Nestlé – Ouvir o outro, compartilhando valores
Depoimento de Cássia Daniele Lima
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo, 24 de março de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV07_Cássia Daniele Lima
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
P/1 – Primeiro, Cássia, eu queria que você dissesse pra mim o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Cássia Daniele Lima, nasci em 14 de dezembro de 1979, aqui em São Paulo mesmo, capital.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, e se você se lembrar, também data e local de nascimento.
R – Eu nasci no Hospital João XXIII, que hoje já não existe mais, o nome da minha mãe é Maria Celiba e o do meu pai, apesar de eu não ser registrada no nome dele, é Silvano Cunha.
P/1 – Onde eles nasceram, você sabe?
R – Minha mãe nasceu em São José do Egito, Pernambuco, e o meu pai nasceu em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs de sangue por parte de pai, mas como eu não convivi com o meu pai eu não tenho contato com elas, então eu me considero filha única, vamos dizer assim.
P/1 – O nome delas?
R – Kátia e Kelly.
P/1 – Agora eu queria que você contasse pra gente onde você passou a sua infância e descrevesse um pouco, assim, a sua casa de infância e o seu bairro.
R – Eu sempre morei, eu nasci na zona leste, fiquei um ano morando na casa da minha madrinha e aí depois eu vim pra zona sul de São Paulo, na Água Funda, na qual eu vivo até hoje, né? Então, já são 33 anos morando lá. Assim, sempre convivi lá, as minhas férias eram coisas de ir ou pra casa das minhas tias, né, que eu tenho uma tia no interior e tenho uma tia que mora aqui também em São Paulo. Então, sempre fui pra casa das minhas tias passar férias, enfim, estudava e depois ia pras férias pra casa dos meus tios.
P/1 – Essa sua casa na Água Funda como é que era? Descreve um pouco pra gente.
R – Ah, tá, era uma casa super...
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Depoimento de Cássia Daniele Lima
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo, 24 de março de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV07_Cássia Daniele Lima
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
P/1 – Primeiro, Cássia, eu queria que você dissesse pra mim o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Cássia Daniele Lima, nasci em 14 de dezembro de 1979, aqui em São Paulo mesmo, capital.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, e se você se lembrar, também data e local de nascimento.
R – Eu nasci no Hospital João XXIII, que hoje já não existe mais, o nome da minha mãe é Maria Celiba e o do meu pai, apesar de eu não ser registrada no nome dele, é Silvano Cunha.
P/1 – Onde eles nasceram, você sabe?
R – Minha mãe nasceu em São José do Egito, Pernambuco, e o meu pai nasceu em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs de sangue por parte de pai, mas como eu não convivi com o meu pai eu não tenho contato com elas, então eu me considero filha única, vamos dizer assim.
P/1 – O nome delas?
R – Kátia e Kelly.
P/1 – Agora eu queria que você contasse pra gente onde você passou a sua infância e descrevesse um pouco, assim, a sua casa de infância e o seu bairro.
R – Eu sempre morei, eu nasci na zona leste, fiquei um ano morando na casa da minha madrinha e aí depois eu vim pra zona sul de São Paulo, na Água Funda, na qual eu vivo até hoje, né? Então, já são 33 anos morando lá. Assim, sempre convivi lá, as minhas férias eram coisas de ir ou pra casa das minhas tias, né, que eu tenho uma tia no interior e tenho uma tia que mora aqui também em São Paulo. Então, sempre fui pra casa das minhas tias passar férias, enfim, estudava e depois ia pras férias pra casa dos meus tios.
P/1 – Essa sua casa na Água Funda como é que era? Descreve um pouco pra gente.
R – Ah, tá, era uma casa super simples, eu venho de uma família muito humilde, né, eu morava, era um corredor que tinha várias casas. Era, eu lembro vagamente, assim, eu não lembro muito porque eu era muito pequenininha, era um cômodo só, eu morava com a minha mãe só num cômodo. Aí, depois eu mudei, fui pra uma outra casa, também num corredor, na mesma rua também, eram duas casas. Era muito legal porque, tipo assim, tinha muita criança, então a gente aprontava bastante, né, fazia brincadeira, coisas que hoje as crianças não fazem mais. Então, jogava muita bola, amarelinha eu pulava muito, jogava vôlei, pega-pega, esconde-esconde. Então, assim, eu fui uma criança, vamos dizer assim, de rua, né, todas as brincadeiras, que não tinha nada dessa tecnologia. Então, todas essas brincadeiras de rua, mãe da rua, estrela nova cela, todas essas coisas eu fazia quando eu era criança, sempre, eu acho que foi muito legal a minha infância nesse sentido. Aí, depois eu fui mudando de casa, depois eu fui morar numa casa maior, né, já na minha adolescência, eu fui morar numa casa maior, enfim. Aí, depois mudei, bem, com 28 anos de idade eu consegui comprar minha casa.
P/1 – Nessa fase de infância, que você tá falando que brincava muito na rua, tem alguma história marcante, que você sempre se lembre, conte pras outras pessoas?
R – Ah, tem uma, tem uma muita engraçada. A gente tava, a rua era assim, tinha um corredor aqui e tinha outro corredor, então um corredor ligava, eles não se ligavam, mas eles, dava pra gente pular o muro. E uma vez a gente tava brincando de pega-pega, esconde-esconde com os meninos, e aí a gente entrou pelo corredor, entrou na minha casa e os meninos, o que eles faziam? Se eles vinham por um lado a gente pulava o muro e ia pelo outro e vice-versa, né, só que eu tinha um amigo que ele era negro e eu lembro que ele tinha uma camisa do Corinthians, patrocínio da Kalunga ainda, e desse lado do corredor, do outro corredor, tava muito escuro, muito, muito, muito escuro. E aí a gente subiu em cima do muro esperando os meninos virem por esse lado, do quintal da minha casa, vindo por esse lado, quando os meninos viessem a gente já pulava pro outro lado. Ficou duas amigas em cima do muro e eu em cima do tanque esperando pra elas passarem, pra depois eu passar. Esse menino me deu um susto, ele pulou na nossa frente, fez assim: “Bu”, só que como ele era negro só apareceu a camiseta e os dentes, as três foram pro chão, né? E a gente deu muita risada, muita gargalhada, assim, é uma coisa que eu lembro, que marcou a minha infância justamente por causa disso, né, foi muito engraçado. E aí ele, até hoje a gente se encontra, ele não mora mais no mesmo bairro que eu, mas toda as vezes que a gente se encontra um olha pra cara do outro e começa a dar risada porque a gente lembra justamente desse dia.
P/1 – Machucou?
R – Machucou, machucou, minha amiga saiu toda ralada, saiu com a perna toda ralada, mas a gente, mas, assim, o problema era que era choro com riso, né, porque a gente não sabia se a gente ria ou chorava por causa do machucado, mas foi uma história, assim, que marcou, marcou bastante.
P/1 – Era na Água Funda?
R – Na Água Funda, na Água Funda.
P/1 – Como é que era o bairro na época? Em comparação com hoje o que você vê de diferença da época da sua infância?
R – Assim, o bairro evoluiu bastante, é um bairro, assim, não é um bairro pobre, pobre, pobre, mas ele evolui muito, né? Hoje já as pessoas tem uma visão totalmente diferente do meu bairro, ele cresceu bastante.
P/1 – Em que sentido, em que aspectos?
R – De moradia mesmo, eram casas mais simples, hoje as casas são melhores, tão construindo bastante prédios, o comércio aumentou, veio concessionária, veio banco, veio mercado, então deu uma melhorada no bairro em si. Mas infelizmente, assim, da minha época pra hoje eu acho que a droga, eu acho que não só no meu bairro, mas no mundo em geral, a droga tá muito mais fácil, né? E aí na minha época existia droga, mas era uma coisa, assim, mais fechada, a gente sabia qual que era o grupinho que usava, então a gente não se misturava, tal. Hoje é muito mais complicado, eu vejo a droga como um problema específico, tem um lugar que tem venda de droga e tem muita criança lá, então, assim, muitas coisas melhoraram, mas outras pioraram, né? Então eu acho que isso foi ruim.
P/1 – Você falou que você vivia com a sua mãe, né?
R – Com a minha mãe.
P/1 – Você chegou a conhecer o seu pai?
R – Conheci, conheci o meu pai eu tinha, a história é assim, minha mãe namorou o meu pai e minha mãe ficou grávida e aí ele falou que ia casar com a minha mãe, tal, não sei o que, e aí quando deu mais ou menos uns seis, sete meses que a minha mãe tava grávida ele sumiu, desapareceu. E aí minha mãe me teve e quando minha mãe, quando eu tinha mais ou menos uns três, quatro meses a minha mãe resolveu ir atrás do meu pai e conseguiu achar o local onde ele morava. Quando chegou lá, pra surpresa da minha mãe, minha mãe descobriu que o meu pai era casado e tinha duas filhas, aí minha mãe não quis mais saber dele, enfim, e me criou todo esse tempo sozinha. Quando eu tinha por volta de 11, 12 anos ela resolveu encontrar o meu pai pra eu conhecer o meu pai porque ela queria que eu conhecesse o meu pai. Só que eu tinha figuras, ela tinha um namorado e o meu tio, que são os meus pais, até hoje, ela não namora mais com ele, mas ele é o meu pai, ele vai na minha casa, ele me visita, enfim, a gente tem contato até hoje. E aí quando, mais ou menos de 11 pra 12 anos, pelas coincidências da vida, um funcionário da minha mãe jogava bola com o meu pai, e aí começaram a ligar as histórias, tal, e descobriram. Aí, a gente localizou o meu pai, o meu pai veio me conhecer, eu convivi com ele dos 12 aos 18 anos, a gente não tinha uma relação muito boa, aos 18 anos nós brigamos e aí eu voltei a ser só eu e minha mãe mesmo.
P/1 – Perdeu o contato.
R – Perdi.
P/1 – Você lembra desse primeiro encontro com o seu pai?
R – Lembro, lembro.
P/1 – Como é que foi?
R – Eu tinha 11 anos, eu ainda brincava de boneca, né, hoje em dia criança não brinca, de 11 anos não brinca mais de boneca, fui pra escola e aí eu saí mais cedo, eu não tive todas as aulas. E aí minha mãe jogava futebol, tinha quebrado a perna, tava em casa, então o pessoal vinha buscar ela do trabalho, trazia ela, ela tava em casa, eu passei em casa, falei: “Mãe, tô indo brincar de boneca na casa da Paula”, peguei minhas bonecas e fui pra casa da minha amiga brincar. Minha mãe tava com a perna machucada, passou um tempo assim, uma hora, duas horas no máximo, minha prima foi atrás de mim e ela me chama pelo segundo nome, Dani. Ela falou: “Dani, vem aqui que a sua mãe tá te chamando”, eu falei: “Ah, mas eu tô brincando”, ela falou: “Não, vem aqui que a sua mãe tá te chamando, tem uma surpresa pra você”. Aí, eu olhei pra cara dela e falei assim: “É o meu pai?”, aí ela olhou pra minha cara, ela não sabia o que falava, ela não falou nada, ela ficou muda, a gente desceu a rua, porque era na mesma rua, eu desci a rua, tal. E aí eu entrei no corredor, foi o corredor mais comprido da minha vida, né, enfim, aí eu entrei, quando eu entrei eu não tive qualquer tipo de reação, não tive, não tive qualquer tipo de reação. Ele que veio falar comigo, ele perguntou se eu podia abraçar, aí, tipo, eu fiz assim, tipo: “Tanto fez, tanto faz pra mim”, ele me abraçou, tal. E acho que eu me arrependo de não ter feito uma pergunta pra ele, porque filho é pra sempre, marido e mulher não é pra sempre e filho é pra sempre, e a pergunta que eu queria ter feito pra ele foi a seguinte: “Por que você me abandonou?”. Porque ele poderia ter tido a decência de falar pra minha mãe que ele era casado, mas queria me ajudar, me sustentar. Eu não passei fome graças à minha mãe, mas faltou alguma coisa, claro, falta alguma coisa, por mais que eu tive o meu tio, por mais que eu tive esse namorado da minha mãe, que me supria essa necessidade de pai, faltou alguma coisa. Eu sou, eu adoro, eu tenho os meus amigos que eu considero os meus irmãos, eu poderia ter contato com as minhas irmãs, poderia ter tido, eu sei que eu tenho uma sobrinha, até aonde eu sei eu tenho uma sobrinha, poderia ter tido esse, poderia ter sido uma vida diferente, mas, enfim, não foi. Acho que isso complicou bastante a minha relação com o meu pai porque nesses anos que a gente viveu, dos 11 aos 18, ele dava muito o foco em dinheiro, né, só dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro. E eu não fui criada assim, minha mãe não me ensinou a dar prioridade ao dinheiro, minha mãe me ensinou a dar prioridade às pessoas, então a gente teve uma relação bem complicada. Aos 18 anos aí não deu, aí eu tive uma discussão bem feia com ele e a gente desfez os laços e eu nunca mais tive contato com ele.
P/1 – Você chegou a conhecer suas irmãs?
R – Não, só por foto, eu vi por foto só, é que ele não podia falar da minha existência, né, ele não podia falar da minha existência pra família dele porque ele continuava casado. Então, se ele falasse que eu era fruto de uma traição dele eu sabia que as pessoas não, que, assim, as pessoas não iam entender que eu não tinha nada a ver com isso, entendeu, que foi um assunto dele com a minha mãe, foi pilantragem dele. Então, as minhas irmãs não me receberiam bem, a mulher dele não me receberia bem, falariam coisas da minha mãe que eu não aceitaria, então, assim, talvez eu também não tenha forçado pra conhecer, apesar que eu aprontei algumas, mas não tenha, não quis. Curiosidade lógico que eu tinha, mas talvez esse contato, justamente por causa da minha mãe, né, de fazer alguma maldade ou falar alguma coisa que eu não queria ouvir, eu sabia que não ia dar certo.
P/1 – Eu queria saber o que os seus pais faziam, assim, profissão, tanto o seu pai quanto a sua mãe.
R – Minha mãe, logo que ela me teve ela era telefonista numa empresa chamada Mendes Júnior, aí quando ela me teve a minha tia que cuidava de mim, a minha tia da foto, aquela tia da foto.
P/1 – Como é que o nome?
R – Laura. E eu chamava a minha tia de mãe, isso acabava com a minha mãe, né, e aí a minha mãe largou tudo pra ser costureira e ficar cuidando de mim, porque eu chorava muito na hora de embora, quando ela ia na casa da minha tia me buscar eu chorava muito, dava tchau pra minha tia e chamava minha tia de mãe. Então, isso era o desespero da minha mãe, falou: “Pô, vou deixar, não vou criar a minha filha?”, aí minha mãe largou tudo, virou costureira. Aí, depois minha mãe foi trabalhar no extinto Barateiro, no Supermercado Barateiro, minha mãe era caixa, depois virou administrativo, tal, e aí ela prestou concurso público e virou funcionária pública, né? Foi trabalhar de auxiliar de serviços gerais, só porque tinha creche lá, ela ganhava menos, mas só porque tinha creche, tinha estabilidade de emprego, tal, tudo por minha causa. E aí ela, graças a Deus, estudou e conseguiu sair de lá como diretora de serviços, tá aposentada há mais ou menos uns nove anos, hoje ela já tá aposentada. Meu pai, eu sinceramente, eu sei que ele trabalhava com coisas de embalagem, pra fazer embalagem, tipo pra fazer embalagem pra pasta de dente, sabe, embalagem em geral, enquanto ele namorava com a minha mãe, depois eu não sei qual o caminho que ele seguiu. Quando eu vim conhecer o meu pai ele tava fazendo alguns serviços pra uma transportadora e depois ele tava sendo porteiro numa empresa, depois eu perdi o contato e não sei mais o que ele fez da vida.
P/1 – Pensando agora nessa fase de infância, você vivendo com a sua mãe, como é que eram as refeições na sua casa?
R – Nossa!
P/1 – Assim, se vocês comiam juntas, se tinha mais gente, o que vocês comiam, como é que era a alimentação.
R – Ah, olha, eu juro pra você que eu não lembro o que eu comia, não lembro.
P/1 – Nenhuma recordação de infância?
R – Nossa!
P/1 – De alimentação?
R – Eu lembro de uma bolacha, eu lembro de uma bolacha, nossa, como tem coisa que marca a gente, né, principalmente criança, eram uns dinossauros, que dava uma mordidinha e a bolacha ficava com a mordidinha do dinossauro. Eu lembro disso, que não era tão fácil comprar como hoje é fácil comprar, você pega um real, vai lá, compra um pacote de biscoito que não tem marca, enfim, nem nada disso. Eu lembro que não tinha e passava o comercial na televisão e eu pedia pra minha mãe, e minha mãe falava: “Filha, eu vou comprar, vou comprar, eu vou comprar”, aí depois a minha mãe foi lá e comprou e eu me deliciei. Isso eu lembro, agora, de refeição não lembro.
P/1 – Não lembra como era almoço, janta?
R – Não lembro. É que é assim, o que que acontece? Minha mãe trabalhava o dia inteiro, então eu só via minha mãe de domingo, quando minha mãe saía eu estava dormindo e quando a minha mãe voltava eu estava dormindo. Então, minha mãe trabalhava de segunda a sábado, então eu só via minha mãe de domingo, e minha mãe arrumava a casa e tal, eu não lembro, sinceramente eu não lembro. Quem cuidava de mim era minhas primas, mas de comida eu não lembro, não.
P/1 – Nem dos seus tios, assim, refeição nos seus tios, nada assim?
R – Ah...
P/1 – Seu prato preferido, sua tia cozinhava, por exemplo?
R – Meu tio sempre, sempre, sempre, hoje não porque eu briguei com ele porque ele passou muito mal no ano passado, quase morreu, eu quase morri junto.
P/1 – Por quê?
R – Porque ele tinha uma alimentação péssima, sabe, um prato assim enorme, enfim, o médico proibiu tudo e depois do susto que ele deu ele mesmo maneirou. Aí, ele até brincou comigo, ele falou assim: “Eu não vou fazer mais feijoada pra você, tá bom?” e eu gosto de feijoada. E aí todas as vezes ele fazia feijoada pra mim, né, ele fazia, então se eu falasse: “Tio, eu tô querendo feijoada”, aí ele ia lá e fazia feijoada pra mim, então isso é uma coisa que o meu tio sempre fez pra mim. Hoje não mais porque eu também proibi ele de fazer, que eu não quero que ele faça mais porque ele não vai resistir, ele vai comer e não é bom pra saúde dele, né?
P/1 – Tem um prato favorito, você lembra?
R – Nossa, eu lembro quebra-queixo, nossa, passava quebra-queixo na rua, o meu tio comprava pra mim quebra-queixo, nossa, adoro quebra-queixo, até hoje se você me der um quebra-queixo eu vou me lambuzar. Tubaína, nossa, muita tubaína, tubaína de garrafa que os meu primos compravam.
P/1 – Bem de infância.
R – Bem de infância, tubaína. Gente, de comida... Eu fazia, eu tenho uma tia que casou muito velha e eu fui pra lá, ela é do nordeste, eu fui pra lá, eu fazia manjar branco pro meu tio, pro marido dela, eu também gostava, manjar é uma coisa que eu sempre aprendi a fazer e vivia fazendo.
P/1 – Quem te ensinou a fazer?
R – Uma amiga da minha mãe, que ela, minha mãe operou e ela foi morar um tempo na minha casa pra cuidar da minha mãe, então ela me ensinava algumas coisas e ela que me ensinou a fazer o bendito do manjar branco, então a sobremesa que eu mais fiz na infância foi manjar branco, era a única coisa que eu sabia fazer.
P/1 – E agora um pouco sobre a escola eu queria, qual que é a primeira recordação que você tem da escola?
R – Nossa!
P/1 – Que idade você tinha quando você entrou na escola?
R – Eu tinha sete anos, sete anos, eu acho que a minha professora, ela era um doce de pessoa, a Professora Alice, já era velhinha, ela já tinha bastante tempo e era uma simpatia, era um anjo, uma professora maravilhosa, acho que foi ela da primeira séria, acho que foi a minha professora, marcou bastante.
P/1 – Tem alguma história, alguma recordação com ela que você se lembra?
R – Lembro, pior que eu lembro, que, assim, eu sempre estudei em escola estadual e às vezes tinha merenda e às vezes não tinha merenda, e às vezes eles serviam ovo cozido e eu odeio ovo cozido, não gosto de ovo cozido, mas minha mãe gostava e eu pegava ovo, eu pegava ovo e levava pra minha mãe, né, porque eu sabia que a minha mãe gostava, eu levava ovo pra minha mãe. E uma vez eu esqueci o ovo debaixo da carteira e aí ela guardou o ovo pra mim, ela guardou porque ela sabia que era meu porque ela sabia que eu pegava o ovo pra levar pra minha casa. Eu não gostava, até hoje eu não gosto de ovo cozido, eu como se tiver numa maionese, tal, enfim, mas eu cozinhar ovo pra comer eu não gosto, e eu levei pra, eu lembro que ela guardou o ovo, ela guardou o ovo pra me dar. É lógico que o ovo tava estragado no outro dia, eu não ia dar pra minha mãe, mas eu achei bonitinho porque ela guardou o ovo porque ela lembrou que fui eu, acho que o que eu mais recordo dessa professora.
P/1 – Isso da merenda escolar, além do ovo, você se lembra o que tinha de merenda?
R – Ah, tinha uns mingau lá que era muito ruim, nossa, péssimo, era um pó rosa, um pó verde, um pó amarelo que misturava, não, não comia, não conseguia.
P/1 – Nada que você gostasse?
R – Nada, nada, nada, eu não comia, não.
P/1 – E a escola, como é que era? Você tem recordação dessa primeira escola, do espaço mesmo de escola?
R – Amei, amei porque tinha quadra, a gente corria, era um espaço superbacana, a escola era pequena no sentido de salas de aula, a gente só tinha 12 salas de aula, mas tinha quadra bacana, então a gente corria bastante. Tinha uma horta atrás da quadra, a gente corria, se escondia, então, nossa, foi muito bacana, assim.
P/1 – O nome da escola?
R – Marta, Marta Figueira Neto da Silva, existe até hoje.
P/1 – É perto da sua casa?
R – É perto, só que ela teve uma reformulação, porque eram duas escolas, né, Valentim e Marta, ambas as escolas tinham primário e ginásio, aí hoje mudou, hoje é, uma é só primário, a outra é só ginásio, né? Na minha época não, eu fiz, no Marta eu entrei na primeira e saí na sétima série porque eu tive que começar a trabalhar, então eu tive que estudar à noite, aí eu tive que ir pro Valentim estudar à noite.
P/1 – Era perto da sua casa?
R – É super perto.
P/1 – Você ia e voltava como?
R – A pé, é dois, três quarteirões no máximo. Quando eu estudava no Marta eu morava na frente da escola, então eu só descia a rua, aí quando eu fui pro Valentim eu já morava mais distante, uns três quarteirões mais ou menos, era perto, eu ia a pé.
P/1 – Você tinha, você falou dessa professora, mas mais pra frente, adolescência, tinha uma disciplina, uma matéria preferida?
R – Ai, eu sempre odiei Português, principalmente no colegial porque tinha literatura e não é comigo, mas eu sempre fui muito boa aluna, né, eu sempre, o pessoal sempre me chamou de CDF, todo mundo tentava colar de mim na escola, trabalho todo mundo queria fazer comigo. Mas, assim, uma matéria em específico, assim, acho que Matemática, eu sempre gostei de Matemática, hoje eu não sou muito boa, mas, enfim, na escola eu era.
P/1 – Você gostava da escola?
R – Gostava, adorava, adorava, sempre gostei de ir pra escola, sempre.
P/1 – Nessa fase mais de adolescência, quando você entra no ginásio, você lembra quais que eram as diversões, pra onde você saía com o grupo de amigos, o que vocês faziam pra se divertir?
R – Quando eu tinha meus 13 anos mais ou menos tinha baile da igrejinha, a gente chamava de baile da igrejinha, tinha o salão da igreja, aí tinha um DJ, o DJ ia pra lá, então a minha diversão de final de semana, sábado e domingo, era ir pra esse bendito baile da igrejinha. Tinha hora pra chegar em casa, minha mãe botava hora, se eu não fosse, se eu não chegasse na hora minha mãe me buscava, mas era mais isso, a gente também ia...
P/1 – Qual era a igreja?
R – Na Paróquia Santo Afonso, a Paróquia Santo Afonso marcou bastante a minha vida, vamos dizer assim.
P/1 – É próxima da sua casa também?
R – É, é na rua de cima de casa, hoje é na rua de cima de casa.
P/1 – Como é que eram esses bailes da igrejinha? Conta um pouco, era no salão?
R – Era, era um salão, era tudo escuro, era DJ, luz, aquelas luzes, tipo igual balada mesmo, a gente pagava um, eu não lembro, pagava um valor pra entrar, batia um carimbinho pra gente poder entrar e sair e toda a juventude do bairro ia pra esse baile, tal. A gente dançava, arrumava namoradinho, fazia amizade, era muito, muito legal, assim, músicas daquela época, que eu nem vou lembrar qual o estilo de música que era, rap eu até lembro, tal. Mas era muito bacana, assim, todo mundo, era o nosso point, o point da Água Funda era se encontrar lá porque a gente não tinha dinheiro pra ir pra outro lugar, não tinha idade pra outro lugar, os nossos pais eram mais rígidos, vamos dizer assim, pra gente ficar indo mais distante, então a nossa diversão era baile da igrejinha, baile da igrejinha. Aí, depois deu umas confusões lá, aí, enfim, teve bandido, aí atiraram, deram bala perdida, aí a mãe acabou indo falar com o bispo da região, aí proibiram e acabou nossa diversão. Também tinha as festas juninas, eu amo festa junina até hoje, amo, amo, amo festa junina até hoje, adoro, a gente tinha três festas juninas no bairro, corri muito, muito. A outra história pra contar, aí, tipo assim, tem as barracas, tal, mas o legal é que, tipo assim, você encontra os amigos, né, você acaba encontrando com os amigos. Então, era a nossa diversão, mês de junho inteiro era sábado e domingo festa junina.
P/1 – De paróquia?
R – Da paróquia e tinha uma rua também que fazia e tinha uma outra pracinha também que fazia, mas eu já tava mais adolescente quando era nessa pracinha, já era uma coisa mais, eu era um pouquinho mais velhinha, vamos se dizer assim. Aí, tipo assim, quando você faz festa popular, e também num bairro popular, você leva todo o tipo de pessoa, você não escolhe, né? Hoje a gente já consegue, na paróquia a gente consegue fazer, angariar fundos pra paróquia, a gente consegue fazer uma coisa mais família. Então, de uns quatro anos pra cá a gente conseguiu aquela tradição do bairro, que todo mundo gosta, lá no bairro não tem nada pra ninguém fazer, não existe qualquer tipo de diversão e a festa junina é a diversão pras pessoas. Então, as pessoas gostam, o pátio fica lotado, ver a molecada brincando, então hoje a gente já tá fazendo uma coisa bem família e as outras festas já não existem mais. Eles pararam justamente por causa disso, quando você faz festa popular você tá na rua, não cobra entrada nem nada disso, vai qualquer tipo de gente e lá no bairro tem gente muito descente, mas também tem pessoas que não são tão descentes assim, vamos se dizer, né? E aí acaba saindo tiro, tal, então já corri bastante de tiro onde eu moro.
P/1 – Você ia contar uma história.
R – Ah, então, a gente tava numa, tava todo mundo reunido e tava eu e minhas três amigas, todo mundo no bar lá, tocando música, todo mundo brincando, dançando, tal, e aí acho que alguém mexeu com a namorada de alguém, eu não sei. O cara tava com um sobretudo, ele puxou uma metralhadora, na hora que ele puxou a metralhadora parecia assim, sabe, que saiu todo mundo correndo. E eu tenho uma amiga que ela é muito mais medrosa, muito, muito, muito mais medrosa, então a gente tava descendo as escadas correndo e, assim, todo mundo preocupado pra saber se tava todo mundo junto, né? Quando eu olhei a minha amiga já tava virando a rua, eu só vi os cabelinhos dela virando a rua, e depois se tornou até uma coisa engraçada, né, ela, porque ela largou a gente, saiu correndo, eu só vi os cabelinhos dela virando a rua. Aí, depois a gente: “Não, vamos embora, vamos ficar aqui”, fomos embora, aí o pessoal ainda, não bastante, voltou pra essa praça, isso foram as pessoas contando, aí alguém passou atirando, sabe, quando estala com moto, todo mundo achou que era tiro de novo e todo mundo correu de novo. Então, essa ficou uma festa marcada lá no bairro, enfim.
P/1 – Mas era uma festa na praça?
R – Na praça, na praça aberta.
P/1 – Que tipo de festa?
R – Festa junina.
P/1 – Era uma festa junina?
R – Era uma festa junina, o pessoal, os moradores se reuniram, fizeram barraquinhas, aí você tinha as barraquinhas típicas de festa junina, quentão, vinho quente, milho, doce, pipoca, essas coisas todas. E aí alguém foi lá, colocou um som, né, e aí o pessoal foi lá se reunir pra comer, beber, reencontrar com as pessoas, aí deu toda essa confusão, né?
P/1 – Uma metralhadora?
R – Uma metralhadora, eu não vi, né, então falaram metralhadora, mas você sabe como é bairro, né, as pessoas: “Eu aumento, mas não invento”.
P/1 – Então, a principal diversão na juventude, adolescência era mais festa de bairro mesmo?
R – É, nossas festas de bairro.
P/1 – E música, você ouvia, gostava de música?
R – Sempre gostei de samba, desde pequena, desde pequena o que mais amo, até que o meu aniversário eu comemorei na Vila do Samba, adoro samba. Se você me perguntar qual ritmo de música que eu mais gosto, samba, eu vou te falar samba.
P/1 – Tem uma preferida, uma das preferidas?
R – Ai, são várias, várias músicas.
P/1 – Nessa época de juventude era samba também?
R – Samba, samba, sempre foi samba. Tinha, assim, eu também gosto muito de axé, eu ia pra baladinha pra dançar axé, pra aprender passinho de dança, tal, mas samba sempre foi o que me marcou mesmo, sempre o meu preferido.
P/1 – E uma música marcante dessa fase de adolescência, você tem?
R – Ai, meu Deus, são tantas.
P/1 – A hora que eu pergunto não vem nenhuma?
R – Não, vem várias, várias, vem várias.
P/1 – Às vezes uma que tenha marcado alguma história de adolescência.
R – Nossa, (pausa), nossa.
P/1 – É difícil escolher?
R – Não, é muita música, é que, assim, na verdade, assim, eu acho música muito legal, por quê? Pode passar anos, ela pode não fazer mais sucesso, mas quando você escuta a música ela te traz lembranças, né, de fases da sua vida. Então, se eu pensar nos 14 anos, eu tinha um namoradinho, aí me marcou uma musiquinha daquele namoradinho, aí com 16 eu tinha outro, aí marca com o outro, entendeu? Aí, às vezes, ou uma festa ou uma música que, por exemplo, vem uma música, eu não sei o nome da música, é uma música internacional, é como se fosse um black, eu e a minha amiga na rua dançando, entendeu? Por exemplo, “É o Tcham”, nossa, a gente brincava de Carla Perez, Sheila e Jacaré na rua de casa, eu era a única que tinha rádio portátil e o CD do Tcham, então nosso domingo de tarde era ir na rua, colocar música do Tcham e dançar o Tcham. Então, se você falar pra mim, o Tcham marcou minha adolescência porque a gente ficava parecendo, se achando as dançarinas ali da rua. Nossa, mas música assim...
P/1 – Pensa de marcar momento mesmo, qual música?
R – Tcham (risos).
P/1 – Uma música.
R – Ali Babá, essa era perfeito, eu lembro perfeitamente do CD e tal, é bem isso mesmo. Nossa, nada a ver eu gostar de samba e falar do Tcham, mas tudo bem.
P/1 – É uma coisa que marcou, que fez muito sucesso naquela época.
R – Fez, fez bastante.
P/1 – Então, era principalmente isso, né, nessa fase.
R – É.
P/1 – E aí você falou que no final do ginásio você começou a trabalhar, né?
R – É, minha mãe não tinha, assim, pra gente ter uma condição de vida melhor, como eu te falei, eu nunca passei fome, tinha as vontades normais de uma adolescente, né, de criança, adolescente, tal. Queria tênis de marca, queria comer alguma coisa diferente, queria uma roupa mais bonita, alguma coisa do tipo, e minha mãe, eu entendia perfeitamente que a minha mãe não conseguia me dar tudo isso, que a minha mãe pagava aluguel, a gente morava de aluguel e tal e a minha mãe ganhava muito pouco. Então, quando eu tinha14 anos eu já comecei a procurar emprego, aí eu consegui arrumar o meu primeiro emprego aos 14 anos. Como eu já sabia que eu já sabia que eu tinha que arrumar emprego, eu terminei a sétima série, eu estudava de tarde, aí quando, na oitava eu já fui estudar de noite. Eu ainda não tinha emprego, mas eu já estava em busca de um emprego e aí eu consegui arrumar emprego com 14 anos de idade.
P/1 – Qual que foi? Conta pra mim como é que você buscou e qual foi o emprego que você encontrou.
R – Então, corretora de seguro (risos), eu trabalho com isso há 20 anos, agora em setembro eu faço 20 anos de profissão. Um amigo da minha mãe foi renovar o seguro dele e a mulher estava precisando de uma secretária, ela tinha mandado embora a funcionária dela, aí ele falou: “Olha, eu tenho a filha de uma amiga que precisa de emprego”. Aí eu fui lá, fiz entrevista, ela gostou de mim e eu comecei a trabalhar, não tinha qualquer tipo de noção, nada, nada, nada de escritório. Assim, até tinha porque até os sete anos de idade eu fiquei na creche, lá aonde a minha mãe trabalhava, depois dos sete anos a minha mãe não tinha com quem me deixar. Então, dos sete aos nove anos eu trabalhava na mesma sala que a minha mãe, tinha até o chefe da minha mãe que mandava eu fazer algumas coisas, e aí no final da semana ele me dava um troquinho, tipo, como se fosse o meu trabalho, dava pra comprar bala, né, como se fosse o meu trabalho. Então, já tinha, assim, eu já sabia me comportar dentro de um ambiente de trabalho, mas trabalhar, enfim, não sabia. Ela que me deu essa oportunidade e aí eu comecei a trabalhar com ela, tinha 14 anos, trabalhei até os 16 anos com ela.
P/1 – Qual que era a corretora?
R – Chamava Ecorseg, Dona Helena Massako do Couto.
P/1 – Você se lembra o que você fez com os seus primeiros salários, assim, o que você comprou?
R – Eu não vou saber exatamente dos primeiros, mas eu lembro que eu comprei uma geladeira pra minha casa, comprei um armário pra minha mãe. Na época não existia, assim, computador tão fácil como existe hoje e eu lembro que eu tinha uma máquina de datilografia que era o meu computador, que ela parecia um computador, era eletrônica a máquina. E aí comprava roupa, calçado, essas coisas assim que eu tinha vontade de comprar e às vezes me faltava grana por causa da minha mãe, que a minha mãe, né, só a minha mãe trabalhava, foi mais por isso mesmo, assim, mas sempre dei foco pra ajudar sempre a minha mãe, né?
P/1 – Uma geladeira, uma coisa significativa.
R – Exatamente.
P/1 – A máquina era do trabalho ou era sua?
R – Não, era minha.
P/1 – Ah, você comprou.
R – É, porque eu gostava, era minha.
P/1 – Mas você escrevia?
R – Escrevia, escrevia, eu tinha um amigo até, um amigo que tinha um grupo de samba e eu que digitava todas as letras de música pra ele, olha o que vocês estão me fazendo lembrar. Fita cassete, gravava música da rádio e ia escrevendo a música, parava a música, escrevia a música, parava a música, escrevia, depois eu datilografava e dava pra ele, que ele tinha a pastinha, que ele ia tocar e ele pegava a pastinha pra tocar.
P/1 – Você fazia um tipo de diário ou coisa assim na máquina?
R – Não, nunca fui de ter diário assim, nunca, eu sempre fui muito boa de memória, hoje não mais, mas eu lembrava tudo, o dia que a gente tinha ido em tal lugar, o dia que a minha amiga beijou um menino ou que eu tinha beijado, ou uma festa, aniversário de todo mundo. Eu sempre fui muito boa de memória, então pra escrever nunca foi a minha praia, não, nunca gostei, nem ler e nem escrever, é uma coisa que eu não gosto muito.
P/1 – Você mencionou as músicas que fazem lembrar de namorado, eu queria que você contasse, escolhesse um relacionamento que tenha sido mais marcante, namorado, conta um pouco pra gente, assim, como é que você conheceu. Você namora hoje?
R – Não, hoje não, hoje não.
P/1 – Pode ser o primeiro amor ou pode ser o mais marcante, nem sempre o primeiro é mais marcante.
R – É, na verdade o mais, o marcante eu conheci aos 16 anos de idade, eu tive um namorado aos 14, namorei com ele até os 16, tal, foi muito engraçado pra pedir pra minha mãe namorar, imagina eu pedindo pra minha mãe namorar, mas tudo bem, ele era...
P/1 – E ela deixou?
R – Não, ela deixou, mas ela ficava de marcação cerrada em cima de mim, né, aonde eu tô, com quem eu tô, que horas que eu volto e tal, enfim, era bem assim, ele era da escola, estudava juntos, né? Mas ele foi, eu fiquei apaixonadinha ainda por ele alguns anos, assim, mas depois larguei de mão, não quis mais saber.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – Na escola, a gente estudava na oitava série, ambos estudavam na oitava série, só que estudava numa oitava e ele estudava na outra, quando a gente, até a minha sétima série nós éramos em seis garotas, a gente era o terror na escola no sentido, não terror de aprontar, mas a gente era defensora dos fracos e oprimidos. Então, se a gente encasquetasse com uma pessoa, por exemplo, tinha um menino que ele morava na comunidade e ele era muito simples, ele tinha duas irmãs. E os meninos gostavam muito de tirar sarro da cara dele, ele tinha uma mancha no rosto, ele era moreno e ele tinha uma mancha no rosto, e as pessoas chamavam ele de Marrom. Então, por exemplo, não tinha livro pra dar pra todas as crianças, e aí as seis meninas, né, que andavam as seis juntas, a gente fazia, falava pra professora, aí o professor tinha que sortear livro na escola, na sala, né, pra não dar pra todas as crianças. Só que o dele era dele, a gente falava: “Não, professor, se você tiver dez livros um é do Marrom e os outros nove você divide”. E os meninos mexiam muito com ele e aí a gente, a gente era defensora do Marrom, ninguém podia mexer com o Marrom que as seis tavam lá. E a gente arrumava encrenca com as meninas mais velhas da escola, com a oitava série, então rixa de vôlei, rixa de basquete, rixa de futebol, era as seis, as seis podiam tá no meio. Então, todas as confusões que tinha na escola de rixa com a, nós éramos sétimo e tinha a oitava série, é engraçado que hoje eu sou amiga de todas as meninas da oitava com quem eu tinha rixa naquela época. E as seis meninas da sétima B estavam juntas, Cássia, Silvia, Luciana, Ivone, Janaína e Jussara, eram as seis meninas.
P/1 – Você falou, esse menino que eles chamavam de Marrom, os livros que eles sorteavam eram livros de leitura ou eram livros didáticos?
R – Não, livro didático, livro didático não tinha, o governo não dava pra todas as crianças, então eram poucos os livros, então ele não tinha realmente condições de comprar porque ele morava na comunidade, era ele, a mãe, o pai e as duas irmãs, então não tinha condições. Ele também, hoje ele me vê, ele lembra de tudo isso, que a gente ficava junto, né, que eu defendia bastante ele. E aí uma dessas seis meninas foi estudar comigo na oitava série, só que até então a gente sempre estudou juntas, né, a escola era pequena, tinha uma, duas salas e nessa, quando a gente foi estudar juntas, eram quatro oitavas. Quando a gente foi pra essa sala, eu não sei se já tinham falado que a gente era bagunceira, levou a gente, apesar de ser bagunceira muito estudiosa, sempre fui muito, super estudiosa, a professora, eles separaram a gente. Então, esse meu namoradinho estudava na sala dela e ela me apresentou ele, então a gente se conheceu através dela.
P/1 – Esse é o primeiro?
R – É o meu primeiro namorado, o meu primeiro? Não, não, eu beijei eu tinha 12 anos de idade, o meu primeiro beijo foi com 12 anos de idade com um amiguinho também do bairro e tal, aí eu tive um namorinho rapidinho, mas, assim, de levar em casa, de apresentar esse foi o primeiro.
P/1 – E o outro que você falou que foi mais marcante?
R – Com 16 anos.
P/1 – Como é que você conheceu ele?
R – Era amigo desse meu ex-namorado, só que o meu ex-namorado era muito ciumento, mega ciumento, então os amigos dele não me conheciam, ele era muito ciumento. E aí um belo de um dia eu, amigo do amigo, a gente se conheceu e aí eu acabei ficando com esse menino, que eu tinha 16 anos de idade, tal. E por incrível que pareça nós nunca namoramos, mas foi o cara que eu mais gostei na minha vida inteira, até hoje, eu não sei se daqui pra frente vai ter mais uma outra pessoa, mas, enfim, eu tive um relacionamento com ele dos 16 aos 24 anos de idade. Nunca namoramos justamente por causa desse outro namorado, porque ele interferia muito, enfim, mas esse foi o mais marcante, foi bastante tempo, foi bastante tempo.
P/1 – E depois terminou?
R – Aí terminou, hoje somos apenas amigos, tá casado, tem filho, seguimos caminhos diferentes.
P/1 – Nessa fase você lembra, nessa fase lá da infância, o que você queria ser quando crescer?
R – Professora, uma época eu queria ser professora, depois uma época eu queria ser dentista, aí depois eu queria ser professora, mas eu sempre quis ser professora.
P/1 – De quê?
R – De escola.
P/1 – Mas de uma matéria específica?
R – Não, é que, assim, eu pegava, como eu te falei eu morava num corredor, e eu tinha uma lousa e giz, então eu pegava os menores, eu sempre fui assim, desde pequena, sempre fui pra comandar, um negócio incrível. Eu pegava a molecada do quintal e colocava no chão do meu quintal, colocava a lousa e ensinava, a e i o u, ba be bi bo bu, um mais um, um mais dois, essas coisas eu fazia, então a minha vontade era ser professora. Depois, eu brincava de dentista, abria a boca das crianças, metia pasta de dente, colocava água, fazia a criança cuspir, tipo igualzinho ao dentista mesmo.
P/1 – Gostava de criança?
R – Sempre, sempre, eu que cuidei dos meus primos quando eram pequenos, enfim.
P/1 – E aí então nessa fase de 16 anos você tinha trabalho, tava trabalhando ainda com a corretora de seguros?
R – Sim, aí eu fiquei dois anos trabalhando nessa, com a Helena, aí depois eu saí de lá, fiquei um tempo, fiquei uns seis meses desempregada, aí consegui arrumar emprego numa outra corretora, trabalhei acho que seis ou sete anos nessa corretora. Essa corretora começou a ficar mal das pernas, tal, aí o meu chefe já tava saindo de lá, tava montando parceria com uma outra corretora, aí ele me levou pra trabalhar nessa outra corretora. Aí eu fiquei trabalhando lá por mais, ele saiu, me deixou lá, eu fiquei mais ou menos uns seis anos e aí em 2010 eu resolvi montar o meu próprio negócio.
P/1 – Nesse meio tempo que você trabalhava como corretora você fez faculdade?
R – Fiz, fiz.
P/1 – Me conta um pouco quando você decidiu fazer faculdade e como você escolheu e que faculdade você foi fazer.
R – Quando eu terminei o colegial eu realmente não tinha nenhuma vontade de fazer faculdade porque, não porque eu não tinha vontade, porque eu realmente não tinha dinheiro pra fazer faculdade. Era muito mais difícil naquela época, em 98, fazer faculdade, os estágios eram muito, não te pagavam bem, e aí minha mãe queria porque queria, ela falou: “Ai, filha, vai”, eu falei: “Mãe, não vou fazer faculdade, a gente não tem dinheiro pra pagar”. Ah, uma outra coisa que eu também queria ser, veterinária, só que eu morro de medo de algumas coisas, por exemplo, barata, barata eu tenho pânico. Aí, quando falava assim: “Ah, você vai ter que fazer, você vai ter que abrir o corpo, vai ter que fazer não sei o que, não sei o que lá”, eu falei: “Desisti, não vou ser mais veterinária”. E também eu sabia que eu ia ter que ir pro interior pra, eu não tinha condições de pagar a faculdade de Veterinária, eu teria que ir pro interior, né, pra fazer faculdade lá, eu teria que ter, me manter ou numa república ou num hotel ou na casa de alguém, enfim, eu sabia que eu não tinha esse tipo de condição. Quando o meu, o meu último, o meu primeiro emprego, ela foi muito sacana comigo, ela não me registrou, ela não pagava os meus direitos nem nada disso, e aí o que que a gente fez? A gente, eu peguei e coloquei um processo nela, um processo judicial trabalhista nela, eu recebi um dinheiro e eu guardei esse dinheiro, eu deixei guardado, eu lembro que eu queria tirar a minha, eu falava assim, que eu ia comprar o meu primeiro carro com aquele dinheiro, né? Eu deixei o dinheiro guardado, tal, e aí minha mãe falou: “Não, filha, vai fazer faculdade, vai fazer faculdade, a gente dá um jeito, a gente se vira”, enfim, eu falei: “Tá bom, mãe, vai”, tanto que foi um dos motivos pelo qual eu briguei com o meu pai. Eu, ela me deu uma, ela entrou, minha mãe que fez todas as pesquisas de todas as faculdades e tal, e eu gostava muito de informática na época, eu gostava, gostava bastante, e aí resolvi fazer Processamento de Dados. Falei: “Ah, eu vou fazer Processamento de Dados, Programação, é legal, é um negócio bacana, um negócio que vai dar dinheiro”, enfim, e Administração eu nunca fui muito ligada. Hoje eu acho que eu me arrependo de não ter feito Direito, porque eu gostaria muito, eu adoro defender os outros, característica minha. Aí eu fiz, só que eu prestei o vestibular, sabe naquela que você vai lá prestar o vestibular, você não tá nem aí, tinha acabado de ser, era meu aniversário, foi, eu prestei vestibular no dia do meu aniversário, minha formatura tinha sido de sexta pro sábado, eu tava acabada. E aí fui prestar vestibular, nem achei que ia passar, minha mãe ficou super feliz: “Você passou, você passou”, eu falei: “Passei”. FASP, faculdade particular, eu não vi nenhuma, se eu tivesse passado numa FATEC ou numa USP, aí sim eu estaria comemorando, mas faculdade particular, quem que não entra numa faculdade particular, enfim, ainda mais numa faculdade que não tinha tanto nome. E aí eu fui, aí minha mãe que fez a inscrição pra mim, eu trabalhava na época, tal, e eu sabia que eu não ia conseguir pagar a faculdade porque eu ganhava 400 reais na época e eu pagava 390 de faculdade, e aí eu tinha que pagar condução, tinha livro, tinha isso, tinha aquilo e aquilo outro. Só que eu tinha o dinheiro guardado, então eu usei esse dinheiro guardado pra começar a pagar os primeiros anos de mensalidade, os primeiros meses de mensalidade, depois a gente se virava e dava um jeito. Nisso a diretora da minha mãe gostava muito da minha mãe e saiu um cargo de direção e ela falou pra minha mãe que minha mãe tinha que ter esse cargo de direção, minha mãe merecia e ajudaria a pagar minha faculdade. E aí foi por minha mãe conseguir esse cargo de direção que eu consegui fazer minha faculdade até o final, realmente me formar. Só que o que que acontece? Eu gostava do que eu fazia, do Processamento de Dados, eu gostava, gostava muito de programar, eram coisas super diferentes do que, do meu dia a dia. Só que, assim, ou eu escolhia fazer a faculdade ou eu escolhia fazer estágio, na época um estágio dava mais ou menos 180 reais. Aí, nisso eu tive que trocar de faculdade porque a faculdade era muito cara e eles queriam aumentar pra 450, eu não ia conseguir pagar, porque, por mais que a minha mãe estava ganhando melhor tinha ainda as contas de casa pra pagar. E foi um desses motivos porque eu briguei com o meu pai, porque a minha mãe pedia na época, eu lembro, cem reais pra ele pra ele me dar e ele não me deu e foi por isso que nós brigamos, por causa de cem reais, na verdade o estopim foi os cem reais, mas tinha outras coisas por trás. E aí minha mãe começou, minto, aí eu fui fazendo a faculdade, minha mãe mudou de cargo, tal, fui fazendo a faculdade, e eu queria fazer estágio na área porque eu queria crescer na área. Só que era 180 reais por mês o estágio, mais vale transporte, mais vale refeição, eu falei: “Meu, o que eu vou fazer? Eu não tenho o que fazer, né, não dá pra eu largar a faculdade”. E aí eu terminei a faculdade, me formei, mas acabei não indo pra área, por quê? No seguro eu já tava melhor, eu já estava conseguindo ganhar o meu espaço na área de seguros, né, e fui ganhado, fui ganhando espaço, então eu acabei não me formando. Fiz Processamento de Dados, né, que é Programação hoje, acho que nem existe mais, hoje a gente chama de Sistemas da Informação. Fiz um ano FASP, Faculdade de Administração de São Paulo, uma coisa assim, não lembro, depois eu entrei e fiz a FIAP, que hoje é uma faculdade super conceituada nessa área. Na minha época eu acho que foi a terceira turma a me formar nessa área e depois aí acabou fazendo, hoje tem bastante nome, tal, mas eu acabei não indo pra área, preferi ficar no seguro, ainda bem.
P/1 – Deu certo, né?
R – Deu, deu certo, graças a Deus.
P/1 – Essa fase de faculdade como é que foi pra você? Você trabalhava e fazia faculdade, então imagino, não sei se você conseguiu curtir ou aproveitar essa coisa da vida universitária.
R – Não, não, não, porque, assim, o que que acontece? Eu não tinha carro na época, eu estudava longe, eu tinha que pegar, não é que era longe, era contramão, então, tipo assim, eu não tinha alguém que tinha carro pra me levar pra casa, né? Então, tipo assim, eu tinha o meu grupinho, os nerds, vamos se dizer assim, o pessoal bem focado na faculdade, então era a Andréia, o namorado da Andréia, que eu não lembro o nome, e a Iris, a Iris tinha namorado, a Andréia namorava com o menino que estudava com a gente. Então, assim, não, apesar daquela época eu também ter namorado e ele estudar na mesma faculdade, eu não tinha muita paciência pros amigos dele e pra ele, então eu não tava nem aí. E o que acontece? Eu trabalhava, saía de manhã de casa, aí voltava pra casa, eu ia trabalhar, direto do serviço eu ia pra faculdade, da faculdade direto pra casa. Então, eu chegava em casa meia noite e tal, então mega exausta, então trabalhava bastante e tal, então não consegui muito aproveitar então época de faculdade como todo mundo, vamos se dizer, a maior parte das pessoas aproveita. Também o pessoal gosta de beber, ir pra baile, eu não faço isso, eu não gosto de beber, ir pra um bar, sentar e conversar com os amigos pra mim não tem nenhum problema, mas eu não bebo, então não aproveitei muito. E também o que aconteceu? Como eu troquei de faculdade, já tinha uma galera enturmada e esse meu grupinho era justamente o grupinho que veio da FASP, né, então a gente acabou na nossa turma mesmo, então eu acabei não aproveitando muito, não.
P/1 – E aí um pouco da sua vida profissional, como é que foi abrir a sua própria seguradora? Eu queria que você contasse um pouco como é que foi essa decisão, como é que vocês fizeram isso.
R – É, sempre trabalhei, né, com seguro, aí nessa terceira e última corretora que eu trabalhei eu tinha um chefe muito inteligente, super inteligente, me ensinou muito, devo muito a ele, muito aprendizado, só que ele era uma pessoa muito difícil. Ele era, ele é bipolar, ele nunca teve o seu diagnóstico, mas todo mundo que trabalhava com ele dava esse diagnóstico pra ele, ele era meio 13, meio louco das ideias. Um dia ele pensava de um jeito, aí ele chegava na corretora e mandava você fazer desse jeito, só que no outro dia ele já tava pensando de uma outra forma e aí ele tava, ele pensava de uma outra forma e quando ele vinha te cobrar ele não vinha te cobrar o que ele tinha acertado com você, ele tava te cobrando a outra coisa que ele tava na cabeça, enfim. Ele me ensinou muito, enfim, só que chegou uma determinada época que eu não aguentava mais trabalhar lá, eu tava super, eu tava sobrecarregada, eu já não tirava férias, já tava de saco cheio mesmo, mas do ambiente e das pessoas que estavam lá. Porque tinha algumas coisas, como eu te falei, eu sou uma pessoa muito simples e eles encrespavam lá com muita coisa e eu não gosto de mal trato com as pessoas, eu não gosto de ver ninguém maltratando ninguém. E eu brigava muito com eles justamente por causa disso, porque se eu via alguém sendo maltratado, ele falava assim: “Você parece uma galinha, você abre as suas asinhas, põe os seus pintinhos dentro e fica defendendo a pessoa”. Isso é meu, eu sou assim, eu não gosto de ver ninguém sendo maltratado e a gente brigava muito, a mulher dele era uma insuportável e tratava as pessoas mal, tratava a copeira mal, eu não gostava. Então, eu sempre batia de frente, então chegou um determinado momento que eu já não aguentava mais. E aí eu, pra você ser corretora de seguros você tem que ter uma habilitação, né, um curso técnico, você tem que estudar durante um ano e tirar esse curso técnico, e aí eu consegui. Existe, a turma chama FUNENSEG, né, Escola Nacional de Seguros, você faz essa escola por lá ou existe a Porto Seguro, que é uma companhia que ela, com parceria com a FUNENSEG ela cria uma turma dela. Então, essa turma da Porto Seguro, ela tem umas regalias maiores, é uma turma fechada, só de 40 alunos, a gente ganhava lanche, tinha estacionamento, coisa que as outras pessoas não tinham. Só que pra eu entrar nessa turma eu tive que passar por uma seleção, então eu fiz uma prova teórica, Português, Matemática, Conhecimentos Gerais e Redação. Depois eu passei, aí eu fui pra uma segunda avaliação, que era uma dinâmica de grupo, depois eu fui pra uma terceira avaliação, que era uma entrevista individual e eu consegui passar e fiquei entre os 40 alunos. Então, além de eu ter estacionamento, além de eu ter lanchinho de noite e tal, e ter professores só pra gente, pros 40 alunos, eu ganhei a bolsa, né, eu não paguei 100%, eu tive acho que 30 ou 40% de desconto, então pra mim, pro meu orçamento foi ótimo. E aí eu cheguei pra esse meu diretor e falei: “Olha, Valter, eu tô fazendo o curso, vou tirar minha habilitação, mas eu queria que você entendesse que eu, não é pra eu tirar minha corretora”. Porque qualquer corretor de seguros dono de uma corretora vê um funcionário tirando habilitação vai falar: “Pô, vai embora, vai roubar meus clientes, vai fazer isso, vai fazer aquilo”. E aí eu falei pra ele, eu falei que não, que, porque ele queria, ele queria transformar a corretora dele numa corretora grande e a posição que ele queria me colocar era como diretora, então eu tinha que me preparar para aquilo, né? Só que aí o ano de 2009 eu fui fazer o curso, as pessoas me elogiavam bastante, os meus professores me elogiavam bastante porque eu já sabia, entendia bastante de seguro e eles falavam pra mim que eu tinha que montar minha corretora. Até então eu não tinha vontade de montar a minha corretora, e todo mundo falou assim: “Cássia, porque você tá trabalhando? Você entende super bem, vai, vai fazer o seu trabalho e tal”, eu falava: “Não, não vou fazer, não vou fazer, não vou fazer”. Aí, me formei no finalzinho de 2009 e no final de 2009 esse mesmo Valter contratou uma pessoa pra mandar em mim, eu sabia tudo, conhecia todos os clientes da corretora, conhecia todo mundo, todo o pessoal de seguradora. O pessoal de seguradora me respeitava muito porque eu que tinha o contato, tudo o que eu pedia eles faziam, todos os problemas da corretora quem fazia era eu, quem resolvia era eu, apesar de estar sobrecarregada. E aí ele falou pra mim, contratou essa pessoa e colocou essa pessoa como meu diretor, até então, se ele tivesse contratado uma pessoa do mercado, que soubesse seguro e viesse somar comigo era uma coisa, ele contratou, ele tinha um segmento de seguros internacionais, que ele precisa lidar com pessoas de poder aquisitivo alto, e ele contratou um ex-gerente do Itaú Personnalité de Alphaville. Então, ele me passou, naquele momento ele me passou uma rasteira porque eu estava dedicando a minha vida pra ele, trabalhava muito, trabalhava dez horas por dia pra ele, eu tava dedicando a minha vida pra crescer a empresa dele e ele me deu essa rasteira. Eu senti como fosse uma rasteira, porque até então eu vi como, o cara entrando como somar comigo, até então, só que ele colocou o cara como meu diretor, o cara mandava em mim e o cara não sabia fazer nada do meu trabalho. Só um idiota faz isso, porque se você contrata uma pessoa do mercado e o cara sabe mais do que eu ok, mas o cara não sabia nada, eu que tive que ensinar o cara a trabalhar, os clientes começaram a reclamar. Aí, eu comecei a ficar de saco cheio, de saco cheio, chegou no final, nós tivemos uma discussão, ainda consegui, isso durante mais ou menos uns seis meses, viver isso durante seis meses, nós tivemos uma discussão super feia. Ele falou que o meu trabalho era de merda e eu não aceitei isso porque eu trabalhava pra ele há seis anos e nós brigamos feio e ele me mandou embora da corretora, hoje o problema já está resolvido, enfim. Só que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido porque eu não ia conseguir pedir demissão e ele não conseguiria me mandar embora, eu já tinha uma amiga que já tinha trabalhado comigo e tinha o Gustavo, que trabalhava também nessa corretora, ele era sócio, entre aspas, desse Valter. E aí chegou uma hora que eu falei pra ele assim: “Gustavo, tô indo embora”, ele falou: “Ah, meu, eu vou embora com você”, eu falei: “Tá, eu to montando uma corretora com a Pati, você quer vir junto?”, aí ele falou: “Tudo bem, vamos, vamos juntos”. E aí nós montamos a New Providence, que é a minha corretora hoje, a gente colocou ela pra funcionar em 26 de agosto de 2010, e aí eu tive a minha independência profissional aí, resolvi montar a minha empresa aí. Ficou eu, a Patrícia e o Gustavo, e tô com a corretora até hoje, vai fazer quatro anos agora em agosto, tô bem, tô acima das expectativas, do que eu tinha, mas tô bem. Tive uma perda muito grande, que foi o Gustavo, o Gustavo veio a falecer, me baqueou bastante, assim, né, desestabilizou um pouco, eu tô voltando ainda ao normal.
P/1 – É recente?
R – Faz um ano, ele faleceu em novembro de 2012, tinha câncer, né, e nos últimos cinco anos de vida dele quem cuidou dele fui eu. Então, era um grande irmão, uma grande pessoa, um grande amigo que eu tinha, né? Ele deixou tudo pra mim, então eu só tenho, aonde ele estiver eu só tenho que agradecer. E aí eu resolvi montar a corretora, enfim, e aí graças a Deus tô bem, tô bem, vou chegar lá, ainda não to aonde eu quero, mas eu chego lá.
P/1 – Mas é um começo, ter um negócio próprio ainda no começo.
R – É, as maiores torres tiveram, elas foram pequenas um dia, né? Então, devagarzinho eu chego lá, acho que tudo na vida tem que ser conquistado aos poucos pra ser eterno, nada que você conquista da noite pro dia, eu não acho que é, não é que não é válido, é válido, mas eu não sei se é algo prazeroso, que você viu crescer. Eu vi minha empresa crescer, eu vi aonde eu tava e eu via aonde eu tô, né, então eu acho que isso que é bacana.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, Cássia, do seu envolvimento com a paróquia, depois a gente ir chegando um pouco do Programa Nutrir e tal. Eu queria entender, assim, desde quando você frequenta a paróquia e, enfim, como é que você chegou na paróquia e como é, se você pudesse pensar um pouco na sua trajetória lá dentro, como você chegou no trabalho de catequista, desde o começo até aqui.
R – É assim, eu frequento a, que eu me lembro que eu frequento a Paróquia Santo Afonso desde os meus nove anos de idade, aí você se prepara pra fazer a primeira comunhão, você fica dois aninhos, se prepara pra fazer a primeira comunhão, que é o segundo sacramento da igreja católica. O primeiro é o batismo, depois você recebe a primeira comunhão, depois você tem o crisma, que é na verdade uma confirmação do batismo e tal, então eu passei toda essa fase na paróquia. Aí, chegou minha adolescência, né, adolescência, já pensa em 500 mil coisas menos em igreja, né, minha mãe me forçava pra igreja: “Vai pra igreja, menina, vai assistir missa, e não sei o quê, não sei o quê”, “Ah, não, mãe, depois eu vou”. Então eu me afastei, então eu fiquei na igreja mais ou menos até uns 12 anos de idade, e aí ficava indo na missa ou em alguma celebração, por exemplo, o dia das mães, eu ia com a minha mãe, ou no natal, ia, na semana santa, tal, então eu fazia algumas coisas, então eu fiquei bem distante. Quando eu, quando eu completei 28 anos de idade trocou o padre da igreja, eu também não ia muito com a fuça dos padres da igreja, porque eu sou bem assim, tá, eu falo mesmo, eu não to nem aí, falo o que penso, enfim, nunca desrespeitei ninguém, mas não sou obrigada a conviver com pessoas que eu não gosto. Aí, veio um padre bacana, o Padre Márcio, ele veio e minha mãe gostou muito dele, foi recíproco o sentimento pelo outro, que ele gosta até hoje, ele gosta muito da minha mãe, minha mãe gosta muito dele. E aí ele pediu pra eu fazer: “Ah, você não quer ajudar com as crianças lá na igreja?”, eu falei: “Ah, tá bom”, aí fui, fui do nada, assim, né? E eu falava: “Mas eu não sei, eu não sei ensinar as crianças, eu sei as crianças rezar Ave Maria, Pai Nosso, Eu Creio e Salve Rainha, o restante eu não sei”, “Não, mas você vai entrando, você vai fazendo o curso, você vai aprendendo, tal”, eu falei: “Ah, tá bom”. E aí veio uma menina de uma outra paróquia, que ela falou: “Não, Cássia, eu fico com você, você é a minha assistente, você vai aprendendo e aí você vai aprendendo, depois você pega uma turma só pra você”. Só que essa menina me deixou na mão e eu sou assim, eu começo alguma coisa, eu tenho que ir até o final, eu não consigo parar no meio do caminho e eu falei: “Não, como que eu vou deixar essas crianças, né?”. Aí eu comecei, pega, vai na internet, pesquisa, pega ajuda com outras catequistas, tal, e aí eu fui tomando gosto pela coisa, né, e aí, só que eu também não sou uma pessoa muito paciente de sala de aula, de, né, aquilo que eu queria ser quando eu era criança eu acabei sendo, mas de uma forma diferente. E aí eu só fiz uma turma, eu fiquei dois anos com essa turma, aí eu montei a turma da perseverança, que é justamente esses meus pequenininhos, que saíam... Por que o que que acontece? Tem a lacuna, né, da primeira comunhão e da crisma, porque a criança faz a primeira comunhão, ela tem nove, dez, 11 anos e quando ela volta pro crisma ela tem 15, então fica esse espaço de tempo sem fazer qualquer tipo de trabalho com eles. Então, eu mantive, eu consegui manter algumas crianças dessa época com o projeto da perseverança, a gente chama perseverança, tanto que agora eles já saíram, a maior parte deles já saíram, já estão fazendo crisma.
P/1 – Eu vou pedir pra você retomar, você tava me explicando essa, a turma da perseverança, explicar um pouco melhor o que é essa turma da perseverança, eu entendi que são as crianças, esse meio tempo entre a primeira comunhão e a crisma.
R – Eles acabam indo embora e eles acabam não voltando pra igreja, né? E aí o meu trabalho é fazer com que, manter essas crianças dentro da igreja, e aí tá bem justamente naquela fase mais complicada porque é da adolescência, eles tão saindo da infância e entrando na adolescência. Então, eu tenho que mantê-los dentro da igreja de alguma forma e o Projeto Nutrir veio muito me ajudar com isso, foi muito bacana.
P/1 – Conta um pouco, você disse, essa intenção de mantê-los dentro da igreja, como é que é o trabalho com eles, com essa turma da perseverança, o que vocês fazem de atividade, qual que é o perfil dessas crianças, quantas crianças mais ou menos vocês trabalham.
R – Hoje mais ou menos eu tenho 30 crianças, né, e até o ano passado eu foquei mais, o primeiro ano a gente fazia mais coisas dentro de sala de aula mesmo, ensinamentos da igreja, ensinamentos da igreja, às vezes eu levo eles pra fazer algum tipo de passeio fora, que eles gostam bastante. Aí, no ano passado, do ano passado pra cá o projeto tava, na verdade, assim, a minha vida profissional estava me tomando muito tempo, eu tive a perda do meu sócio, tive, fiz parceria com outras pessoas, então tava me tomando muito tempo, eu não estava conseguindo me dedicar a eles, né? Por isso que eu te digo, o projeto veio me ajudar, porque hoje a maior parte deles são adolescentes e o adolescente gosta que você dê serviço, eles gostam de se sentirem importantes. Até é engraçado, eles falam: “Eu não dou da catequese”, é uma catequese, eles falam: “Eu não sou da catequese, eu sou da perseverança”, eles se intitulam: “Eu sou da perseverança e ponto final”. Então, basicamente porque no ano passado um mês era a Nestlé e um mês era a minha turma, um mês era a Nestlé, um mês era a minha turma, então quando eram eles, eles que faziam, eles que decidiam cardápio, eles que decidiam as brincadeiras, eles que ajudavam na organização. Então, eu consegui, o projeto me ajudou bastante por essa minha falta de tempo de preparar os encontros com eles, o projeto me ajudou bastante, que eles que estavam preparando, né, eles que praticamente fizeram, as ideias deles.
P/1 – É semanal ou é mensal?
R – Os encontros da perseverança são semanais, todos sábados.
P/1 – Me conta como é que você conheceu o Programa Nutrir, como é que foi essa aproximação?
R – Então, aí o Valter, ele é funcionário da Nestlé há muitos anos, ele sempre participou dos projetos lá, do Nutrir, e ele tentou levar esse projeto pra paróquia, só que por algum motivo não conseguiu, não sei te falar qual o motivo, ele não conseguiu.
P/1 – Isso há quanto tempo, você tem noção?
R – Há muito tempo, há muito tempo, nós estamos em 2014, 2013, o Nutrir chegou na paróquia em outubro de 2011, eu comecei a falar com eles no começo de 2011, eu comecei a falar com o Valter, então foi há muito tempo atrás.
P/1 – O Valter frequenta a paróquia?
R – Sim, o Valter frequenta. É que na verdade a gente tem a Paróquia Santo Afonso e a gente tem uma comunidade chamada Santo Estevão, o Valter fica mais nessa Santo Estevão, mas ele foi criado dentro da Santo Afonso, ele também é aguafundense há muito tempo, né, bem mais tempo do que eu.
P/1 – Vocês já se conheciam?
R – Não, eu não conhecia o Valter, assim, a gente até, eu não me recordo dele, eu poderia até ter visto ele lá porque, como eu fiquei um tempo afastada, eu não lembro, não recordo muito das pessoas, eu voltei justamente pra paróquia em 2008. Aí quando foi em 2011 o Valter conversou com o Padre Márcio e falou pro Padre Márcio: “Ó, tem esse projeto que é bacana”, tal, aí o Padre Márcio falou assim: “Ah, já tenho uma pessoa ideal pra te ajudar com isso”. Aí, ele me apresentou o Valter e a Teresa, que é a esposa do Valter, me explicou como é que era o projeto, eu falei: “Ah, bacana, super legal, vamos tentar, né” e aí a gente tentou. Eu dei o nome pro projeto, Perseverar, que era o da perseverança, coloquei Perseverar e ele inscreveu a paróquia e aí o pessoal foi lá conhecer, né? Foi tirar foto, foi conhecer as crianças, a gente apresentou as crianças e tal, no dia, eu lembro até que eu fiz uma festa do pijama pra eles e as crianças tavam ajudando a fazer a decoração da festa do pijama.
P/1 – Essa foi a primeira visita da equipe da Nestlé?
R – Da equipe da Nestlé.
P/1 – Você lembra como é que foi, quem foi, quem era a equipe? Não precisa ser necessariamente os nomes, mas quais, profissionais de que área, o que eles foram fazer.
R – Não, porque, assim, eu só conheci, só apresentou por nomes, eu não lembro de todos, eu lembro da Flávia, eu lembro da Aline, eu lembro do Danilo, que hoje também já não fazem mais parte do projeto, a Aline na época era coordenadora.
P/1 – Como é que foi a conversa com você?
R – Ah, foi, na verdade a gente não conversou muito, eles foram mais, a gente teve que fazer o nosso trabalho normal porque eles queriam mais olhar, assim, então a gente não teve tanta conversa assim, né, a gente não teve. Depois eu não lembro, eu sei que a gente conversou, mas exatamente o que foi não, e aí a expectativa, né, isso foi o quê? Foi no começo do ano, o Valter deve ter falado comigo em fevereiro, março, eles devem ter ido lá em abril, maio, alguma coisa do tipo, e nada de sair o resultado, nada de sair o resultado, eu já tipo: “Ah, já devem ter outras instituições por aí que conseguiu e tal”, não sei o quê. Eu não lembro, eu acho que foi do Valter, eu recebi a ligação do Valter, eu chorei muito quando o Valter me falou, porque eu costumava falar assim, eu falava assim pra Santo Afonso: “Santo Afonso, pô, Santo Afonso, dá uma ajudinha aí, vai, né, as crianças precisam disso, né, o bairro precisa disso”. E aí a gente conseguiu, eu fiquei muito feliz, chorei que nem uma retardada, porque eu sabia que isso ia fazer a diferença pros pequenos, né, pro meu bairro em si, do que eu fui criada. E aí depois a gente marcou um dia, aí foram, foi todo mundo lá na Nestlé, foi muito engraçado porque eles têm uma musiquinha, a gente teve que dançar a musiquinha, foi muito engraçado porque até o padre tava dançando a musiquinha, e as catequistas, algumas já são mais de idade, né, e todo mundo dançando, tal.
P/1 – Você lembra dessa musiquinha?
R – Lembro, “to to Ray”, como eu vou esquecer da música, “to to Ray”.
P/1 – Como que é?
R – É “to to Ray”, eles falam: “To to Ray, To to Ray”, sabe as musiquinhas que você vai colocando passinhos e tal? Polegar pra frente, cotovelo pra trás, as crianças vão dançando.
P/1 – As crianças foram nessa visita?
R – Não, não, nós fomos na visita, só o pessoal, né, vamos se dizer, da administração, tal. E depois, no primeiro dia, a gente fez a dancinha com as crianças, umas acanhadas, outras não, mas aí todo mundo entrou na dança. Daí começou a fazer a diferença pras crianças.
P/1 – Como é que foi? Eu queria que você contasse como que foi a implementação do programa na paróquia, assim, como é que foi a aproximação com a equipe da, entre a equipe de vocês, né, entre o pessoal da comunidade e a Nestlé, se teve uma formação pra vocês. Como é que funcionou essa entrada do programa na paróquia, na comunidade?
R – É assim, por mais que o projeto fale sobre nutrição e meio ambiente e as crianças aprendem isso, eu acho que envolve muito mais coisa do que isso, porque com o tempo eu fui percebendo que o que realmente importa praquelas crianças, além dos ensinamentos, enfim, é o carinho que os voluntários têm com elas. As crianças são extremamente apaixonadas por aqueles voluntários, eles saem de lá com as costas doendo, porque eles se engancham no pescoço daqueles voluntários e beija e abraça e penteia o cabelo e faz trança. Que, assim, essa é a grande diferença que estão fazendo pra essas crianças, porque o meu bairro é muito simples, nós não temos qualquer tipo de área de lazer praquelas crianças, não existe uma quadra de futebol. A gente já tentou fazer um trabalho com a escola, de abrir a escola de final de semana pras crianças, que tinha um professor de Educação Física que tava ensinando futebol pra essas crianças, muitas crianças tinham, dar continuidade de ser jogador de futebol, só que a escola falou que não queria mais. Então a gente perdeu esse contato com a escola, a escola não quis mais, e, assim, não tem nada de legal no meu bairro pra fazer, existe o zoológico, o jardim botânico, só que o botânico paga, o zoológico paga. O botânico é uma área de meio ambiente, então você não pode ir lá jogar bola, você não pode ir lá correr, você pode ir lá fazer um piquenique, que é o que a gente faz com as crianças de vez em quando, a gente faz isso com eles. Mas área de lazer em si praquela criança brincar, pra ter uma infância como eu tive, de brincar de amarelinha, jogar bola na rua, essas coisas, eles não têm, não existe. Então o pátio da igreja é o que eles mais gostam justamente por isso, que lá eles podem brincar de bola, eles podem empinar pipa, né? Então, assim, a gente tinha um espaço, mas a gente não sabia como utilizar esse espaço e a Nestlé veio ajudar a gente a fazer esse, ajudar, ensinar a gente a usar esse espaço de uma forma bacana pras crianças, né?
P/1 – Como é que foi a aproximação? Vocês trabalham em equipe.
R – Sim.
P/1 – Tem a equipe de voluntários da Nestlé e vocês também estão envolvidos, né?
R – Sim, no primeiro ano é responsabilidade total da Nestlé, então a gente não se envolve, vamos se dizer, assim, na preparação a gente não se envolve, né, mas a gente participa. Então, assim, eu sou o elo da Nestlé com a paróquia, então tudo o que eles precisam eles falam comigo, então eles me perguntam: “Dá pra fazer isso, não dá? A gente precisa disso”. Então o primeiro ano foi responsabilidade, 100% de responsabilidade da Nestlé, então tudo eles faziam.
P/1 – Mas como é que eram esses encontros? Descreve pra mim esses encontros do primeiro anos, você participava dos encontros?
R – Sim, sim.
P/1 – O que acontecia, como é?
R – Assim, encontro já na paróquia, tá, eu não fiz mais nenhum encontro com a Nestlé, a gente fez uma capacitação, tal, mas fora também da Nestlé. Então o que eles vêm?
P/1 – Só retomar então, Cássia, primeiro essa aproximação de vocês com a Nestlé, com o Programa Nutrir, você falou de uma capacitação, conta um pouco pra gente como é que foi.
R – Ah, essa foi pra falar de, é que é assim, ó, deixa eu explicar primeiro como funciona a paróquia, lá a gente tem a pastoral da criança, a pastoral da criança é justamente que cuida da, de desnutrição, né, das crianças. Elas fazem um trabalho com as crianças do bairro, crianças pequenininhas, acho que até seis anos, pra desenvolver as crianças, pra saber se está precisando de alguma coisa, se a criança realmente tá crescendo direitinho, no quilo certo, no peso certo, enfim. E aí eu tenho, elas já são senhoras, né, elas já são senhoras e elas, eu chamo elas de minhas meninas, né, e o que acontece? A gente uniu o Projeto Nutrir com as crianças da catequese com a pastoral da criança, só que não deu muito certo, então hoje a gente só tá com as crianças da catequese. Só que as minhas meninas, tão todas velhinhas, tá, as minhas meninas, elas ficaram comigo, elas me ajudam, né, a gente tem os dias, os sábados e elas vão lá pra cozinha me ajudar. Algumas mães também participam do projeto e elas vão lá ajudar a gente na cozinha, então elas que fazem a alimentação das crianças, o café da manhã e o almoço. E aí teve essa capacitação pra falar de nutrição, né, e aí eu peguei essas minhas meninas, né, nada mais justo, que elas estão na cozinha, delas irem aprender. Foi bem bacana porque era uma nutricionista do SESI, a gente foi dentro do SESI, né, que tem parceria com a Nestlé, tinha alguns voluntários da Nestlé, o pessoal da Nestlé, nós da paróquia, a gente aprendeu bastante, como higienizar alimentos, falou bastante de carne, de verduras e tal. Então foi bacana, assim, foi algumas coisas assim, que até brinquei, eu falei: “Mãe, quando chegar em casa, quando você comprar carne você não pode lavar a carne, tá, porque todos os nutrientes tá ali, então você não pode lavar a carne”, ela: “Eu vou lavar a carne”, entendeu? Então, assim, uma nutricionista falando isso é diferente de eu chegar na minha casa falando, então foi super bacana, a gente aprendeu bastante coisas assim pra falar.
P/1 – Você se lembra de outras coisas? Essa da carne que ficou marcado, não sei, uma coisa que você tenha aprendido assim, mais prática.
R – Esse vídeo vai pra Nestlé?
P/1 – Também.
R – Não, eu tô brincando, eu tô brincando, é porque, assim, a gente ensina as crianças a terem uma alimentação mais saudável, então nem tudo o que tá ali é algo do dia a dia das crianças. Então, por exemplo, nós fizemos um bolo de chocolate com abóbora, as crianças se deliciaram no chocolate, no bolo de chocolate: “Bolo de chocolate de sobremesa?”, se acabaram no bolo de chocolate, né? Aí, teve uma menina que comeu três pedaços, três pedaços, aí um dos voluntários virou e falou assim: “Criançada, você sabe o que é que tem nesse bolo?”, “Ah, o que, o que tem nesse bolo?”, “Abóbora”, “Abóbora? Argh, eca, que bolo ruim”, inclusive a menina que tinha comido três pedaços de bolo começou a falar que o bolo era ruim, né? E eu sou péssima, eu confesso que eu sou péssima pra comer.
P/1 – Você não come bem?
R – Não é que eu não como bem, eu como bem, mas, por exemplo, legumes, eu não sou muito chegada em legumes, entendeu, então alguns sucos eu também não gosto, e as meninas, de sacanagem, já sabem que eu não gosto de nada dessas coisas. Aí, por exemplo, adoro melancia, amo comer melancia, mas eu não gosto do suco, eu não consigo tomar o suco de melancia, aí teve o suco de melancia, elas chegam com o copo e falam assim: “Toma, Cássia”, “Não, obrigada, eu já tomei”, “Cássia, toma, a gente sabe que você não tomou, toma, toma, Cássia”, eu: “Não, não quero”, “Toma, Cássia”. Aí, eu tenho que tomar o suco, você é exemplo, você tem que ser exemplo. Então, muita coisa eu to comendo forçada justamente só pra criança ver que eu to comendo e que é gostoso. E no dia que a gente foi fazer a capacitação ela fez uma comida muito gostosa com casca de banana, é um arroz, ela faz um arroz com casca de banana e tal e com queijo, com couve, tal, é muito gostoso que ficou, só que eu não como banana com a comida.
P/1 – Você é difícil de comer?
R – É difícil, aí as minhas meninas já sabem que eu sou chata pra comer, aí, tipo assim, já uma olha pra cara da outra, fala: “Meu, tira a banana, eu não posso comer a banana, tira a banana”. Então, eu lembro perfeito, mas ficou gostoso assim, né, porque ela corta a casca da banana e faz como se fosse um bacon, tipo, no arroz, então ficou super gostoso assim. E também ela fez um suco de uva com couve, também gostei bastante, né? Não ficou aquele suco ruim, vamos se dizer assim, com o gosto da couve, e você tem os nutrientes da couve. Então, eu lembro perfeitamente disso, foi bacana, bacana, deu pra dar risada.
P/1 – Você levou as suas meninas, né, você foi também fazer a capacitação, você acha que essa capacitação e o contato com essa questão de nutrição mudou um pouco a prática, por exemplo, essas meninas continuam na cozinha?
R – Sim, continuam.
P/1 – Mudou um pouco a prática delas mexer ou elas refletiram, o que você vê de fato?
R – Eu não fico muito na cozinha porque o meu negócio é mais lá fora, é mais na organização, mas eu acho que ajudou sim porque elas gostaram bastante e aí, tanto que na próxima, a gente teve a capacitação, acho que depois de dois finais de semana nós já tivemos a Ecofolia, aí a gente já colocou suco de uva com couve, né? Então, eu acho que ajudou bastante elas sim. Eu tenho uma pessoa específica na cozinha, que é a Eneida, que é uma das catequistas também, que eu deixei ela como responsável pela cozinha porque ela é dona de casa, manda super bem, cozinha muito bem. Então ela, a gente conversa, elas falam que elas tão aprendendo bastante e também, como tem o voluntário do outro lado, o voluntário da Nestlé, e tem aquele livro de receitas da Nestlé, então elas aprendem fazer bastante coisas, né, elas tão aprendendo bastante lá.
P/1 – Entraram algumas receitas do livro no cardápio?
R – Várias, várias vezes, várias vezes, por exemplo, sábado agora a gente teve um kibe de legumes, eu nunca tinha comido um kibe de legumes, né, eu arranquei a berinjela fora porque eu não como berinjela, mas o kibe de legumes. A gente já fez escondidinho de frango, a gente fez uma feijoada maravilhosa também, que foi feito feijoada de talos também, que o pessoal fez bastante, foram coisas assim que marcaram bem.
P/1 – O que é essa feijoada de talos?
R – Feijoada de talos, é.
P/1 – É o que, qual é a diferença?
R – Não tem nada de, não é nada uma feijoada, que você fala feijoada, você já imagina aquele feijão preto com um monte de lingüiça, um monte de carne seca, paio, não, nada disso. É feita com legumes, é feita com verdura, com talo de verduras, essas coisas, fica uma delícia, uma delícia mesmo, a criançada gostou bastante também.
P/1 – É feijão preto também?
R – Não, feijão normal, feijão normal, o preparo em si eu não sei porque eu não tô na cozinha, então eu não sei, mas ficou uma delícia, né? E as crianças, por exemplo, o bolo de chocolate é uma coisa que é legal, que você tem os nutrientes da abóbora disfarçado no bolo de chocolate, as crianças aprenderam a comer bastante gelatina com fruta, elas não comiam, ou gelatina ou fruta, a gente ensinou as crianças a comer gelatina com fruta. A gente tinha muito desperdício de verdura, as crianças hoje pedem pra repetir, pra comer a verdura, né? Então, assim, tem bastante coisas do livro que elas tão, que a gente coloca no dia a dia pra fazer e as crianças tão gostando assim. Você vê que elas, no começo foi bem difícil, vou falar pra você, era muito desperdício, eu falava assim: “Meu Deus, olha isso, tal, essas crianças não vão comer, essas crianças não vão aprender” e tal, mas hoje já estão aprendendo bastante sim, já sabem.
P/1 – Quanto tempo de projeto vocês estão agora?
R – Nós estamos entrando no terceiro e último ano.
P/1 – Você se lembra como é que foi a primeira Ecofolia?
R – Nossa, foram tantas.
P/1 – Ou alguma, mas conta um pouco como é que funciona a Ecofolia, como é que é, quem que tá envolvido?
R – Aí vem o pessoal, os voluntários da Nestlé e os meus voluntários, né, as meninas da catequese e as minhas meninas da cozinha. As crianças entram as nove horas da manhã, aí a gente faz uma roda inicial, às vezes a gente faz uma oração, né, com as crianças, por sermos católicos a gente faz uma oração com as crianças. Aí, cada mês tem um tema diferente, a gente fala pras crianças sobre esse tema e depois a gente dá, eles vão, lavam as mãos, aí voltam, tomam o café da manhã e depois eles vão pras brincadeiras. São brincadeiras voltadas com o tema, né, que a gente utiliza, e aí depois eles voltam, lavam as mãos de novo, almoçam, pegam a sobremesa e vão embora. Só que sempre as brincadeiras são do tema, então, por exemplo, dia 22 agora foi o Dia Mundial da Água, então a gente fez uma brincadeira de circuito com eles, que eles iam com um balde de água passando por obstáculos, sem que derrubasse a água. Então, o grupo que derrubasse menos água era o grupo vencedor, né? Então, a gente faz bastante gincana, é que, assim, mudou bastante os voluntários, né? Então, por exemplo, a gente fazia grito de guerra, separava em grupos e cada um fazia o seu grito de guerra, né, então eles têm essa coisa de competição, né, de aprender. Então, por exemplo, quando é um tema de frutas a gente pula corda, eles têm que falar uma fruta, né, até a gente tava brincando, a gente vai, até falei pra eles se a gente podia fazer, né, torta na cara, né, esse ano. Então, a gente vai colocar hoje uma, esse ano uma das brincadeiras vai ser torta na cara, porque eles vão gostar, imagina, um sujando a cara do outro, né? Então a gente faz brincadeiras voltadas com o tema. Então, por exemplo, quando é festa junina a gente fala sobre grãos e cereais, que tem tudo a ver com festa junina, né, pipoca, essas coisas.
P/1 – Amendoim.
R – Amendoim, todas essas coisas a gente faz com eles, tal. Tem uma outra brincadeira também que eles gostam bastante que é de separar lixo, né? Então, a gente coloca os lixos pra eles e coloca lá, metal, plástico, tal, então a gente tem que despoluir o rio. Aí, eles gostam bastante porque, além de eles estarem aprendendo as cores da reciclagem, eles tão despoluindo o rio, então são, assim, são brincadeiras que eles gostam bastante. Agora, o que eles gostam mais realmente de fazer é correr, fez uma brincadeira de correr é com eles mesmo, né, por exemplo, pega-pega de fruta, aí tá com um, aí um corre, vai lá, aí se você, tipo, pegar a criança, se ela não falar uma fruta aí tá com ela, se ela falar a fruta ela tá livre, né? Então, a gente vai misturando essas brincadeiras pra eles irem conhecendo, outro dia, sábado a gente até brincou, falou: “O que que é brócolis?”, como é que é? Brócolis, nossa, agora eu não lembro o que que a criança falou, mas aí o voluntário falou assim: “Ah, é porque ele veio, ele é de uma bruxa, foi uma bruxa que fez ele, tal”. Então, a gente brinca assim com eles e eles vão aprendendo realmente, tá sendo super bacana por isso. A gente não, com certeza não estamos atingindo 100% das crianças porque eu tenho um problema, que as mães não vão, né? Por exemplo, eu tinha uma filha de uma amiga minha que ela tomou uma vitamina de morango, ela não queria tomar a vitamina de morango. Eu falei: “Mas você não sabe nem se é gostoso, porque você não toma? Se você não gostar tudo bem, mas e se você gostar?”, ela tomou dois copos de vitamina, aí ela falou: “É gostoso”, eu falei: “Ah, então fala pra sua mãe que é gostoso pra sua mãe fazer”. Então, se a mãe não tiver lá dentro e não aprender isso ela não vai conseguir, a criança não vai conseguir falar isso em casa, mas tem criança que aprende e as mães, algumas mães estão lá dentro, então as mães estão aprendendo, né, com eles. Ano passado também foi muito legal, que eles plantaram, eles fizeram uma... Eles aprenderam a plantar, então cada um fez o seu potinho, fez a sua terra, fez a sua sementinha, uns eu sei que cuidaram, outros largaram lá no pátio, porque o pensamento da criança é correr, né, brincar, pular, enfim.
P/1 – O que eles plantaram?
R – Ah, eu não lembro qual que foi a... Eu não lembro qual foi a semente que eles levaram, que foi o pessoal que levou, então eu não participei assim, é que eu fico mais mesmo na parte de organização, né? E aí eles acabaram plantando, mas eles gostaram bastante, sujaram a mão de terra, enfim, criança gosta dessas coisas, né?
P/1 – Você mencionou as mães agora, normalmente a proposta é que as mães participem desse momento?
R – Sim, sim, sim, primeiro que, assim, infelizmente, eu sei que é corrido pra todo mundo, né, eu não posso julgar ninguém porque cada um tem a sua vida, cada um tem suas escolhas. Por exemplo, minha mãe só conseguia me dar atenção de domingo, mas ela me dava atenção, aquele dia era meu e dela, por mais que ela tinha que arrumar as coisas de casa ela sempre me deu atenção, minha mãe sempre ficou em cima de escola, de tudo isso, pra acompanhar o meu crescimento. Eu até costumo falar pras pessoas, eu fico meio brava porque, assim, às vezes a gente nem conhece a mãe, a mãe larga a criança lá como se fosse uma creche e a mãe nem aparece. O que a gente mais faz é convidar os pais, tanto pra participar da catequese quanto pra participar do Projeto Nutrir. E eu tenho mães, tenho mais ou menos acho que umas dez mães que vão lá, que estão firmes e fortes, que vão lá, mas eu tenho, o projeto em si, a gente tem na catequese 150 crianças, mas algumas não participam. Algumas não gostam, não participam, outras moram longe, não dá pra vir no sábado e no domingo, porque às vezes a gente tem catequese de domingo, então a mãe acaba não conseguindo vir, né? Mas ela, eu tenho mais ou menos umas dez mães, mais ou menos.
P/1 – E quantas crianças?
R – Que vão no projeto mais ou menos umas cem, então é diferença, é muita diferença.
P/1 – Mas é bastante.
R – É, e aí a criança realmente não vai aprender, falar: “Pô, mãe, olha, hoje eu aprendi um bolo de chocolate com abóbora, aprende pra fazer pra mim pra eu comer”. A mãe, sabe não, a mãe não tá lá pra saber isso, a mãe não tá lá pra ver o que ele comeu.
P/1 – É importante que a mãe esteja junto.
R – Que a mãe esteja lá, porque às vezes ele vai saber explicar, às vezes tem uma verdura no prato dele que a mãe nunca ofereceu pra ele, mas ele gosta, ele gostou, se a mãe não tiver lá e não ver que ele gostou daquela verdura, daquele legume, como é que ele vai explicar: “Mãe, ó, eu gostei de uma que é assim”? Não vai, não vai dar, então eu acho que, não só no Nutrir, mas na catequese, eu acho que no mundo em geral pai e mãe não tá ligando muito pra filho, é isso que eu sinto. Talvez pela minha criação, talvez por coisas que eu vejo, eu acho que pai e mãe não tá tão preocupado assim com a criação dos filhos. Eu acho que o mundo tá muito mais concorrido, as pessoas tão muito mais focadas no trabalho, por exemplo, eu, quando eu tiver o meu filho eu vou querer dar tudo pra ele que a minha mãe não conseguiu dar. Eu acho que isso é natural, mas eu acho que tem que ter um limite, não comprar o meu filho com brinquedo, com nada disso, eu acho que tem que ter aquela coisa de família mesmo, de sentar na mesa, de perguntar: “Filho, tá tudo bem? Você tá precisando de alguma coisa? Vamos fazer uma coisa em família”. Eu sou muito ligada na minha família, então eu acho que por isso eu penso de uma forma diferente.
P/1 – Essas mães que acompanham, como é que elas participam da atividade?
R – Bastante na cozinha, por isso que eu te falo, é bastante na cozinha, por isso que elas tão, além delas estarem aprendendo, elas tão vendo outras coisas pra fazer pros filhos, entendeu? Então, é bem na cozinha mesmo que elas participam, que é o que eu mais gosto que elas fazem: “Vai lá pra cozinha”, porque às vezes não é todo mundo que tem jeito com criança, de brincar, pular, tal, se divertir, é mais na cozinha mesmo, aí as mães vão pra cozinha.
P/1 – Elas vão cozinhar com os voluntários, com a equipe da paróquia?
R – Com os voluntários, é, exatamente.
P/1 – Que bacana.
R – Não, super legal.
P/1 – Você tinha mencionado uma mudança do primeiro pro segundo ano, né, que no primeiro ano a equipe de voluntários da Nestlé que faz, que monta tudo.
R – Que prepara tudo.
P/1 – Que prepara as atividades, apresentações e temas, e depois como é que foi essa transição pra vocês?
R – Olha, foi um pouco difícil porque, eu até brincava com o pessoal da Nestlé, falava: “Você tem certeza que a gente tá preparado?”, “Tá, tá sim, vai lá, você consegue”, tal, não sei o que. Então, assim, as catequistas, elas, todo mundo tem uma vida lá fora, então todo mundo trabalha, eu tenho catequista que estuda, eu tenho catequista que é mãe, que tem que cuidar do filho, da casa, tal. Então, é um pouquinho complicado a gente, porque é tudo um trabalho voluntário, você não pode exigir da pessoa, né? Enfim, aí então, assim, fica mais realmente nas minhas costas essa parte de organização, que é tudo comigo, né, eu já sou assim, natural.
P/1 – Você coordena o programa dentro da paróquia?
R – Dentro da paróquia eu coordeno. Então, por isso que eu te falei, o projeto me ajudou bastante porque eu peguei os adolescentes pra me ajudar, né, então, por exemplo, o cardápio eles que decidem, eles que decidem o que eles querem comer. É lógico que eu imponho os limites, né: “Ah, vamos fazer bolo de chocolate com calda de chocolate”, eu falei: “Não, não pode”, né, então a gente coloca alguns limites. Então, por exemplo, o café da manhã é eles que decidem, o almoço eles que decidem, a sobremesa são eles que decidem, eles que fazem o cardápio. Esse ano não vai ser eles, vai ser a equipe da cozinha mesmo, porque às vezes, assim, como a gente não tá na cozinha a gente acaba cometendo algumas falhas. Uma vez a gente comprou comida de mais, outras vezes a gente comprou comida de menos, outras vezes a gente decide uma coisa que não tem nada a ver uma coisa com a outra, né? Tipo, porque como a gente fala de nutrição, talvez se eu pegar uma vitamina com uma bolacha eu já to dando o suficiente pra dar energia para aquela criança brincar a manhã inteira e depois almoçar, mas às vezes se eu der um suco e uma bolacha não vai satisfazer, a criança quando chegar no meio dia ela vai tá morrendo de fome. Então, às vezes a gente dava umas falhas assim, então por isso que a gente deixou com a cozinha. Então, o pessoal vai sentar e vai definir o cardápio, então esse ano vai ser a minha equipe de cozinha com o pessoal, os voluntários da Nestlé, decidindo o cardápio. Então, a gente deu algumas falhas, assim, nesse sentido, né, de não dar tanta energia pra criança, chegar meio dia ela tá: “Tô com fome, tô com fome”, né?
P/1 – Vocês foram ajustando, né?
R – A gente foi ajustando, mas aí, por exemplo, as brincadeiras, os meus adolescentes que decidem, eu falo: “Ó, o tema é fruta”, aí eles fazem a brincadeira da fruta: “Ó, o tema é grãos e cereais”, aí eles fazem as brincadeiras dos grãos e cereais, então eles que montaram as brincadeiras, né? Tipo, eles fizeram forca, pula corda, essa brincadeira do lixo foi ideia deles. Assim, me surpreendi com eles porque eles, porque, assim, quando eu dou coisa, eles são danados, danados, não param quietos, são adolescentes, porque eles tão naquela fase de infância pra adolescência, então...
P/1 – Que idade eles têm mais ou menos, faixa etária?
R – Eu tenho uma de 15, tenho 13, 14, 11, 12, então tão, menino ainda é mais imaturo do que a menina, a menina é muito mais madura do que os meninos. Então, eu tô pedindo pros meninos fazerem a brincadeira, me organizar a brincadeira, daqui a pouco eles tão no meio do pátio brincando com as outras crianças. Então, assim, né, mas tirando, quando você dá pra eles fazerem eles fazem, por exemplo, esse ano eu tive doente, eu fiquei uma semana afastada, eu fiquei uma semana internada com problemas de saúde, não tinha nada a ver com estresse, mas talvez, o médico disse que, como eu andei passando muito nervoso, minha imunidade foi lá pra baixo e aí eu acabei tendo um problema de saúde, tive que ficar internada, tal. E aí o médico falou: “Você tem que cuidar mais da sua saúde, tal, então você tem que ficar mais tranquila”, vamos se dizer assim. E aí eu falei: “Ó, crianças, eu não vou conseguir vir todo o sábado aqui pra gente se encontrar, mas a gente vai fazer uma perseverança virtual, uma perseverança pelo Facebook”. Então, essa Ecofolia eu já dei algumas instruções e a gente foi conversando pelo Facebook, eles foram trocando ideias comigo pelo Facebook. Aí, ontem ela já entrou, uma delas já entrou, falou assim: “Qual que é o próximo tema?”, o próximo tema, a próxima Ecofolia é dia 26 de abril, eles já estão pensando no próximo tema pra eles decidirem quais são as brincadeiras, de que forma que eles vão se organizar. Por exemplo, eles ensinaram as crianças a lavar a mão no sábado, foram os adolescentes que ensinaram as crianças a lavar a mão, eles fizeram a fila, colocaram as crianças no banheiro, foram auxiliando, então foram eles que fizeram isso. Então, quando você dá serviço pra eles, eles gostam e eles fazem, tipo assim: “Eu sou perseverança, eu vou fazer”, entendeu, então é bacana por isso, que a gente dá bastante incentivo pra eles, né?
P/1 – Muito bacana. Eu queria entender um pouco melhor qual que é a sua função dentro do programa, né, na implementação do programa na paróquia.
R – Eu faço acontecer, né, porque, assim, a gente tem o pessoal da Nestlé, então tem que ter alguém dentro da paróquia que faça isso acontecer, então eu que decidi as datas, junto eu e os voluntários, né, a gente que decidiu as datas. Então, por exemplo, eu que tenho que olhar o papel higiênico, eu que tenho que olhar o papel toalha, eu que tenho que ver o sabonete, eu que tenho que olhar o espaço, eu tenho que ver se a comida chegou certinho. Uma coisa super bacana também, a gente ajuda o mercado do bairro porque a gente compra os alimentos no mercado do bairro, né? E na papelaria, então de uma forma eu estou ajudando os empresários do meu bairro a ganhar um pouquinho mais, vamos se dizer assim. Então, eu que tenho que saber se a comida chegou, se não chegou, eu que tenho que deixar o espaço limpo, é lógico que eu não faço isso sozinha, eu administro tudo, mas todo mundo ajuda, né? Então, eu sou mais, vamos se dizer, a parte de organização. E lá no dia não tem como eu não me envolver, então vou, brinco de um jeito, controlo a chamada, vejo se tá tudo bem na cozinha, vejo a quantidade de pessoas pra passar quantas pessoas foram, tal. Então, eu sou mais a organização realmente.
P/1 – Cássia, você se lembra, você contou várias coisas bacanas do programa, mas eu queria saber se você se lembra de uma história que tenha sido marcante nesse período de implementação, de vivência do programa, ou com uma mãe ou com uma criança ou com alguém da própria comunidade, da paróquia, alguma coisa.
R – Vou te falar no primeiro passeio que a Nestlé proporcionou pras crianças. O primeiro passeio, em outubro foi o primeiro, a gente começou em outubro de 2011, aí não fez nada, mas aí o primeiro passeio foi em outubro de 2012. As crianças foram conhecer a fábrica de chocolate da Nestlé. Eu vou falar de dois passeios, o primeiro, fábrica de chocolate da Nestlé.
P/1 – Como é que foi?
R – Pra ir eu consegui controlar todo mundo, né, acho que foram três ou quatro ônibus, não lembro, a gente conseguiu, as catequistas, a gente conseguiu controlar todas as crianças, tal, eles na ansiedade. E a inquilina da minha mãe, ela é inspetora na escola, no Valentim, que é aonde está concentrada a maior parte das crianças. Uma semana antes do passeio a única coisa que se ouvia se falar lá na escola era a fábrica de chocolate da Nestlé, só isso, não tinha outro assunto a não ser a fábrica de chocolate na Nestlé. As crianças não dormiam de noite, a gente marcou acho que oito horas pra sair, uma hora antes da saída as crianças já estavam no sábado na igreja esperando ansiosamente essa bendita dessa fábrica de chocolate da Nestlé, e uma semana depois do passeio o assunto da escola era a fábrica de chocolate da Nestlé. E aí as crianças foram dentro do ônibus, a Nestlé deu lanche na ida, deu lanche na volta, eles amaram, aquele cheiro de chocolate, a quantidade de chocolate sendo feita, como é feito chocolate, eles amaram. Quando eles voltaram, na saída você ganha um saquinho de chocolate, deu uma energia para aquelas crianças que elas voltaram num fogo, mas berrava, gritava, contava piada, e os voluntários junto com elas. Foi assim, superbacana, ficou marcado na história de vida dessas crianças esse passeio pra fábrica de chocolate da Nestlé. Aí, no ano passado a Nestlé proporcionou... Teve uma inauguração, a reinauguração de um brinquedo no Hopi Hari com uma das marcas da Nestlé e eles convidaram algumas crianças pra ir tirar foto, inauguração dos brinquedos, né? Aí tudo bem, aí a gente pegou as crianças que tavam naquele dia na Ecofolia, não eram muitas crianças que podia levar porque tinha que ter um voluntário pra cada criança por questão de segurança. E aí foi muito legal porque eu passei as autorizações, aí tinha, específico, foi específico de três crianças que moram na comunidade lá, e essas crianças jamais teriam oportunidade de ir no Hopi Hari, elas não iriam no Hopi Hari porque, assim, é ela e mais cinco irmãos. Como é que a mãe vai sair de São Paulo pro interior, pra pegar cinco crianças e levar, com entrada, com comida, com tudo? Não teria condição. E aí ele virou e falou... E aí o que que acontece? A gente tinha, naquele dia daquela Ecofolia, a gente tinha a quantidade, eu não lembro exatamente o número, foi 30 ou 40, acho que foram 30 vagas, só que a gente contou quantas crianças poderiam ir por causa da idade, acho que davam 32 vagas. Aí, a Mônica da Nestlé falou: “Não, Cássia, tudo bem, 32 a gente dá um jeito”, eu falei: “Tá bom”. Só que eu tinha que chegar lá na sala e falar pra crianças, as crianças tinham ganhado um passeio, só que eu tinha que falar que era um sorteio porque tinha os pequenininhos e na verdade todas as crianças que estavam naquela sala iam pro passeio, só que eu tive que mentir e falar que era um sorteio por causa dos pequenos, os pequenos não poderiam ir. Aí, eu comecei a falar: “Crianças, eu tenho uma novidade pra vocês”, “É?”, “É, vocês ganharam um passeio”, “Oba” e todas as vezes que eles pediam pra fazer um passeio era Playcenter e Hopi Hari, tá? Só que como é que eu vou pegar as crianças? Não tinha condições. Aí, eu falei: “Vocês ganharam um passeio”, “É?”, “É, só que só tem um probleminha, algumas crianças foram sorteadas e outras não”, “Ah, tá bom, vai, mas pra onde é o passeio?”, “Pro Hopi Hari”, “Quê?”. Meu, foi uma gritaria imensa dentro da sala, aí tudo bem, aí veio essas três crianças: “Tia Cássia, eu fui sorteado?”, eu falei: “Foi”, “Eu fui sorteado?”, eu falei: “Foi, você foi”, “Não, eu não acredito que eu fui sorteado”, tudo bem. Eu falei: “Mas você só vai com uma condição”, ele: “Que condição?”, “Você vai ter que vir assistir a missa aqui amanhã”, a missa era às dez horas, oito horas da manhã eles tavam na igreja com a autorização e pra assistir a missa, né? Aí, eles sabem onde é minha casa, as crianças sabem onde é minha casa, então eles vão na minha casa atrás de mim, tá, aí no dia o ônibus ia sair às nove e eu marquei com eles às oito e meia. Quinze pras oito os três estavam no portão da minha casa: “Tia Cássia, tia Cássia, a moça falou que não tá sabendo de nenhum passeio, que não tem nenhum passeio”, eu falei: “Não, tem passeio”, a moça que limpa a igreja, né? Eu falei: “Não, tem passeio, mas eu marquei com vocês nove horas”, não, é, eu tinha marcado às nove, é, eu falei: “Mas eu marquei com vocês nove horas, o que vocês tão fazendo aqui?”, “Ah, mas é que a gente já acordou, a gente quis vir pra cá”. Então, olha a diferença que um simples passeio fez em três crianças da comunidade, aí lotei, peguei o ônibus, coloquei as crianças no ônibus e a gente foi. Chegou lá tinha os voluntários, cada criança tinha um voluntário, então foi superbacana porque aquele voluntário tava 100% do tempo voltado, primeiro que eles deixaram o seu serviço, né, segundo que eles pegaram 100% do tempo e deixaram com aquelas crianças. Então, lá no parque todo mundo foi pra um lugar e tava muito quente, as crianças tavam tomando banho na fonte junto com os voluntários, eles se divertiram, foi assim, espetacular. Aí, chegou a hora do... Aí, todo mundo se bandeou, cada um foi pra um lado, eu fiquei com os adolescentes, né, eu fiquei com um adolescente, minha amiga, eu levei uma amiga como voluntária, ela ficou com outro adolescente e o Danilo, que já fazia parte do projeto da Nestlé, também ficou com um adolescente. Os dois meninos que estavam, um ficou comigo e um ficou com o Danilo, eles interagiram tanto com o Danilo que o simples fato do Danilo conversar com eles já fez uma diferença. O meu, que tava comigo, nem ficou comigo, só ficou com o Danilo, só queria conversar com o Danilo, ele se identificou bastante com o Danilo. E aí depois a gente, nós almoçamos, a Nestlé deu um lanche, as crianças acharam que o lanche ia ser natural, né, porque, por causa do projeto e tal, mas era hambúrguer. Então, você ir lá no hambúrguer como se fosse no McDonald´s, pra muita criança fez a diferença. Depois a gente se encontrou, tirou foto, eles tiraram foto com o pessoal da Nestlé, com outros voluntários, e aquele oba oba todo, tal, aí foram pro passeio. Se sentiram os melhores lá dentro porque o brinquedo não estava aberto, o brinquedo só foi aberto por causa deles, pra reinauguração, demos uma volta e o brinquedo parou e depois eles ganharam o sorvete. Foi muito engraçado porque eles se acabaram no sorvete, levaram até sorvete pra dentro do ônibus e o sorvete derreteu tudo porque tava chovendo muito. E aí tinha o ônibus dos voluntários e o ônibus das crianças, aí eu fui lá, antes dos ônibus dos voluntários saírem eu fui lá agradecer, eu falei: “Gente, vocês não têm noção a diferença que você fez, vocês marcaram a vida dessas crianças, vocês não têm noção do que é isso”, né? Como eu contei coisas da infância que me marcaram, pode ter certeza que talvez uma criança cresça, venha aqui fazer a mesma coisa que eu tô fazendo e diga que o dia mais espetacular da vida dele foi aquele passeio do Hopi Hari, também a gente teve o passeio do zoológico, mas acho que a fábrica e o Hopi Hari foi o que mais marcaram. Aí, eu voltei pro meu ônibus e tem o Matheus, que é uma criança muito, ele é muito dócil, ele é um menino muito carinhoso, ele virou e falou assim pra mim: “Tia Cássia, esse foi o melhor dia da minha vida. Eu jamais vou esquecer”. Nenhum dinheiro do mundo paga isso, e saber que eu to fazendo parte disso é espetacular, é sinceramente uma coisa muito bacana.
P/1 – É uma delícia.
R – Nossa, maravilhoso, ainda mais por crianças que eu sei que realmente não vão ter esse tipo de condição de fazer isso, bem bacana.
P/1 – Eu vou te fazer uma pergunta que tem tudo a ver com essa história que você contou agora. Eu queria que você disse um pouco pra gente, na sua opinião qual que foi a importância que o programa teve na sua comunidade de uma maneira geral, pras crianças, mas também pras mães, também pra vocês?
R – Ó, como eu te falei, eu acho que tá além da nutrição e além do meio ambiente, eles estão aprendendo, a gente sabe que eles estão aprendendo porque a gente vê isso, do que começou, por exemplo, com desperdício, que hoje a gente já não tem mais desperdício. A forma, por exemplo, a gente fala com eles assim, a primeira vez, eu lembro: “Quem aqui deixa a torneira aberta pra escovar os dentes?”, aí um monte de criança levantou a mão: “Não, mas tá errado, não sei o quê, não sei o quê”. Então, eu acho que um pequeno gesto, a criança vai lembrar de fazer isso, de, na hora de escovar o dente, de fechar a torneira, até eu mesmo, eu lembro disso, entendeu, eu sou adulta já e eu lembro disso, às vezes você esquece. Então, às vezes eu, por exemplo, eu to tomando banho, eu falo: “Nossa, tenho que tomar banho rápido, não posso gastar água”, porque a gente tá, você tá aprendendo isso lá, então de uma forma eu também to aprendendo, né, a gente acaba aprendendo. Mas lá no bairro, é o que eu falo, eu falo pra todo mundo isso, lá é muito carente, não é carente de dinheiro, não é isso, criança, ela gosta de atenção, ela gosta de sentir importante, ela gosta de se sentir querida, de se sentir amada. E o que os voluntários fazem, eu até costumo brincar, eu falo que santo de casa não faz milagre, né, que a gente, as catequistas não fazem tanto milagre, mas os voluntários, eles fazem isso tão assim que as crianças se apaixonam por eles. As crianças são... Tem voluntário que eu não sei o nome, eu tenho, lógico, eu tenho mais contato com alguns, mas tem alguns que vão, nem sempre vão, né, eles são megamente apaixonados: “Cadê a tia loira? A tia loira não veio, cadê? Cadê o tio do olho azul?”, eles são super apaixonados. E no final do ano, no ano passado a equipe de laboratórios da Nestlé, do pessoal do laboratório, veio doar livros pra eles, doar livros e fizeram um lanche da tarde, né, aí eu tava lá com as crianças, tal, não sei o quê, chamei as crianças. As crianças adoraram porque elas ganharam livros, comeram, beberam, se divertiram, deram bastante risada, os voluntários conversaram, mas o engraçado é que eles sentiram falta dos voluntários, porque não são os mesmos voluntários, eram os voluntários do laboratório, outra equipe, e eles ficaram questionando. Só veio uma, que foi a Vivian, e eles ficaram questionando, eu falei: “Olha só como que é, olha só como que isso é bacana, porque vocês tão dando tanto amor pra essas crianças que eles tão se apaixonando por vocês não porque vocês tão vindo aqui ensinar, mas porque vocês tão dando amor, sem qualquer tipo de... Não existe troca de dinheiro, bem material, nem nada disso, eles gostam de vocês”. No sábado foi aniversário do Matheus, esse menino que falou que foi o dia mais feliz da vida dele, e os voluntários cantaram parabéns pra ele, você via os olhinhos dele assim, encher de lágrima assim, sabe, feliz. Não tinha um bolo, não tinha uma festa, mas aqueles voluntários estavam cantando parabéns pra ele, você tá entendendo? Outra, uma coisa bacana, assim, eu tenho uma menina lá, que ela é meio assim, ela não é nada feminina, vamos dizer assim, ela não se importa com essas coisas. Aí, no ano passado na festa junina as meninas levaram, as meninas, as voluntárias da Nestlé levaram um pacote de sombra, batom, essas coisas assim, né, e pintaram as meninas e tal, e deram pra elas. Todas as vezes que eu vejo essa menina agora ela está maquiada. Então, assim, a mãe também é super simples, né, não ensinou a filha a passar um batom, a passar uma sombra, um rímel, enfim, não ensinou, foi uma estranha, vamos se dizer assim, que ensinou ela a fazer isso uma vez e desde então ela sempre tá assim. Foi simples o gesto, mas fez a diferença na vida daquela menina, entendeu, então eu acho que é o amor, amor em todos os sentidos, que é o que eles dão pra essas crianças, que realmente está fazendo a diferença. Eles, ó, eles me infernizam pelo Facebook, alguns têm o meu celular, ou ele vão na minha casa ou eles me pegam na igreja: “Quando volta o projeto da Nestlé? Quando volta?”, então isso é a maior sensação pra eles. E aí eu falo assim: “Nossa, eu tô tão cansada, não vejo a hora do projeto acabar”, tal, não sei o quê, mas eu falo: “Não, não podia acabar”, né, porque eles gostam, eles gostam tanto disso. E só pra você ter uma ideia tem criança que entra na catequese por causa do projeto.
P/1 – Pra poder participar?
R – Porque passa na rua, vê as crianças brincando, se acabando de brincar, passa na rua, vê, quer entrar, muita criança entra justamente por causa do projeto. Até eu tava fazendo o recadastramento das crianças, né, pra gente ter um controle melhor, muitas crianças que já estão entrando nesse ano já queriam participar. Eu falei que não porque não é justo eu colocar crianças que ainda não estão participando, que a nossa catequese só começa em maio, que a gente usa o ano litúrgico da igreja, não o calendário, né, comercial, e aí não seria justo. Então, as crianças já estão desesperadas pra chegar maio pra entrar na catequese, pra vir pro projeto. Então de uma certa forma ajuda a minha religião também, ajuda a minha igreja a trazer, manter essas crianças dentro da igreja.
P/1 – E pra você, Cássia, teve uma mudança no jeito que você pensa a alimentação, você tem essa preocupação nas refeições na sua casa ou não?
R – Olha, como eu falei pra você, tô confessando e tá sendo filmado agora, sou péssima pra comer, verdura eu como super bem, adoro qualquer tipo de verdura, gosto muito de salada, tal, meu problema é legumes, eu não sou chegada em legumes. Legumes pra mim é batata e cenoura e se eu falar pra você que abóbora não tinha na minha casa, mandioquinha, e mandioca, eu gosto de mandioca, bastante mandioca, se eu falar que todos esses legumes não tinha na minha casa eu estou mentindo, porque a minha mãe sempre fez isso na minha casa. E quando eu ficava na creche eu era obrigada a comer tudo e eu sei que naquela época... Hoje eu entendi que a forma de ensinar a criança a comer do jeito que nós estamos fazendo é a forma mais correta, porque ela aprende de um jeito diferente, né, ela não está sendo obrigada a comer e naquela época eu era obrigada a comer. Então, talvez isso na minha infância, das tias me obrigarem a comer coisas que eu não gostava, chuchu, eu odeio chuchu, quando eu olhava assim, que ela abria o negócio, chuchu, ai, eu tinha que comer, era pouquinho, era, mas eu tinha que comer, não tinha jeito.
P/1 – Qual que é a diferença? Você falou dessa diferença, se você puder explicar um pouco melhor dessa maneira, de você ser obrigada e da maneira como as crianças estão aprendendo.
R – É, porque, por exemplo, às vezes a criança não sabe nem o que que é chuchu ou o que é uma berinjela, então quando você tá lá ensinando pras crianças: “Vamos, fala pra mim um legume com a letra b”, “Ah, berinjela”, então você mostra pra criança o que que é a berinjela. E aí você faz um prato que tenha aquilo que ela, você tava conversando com aquela criança momentos atrás sobre a berinjela e quando ela entrou lá pra dentro ela viu que existe a berinjela e que ela pode comer e que aquela berinjela pode entrar de um gosto diferente na boca dela, né? Então, isso é diferente, não eu falar assim: “Você é obrigada a comer”, isso eu, a creche fazia isso comigo. Então, talvez por isso eu peguei algum, não como alguns legumes, assim, mas eu percebo que a gente precisa ter uma alimentação mais saudável, o projeto vem me ensinar. Então às vezes eu tô pensando em comer alguma besteira, a gente: “Não, hoje eu não vou comer, hoje eu não vou comer”. Então, assim, eu mudei, com legumes não muito, não, verdura eu sempre fui bem, mas eu sempre comi bem. Assim, nunca fui de comer muita tranqueira, muita besteira, não, às vezes a gente dá uma extrapolada no final de semana, que sai com a família, com os amigos, enfim, mas não sou, no dia a dia eu não muito de dar extrapolada, não.
P/1 – Quando você faz um balanço de antes e depois o que você acha que o programa transformou na sua vida e na comunidade?
R – Pra mim talvez eu pensar melhor na minha saúde, né, que eu acho, por exemplo, tem muitas pessoas que estão próximas a mim que estão com problema de câncer, né, e todo mundo fala que é sobre alimentação, que alimentação, porque assim, você pensa: “Pô, mas não tinha, não existia essas coisas, por que existe hoje?”, né? Então, você fica tentando entender, clima, tempo, mudanças no meio ambiente, tal. Aí, você começa a raciocinar, né, então você começa a pensar um pouco mais na sua saúde. Então, juntou isso também com o meu problema de saúde, talvez acho que agora eu, assim, não agora, eu já tava pensando em me alimentar melhor, né? Acho que isso como o programa em si, ou, por exemplo, na hora de tomar banho não gastar tanta água ou quando eu estiver escovando os dentes fechar a torneira, são coisas tão pequenininhas que você faz, mas que se todo mundo fizesse mudaria o mundo, né, não precisaria, por exemplo, ter racionamento de água, né? A gente tem muito desperdício. Então, acho que até mesmo pra jogar um lixo fora, né, assim, às vezes você vai, por exemplo, shopping, grandes locais, você tem lá o que que é plástico, o que que é metal, tal. Às vezes você não tá nem aí, eu vou lá e jogo em qualquer lugar, hoje não, hoje eu me preocupo em colocar certo, se eu tô com um plástico na mão, no que é plástico, se eu tô com um vidro, no que é vidro, orgânico, orgânico. Então, hoje eu já me preocupo mais com isso, eu não me preocupava, não tava nem aí. Então, existem algumas coisas assim, do dia a dia, que são simples, mas que me fez mudar, me fez ser diferente com o projeto, né?
P/1 – E a comunidade em geral, pelo o que se transformou e o que você acha que vai ficar como legado pras outras pessoas que participam?
R – Eu acho que também isso, né, porque eu sempre escutei isso: “Cuide das crianças que não vai ser preciso castigar os homens”, né? Então, a gente tá cuidando das crianças e eu sei que nem todas estão absorvendo, mas que você plante uma semente, essa semente vai mudar o mundo, né? Então, uma não, a gente plantou várias sementes, então eu sei que isso tá fazendo diferença. Por exemplo, os meus adolescentes, eles pesquisam pra eles virem falar comigo, pra eles virem fazer, por exemplo, da água, eles foram lá e pesquisaram, eu sei que eles pesquisaram, eles trouxeram textos, né? Apesar de na cozinha a gente ter estampado lá, ter o desenho de como lavar as mãos, eles foram na internet buscar, eles conseguiram achar, por incrível que pareça, acharam o mesmo desenho, que foi até a Nestlé que trouxe, não foi nem a paróquia que fez, eles conseguiram. Então, é um jeito da gente tá ensinando, então eu tô vendo que existe mudança e, assim, eles eram bem pequenininhos, eu tenho uma foto de todos eles assim, super pequeninhos, eu olho pra eles hoje, eles tão maior que eu, eu falo: “Meu Deus, tô ficando velha”, tal, não sei o quê. Então, eu vejo o crescimento deles, né, assim, de aprendizado mesmo, então eu acho que o aprendizado e o amor (risos).
P/1 – Que bacana, que ótimo.
R – Bem legal.
P/1 – A gente tá encaminhando pro final já, tem sempre as perguntas finais que a gente faz de fechamento, mas antes de fazer essas perguntas eu queria saber se tem alguma coisa que eu não te perguntei, mas que você gostaria de falar, qualquer coisa.
R – Ah, eu acho que não, eu acho que eu falei, eu acho que eu falei. Então, assim, ó, uma coisa, assim, que eu falo bastante dos voluntários, todo mundo consegue colocar a culpa no governo, né: “Ah, porque o governo não presta, porque o governo é isso, porque o governo é aquilo”. Mas eu acho que como ser humano eu tenho que me preocupar com o próximo, né? Eu tenho que me preocupar com uma criança que tá largada na rua, porque aquela criança, ela pode crescer, ela pode virar um bandido, ela pode virar um assaltante, e amanhã ela vir me assaltar, e amanhã ela matar alguém da minha família, causar mal pra mim, pra alguém que eu amo, pra um amigo, pra família. Então, eu acho que não é só responsabilidade do governo, isso não é responsabilidade, eu acho que é uma responsabilidade do ser humano, eu acho que a gente tem que fazer mais pelo nosso próximo e infelizmente a humanidade tá ficando mais individualista, né, cada dia mais as pessoas são mais individualistas. E aí você vê um grupo jovem, né, de voluntários que ainda se preocupa com as outras pessoas, te dá esperança de que a gente consiga construir algo melhor pra vida das outras pessoas, né? Então eles são jovens, eles poderiam tá fazendo qualquer tipo de coisa, poderia tá se preocupando com a sua vida, poderia tá querendo, sei lá, ir pra outro país estudar, o tempo que tá lá estudar, sei lá, fazer qualquer coisa da vida, mas não, eles tão lá se dedicando ao amor ao próximo. E tem uma passagem na bíblia de Jesus que fala assim: “Amar ao próximo com a ti mesmo”. Então, eu acho que falta isso, a gente amar o próximo como a gente mesmo, e a gente acaba perdendo a esperança, não adianta. A gente acaba perdendo, como eu perdi a esperança, eu falei: “Ah, o projeto não vai vir pra cá” e tal. Eu tava tão ansiosa que eu não conseguia enxergar, né, calma, tem que ter tempo, eles tem que visitar outras entidades, né, é tudo um processo, e aí a gente conseguiu. Então, saber que existem pessoas que ainda se preocupam com o outras, eu acho isso superbacana, porque existem pessoas que se preocupam com outras, mas que tem dinheiro envolvido, e eu sei que com eles não tem esse tipo de dinheiro, não tem isso, não existe esse dinheiro, existe essa vontade mesmo de dar carinho, amor e atenção pra outras pessoas, então eu acho que isso é o essencial, é o melhor do projeto.
P/1 – Muito bacana. E aí queria saber então pra fechar, primeiro, quais são seus sonhos hoje?
R – Meus sonhos? Então, eu acho que ser mãe, mas às vezes eu fico meio preocupada com o mundo, né, aí eu falo: “Que mundo que o meu filho vai viver”, né, então me dá uns cinco minutos, eu falo que eu não quero ser mais. Mas eu acho que pra eu me realizar como ser humano eu acho que um filho, porque eu gosto muito de criança, eu sou mega apaixonada por criança, eu acho que ter um filho. E quando eu digo ter um filho, não necessariamente de mim, né, talvez eu adotar uma criança, que acho que talvez eu me realize, me realizaria muito mais do que ser mãe de dentro de mim. Só que eu tenho um problema com adotar uma criança porque eu não sou casada, enfim, talvez eu barre um pouco nessa burocracia que existe no Brasil e talvez eu não sei se eu teria paciência. Porque outro dia eu fui visitar um orfanato e eu saí muito triste de lá, eu chorei muito, um orfanato não, um lar de mães adolescentes que não têm como criar os filhos e vão pra esse lar e deixam as crianças lá, e umas conseguem fugir e deixam as crianças abandonadas, às vezes a família quer pegar, não quer pegar. Então, aquilo foi me dando um desespero, um desespero, eu queria pegar, eu sonho em ter um menino negrinho, eu adoro, não sei porque, mas eu tenho verdadeira fissuração, se eu vejo um menino negro na rua eu quero roubar pra mim. E aí tinha um lá e aquilo começou a me dar um desespero, que eu queria, o menino tava doente, tava com febre, ninguém, o menino tava jogado, ninguém cuidava direito do menino, e eu no desespero, eu queria levar aquele menino. Então, talvez eu não sei se eu tenha essa paciência pra conseguir esperar adotar. E.ntão talvez eu vá pro... Eu tenha um filho, mas eu acho que, assim, graças a Deus eu sou uma pessoa muito amada, eu tenho muitos amigos, minha família me ama. Profissionalmente eu ainda quero chegar, falando profissionalmente, eu ainda quero chegar num patamar melhor, eu quero... Eu demorei três anos pra contratar uma funcionária, eu quero que a minha empresa cresça mais pra que eu consiga dar emprego pra outras pessoas, pra que eu transforme a vida de outras pessoas, que eu acho que uma empresa faz isso, né, na vida de uma pessoa. Eu consegui muitas conquistas nas outras empresas que eu trabalhei, então eu quero fazer isso, então eu quero que, profissionalmente, a minha empresa chegue num patamar maior. E realização pessoal, ter um filho, eu acho que isso é o que vai me deixar mais realizada do que eu já sou.
P/1 – É o principal.
R – É o principal.
P/1 – Por fim, como é que foi contar a sua história?
R – Nossa, vocês me fizeram lembrar de coisas assim, que eu, fazia muito tempo que eu não lembrava, tal. Foi muito legal porque, assim, então, uma vez uma amiga minha me chamou pra fazer um trabalho voluntário de rua, ela leva comida pras pessoas carentes, né, no centro de São Paulo, ela: “Ah, vamos comigo, Cá”, “Ah, tá bom, vamos”. E aí eu tive contato com outras pessoas e, assim, eu acho, eu falei assim: “Nossa, vai, o negócio vai, vou sentir cheiro ruim, vou sentir algumas coisas assim, né, vou ter contato com pessoas, né, assim, simples, humildes e tal”. E não foi nada do que eu pensei. Eu tive esse contato, conversei com eles, eles brincaram comigo, eu brinquei com eles, uma coisa, assim, que eu vi, é assim, você leva o marmitex, você oferece, aí ele fala assim: “Não, obrigado, hoje eu já comi, pode dar pra outra pessoa”. Então, olha só, a pessoa tá na rua, ela não tem o que comer, ela não tem o que vestir, ela não tem onde ir no banheiro, não tem nada disso, você vai oferecer uma marmitex pra ela e ela fala assim: “Não, hoje eu já comi, você pode dar pra outra pessoa”. Porque, eu falei: “Mas eu poderia guardar essa marmitex pra eu comer no outro dia, porque no outro dia eu não sei se eu vou ter comida” e não, e ela se solidariza com outro morador de rua, pra eu entregar pro outro morador de rua. Naquele dia eu vim pensando em casa, eu fui tomar banho e eu pensei, eu falei assim: “Nossa, tomar banho é algo tão simples, é tão cotidiano na minha vida que eu não dou valor pra um simples banho”, né? E vocês vendo, falando comigo sobre a minha infância, como era a minha infância, eu vi o quanto eu já cresci como ser humano, não só de bem material, mas como um ser humano. Porque eu morava numa casa de um cômodo e hoje eu moro na minha casa, eu tenho o meu próprio quarto, eu vim conquistar o meu quarto com 28 anos de idade, quando eu vim comprar a minha casa com a minha mãe. Então, o quanto eu já cresci, o quanto eu já passei por dificuldades na vida, e hoje eu sou o que eu sou, hoje eu tenho a minha casa, eu tenho o meu carro, eu tenho uma família que me ama, eu tenho amigos e eu tenho a minha empresa, da onde eu tiro o meu sustento. Então, assim, nada mais do que fez eu reviver tudo isso e saber o quanto eu cresci como pessoa, isso foi superbacana, foi super legal.
P/1 – Que bom.
R – É, foi bem legal.
P/1 – A gente fica muito feliz, foi ótimo.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada, a gente que agradece.
R – Imagina, obrigada você.
FINAL DA ENTREVISTA
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