P/1 – Adib, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria primeiro agradecer o senhor por ter aceitado o nosso convite de vir aqui ao Museu e vou começar pedindo para você falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Adib Farah Júnior, São Paulo, nove de março de 1960.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Adib Farah e Clesita Farah.
P/1 – Você sabe um pouquinho da origem deles, para contar para gente?
R – Adib Farah, o meu pai, era filho de Amin Farah, sírio da cidade de Homs, que veio de lá. Era católico e saiu de lá por causa de guerras, perseguições. Veio para o Brasil no início do século passado ainda. Estabeleceu-se em Santos com a família. Veio ele e dois irmãos, mãe e pai. Veio a família toda e nunca mais voltaram para lá. Nada. A minha avó paterna, Ludovina Farah, que é mãe do meu pai, era filha de um comerciante, trabalhador da Bolsa de Café de Santos e trabalhava no estabelecimento do meu avô, na loja da família lá em Santos. Eles se casaram e nasceu o meu pai. A minha avó Ludovina acho que era neta ou bisneta de portugueses. E do lado materno a minha mãe é filha de portugueses e alemães, mas é a terceira geração já. O sobrenome dela era Clesita Sewaicker de Oliveira, depois casou e ficou Clesita Farah. É mais ou menos isso. Ela era de Sorocaba.
P/1 – E você sabe como é que eles se conheceram?
R – A minha mãe e o meu pai se conheceram em um baile de carnaval. Depois eles começaram a namorar. Ela morava em São Paulo já e ele também. Meu avô veio pra São Paulo, a minha avó materna também veio. Vieram os filhos e se conheceram nesse baile de carnaval.
P/1 – E qual é a atividade dos seus pais?
R – O meu pai foi o fundador da empresa, um dos fundadores. Ele era comerciante, fez Contabilidade, Direito, Psicologia. Era também diretor, depois foi Presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuários e Armarinhos de São Paulo. Foi Diretor do Sesc, da Federação do Comércio. Tem uma lista imensa de atividades (risos). A minha mãe era professora na rede estadual, depois chegou a ser diretora e aposentou-se como diretora, mas acho que exerceu pouca coisa de diretoria. Foi mais professora mesmo.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs, que também participaram da empresa em épocas distintas e já saíram.
P/1 – E elas são mais novas? Mais velhas?
R – Uma mais velha e uma mais nova, Clesilda Farah e Clenilda Farah.
P/1 – E como era a casa da infância de vocês? Como era o dia a dia na sua infância aqui em São Paulo?
R – Bom, eu nasci na Rua do Gasômetro, mas acho que morei lá por menos de um ano. Depois meu pai, com um empréstimo que minha mãe conseguiu junto ao professorado paulista, que tinha uma linha de crédito para os professores, comprou uma casa na Alameda Jaú, que na época não era o que é hoje. Ali do lado da Avenida Paulista e tal. Quase sem juros, que era um negócio da China. Hoje seria! (risos). Então eu morei toda minha infância ali na Alameda Jaú. A minha mãe trabalhava como professora meio período e ajudava no estoque da firma no outro período. Tinha sempre alguém que ajudava na limpeza da casa, uma empregada. Teve a Marieta, depois teve a Maria Auxiliadora. E a gente estudava por ali também. Fim de semana às vezes descia para o Ibirapuera, ia de bicicleta, voltava, jogava futebol ali no parque. Não era permitido jogar na grama, mas a gente ficava esperto com os guardas (risos) que, se pegassem, furavam a bola. Minha infância foi mais ou menos assim.
P/1 – E do que você gostava de brincar?
R – Ah, futebol. A gente tinha um vizinho que tinha autorama, aqueles carrinhos. Até na Rua Augusta tinha um lugar que era especializado, não sei se ainda tem, que vendia carenagem, rodas, contato, um monte de coisa assim. Às vezes a gente ia lá de bicicleta e pegava, quando sobrava um pouquinho da mesada. Tinha a pista e você dava voltas lá com o carrinho. E foi mais assim: bicicleta, futebol, autorama. Nas férias a gente ia para Santos. O meu pai tinha um apartamento alugado na Praia do Gonzaga que ele cedia para os funcionários quando se casavam. Para a lua de mel do funcionário. Ou às vezes sorteava para um fim de semana no verão. E a gente ia sempre. Passava quase um mês lá! Tinha um pessoal que a gente conhecia e também era futebol na praia, bicicleta (risos). Essas mesmas coisas que aqui.
P/1 – E o que esse menino Adib queria ser quando crescesse?
R – Acho que engenheiro (risos). Assim como teve o engenheiro que virou suco, teve o engenheiro que virou camiseta, não é? (risos). Foi mais ou menos assim. Eu gostava muito de desenhar, fazer projetos e tal. Às vezes, quando tinha tempo em casa, sobravam as notinhas, segundas vias que meu pai ia jogar fora. A gente dobrava, fazia tipo construções em uma sala lá. Depois minha mãe chegava e destruía tudo (risos). Mas era mais para engenharia mesmo que eu sentia. Mas depois, com o tempo, foi encaminhando mais para o comércio mesmo.
P/1 – E que recordações desse período de você pequeno você tem do comércio? Chegava a acompanhar o seu pai?
R – Com dez anos, quando eram férias de dezembro, a gente ia meio período porque em dezembro o movimento aumenta muito. Ficava na banca, nas portas. Tomando conta de porta. E depois, com 14 anos, já na adolescência, foi diariamente. Ficava no escritório, departamento pessoal, contábil. Porque a empresa chegou a ter quatro filiais, então tinha contabilidade própria, estoque, essas coisas. E eu era auxiliar de escritório, vamos dizer assim. Office-boy também, se precisasse. Essas coisas.
P/1 – E como é que você via essa loja do seu pai com o olhar de pequeno? Como é que você imaginava a loja, esse trabalho que ele tinha?
R – Ah, interessante. Ele nunca foi muito próximo ao balcão. Minha tia sempre foi mais. Ele foi sempre mais na parte administrativa. Mas eu sempre achei interessante também esse lado do comércio, da organização, tudo! Sempre admirei.
P/1 – E tinha mais algum lugar que você gostava de ficar quando era pequeno? Quando ia para a loja, você falava: “Ah, que legal, eu quero ir pra esse lugar”, ou “quero ver aquela parte”?
R – Deixa eu ver se eu lembro. Tinha o mezanino. Às vezes tinha que ficar lá fora para olhar as portas e às vezes podia subir no mezanino. Sentar ali para ficar olhando lá de cima (risos). Eu preferia subir lá em cima que era mais distante, mas você podia avisar se acontecesse alguma coisa. Se havia alguma suspeita, tinha que avisar os outros funcionários. Então era o mezanino que eu gostava mais.
P/1 – E como era a movimentação da rua e das lojas nessa sua lembrança?
R – Em dezembro era bem intenso! Essa parte eu não lembro, mas meu pai quando alugou em 57, eu nasci em 60, ele conta que ali eram Secos e Molhados, do lado era barbeiro, em frente era farmácia, tipo um comércio de bairro. Então foi se transformando no que o Brás é hoje, mas tinham poucas lojas de cama, mesa e banho e roupas. A movimentação era intensa, os horários eram diferentes. Hoje em dia, cinco e meia todo mundo quer sair do Brás, sair do centro. Naquela época em dezembro a loja ficava aberta até nove, dez horas da noite. Hoje em dia é mais difícil as lojas ficarem abertas, no Brás pelo menos. Às seis horas todo mundo já fechou.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma loja que chamava sua atenção nessa época de infância? Alguma que o senhor andava e ficava olhando a vitrine?
R – Específica acho que não. Olhava os vizinhos todos. Prestava atenção. Os camelôs chamavam atenção também com alguns produtos exóticos que eles sempre arrumam para vender (risos). Mas não me lembro de alguma específica.
P/1 – E você se lembra do período de infância, ou mesmo jovem, de algum slogan ou campanha publicitária que tenha marcado? Que via na TV?
R – Tinha o da Sears, que já fechou, mas agora também não estou me lembrando muito bem não. Acho que não marcou muito porque não lembro (risos).
P/1 – E indo mais para uma parte de estudos, de começar sua formação, qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – A minha primeira lembrança, quando eu estava no prezinho ainda, é de quando eu tinha sete graus de miopia e não sabia. Quando foi a festa do dia das mães ou dos pais, foi para achar o pai e aí foi o trauma. E descobriram que eu não enxergava (risos). Depois estudei na Mooca, no Antonio de Queiroz Telles, grupo escolar estadual. Depois no Romão Puiggari. Fui colega do Romeu Tuma. A mãe dele era professora nossa, a dona Zilda. Depois fui para o Colégio São Luiz e depois fiz faculdade de engenharia no IEP, que hoje é Unip. Foi a primeira turma de engenharia deles.
P/1 – E desse primeiro período da formação escolar, teve algum professor que marcou? Alguma matéria que você gostava mais?
R – No primário era um professor só, mas eu acho que eu sempre tive sorte com os professores. Eles puxavam bastante, eram severos, mas tinham bastante capacidade também. Eu lembro que eu aproveitei bastante. Depois, quando começou a divisão por matérias no ginásio, eu sempre tive uma queda para a Matemática. Exatas. Foi o que me encaminhou mesmo para a engenharia também.
P/1 – E você se lembra de levar seus materiais para a escola? Os lápis, cadernos?
R – Sim. Não sei se ainda era mochila. Depois, quando passei para o São Luiz, que a gente morava na Alameda Jaú, ali na Avenida Paulista, no começo costumava ir de ônibus, depois passei a ir de bicicleta. Ia e voltava e era com mochila. Até os 18 anos ainda ia de bicicleta para a escola. Bem gostoso!
P/1 – E você se lembra de comprar esse material e estar junto com seus pais para comprar?
R – Com minha mãe. Geralmente a gente ia na papelaria. Tinha ali na Martins Fontes, no Brás também. Acho que na Papelaria Eduardo Prado. Minha mãe sempre pechinchava (risos), procurava o melhor preço, essas coisas.
P/1 – E nessa sua juventude, no período de colegial, quem era o seu grupo de amigos? O que vocês costumavam fazer para se divertir?
R – Era mais estudo, tinha um pouco de diversão. Às vezes em aniversários, aniversário de um ou de outro, sempre tinha festinha, bailezinhos, mas nada excepcional, só esse comum.
P/1 – E você falou que fez faculdade. Em todo esse período da sua formação escolar e acadêmica, sempre acompanhava o seu pai no trabalho?
R – Sempre. Sempre trabalhei. Dos 14 anos em diante eu sempre trabalhei pelo menos meio período.
P/1 – E como é que foram chegando as suas atribuições? Você começou a ganhar mais responsabilidade com o tempo? Como é que isso foi acontecendo?
R – Começou bem simples, tomando conta de porta aos dez. Depois aos 14 comecei a auxiliar no estoque, que eram as notinhas vindas das filiais. Aí tinha que fazer o relatório, bater o caixa, essa parte bem simples. Depois passei para o departamento pessoal, registrar funcionários, até chegar em homologações. Toda essa parte. Parte contábil também. Foi aos pouquinhos e foi evoluindo gradativamente.
P/1 – E quando o senhor se formou, como foi seguindo sua atividade? O senhor trabalhou como engenheiro ou foi aí que assumiu trabalhar com o seu pai mesmo? Como é que foi a sua formação?
R – O meu pai tinha quatro filiais. A minha tia aposentou-se em 81, se não me engano, e eles fecharam duas lojas. Ela saiu e ele também estava querendo mais ou menos diminuir o trabalho e vendeu uma para mim e minhas duas irmãs. Ele facilitou, lógico, com juros bem camaradas, poupança e tal. Aí a gente foi pagando aos poucos, em três, quatro anos. Nesse período eu estava na faculdade e assumir a loja aumentou muito a responsabilidade! Havia coisas que não dava. Quando você é funcionário o patrão é que resolve, não é? Se tem um problema que não pode ser resolvido no outro dia, você tem que resolver. Então foi quando houve um atrito entre o trabalho e o estudo. Também nessa época eu repeti dois anos a faculdade e me casei. Aí, por conta disso, eu já estava entrosado nesse comércio e pai de família quando terminei a faculdade, então optei por continuar no comércio.
P/1 – Agora que você falou que é casado e se casou nesse período de juventude, como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R – Minha esposa também trabalhava na empresa. Depois de um certo tempo a gente namorou e casou um ano e pouco depois de namorar. Depois tivemos três filhos, a Carolina, que também trabalhou na empresa. Quando nós nos casamos, morávamos em cima da loja que a gente havia comprado e que depois fechou. Quando a minha filha nasceu, sempre descia para a loja, ficava lá no balcão. Depois ela trabalhou num período, já na juventude, mas resolveu seguir arquitetura. Depois ela casou-se e saiu da empresa também. E tenho um filho, o Michel. Esse quis fazer Turismo. Nunca se deu bem na empresa (risos). Nunca gostou. Também, na minha época não havia essa profissão, senão eu tinha escolhido (risos). É brincadeira. Ele está fazendo Turismo e não se interessa pela empresa. E a mais nova, a Camila, que está no momento trabalhando e que faz Administração também, é a que está lá ajudando um pouco agora.
P/1 – Você falou que conheceu a sua esposa na loja. Como é que foram as paqueras? Vocês saiam?
R – A gente começou a sair, depois o negócio foi ficando sério e depois (risos) acabou casando-se.
P/1 – E qual é o nome dela?
R – Maria Cecília.
P/1 – Você falou que assumiu com suas irmãs uma das lojas do seu pai. Como é que foi esse momento de assumir? Como era o dia a dia com suas irmãs, cuidando da loja?
R – Todos faziam faculdade. A minha irmã mais velha fazia Administração, a Clesilda. A Clenilda fazia Direito. Então, os três tinham só meio período para olhar, mas no fim acabou que eu fiquei assumindo mais responsabilidades, até para não prejudicar tanto. No fim foi que houve esse atrito com a área de estudo da engenharia e tal. E a gente ficou legal. Teve as crises que sempre tem, de opiniões diferentes. Principalmente entre irmãos. É meio difícil às vezes (risos). Há irmãos que se dão muito bem no comércio e há outros que não se dão. Então, primeiro a minha irmã mais velha saiu e foi trabalhar com meu pai na outra loja. Depois, no final, a gente encerrou a atividade e quando meu pai morreu em 91 a minha irmã mais velha resolveu sair do comércio e eu, a minha irmã mais nova e a minha mãe fomos para essa empresa que está até hoje. Depois a minha irmã mais nova também saiu e ficamos eu e minha mãe. E sempre assim, um cuidava da parte de compras, outro da parte de vendas, da administração da loja mesmo. Uma loja só dá pra dividir bem, meio período cada um, dava pra dividir bem.
P/1 – E como era essa loja? Você pode descrever ela para gente?
R – Tem até uma foto dela ali, na Rua Maria Marcolina número 299, na esquina da Conselheiro Belizario. Tinha uns 70, 80 metros quadrados, quatro portas. Era um local privilegiado para o comércio na época que a gente pegou, já em 81. Não foi como quando meu pai fez o ponto. Já estava feito. Ali já era tudo comércio de roupas quando a gente chegou. Roupa popular. Mas trabalhava com produtos Hering, Sulfabril, Malvee, essas marcas. Multimarcas.
P/1 – E como era a organização dentro da loja? Onde ficavam o balcão, as prateleiras, as mercadorias?
R – Sempre foi privilegiado o estoque. Tinha prateleiras até o teto e em volta das paredes. Até entre as portas também havia prateleiras. Tinha uns quatro balcões grandes, um caixa. Nas portas havia bancas, umas quatro. Tinha uma vitrinezinha. Que eu me lembre era mais ou menos isso. Depois a gente colocou algumas araras no meio, mais para frente. Mas era isso aí.
P/1 – E quem cuidava da vitrine?
R – Não havia vitrinista. No começo, acho que na época do meu pai, teve uma época que ele contratava, tinha um vitrinista que passava na rua e fazia. Depois, quando a gente assumiu já não era assim. Então, a gente dava umas dicas e os funcionários mesmo cuidavam, cada vez era um que arrumava a vitrine. E a gente separava junto os produtos que iam pra vitrine, era assim.
P/1 – E o que tinha de equipamento na loja? Para dar sustentação e suporte para o funcionamento diário?
R – Tinha máquina registradora. Naquela época, em 84, ainda era máquina registradora. Deixa eu ver o que tinha mais... Que eu me lembre: as prateleiras, equipamento elétrico, essas coisas. Era máquina registradora e tinha uma máquina de escrever elétrica para preencher algumas guias, essas coisas. Mas para o comércio direto era máquina registradora. A aparelhagem era isso.
P/1 – E como era o atendimento na sua loja?
R – A gente sempre procurou, um dos pontos que sempre exigiu, foi ter um bom atendimento. Dificilmente o freguês saía reclamando. Sempre procurava corrigir isso nos funcionários. De não discutir. Mesmo que o cliente não tivesse razão. Ter paciência, não ir bater de frente. Sempre procurar fidelizar os clientes, cativar. O preço também. Procurar ter um preço competitivo, mas principalmente o atendimento. A gente sempre prezou muito essa parte de atendimento.
P/1 – E a loja fazia promoção, brindes?
R – Brinde. No final do ano dava folhinha de calendário do ano seguinte. Promoções, sempre quando o movimento cai, janeiro, fevereiro, agosto, setembro. Sempre tinha e têm promoções, saldos, essas coisas. Bancas, descontos (risos). Mercadorias que ficavam mais encalhadas eu dava uma comissão adicional para o vendedor que vendia aquela peça. Porque às vezes fica meio esquecida porque é mais cara. E aí, quando dá uma comissão adicional, começam a mostrar e aparece quem compra.
P/1 – E como é que funciona um estoque em uma loja assim, de roupa?
R – Hoje em dia é bem mais complicado porque naquela época trabalhava com cama, mesa e banho. Tinha camisas e camisetas. A linha da Hering. Hoje em dia, só a Hering tem mais produtos do que tudo isso junto! Camisetas eram cinco tipos: listrada, estampada, lisa, a branca e colorida. Você comprava os tamanhos variados, mas eram cinco modelos. Tinha pijama. Hoje em dia só de camiseta tem a baby look, a com cós, sem cós, poliéster, tem todos. Só a feminina! E masculina também, a mesma coisa: Com algodão, super cotton, não sei o quê. Tem cinco ou seis modelos só da básica. Depois tem a regata, tem não sei o quê. Cama, mesa e banho nós paramos de trabalhar. Camisas também, que no começo da empresa o meu pai fabricava e depois também parou porque não dava mais. Tem que ficar meio específico para conseguir controlar. Então, hoje em dia se controla com computador. Tem computador e aí tem os vários itens, as cores, os códigos de barras, tudo cadastrado. Duas vezes por ano, mais ou menos, faz-se um balanço. Não de fechar loja e baixar tudo, mas durante esses meses mais fracos separamos algumas referências por dia e vamos fazendo. Até 80 dias para fazer todas as referências.
P/1 – E como é que são escolhidas as peças da loja?
R – A gente compra. A Hering é nosso principal fornecedor, então tem o ShowRoom e a gente vai. Já conhecemos muito porque já trabalhamos com a Hering há mais de 50 anos, pelo menos. Então tem bastante conhecimento deles. Nós já fomos acho que duas ou três vezes em Blumenau, na fábrica. A gente vai no ShowRoom, tem as novidades, mas a gente trabalha mais com o básico mesmo. Essa parte de moda deles, que têm as lojas próprias, quando a gente começou a trabalhar eles não tinham nem lojas próprias. Foi mais um meio também deles agregarem valor, porque antigamente comprava-se Hering para o filho do chofer, para o filho da costureira, da empregada, para ir para escola. Hoje em dia Hering o pessoal vai em um shopping, vai para a balada. Eles fizeram várias tentativas de melhorar o produto e acho que fazer ele penetrar no shopping. Tentaram de todo jeito, até que criaram as lojas deles e conseguiram criar uma linha que se vende. Aumentou a qualidade e nisso aí ampliou muito a gama. A gente trabalha com os básicos, os lisos vamos dizer, sem estampas. E esses com estampas, que são mais de moda, a gente pega a coleção quando está saindo de linha que eles dão um bom desconto. Então, quando sai o último catálogo eles dão 20%, depois vão aumentando o desconto e a gente vai pegando alguma coisa dessa parte. Porque no Brás o pessoal vai muito pelo preço também. Se a gente pegar uma calça jeans de cem, 150 reais no Brás não consegue vender, que é o preço que teria de vender a calça jeans da Hering. Mas depois que sai o catálogo de uma estação, às vezes com 40% você pega uma calça e vende por 50, 60 reais, que é o preço que as outras fábricas que fabricam, mesmo como a Sawari, essas outras que tem no Brás, vendem. Então dá para sair mais ou menos.
P/1 – E tem algum diferencial para vocês de não serem os produtores da roupa? Você acha que isso traz uma certa dificuldade para o comércio ou não?
R – Tem as vantagens e desvantagens. Acho que a vantagem é de não ter a dor de cabeça que eles têm (risos), de ter o estoque, de ter que bolar, saber. Hoje em dia eles mesmo estão saindo de uma crise brava. Ano passado acho que foi a empresa do ano, mas acho que há três, quatro anos, era tida como certa sua concordata. Eles trabalham hoje em dia praticamente com pedido. Você faz o pedido e eles não têm em estoque mais. Você tem que pedir para 30 dias, então às vezes essa é uma dificuldade para a gente. Às vezes precisa da mercadoria, tem freguês querendo e se não comprar, não fizer a programação, parte do estoque ficou transferido paras as lojas de terem. É uma dificuldade talvez, mas a gente acostuma. É uma parte normal.
P/1 – E como eram recebidas as mercadorias? Faziam os pedidos e eles vinham de vez em quando ou vinha uma remessa grande de uma vez só?
R – Normalmente vem aos poucos, a gente faz uma programação para os meses, vai pedindo e vem. Quase que diariamente chega mercadoria. Vamos abrindo e cadastrando os códigos, essas coisas, no computador e depois é colocada à venda.
P/1 – E quais são os produtos mais vendidos?
R – A Hering. Seria acho que 70%. Tem a Sulfabril, tem a Zorba, a Mash, a Lenços Presidente, que ainda tem bastante. Duloren a gente também trabalha um pouco, Malwee também um pouco. São essas as marcas que eu me lembro.
P/1 – E como esses produtos são vendidos? Vocês embalam?
R – A parte dos básicos, que seriam as camisetas lisas, essas básicas, a gente põe em prateleira e a parte que vem de coleções em ofertas a gente põe em cabideiros e araras, que os fregueses olham e já vão. Porque não tem muito estoque. Quando chega nas promoções, às vezes não tem tamanho, não tem cores, então não dá para formar um estoque muito grande. A gente tem um estoque das básicas, que geralmente o freguês já chega e quer: “Quero uma básica G preta”. Você já vai lá. Não precisa estar exposto. Agora, essas outras que tem estampa, aí precisa! Para ver se gosta, se não gosta. Senão precisa abrir, fechar e guardar depois e fica mais difícil.
P/1 – E essa entrega da mercadoria vem por onde? Frete?
R – Vem o frete. Sai da fábrica e é por conta da fábrica. Eles entregam na porta da loja.
P/1 – E tem algum horário específico? Alguém tem que ficar responsável?
R – Geralmente sou eu mesmo que recebo. Confiro a quantidade de caixas, carimba lá, conhecimento, o tiquete da nota. Depois é distribuído para os funcionários. Cada um tem a vez de abrir. Aí abre, confere, a gente lança. Minha esposa, que trabalha meio período na loja, lança no estoque, cadastra os produtos, põe o preço, confere as quantidades e põe nas prateleiras ou cabideiros e vende.
P/1 – E para a gente que é leigo e não trabalha com esse tipo de comércio, qual é a diferença entre atacado e varejo?
R – Atacado para nós são seis peças do mesmo produto ou 12 sortidas. A gente tem um preço de varejo e um preço de atacado. No começo da empresa, na fase do meu pai ainda e da minha tia, era fabricante e depois passou à atacadista. Atualmente é mais varejo. Mas ainda tem um pouco de atacado de outros lojistas e sacoleiros que tem muito no Brás. E pessoas que tem lojas em cidades do interior e não conseguem, às vezes, comprar com um preço acessível nas fábricas. Apesar de que isso está cada vez menor, porque as fábricas têm sites. Não precisa o vendedor ir à loja. Então, ao atacado é cada vez menor. Mas tem também aquele freguês que vai ao Brás duas vezes por ano. No verão ele vai, já troca o guarda-roupa dele. Compra meia dúzia de cuecas, dez pares de meia. Compra umas camisetas para trocar o visual dele, coleção nova, vamos dizer assim. Aí, chega no inverno e ele vai lá e compra umas calças de moletom. Faz uma compra que chega quase a um valor de atacado. A gente faz um preço de atacado para ele porque chega a 12 peças sortidas ou meia dúzia de um modelo só. Então, seria isso o atacado e o varejo pra gente.
P/1 – E qual é a estratégia e porque de reunir esses dois tipos de consumidores? É pela região?
R – Sim, porque o Brás sempre foi tradicional em ter preço. Hoje em dia continua tendo muito fabricante. As pessoas vão para se abastecer, abastecer o comércio também. E os do varejo vão também, muitas vezes, para aproveitar preços. Mas não vale mais a pena ir para o Brás para comprar uma peça! Se você vai comprar uma camiseta, você vai no shopping e compra na loja da Hering. Vai pagar um pouco mais, mas não vai ter dor de cabeça do trânsito. Conforme o bairro, o shopping é do lado da residência. Conforme o trânsito foi complicando em São Paulo, o Brás já não tem aquele atrativo de “vamos no Brás!”. Para você ir ao Brás, tem que dar uma pensadinha (risos). Para comprar alguma coisa, faz uma listinha. Então tem esse varejista que no fim quase se transforma em um atacado. Vai comprar, pega também para a vizinha, para o parente. “Ai, vou pro Brás no sábado” “Então, me traz isso, traz aquilo”.
P/1 – E quem são os clientes da loja?
R – Tem os lojistas de loja do interior, sacoleiros que vem com encomendas. Compram sob encomenda de clientes. E tem os que usam para consumo. Aí tem as mais diversificadas! Tem pessoas da classe A, B, C. Tem gente que vai de chofer, tem gente que vai de trem. Tem de tudo!
P/1 – E nesses anos todos no comércio, você sentiu alguma diferença no tipo de cliente na loja?
R – Eu diria que a parte do atacado, como eu falei, ela vem caindo cada vez mais. E a parte do varejo é o que mais está privilegiando esse cliente que vai duas, três vezes ao ano para pegar uma quantidade razoável.
P/1 – Tem algum cliente que o senhor reconhece? Que vai lá sempre e há muitos anos? Faz amizade?
R – Ah, muitos! Muitos, muitos. Tem até um ou dois que até compram sem cheque, sem boleto, nada. Paga uma parte e fala “depois eu vou depositar. Aí, dali a uma semana, quinze dias, deposita. É de Foz do Iguaçu esse senhor. Tem outra que trabalhava em feira. Acho que ela não trabalha mais em feira. Sacoleira, não sei se de São Bernardo, de onde é, que também fala “posso levar essa peça? Eu vou mostrar lá para ver se quer, depois você me troca”, ou “hoje eu estou sem dinheiro, eu vou levar e depois te devolvo”. Tem uns três ou quatro assim também. Então tem vários que a gente conhece pelo nome, tudo.
TROCA DE FITA
P/2 – No começo você tinha falado que ficava na frente da loja e tinha toda aquela lembranca de comércio de bairro. Tem mais ou menos idéia de quando começou essa transformação de grandes lojas de roupa e tudo o mais?
R – Eu acho que a partir de 85 foi complicando o centro de São Paulo. Foi passando mais para as lojas de bairro e ali foi ficando mais só o atacado ou essa compra de algumas vezes por ano. No bairro Brás os moradores também foram diminuindo. Foi mais ou menos nessa época eu creio, 85, 90 no máximo.
P/1 – E a gente estava falando de cliente. As pessoas hoje compram da mesma forma que compravam antes?
R – A forma que você diz é a de pagamento? Eu acho que as pessoas querem cada vez mais variedade. Os clientes querem mais variedade porque as fábricas também dão mais variedade, como a gente falou. Então, por exemplo, a gente tinha a camiseta básica da Hering nas cores azul, amarela, verde, branca, preta e vermelha. Seis, sete cores. Agora tem dez, 15, às vezes falta uma coisa: “Ah, mas não tem essa cor? Justo essa cor você não tem?” (risos). Às vezes tem 20 cores e justo aquela não tem! Cada vez o cliente é mais exigente, com certeza. A forma mudou. Eu lembro que meu pai contava que na época dele os balconistas até apostavam. Tinha uma mercadoria encalhada e eles diziam: “Próximo freguês eu vou vender essa peça”. Apostavam um tanto, o cara ia lá. O cara entrava lá querendo comprar cueca e saía com uma camisa de uma cor que não tava vendendo. Era uma época diferente. Havia esse lado folclórico do balconista influenciar muito a venda. Hoje em dia se o balconista começa a forçar muito, a maioria dos clientes já sai. Você tem mais que mostrar. Lógico que se você não mostrar não vende. Então você pode mostrar, mas não chega a forçar tanto. Mudou isso. As formas de pagamento antes eram mais cheque, hoje é cartão, isso também foi uma mudança de uns dez anos pra cá.
P/1 – E como é que a chegada do cartão impactou o seu negócio?
R – Eu acho que o cartão é um custo que passa meio desapercebido, mas uma hora você percebe que tem um custo meio pesado para a empresa. Porque tem a garantia, tudo bem. Você paga aquela comissão: três, quatro por cento e não volta. Mas você vai receber depois de 30 dias, e com o juros do jeito que está você tem que ter o capital para vender e esperar para receber. O cheque, quando você está na loja, geralmente você tem pouco problema. A gente sempre trabalhou na loja. Mas também, quando vem é sempre um atrás do outro. Tinha meses que era um problema atrás do outro! (risos) Mas, às vezes, passavam vários meses sem ter um problema com cheque. Porque você chega até a conhecer aquela pessoa que chega, pechincha, escolhe. Às vezes demora. Agora, aquele que nem olha o preço, você já sabe que também não vai pagar! O cheque dele vai dar problema. Era um custo que não chegava a quatro por cento, que é a comissão que os cartões cobram do lojista. Acho que esse é um custo que aumentou para a gente no fim.
P/1 – Vocês chegaram a trabalhar com o sistema de caderneta?
R – Não, caderneta não. Esses clientes que a gente conhece são pessoas que, às vezes, a gente até esquece que levou alguma peça: “Não, mas eu levei essa daqui! Está aqui, vou pagar hoje! Acrescenta aquela peça que eu levei”. Mas caderneta a gente nunca trabalhou. Que eu saiba, não.
P/1 – E a gente aqui no Brasil teve algumas mudanças no sistema monetário, algumas intervenções. Como é que o comerciante passou por isso? As trocas de moeda, o problema inflacionário que a gente teve, os planos econômicos?
R – Era uma época que realmente foi um adestramento para todos os comerciantes ali (risos), porque tinha que sair pulando na compra. Se você comprava no começo da semana, às vezes aproveitando um preço, tinha fábrica que mudava o preço semanalmente. Em uma semana era um preço, na outra já era mais caro. Então, às vezes, você comprava no início da semana uma quantidade maior para três meses para poder ter um estoque. Naquela época valia a pena ter um estoque grande para poder ter preço depois para vender. Depois também, se não cuidava de aumentar quando aumentava a fábrica, você vendia, mas depois não conseguia comprar as mesmas coisas. Então tinha que aumentar, mesmo não tendo comprado no preço novo. Podia ter uma margem maior, demorar um pouco, mas tinha que aumentar porque senão não conseguia comprar depois. E aí sempre tinha reclamação dos fregueses. Uma fase bem difícil essa da inflação. Os planos eram sempre problema de mudar equipamentos. Começava por aí! Tinha que mudar equipamentos quando mudava a moeda, tinha prazo, tinha que contratar técnicos para intervir na máquina registradora, mudar tabelas de preços. Que sempre tivemos tabelas. Mesmo quando não tinha computador, tinha o livro tabela. E da noite para o dia tinha que mudar tudo ali. Era bem complicado!
P/1 – E vocês trabalharam com publicidade?
R – Não. Nós nunca trabalhamos com publicidade, nunca fizemos. A gente sempre achou o custo meio alto e, talvez porque o meu pai e a minha tia sempre acharam que a maior publicidade era o preço, que um falava para o outro e não sei o quê, no fim acabamos não mexendo com isso por tradição. Temos idéia de, num futuro próximo, criar um site e entrar na internet, que é uma forma até de divulgação.
P/1 – E falando da sua relação na loja, como é a relação patrão-empregado? Como se dá o treinamento para os novos vendedores?
R – Agora na loja tem seis balconistas. Tem a minha filha e a minha esposa. A minha filha faz faculdade e trabalha meio período e minha esposa trabalha meio período. E seis balconistas. A maioria ou foi por conhecimento de outros antigos funcionários ou, ultimamente, a gente pegou uns dois ou três no site do Emprega São Paulo, do Governo. Pegou currículos e começou a selecionar, marcou a entrevista. Trabalha um período, a gente faz um contrato de experiência e vai ficando. O mais novo lá acho que já tem um ano e pouco de casa. Tinha um pessoal bem mais antigo até uns cinco anos atrás, mas a maioria saiu. As mais antigas, atuais, são duas que tem três anos. Está nessa faixa. Tinha uma bem antiga que trabalhou. A Conceição acho que trabalhou de 83 até 2007, se não me falha a memória. Tinha uma que saiu para montar o próprio negócio no bairro, uma bomboniere. Aí trocou. Essa equipe mais antiga que tinha mais de dez anos de casa saiu.
P/1 – E fazendo uma reflexão sobre o comércio, o que o senhor acha que mudou no seu trabalho desde que começou a mexer com comércio?
R – Ah, bastante coisa. Computador, a experiência que eu fui adquirindo durante esse tempo. A gente vai aprendendo muitas coisas com os erros, com os acertos. Tudo isso foi mudando e aprimorando durante o tempo.
P/1 – E como é que o senhor acha que sociedade vê o comerciante hoje?
R – Acho que a maior parte vê como um bem necessário, um mal necessário (risos). Porque a indústria não tem condição de estar em todos os locais, e o comércio é o grande responsável pela distribuição, por ter ali disponível o estoque para escolher. Tudo perto da pessoa, na cidade.
P/1 – Você falou agora da indústria. Como é a sua relação com os fornecedores e a indústria?
R – É boa. A maioria dos nossos fornecedores nós trabalhamos há vários anos, então a gente já é bem conhecido, conhece os sistemas. Às vezes, se tem alguma coisa, a gente já fala diretamente com os vendedores. Reclama. Se eles vendem alguma coisa mais barata para os outros vizinhos, a gente reclama direto com eles (risos). “Lá tá vendendo a tanto, como é que eles conseguem?”, daí ele explica: “Tem uma oferta. Você quer pegar também?”. Então é bem amigável, bem íntima, vamos dizer assim. Não é uma coisa distante.
P/1 – Você falou dos vizinhos. E como é que é a relação com os vizinhos, com os vendedores do Brás ou que tenham o mesmo tipo de comércio?
R – Eu acho que a gente tem uma boa relação. Os fregueses vão na nossa loja, a gente não tem a mercadoria, indica os vizinhos, que às vezes vendem as mesmas coisas que a gente. Outros donos de loja já falaram para o vendedor: “Mas o Maurício da Fixtex falou, ‘mas eles indicam a gente’”. Quer dizer, acho que eles não costumavam indicar a gente (risos). Depois passaram a indicar também, porque acho que é uma convivência! Porque se você passa a querer excluir todo mundo... Porque as pessoas vão ao Brás também para fazer as compras. Se vão à Santa Ifigênia é para comprar computador, produtos eletrônicos. Se vão ao Brás é para comprar roupa. Se chega lá e não tem, e volta para casa; se você não indica, eles ficam dando voltas e de repente perdem tempo. Perdem o dia e não conseguem. Também não vão voltar mais lá! Então, tem que pensar no bairro também. Como o melhor para voltarem mais vezes. A nossa relação é razoavelmente boa com os vizinhos.
P/1 – E o senhor, enquanto comerciante, participa de alguma entidade sindical ou de classe?
R – A gente é sócio da Associação Comercial há mais de 20 anos. O meu pai foi presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuários e Armarinhos, que inclusive é mais ali da Rua 25 de março. De quando tinha a filial ali na Rua Cantareira. Eu faço parte da diretoria, mas sou um diretor pouco assíduo, não vou às reuniões. Vou a três, quatro reuniões por ano. Não participo muito.
P/1 – E por que o senhor entrou nessa? Qual é a importância de estar lá e ver as discussões?
R – Porque sempre tem assuntos práticos. Principalmente no sindicato eu vejo assuntos práticos, reclamando de uma caçamba, de uma rua que podia mudar de mão, de uma passarela que pode construir. Só que eu acho que infelizmente esse sindicato está mais para o lado ali da 25, então eu acabei me distanciando um pouco. Quando na época do meu pai a empresa tinha filiais por ali, e era atacadista também, os interesses eram mais harmoniosos entre a empresa e o sindicato. Hoje em dia já estou quase para sair do sindicato na realidade (risos).
P/1 – E fazendo uma avaliação da sua trajetória, quando o senhor foi trabalhar no bairro e nos negócios do seu pai, como é que foi mudando isso para movimentação que tem hoje? Com a questão da feira da madrugada também. Isso mudou muito o bairro, o entorno?
R – O bairro sempre se desenvolveu. No começo eram duas, três ruas principais: a Oriente, a Maria Marcolina, o Largo da Concórdia. Depois a Miller teve um boom, uma época. Depois a Casimiro de Abreu, a Silva Telles. Hoje em dia o Brás são várias ruas. A feirinha eu acho que é um item a mais, não chega a influenciar diretamente o comércio na região. É um fator que influencia, mas não é determinante ali no comércio. Já teve épocas de ter muito camelô, de ter menos camelô, isso tudo também foi mudando. No começo, acho que na época da Erundina quando foi liberado mais, houve um excesso que não se podia nem atravessar a calçada. A pessoa ia entregar mercadoria na loja, às vezes, parava com o carro aqui e não conseguia chegar na calçada. Tinha que sair pela rua, ir até a esquina e depois voltar. Não tinha como atravessar. Era bom que todo mundo tinha que atravessar na faixa porque só tinha a faixa pra atravessar. Era um colado no outro! Depois já estavam até fazendo um colado no outro no meio e entre as portas também, pondo desse lado. Era uma fila para ir e uma fila para voltar dos transeuntes. Estava bem complicado. Nessa parte, quando teve esse convênio com Prefeitura e Estado, melhorou bem. A gente já teve época de ter muita discussão com camelô. Depois foi aprendendo a conviver. Tanto porque a família trabalha lá e, como em toda a classe, não vou dizer que os camelôs são uma classe de bandido, essas coisas. Não. Porque a gente conhece muitos que são honestos e é um trabalho difícil também. Que trabalhar na rua com chuva, sol, almoçar ali, não ter banheiro, nada! Não é fácil. Agora, é uma coisa que sem dúvida prejudica o comércio estabelecido. Então, esse convênio, que diminuiu drasticamente o número de camelôs, melhorou bastante para a gente agora. Mas também ficamos pensando que piorou para muita gente que tinha o sustento ali. Até que voltam lá, conversam com a gente de vez em quando. Na frente da minha loja, teve uma época que chegou a ter uns 15 camelôs, agora tem um só. Para mim melhorou, para os fregueses melhorou. Eles falam. Para o nosso lado melhorou, agora para o lado deles piorou bastante. Tem que ver os dois lados aí.
P/1 – E o que você acha que existia no Brás e que não tem mais?
R – Bom, meu pai dizia que tinha bonde (risos). Eu não cheguei a ver o bonde, mas fora isso, sempre foram criando coisas novas. Mas sempre mantendo um pouco o que tinha. Tem o comércio popular. Algumas lojas saíram, mas entraram outras. É, eu me lembro assim alguma coisa que não tem mais, mas sempre foram acrescentando coisas. Acho que não perdeu muita coisa, não.
P/1 – E indo para uma parte pessoal, o senhor falou dos seus filhos. Você gostaria que eles fossem comerciantes?
R – Eu acho que o importante para eles é seguir o caminho deles, o que eles têm interesse na vida. A mais velha já partiu para arquitetura, já casou, já deu a palavra dela. O do meio também já foi para o Turismo. Agora, a mais nova está em dúvida. Eu mostro para ela as vantagens e desvantagens que tem. Que, por exemplo, se ela for para uma empresa multinacional vai ter um emprego garantido. Se ela conseguir um estágio depois vai ser empregada, vai ter uma vida bem mais tranquila. A vida do comércio é muito agitada, aparecem muitos problemas urgentes para resolver. Mas tem a liberdade de não ter patrão. O horário eu diria que tem mais horários que o funcionário, mas em relação a ter a liberdade de escolher para que lado vai, essa parte acho que é uma vantagem. Agora, não tenho esse desejo. Acho que meu pai era mais assim. Eu não. Eu acho que se ela não quiser, não vou ter uma grande decepção, não.
P/1 – E quando eles eram pequenos o senhor levava as crianças para trabalharem com você? Você falou que a mais velha descia na loja. Como era esse contato?
R – A gente morava em cima da loja até quando a mais velha tinha um ano de idade, então, ela não descia para trabalhar, ela descia para bagunçar (risos). Ficava no colo de um, de outro, dos funcionários. Agora eles, acho que com uns 14 anos, começaram a ir aos sábados também, que o movimento é maior, para ajudar no pacote. Porque não tinham aula também. A minha esposa ia e eles iam para não ficarem sozinhos. Mas era mais brincadeira. Depois começaram a ajudar mais um pouquinho, até que assumiram caixa, não sei o quê. Responsabilidades maiores.
P/1 – E como é que você via essa relação deles lá? E de estar com a família dentro da loja que foi do seu pai?
R – É legal. O familiar é uma vantagem porque geralmente você conhece, tem confiança. Normalmente uma pessoa estranha que você contrata, até você criar aquela confiança, aquela linguagem que você tem de pai e filho com funcionário, demora um pouco. Agora, tem a desvantagem também que é mais difícil você exigir, porque eles falam: “Ah, por que eu vou trabalhar? Por que eu vou cumprir esse horário?”, não acham muito legal. Então, é difícil você incutir responsabilidade de horário neles, de ter o trabalho, de cumprir. Às vezes iam só para brincar de comércio (risos).
P/2 – Mesmo quando a loja era do seu pai, e vocês tinham quatro lojas, a administração foi sempre familiar ou tinha alguns sócios, uma coisa assim?
R – Sempre foi familiar. Minha tia ficava na frente da loja, essa que esteve aqui agora há pouco, a Amali, que inclusive é o nome da empresa, e o meu pai ficava no escritório e cuidava da parte burocrática de contabilidade, estoque, essas coisas. E compras era mais ou menos dividido entre os dois.
P/1 – E qual foi o maior legado que o seu pai deixou para você e para o comércio?
R – Acho que a responsabilidade, o trabalho, a honestidade. Acho que é importante para a gente ter no comércio.
P/1 – E quais foram as maiores lições que o senhor tirou ao longo dessa sua carreira no comércio?
R – Não desistir, ter sempre perseverança. Às vezes uma mercadoria não dá certo, você vai, tenta outra. Uma compra não dá certo? Na próxima você acerta! Tem que ir sempre tentando ver onde errou e melhorando.
P/1 – A gente falou de vários aspectos do comércio e da relação com cliente, com funcionário. Tem alguma história marcante que o senhor viveu dentro da loja, peculiar ou engraçada que tenha acontecido durante esses anos?
R – Ah, deve ter, mas agora tenho que dar uma pensada. Tem vários clientes que são muito específicos até no jeito de falar, sotaque, tudo. São de outras partes do país. Aí, há confusão no atendimento, às vezes. Às vezes vem gente até de Angola, que falam um português diferente. Então, chegam e pedem, “queremos camisolas”. Acho que camisolas para eles são camisetas. Então tem vendedor que está começando vai lá na parte de camisola, mostra camisola, e se a gente não está prestando atenção... Fala: “Não é camisola, é camiseta que ele quer” (risos). Sempre tem alguma coisinha engraçada, toda semana tem alguma coisinha assim.
P/1 – E se o senhor pudesse, o que o senhor mudaria no comércio?
R – Acho que o comércio e a atividade em geral no Brasil é muito tributada. Acho que isso é o principal. Inclusive, a gente pensa e começa a entender os camelôs. O camelô existe porque não paga tanto imposto. Então, o certo seria ele poder se estabelecer também e ter o comércio. E ele não faz isso por que? Porque não consegue pagar os impostos! Eu acho que o principal que tinha que mudar são os impostos. Uma administração pública mais honesta e um juros menor também, para as pessoas terem uma possibilidade de investir, de pegar um dinheiro para fazer um aumento ou qualquer coisa que tenha idéia, mas que não tenha capital naquela hora. No Brasil não pode porque se pegar você se complica (risos). É isso! Principalmente tributos e juros. Acho que são os mais complicados para o comércio, junto com a burocracia. Porque junto com os tributos vem a burocracia, muitas declarações e obrigações mensais e tudo o mais. Acho que isso tudo deveria diminuir bastante.
P/1 – E qual é o seu maior sonho hoje?
R – Manter, talvez ampliar nesse sentido de internet. A gente está se preparando para isso. Seria o principal. De conseguir aumentar aos pouquinhos e talvez, mais para frente, tentar algumas coisas nos bairros, sair um pouco do centro.
P/1 – O senhor gostaria de falar mais alguma coisa que a gente talvez não tenha comentado, para deixar registrado?
R – (risos) Acho que você perguntou quase tudo. Acho que até o que eu não pensava que fosse falar, falei (risos).
P/1 – E o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista, contando um pouquinho da sua experiência como comerciante?
R – Gostoso. Passou rápido! Foi gostoso, sim.
P/1 – Então, em nome do SESC e do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista.
R – Obrigado vocês também pela oportunidade.
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