porco, galinha, carneiro; ele tinha carneiro, ele tinha criação e plantação de tudo. A minha infância foi boa, foi legal acompanhando meu pai, ele torrava café em casa, no torrador, não comprava café. Ele tinha pé de café, ele debulhava - que ele tinha experiência também de lá -, deixava secando. Ele trabalhava muito para prover o nosso sustento. Tinha um armazém aonde você ia e o meu pai falava: “Não quero caderneta.” Eu lembro que ele não aceitava comprar e pagar depois. Ele tinha que comprar o arroz, o feijão - porque as outras coisas, ele tirava do próprio quintal -, alguma coisa ou outra, um tomate, alguma outra coisa que não dava lá na terra. Era o básico dos secos e molhados, da lojinha, do empório, que ele pegava; era arroz e feijão mesmo. O açúcar, ele comprava, mas acho que eram essas três coisas básicas. O armazém era uma coisa simples, de duas portas que tinha os sacos de café, os sacos de estopa de café, esses sacos com arroz, com feijão. Tinha lá as latas de óleo. Eu lembro muito vagamente do que tinha. Tinha alguns poucos enlatados, acho que mais sardinha. Ou tinha aquelas sardinhas secas com sal, para vender, os bacalhaus. Tinha a lingüiça. A gente fazia passeio, às vezes, de trem. Os meus irmãos, a gente falava: “Vamos até São José do Rio Preto de trem?” Então a gente juntava lá um dinheirinho e ia. Os meus irmãos trabalhavam vendendo frutas. Tinha irmão que antes de ir pra São Paulo tentar a vida, o que eles faziam? Eles trabalhavam com frutas, verduras no mercado municipal. Algumas coisas que o meu pai colhia do quintal. Eles vendiam ovos também nesse mercado. E aí quando eles juntavam alguma coisa, a gente pegava ou ia até São José do Rio Preto, ou ia no máximo até Santa Adélia e voltava, nunca fomos até São Paulo. Pra gente já era outro mundo. E acho que nenhum deles nunca foi até São Paulo até a maioridade. A gente só ficava naquele pedaço. Do trem a gente até acostuma com o barulho. Porque a minha casa ficava no meio, entre a linha do trem e riozinho, o rio São Domingos. Era o barulho que tinha. Você sabia que era o horário de você acordar, que tal trem significava que você teria que ir dormir. E, no início, não tinha nem energia elétrica. Aquele farol do trem quando chegava... Tinha um galpão grande, próximo, que era um barracão de café, e a gente fazia cineminha enquanto o trem passava. Fazia teatro, enfim, a infância da gente era isso aí. Das raízes do bambuzal, a gente fazia casinha, dividia o quarto. Brinquedo, nós não tínhamos, era muito difícil, então, era uma boneca de pano com carrinho, meus irmãos faziam algum carrinho, meu pai fazia, pra eles, com madeiras. A gente tinha um carrinho de rolimã. Um dia, o meu pai fez uma charretinha pra gente, uma carrocinha. Ele tinha um, acho que, um carneiro que puxava. Eu nem lembro se era cabrito ou carneiro. Puxava um pouquinho só, pra gente se divertir. Comprava aqueles sacos – ô, comprava – aqueles sacos que a gente punha nos barrancos pra descer, enfim, nadava. Era só mais essa coisa da natureza mesmo. Uma infância bem diferente de hoje. Hoje a tecnologia, a molecada que tem, é uma coisa impressionante. Os meus filhos, o que tiveram, em relação a mim? Nem foto, eu tenho de infância, que a gente não tinha mesmo. Eu acho que o meu pai nem se preocupava em tirar foto, tirou foto dos dois últimos filhos que eram gêmeos, os demais ninguém tem foto de criança. A preocupação era só garantir a sobrevivência da família mesmo. FORMAÇÃO Fiquei muito feliz de ir pra escola. Tenho boas lembranças. Era Grupo Escolar São Francisco, do bairro São Francisco, lá próximo. Eu lembro que tinha professora que passava pra ver quantas crianças havia e tinha que ir pra escola. Quando me chamaram, “ela já tem que ir para escola”, eu fiquei toda feliz. Eu lembro que a gente não tinha nem lápis de cor. Era o caderno e o lápis; eram os nossos instrumentos básicos de escola. Lembro bem da minha professora primária, lembro de tudo e foi tranqüilo. Eu tinha os meus irmãos, na época, que fugiam da escola, não iam e vinha o inspetor, pegava e levava de volta. Tinha um que dava um trabalho violento, não gostava de estudar, mas os demais não. Todos nós íamos pra escola. Lá tinha assistência odontológica, eu lembro bem que eu fazia os meus tratamentos dentários lá. Aí eu fui pra uma escola profissionalizante, a escola industrial que tinha aberto lá. Eu falei: “Ah, eu quero ir nessa escola” Tinha exame de admissão, na época, eu prestei, entrei nessa escola. Porque lá você aprende outras coisas, tinha a área de culinária e para os meninos tinha mecânica. Mas eu sempre fui para a área de biologia, eu dissecava, empanava gato, dissecava sapo, sempre gostei mesmo dessa área de biologia. Acabei nem me aperfeiçoando na culinária. Saí dessa escola, que eram três anos, e fui para a Barão do Rio Branco que era o ginásio estadual de Catanduva. Ginásio Estadual Barão do Rio Branco de Catanduva. Lá eu fiz os três anos e o científico. Aí eu me formei e fui fazer a faculdade de matemática. Imagina Não tinha nada a ver comigo, mas era o que tinha e eu não queria ficar parada, eu queria fazer alguma coisinha. Mas aí logo eu descobri a enfermagem e vim pra cá. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL A gente tinha que trabalhar. A minha mãe - ela era um sarrinho - reunia no final do mês todos os filhos e falava: “Ó, gente, a gente tem tudo isso de conta pra pagar.” Então, todo mundo trabalhava, nem que fosse pra vender laranja, mas a pessoa saía pra vender laranja. Eu trabalhava numa loja, comecei dando uma ajuda, fazendo cafezinho, organização da loja, pra depois eu ser caixa; fui crescendo. A minha mãe sentava e falava: “Olha, nós gastamos ‘x’. No mês que vem, vai ter que gastar menos.” E ela falava: “Gente, gasto é que nem unha, cresce sempre, a gente tem sempre que cortar” Eu falo essa frase nas aulas que eu dou porque ela sempre falava isso e é uma verdade. E todo mundo tinha que colaborar em casa de alguma forma, nem que fosse um pouquinho, mas tinha que dar, ou mesmo se virar pra pagar os seus estudos. Era tudo com o trabalho da gente. Se a gente quisesse estudar, a gente tinha que trabalhar e pagar os estudos. Eu gostava muito do comércio. Quando eu fui trabalhar nessa loja, nossa Logo eu já estava vendendo. Eu gostava dessa parte de comércio. Acho que nasceu até lá essa coisa de comércio, a gente não puxa as idéias, mas agora, conversando com vocês, talvez seja até isso: foi uma coisa que veio pra mim na infância, uma oportunidade de trabalho que eu gostei demais, na época. Eu gostava desse contato com o público. Eu gosto muito da loja, por exemplo, agora que eu sou aposentada, de estar podendo passar algum conhecimento meu, de conforto para o paciente, tem diversas formas para você aliviar aquela pessoa doente. Tanto é que eu atendo. Na loja, você me vê no balcão o tempo inteirinho, atendendo a população. Eu não fico na administração da loja. Eu sou atendente porque se não, eu acho que eu não tenho objetivo. Se você não se relaciona com as pessoas, não passa aquilo que você sabe para as pessoas, então não tem porque continuar trabalhando. Eu tinha esse sonho do comércio, de colocar alguns dispositivos que aliviassem um pouco, ajudassem os idosos e o trabalhador de enfermagem. Vem uma pessoa que está debilitada ou com o parente debilitado, não sabe o que amenizar aquela dor ou quais os cuidados que deve ter, então aí eu já oriento: “Olha, faça isso, faça aquilo.” O comércio não deu dinheiro não. Nem sei se vai dar. Eu estou chegando à conclusão que é muito sofrível porque você além de ter todos os impostos – o que é um absurdo - você tem que ter o funcionário, um, pelo menos. Dois, nem pensar Porque você não consegue pagar dois funcionários. Além disso, você tem que comprar, você paga caro, você paga tudo com nota. Meus clientes estão na universidade. Isso é sazonal. Na época de férias, você não vende. Por isso eu acho difícil progredir. Pode ser que progrida pela disponibilidade de materiais, se a gente conseguir ter preço ou pelo atendimento. Pode até ser que cresça a população de Campinas, de algum lugar que venha a comprar lá. Se ficar só com a população da Unicamp, o comércio não prospera. CIDADES / CAMPINAS / SP Eu fiquei impressionada, quando cheguei aqui. Catanduva era pequena e aqui, na época, eu acho que tinha quase 300 mil habitantes, uns 200 e poucos mil habitantes. Era muito grande pra mim. Eu achava lindo Não tinha shopping ainda. Aquele comércio, a Rua Treze de Maio, a estação do trem... Quantas vezes eu não vim de Catanduva pra Campinas com o trem Aqui foi um impacto muito grande na minha vida. A gente descobrindo que o mundo era grande, que eu tinha que fazer muitas coisas, que não era só Catanduva, o meu mundo era muito maior que Catanduva. Aí que eu fui conhecendo, viajando, pra Santos, pras praias, fui até a Bahia num congresso de enfermagem. Aí que eu fui descobrindo o mundo porque enquanto eu estudava, eu também fazia bico. A gente vivia de bico na vida, trabalhando, você também tinha que se sustentar de alguma forma. Eu cobria as férias de uma enfermeira da DuPont, ganhava um salário de uma enfermeira e com esse dinheiro, eu conseguia até viajar. Fiz congressos, na Bahia, em São Paulo, então consegui me virar, pagar a minha estadia aqui com a ajuda de uma irmã, também. COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu percebi que o comércio de Campinas se baseava mais naquele centro. Isso nos anos 70. Eu não lembro o nome de uma loja, mas eu gostava de uma loja que eu comprava umas blusinhas, porque a gente vivia mais com uma calça jeans e quase não comprava... Era mais uma blusinha e outra que eu ia nessa Treze de maio. A Marisa não existia. Eu lembro do Bongo, que era uma loja que tinha tudo, desde brinquedo até utensílios domésticos, tipo um magazinezinho, tinha talheres, tinha panela, pratos, aviamentos, enfim, tinha tudo nesse Bongo. Eu lembro que ficava lá na Treze de Maio. Tinha o Mappin, lembro do Mappin, mas eu não entrava porque eu só achava bonita, a loja muito linda, mas não comprava. Depois veio o Eldorado, supermercado Eldorado. MORADIA Eu morava aqui no centro. Morei em diversas repúblicas no centro de Campinas quando era estudante. Depois que eu casei, já estava em situação melhor, já era uma profissional e tinha a minha casa. O primeiro bairro foi aqui no Jardim Bonfim. Depois fomos para o Auxiliadora e depois, quando o hospital mudou para Barão Geraldo, fomos para lá. A gente foi antes até. Acho que fomos em 84, pra Barão Geraldo e de lá a gente não saiu mais. Adoro Barão Geraldo, é a minha vida UNICAMP Eu acho que o comércio de Barão Geraldo vive da universidade. A universidade trouxe pra Barão Geraldo professores, muitos professores que se formaram lá, trouxe mais conhecimento. Eu acho que Barão Geraldo era nada, era mato. Hoje com a vinda dos professores morando lá em Barão Geraldo é que progrediu muito, veio bastante comércio, não tinha nada, tinha uma casa de carne, uma feirinha, uma lojinha de roupa, a farmácia. Hoje virou uma cidade com a influência da Unicamp. A Unicamp mudou a vida de Barão Geraldo. Eu acho que daqui a pouquinho se transforma numa cidade. O que tem de aluno Imagina se tinha casinha, república de aluno? Agora você vê um comércio, essa república de alunos. Lá mesmo onde que eu pus a minha loja, não tinha nada, era mato. Onde tem a Cirúrgica Cristal hoje, era só mato. Hoje tem lá Espaço Branco, têm restaurantes, mas é tudo graças à Universidade. A população ganhou com isso. O que a Unicamp e o hospital trouxeram para população foi fora de série Faz grandes cirurgias, de grande complexidade. Só trouxe benefício pra Campinas. Não só pra Barão Geraldo, pra Campinas, pra toda região e pra muitos outros estados que não tem o recurso que a universidade tem. Eu falo que Unicamp é uma mãe. Minha filha estuda lá. Faz Engenharia de Alimentos. Eu falo que ela sempre estudou no quintal de casa, que ela estudou no Rio Branco, hoje faz a faculdade lá, conseguiu e tem projeto Fapesp que ajuda com bolsa. A universidade dá muita coisa pra quem quiser aproveitar dela, pra quem tiver a capacidade de chegar até ela também. A milha filha, por exemplo, usufrui uma coisa que eu nem pensei, eu não conseguiria nunca usufruir, no passado; a gente não tinha essas oportunidades. Ela dá essa formação estupenda, gratuita. Eu acho que Campinas só se beneficiou com a universidade. A Unicamp é uma referência em tudo, em tudo. Na tecnologia, nas faculdades de engenharias, quantas coisas se desenvolveram? Antes era intra-muros, agora a Unicamp virou extra-muros, está desenvolvendo muitas pesquisas. Antes ficava só na gaveta, mas agora não. No hospital, nem diga. Você vê transplantes. Os indivíduos, na minha época, morriam, essa população morria antes de chegar ao hospital. Hoje não. A Unicamp virou centro nacional de referência. É muito forte e vai continuar sendo porque lá tem bons profissionais, excelentes docentes, que se dedicam. Agora, até quando o governo vai conseguir bancar tudo isso, a gente nunca sabe. As universidades públicas têm que existir para girar toda essa máquina que é o Brasil. Se não eu acho que a gente ficaria mais pra trás ainda. Todo comércio ali de Barão Geraldo gira em torno da universidade. Só, puramente, em torno da universidade. COMÉRCIO DE BARÃO GERALDO Eu investi e não sei se eu vou ter retorno financeiro. Eu teria que ser uma empresária mais audaciosa. Eu tinha que ter mais força, ser um pouquinho mais jovem ou ter mais condições financeiras para tentar divulgar mais esse comércio além daquele meio da Unicamp, porque Barão Geraldo mesmo não vive da loja, vai pra cidade. Não conhece o comércio de Barão de Geraldo. O povo de Barão Geraldo não sei se pensa que é mais caro, então vai para o outro centro da cidade. E o centro da cidade é forte nesse ramo de produtos hospitalares, tem várias cirúrgicas; tem uma cirúrgica que o cara tem três lojas. Ele é empresário e começou desde a década de 70, vendendo lá. Então, Campinas habituou com esse comércio. Eu procuro, por exemplo, ter preço competitivo. O mesmo preço que a cidade tem dos produtos a não ser que eles comprem - eles compram, às vezes, de batelada e eu compro um pouco menos, mas o que eu consigo de dar de preço naquele produto eu tento chegar perto, menos ou igual ao preço de qualquer outro comércio lá de Campinas. Eu converso com os outros lojistas e eles falam dessa dificuldade, que o povo de Barão Geraldo não privilegia o comércio de Barão, vai buscando preço menor ou qual outra qualidade. E lá Barão Geraldo tem agora qualidade, têm várias lojas, vários supermercados. A gente consegue atender esse cliente em todos os aspectos. Se a gente não tem o produto, a gente vai buscar esse produto pra esse cliente, não era motivo dele também sair. Eu consegui fazer bastante coisa, coloquei um site na internet de Barão, “Barão em Foco”. A lojinha está lá. E fora o atendimento personalizado, tenho bastante experiência nisso. Minha experiência, eu trouxe para esse comércio, eu tento transmitir isso para os meus clientes. Tenho um funcionário que estou treinando. Qualificando uma pessoa. Quer dizer, esse comércio está servindo, dando oportunidade pra outras pessoas, parece que faz a diferença, é uma sementinha aqui, outra ali. Então, de todo jeito, onde você se entusiasma, vai ficando. PRODUTOS Um dos produtos mais vendidos na minha loja é colchãzinho caixa de ovo. Densidade 33 que é preconizado pelo Hospital das Clínicas. Depois vem os ortopédicos, talinha que a pessoa já está arrebentada, vai lá por tala porque tem dor na mão, virou o pé, bota de proteção. Mas é isso. E aí na parte pra domicílio, colchão e talas, os produtos ortopédicos mais. Produtos ortopédicos e de prevenção de úlcera, de pressão, que são os colchões, as almofadinhas que a gente tem diversas no mercado. E para os alunos, que a gente tem os estetos, o esfígmo, o aparelho de pressão que eles vêm muito atrás, pincinhas básicas. Esse é o forte, mas eu vendo tudo o que pedirem: “Eu quero um cardioversor.” Eu sei onde comprar, eu vou, vendo sem problema nenhum. Mais esse trivial: luvas, etc. LIÇÕES DO COMÉRCIO Eu gosto muito. Acho muito bom, muito gostoso esse relacionamento. É claro que tem sempre aquele cliente que já chega te dando pontapé, vem te agredindo. Eles te tiram o chão aquele dia, te derrubam. Tem gente que vem grosso mesmo, falando com a gente. É uma coisa que você não acredita que no comércio tem esse tipo de pessoa. Acho que vem com algum problema sério e joga em cima de você, mas é muito pouco, graças a Deus Tem muito pouco indivíduo assim, a grande maioria gosta, você explica. Uma cadeira de banho: “Quantos quilos a pessoa pesa?” Então vai levar o produto certo pra casa. O andador: “Quantos quilos a pessoa pesa? Ah, então tem que ser esse tipo de andador.” A muleta, como regula, quantos centímetros tem que ficar abaixo da axila. Então essa orientação: “Não, a bengalinha não é desse lado que você tem que andar, usar é do lado oposto.” Todas as orientações, desde como usar uma bengala. Eu acho que os indivíduos saem de lá satisfeitos. Ou no cuidar de ferida: “Como está a pele do seu parente?” “Ah, assim, assado.” “Olha, então, você faz assim, assado, trata dessa forma.” Então você dá pra ele algumas referências, dicas de como cuidar, do melhor tratamento pra aquele paciente acamado. Ele sai muito satisfeito. E, além disso, eu tenho um grupo de pessoas que eu conheço do hospital que eu dou para ser cuidadoras, com quem não tenho nenhum vínculo financeiro comigo. São pessoas que foram amigas, que trabalharam a vida inteira e hoje são aposentadas, então, são cuidadoras e desenvolveram outras cuidadoras, treinaram. Então, eu falo: “Olha, tem fulana, beltrana que sabe cuidar direitinho.” Elas vão pra casa dessa pessoa, depois a pessoa volta pra agradecer. Eu acho que essa forma de informação para o cliente, esse atendimento é muito importante. Não adianta você ter o produto e ter um monte de atendente lá e vender. Eu acho que se eu mantivesse o comércio, se eu não puder um dia dar esse atendimento, eu acho que contrataria uma pessoa que conseguisse dar esse atendimento. Porque é muito importante a pessoa ver pelo menos o tamanho de luva que vai usar: “Ah, eu não sei o meu tamanho, se é P, M ou G?” Então, desde como usar uma luva, desde como dar um banho naquele paciente acamado, qual o melhor produto pra aquele paciente acamado. Esse atendimento é personalizado; na minha loja é personalizado. Não abro mão desse atendimento personalizado. Caso contrário eu deixo o comércio. (risos) DESAFIOS DO COMÉRCIO O maior desafio é a concorrência. Se você compra mil luvas é um preço; se você compra 500 é outro preço. Então, é a concorrência. Eu acho que tem que ter pesquisa de preço, mas não aquela pesquisa desleal. Eu acho que espaço tem pra todo mundo; tem que ser ético nesse aspecto e você percebe que alguns não são. Outra coisa, muitos produtos que não tem registro no Ministério da Saúde, eu não compro. É outro desafio no comércio de produtos hospitalares. Tem muita coisa sem registro que vem por outros meios, chega até a sua porta, é assustador. Então é complicado demais. Você tem que saber o que comprar, tem que ser tudo com registro e isso é outro desafio. É você não cair nessas armadilhas do mundo cinza. Eu falo mundo cinza. É um desafio você seguir sempre. CIDADES / CAMPINAS / SP Campinas era pequena, tinha lá a Santa Casa, alguns pacientinhos que a gente atendia, a universidade também não tinha tantas faculdades, era bem menor, tinha só medicina, algumas outras. Aquilo evoluiu muito. Campinas cresceu tanto quanto a universidade que é um mundo. Campinas virou uma cidade muito grande, com centros de referência como a Unicamp, faculdades, hospitais de referência, a PUC, a Unicamp, o Mário Gatti, enfim, Centro Médico Samaritano, o Vera Cruz. Cresceu demais, virou uma coisa imensa. Cresceu até mais que a universidade, mas eu acho que isso é a tecnologia mesmo que vem e traz esse desenvolvimento. Esse shopping imenso, o Dom Pedro que a gente falava que era o Piscinão de Ramos, na época. Tem tudo lá, tudo prático. Essa via Dom Pedro que tem vários supermercados, Carrefour, Galeria, Makro, Atacadão, Vila Nova. Então Campinas ganhou muito comércio, cresceu. Eu acho que esse pólo aqui da Dom Pedro virou um centro mesmo; acho que é pelo fluxo que vai pra tudo quanto é parte. A cidade enriqueceu muito. Campinas está enriquecendo e ganhando com esse comércio todo. Condomínios, você não tinha. Agora têm muitos condomínios. A violência aumentou, é claro. Na época do Chico Amaral, veio muita gente pra Campinas sem ter nada, sem ter estrutura, sem ter emprego e aí virou banditismo, cresceu a violência e hoje está difícil segurar. Você vê na loja lá, uma coisa que me decepciona muito, o roubo. O cara chega, compra de você, você ingênua no comércio, você vende pra ele, você pega o cheque, você dá nota fiscal e ele não te paga. Então, o primeiro furo que eu tive foi de 2 mil e 800 reais. O cara veio e comprou. Outra decepção muito grande: um aluno foi, esses dias lá, cara de aluninho, você atende, expliquei, queria um adipômetro: “Ah, muito caro.” Fiz um preço menor pra ele, ele me deu um cheque fraudado. Então você se decepciona com isso, você fala: “Meu Deus do Céu, a violência está entrando dentro da minha loja.” Esses dias fui demonstrar um esteto pra um grupo de estudantes e sumiu um. Você vê que até dentro do comércio, a violência está invadindo a sua loja, por bandido ou por gente que se passa por aluno. É uma coisa que deixa a gente super chateada porque a única coisa que você tem que fazer num cheque fraudado é fazer boletim de ocorrência e foi o que eu fiz. Quem sabe um dia... Ou protestar aquele cheque. Mas fica tudo na impunidade. COMÉRCIO DE CAMPINAS Minha loja é um pequeno comércio. Consegui colocar só uma máquina de Master Card. Não coloquei o Visa porque a maquininha pega 4% de cada produto que você vende, mais o que você paga dessa máquina. Teria que ter um controle de estoque melhor porque aí o funcionário não tinha como te passar a perna. Quem está no shopping tem mais fiscalização, acho que deve ter. Acho que o pequeno comerciante sofre muito nessa parte de violência por roubo. LIÇÕES DO COMÉRCIO A gente tem que ter um suporte. Quem vai colocar uma pequena empresa tem que ter uma infra-estrutura melhor pra se garantir um tempo até progredir ou ter algum mecanismo que favoreça um pouco o pequeno empresário, para que ele sobreviva daquele negócio que ele tem. Eu vivi o outro lado da população. Por exemplo, lá no hospital era um mundo protegido, a universidade protege a gente em todos os aspectos, financeiro, legal, de conhecimento, ela te proporciona tudo enquanto você é funcionário. Então é muito rico, é muito boa aquela coisa de você estar sempre aprendendo, estudando, vendo a tecnologia melhorando cada dia mais, a ciência. Enfim, é um mundo em transformação constante. Fora disso, no comércio, você é responsável por aquele pedacinho seu, arca com todas as partes legais, você é responsável por sua parte legal, você é responsável por aquele seu funcionário, você é responsável pelo seu produto. Antes onde eu trabalhava, na universidade, eu era responsável sim, mas tinha a proteção da instituição. Agora, lá fora, você tem que se virar, você tem esse impacto. De início até me assustava, parecia que eu não sabia nem andar - para falar a verdade -, porque tudo você tinha que pensar: “E a parte legal disso? Como tem que ficar? Como vamos tratar esse aspecto?” Quando entrou um produto sem registro falei: “Meu Deus do Céu Eu, uma enfermeira que falo que um produto tem que ter isso e isso, eu mesma comprei um produto que veio... Acreditando...” Aí você tem todo aquele trabalho com aquele produto, com aquele fornecedor, você tem que cortar. É um impacto que não te faz bem num primeiro momento. Depois você vai vivenciando as necessidades daquela sua clientela, vai se ambientando naquele mundo e que aquele mundo acaba fazendo a sua parte, o seu cliente, aquelas pessoas que entram em contato com você no dia-a-dia vão te trazendo outras experiências. Você não tem aquele negócio todo de bandeja, tudo como a Unicamp me dava. Por outro lado, as pessoas também te trazem conhecimento. Do ponto de vista de contato com o ser humano é tão bom quanto o que eu vivenciei no hospital. Há pouco tempo, um catador de papelão, de material pra reciclar - ele e a filha fazem esse trabalho – e tem a mãe que estava doente, diabética, com outros problemas de saúde. Ele foi, juntou um dinheirinho pra comprar um aparelho de glicemia. Ele quis aprender como funcionava. Eu falei: “Mas quem vai fazer essa glicemia? Ou o senhor ou a sua filha terão que aprender a fazer essa glicemia capilar. Vai lavar a mão que é o senhor mesmo que vai aprender.” Com muita dificuldade, eu consegui que ele aprendesse a manusear a máquina pra fazer a glicemia. Fiz os exames dele e deram muito alterados também, a glicemia dele. Falei: “Olha, o senhor também é um diabético. O senhor vai ter que procurar ajuda urgente.” Aí ele fala: “Ah, eu tenho uma ferida no pé.” Eu falei: “Essa ferida do pé que não cicatriza?” “Dois anos”, ele falou pra mim. “Então, o senhor precisa procurar assistência.” Aí ele voltou, falou que estava em tratamento, que realmente, graças a minha paciência ele descobriu uma coisa que ele pode tratar porque senão ele poderia estar se complicando muito mais, ter a perna amputada. Isso me marcou bastante. E outras coisas, tipo pessoas que vêm comprar aparelho de pressão, você ensina como faz, como ver a pressão. Você não só vende o aparelho como você ensina e orienta. Pressão alta, o indivíduo estava com a pressão alta: “Olha, procura o médico.” Vai lá como curioso, quer comprar o aparelho - às vezes, nem compra - vão e percebem que tem hipertensão. Ou uma senhora que não tinha condições também que eu cheguei a ir na casa dela ensinar, isso daí me marcou também. Depois teve o retorno da família, a melhora dessa cliente. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu acho esse projeto muito importante. Eu fiquei muito contente quando vocês me convidaram. Fiquei orgulhosa porque eu pensei assim: “Eu vou poder contar alguma coisinha do comércio que vai servir pra alguém estudar mais e dar mais ajuda para o pequeno comerciante.” Eu acho que isso que vocês estão fazendo é bárbaro. Eu fiquei contente, muito feliz de dar essa entrevista. Não sei qual que vai ser o meu desfecho no comércio. Tenho certeza que essa entrevista e de outros vão poder ajudar os pequenos comerciantes de Campinas ou de outras cidades ou de outros estados. Por que não? Acho um trabalho maravilhoso você deixar sua vivência porque cada um tem a sua. Então podendo registrar de alguém, de um ou de outro, ajuda você a resolver outros problemas, de como melhor desenvolver ou parar para pensar um pouquinho mais. Acho que você, às vezes, nem pára para pensar, o dia-a-dia deixa a gente tão... Vocês falaram da minha infância, eu comecei a chorar porque há quanto tempo eu não falava de minha infância... Serve como reconhecimento de um trabalho e como ajuda para outros. Acho que é a mão divina que faz a gente ter uns encontros assim. A gente não entende o porquê das coisas. Vamos continuar (risos)
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