Projeto Memória dos Brasileiros Depoimento de Amélia Lopes Legal
Entrevistada por Gustavo Sanchez Jaci Paraná, 24 de junho de 2010.
Realização Museu da Pessoa Entrevista MB_HV128
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques.
Revisado por Fernanda P. Prado
P/1 – Dona Amélia, a gente vai começar agora. Eu vou pedir pra senhora começar dizendo seu nome completo, o lugar em que a senhora nasceu e quando a senhora nasceu?
R – O meu nome completo é Amélia Lopes Legal, eu nasci em Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, em 13 de outubro de 1935.
P/1 – E lá em Brilhante, você vivia com quem?
R – Com meus familiares, meu pai tinha fazenda na Barranca do Rio Brilhante e eu fui criada em fazenda lá, era muito gostosa a vida lá. Depois, em 1952, casei, em Rio Brilhante. Aí, eu morei em Campo Grande uns tempos até os filhos estudarem um pouco, aí foram casando tudo, cada um tomando seu rumo, aí eu também vim para Porto Velho.
P/1 – E a senhora conheceu seus avós?
R – Só a minha avó materna.
P/1 – E que lembrança a senhora tem da sua avó materna?
R – Minha avó materna era uma pessoa maravilhosa. Ela era paranaense, eu tenho uma lembrança muito agradável dela, ela era uma pessoa muito dócil, muito boa e sempre me lembro dela com muita saudade. Agora, da parte do meu pai, eu não conheci ninguém. Era argentina a família do meu pai, mas eu não conheci. Só meus tios, alguns, mas não tenho lembrança nenhuma deles.
P/1 – A senhora falou da sua avó e deu até uma saudade. O que a senhora comia quando ia a casa dela visitar? O que vocês faziam juntas?
R – Fazíamos juntas a comida, eu a ajudava a fazer a comida, ela tinha umas comidinhas muito gostosas, era muito bom, a vida naquele tempo... Onde a gente comia as comidas naturais era muito gostosa, a gente tinha mais saúde, a comida... Meu pai matava uma vaca por mês na fazenda pra despesa, porque a gente não tinha esse negócio de: “Vai ali ao açougue e traz.” Fazenda, sabe como é, né? Todo mês, a gente matava uma vaca pra despesa da fazenda e não contando carneiro, porco, cabrito, porco que a gente comia muito e galinha que tinha demais, a gente nunca vendia nada, né? E tudo era natural, o arroz era socado no pilão do jeito que chegava da máquina, a gente socava no pilão pra comer. E era muito saudável, todas as coisas eram muito saudáveis, as verduras eram plantadas no quintal e não tinham agrotóxico, não tinha nada e a gente colhia dali tudo natural. Então, era muito bom. Eu lembro que, pra matar uma vaca em casa, se a vaca escapasse e corresse meu pai não deixava matar mandava recolher aquela e pegar outra, porque tinha que matar uma vaca que não estivesse ofegante, cansada, porque geralmente a carne estraga se a vaca tiver derramado adrenalina na carne, aí, quando charquea, a carne estraga. Então, a carne da vaca era muito natural, a vaca tinha que pousar na mangueira e no outro dia quando o dia clareasse, aí matava pra despesa. Hoje, eu vejo judiação nos açougues com os animais que vão matar e eu me lembro como eu fui criada, como era diferente o jeito da alimentação da gente, as carnes que comíamos. Não comíamos carne de caça na casa de meu pai, não tinha esse negócio, ele não gostava. Ele tinha cachorro caçador e caçava só pra tratar dos animais, dos cachorros, mas não era pra nossa despesa. E todas as coisas lá eram naturais, disso eu lembro bem. Depois mudamos pra Rio Brilhante pra estudar morávamos com a vovó. Aí estudei e, depois casei, e aí a minha história termina aqui em Jaci Paraná.
P/1 – Deixe-me falar uma coisa, a senhora falou de alimentação e do seu pai, seu pai tinha hábitos então bem cuidadosos para com vocês, né?
R – Bem cuidadoso com a comida que a gente comia, a carne principalmente. Eu vejo gente que mata a vaca enfezada pra depois matar, judia do animal. Então, em casa, não tinha isso. A vaca que ia matar tinha que pousar numa mangueira fechada pra no outro dia matar e no outro dia para ela não estar enfezada. E lembro que, às vezes, ia buscar gado assim a vaca amuava ou se quebrava lá e o pessoal matava aquela vaca e aproveitava e meu pai ficava bravo e falava: “Eu não como dessa carne, porque a vaca está enfezada, essa adrenalina vem pra gente.” Era com todo cuidado a carne que a gente comia. Eu hoje não como carne de espécie nenhuma nem de frango, nem de peixe e nem de nada.
P/1 – Por causa da sua saúde?
R – É por causa da minha saúde, eu não gosto de carne mais, eu não como e acho que não tem nenhuma vantagem pra mim a carne.
P/1 – Você falou que seu pai era da Argentina. Eu queria que você me contasse um pouco mais de seu pai? Você falou dessas coisas da carne que outras lembranças você tem do seu pai, como era seu pai em casa? De que região da Argentina ele era?
R – Do meu pai eu não sei, porque ele veio com cinco anos da Argentina para o Rio Grande do Sul, ele se criou lá e de lá que ele já veio rapaz para o Mato Grosso do Sul.
P/1 – A senhora sabe por que ele veio pro Brasil?
R – Porque a família imigrou toda, a família dele toda veio para o Mato Grosso comprar terras lá naquele tempo tinham muitas terras, né? Compraram fazendas muito grandes no Pantanal, meus tios mais velhos foram pro Pantanal e meu pai comprou essa fazenda na Barranca do Rio Brilhante, lá onde eu nasci e me criei. Era um lugar muito gostoso é um rio de água muito limpinha o Rio Brilhante. Eu me lembro com muita saudade dele. Tinha uma balsa que a gente passava o povo pra lá e pra cá antes de fazer a ponte de Rio Brilhante, tem até hoje lá. De vez em quando, eu visito lá e eu tenho muita saudade.
P/1 – E a casa? Como era essa casa?
R – A casa era de assoalho alto, casa de madeira de cedro toda serrada na mão, nuns serrotões que faziam... Cerrava um em cima da tora e outro em baixo, assim foram tirada as tábuas da nossa casa que foi feita de telha, telha francesa, com assoalho, toda feita no assoalho e com as paredes todas de tábuas, muito bem feita.
P/1 – Dona Amélia, a senhora estava falando agora com saudade da casa...
R – Muita saudade de Rio Brilhante. A minha família toda é de Rio Brilhante, ainda moram lá até hoje. De vez em quando, eu vou lá passear, vê-los lá, mas é muito agradável lá, eu gosto muito de Rio Brilhante.
P/1 – E quem não conhece a cidade... Como era a cidade quando a senhora vivia lá?
R – Em 1947, quando eu estudava, a cidade era muito pequena. Depois, veio muita gente do sul e hoje é um patrimônio muito bom. Rio Brilhante é uma cidade muito bonita, muito boa, mas no começo foi uma cidade com pouco movimento, com poucas pessoas. No tempo, que eu estudava eram poucas pessoas, hoje é uma cidade mesmo boa também de lá pra cá a quantia de anos, né? Que se passaram, mas hoje é uma cidade muito boa pacata, gostosa.
P/1 – Dona Amélia, a senhora falou pra mim que a senhora teve que sair depois para ir pra casa da sua avó pra estudar, né?
R – É porque meu pai morava na fazenda, eles moravam na fazenda e a gente foi morar no Patrimônio, na cidade de Rio Brilhante, com a minha avó pra estudar.
P/1 – Fala um pouquinho da sua mãe agora, porque a gente não falou da sua mãe, que lembranças você em de sua mãe?
R – A minha mãe, eu tenho lembranças muito boas dela, ela foi uma batalhadora. Ela separou do meu pai e nós éramos pequenos, com 15 anos de casamento, ela separou do meu e nos criou sozinha, batalhando muito, trabalhava muito, era uma mulher muito trabalhadora. Mas, infelizmente, já é morta ela, também podia... Eu já estou com 75 anos e ela já está descansando no pó.
P/1 – A senhora falou que ela cuidava de vocês, a senhora tem irmãos?
R – Tenho cinco... Cinco irmãos, a mamãe criou com muita dificuldade para criar. Os nossos tios da parte da minha mãe ajudaram a gente porque a família rica era do lado do meu pai, mas eles não deram apoio pra gente e a gente foi criado um pouco sacrificado, mas deu tudo certo.
P/1 – Com que idade a senhora estava, quando seus pais se separaram?
R – Eu estava com 13 anos quando eles se separaram os outros ainda... Eu era a mais velha.
P/1 – Mas então, a infância ainda vocês chegaram a passar juntos?
R – Desde novinha até os 13, 14 anos, quando ele vendeu a fazenda, porque já era muito gado, ele tinha muito gado e a fazenda estava pequena, aí ele vendeu pra comprar uma maior e foi a época da separação dele e da mamãe, a gente não chegou a ir pra outra fazenda.
P/1 – Está certo. Dona Amélia, conta um pouco da relação que você tinha com seus irmãos? Você era a primogênita. Como vocês brincavam? Vocês tinham que trabalhar? Como era isso?
R – Quando os peões dormiam ao meio dia, nós pegávamos os cavalos que ficavam areados e íamos correr carreira. Corríamos, apostávamos carreira, corríamos muito e tinha uma lagoa assim que secava no tempo da seca ela secava e ficava só uma rodinha de água. Nós corríamos carreira lá naquela... Até os cavalos ficarem banhados e trazia e colocava lá, os peões iam pegar os cavalos assim... Meio dia, o pessoal dormia, né? Nessa hora, eu corria carreira nos cavalos e era boa de campo, eu pegava cavalo assim que só passava uma cordinha no pescoço e corria carreira por toda a parte. Era assim a minha vida, eu fui criada trabalhando bastante, porque fazenda tem serviço demais, né? E eu era a mais velha e trabalhava bastante, mas também tinha tempo pra fazer arte (risos).
P/1 – Que outras artes além de montar o cavalo?
R – Muitas vezes, caí de cavalo, caí de árvore muito alta, caía que chegava ficar lá em baixo sem fôlego, mas nunca deixei de fazer as artes sempre eu estava correndo carreira e aprontando. O cavalo me derrubava que eu virava lá e, de repente, eu já estava a cavalo outra vez. Isso foi bom pra mim.
P/1 – E seus irmãos, como é que eram?
R – Meus irmãos também foram muito... No tempo do papai, foram muito bem criados. Papai era uma pessoa muito enérgica com os filhos e a gente foi criado assim, num regime rígido, mas, assim mesmo, ainda tinha tempo pra bagunçar um pouco.
P/1 – E a senhora comentou que tinha muito trabalho, que tipo de trabalho vocês faziam?
R – A gente tinha que tratar de galinha, debulhar o milho na mão pra dar pra porco, nós tínhamos capado pra engordar e serviço de fazenda é assim: levantava cedo e a gente já estava preparando pra ir pro mangueiro pra tirar leite e, chegava, era correria: fazer comida pra peão e ajeita tudo, né? E era só eu e mamãe na cozinha e a vida era muito corrida trabalhava muito desde pequena eu trabalhei muito, eu fui uma mulher trabalhadora, até hoje eu ainda dou meus pulos já tenho bastante idade, mas ainda trabalho. Eu gosto muito de costurar, eu fui costureira em Campo Grande, trabalhei em grandes fábricas e trabalhei muito tempo em costura pra boutique e, depois, passei a costurar pra fábrica de jeans tinha uma fábrica muito grande em Campo Grande, a Desfrute. Eu trabalhei uns dois anos e meio na Desfrute. Aí que eu vim pra Rondônia. Aqui eu não trabalho, tenho as minhas maquininhas lá, mas não trabalho mais pra fora.
P/1 – E a senhora falou da costura agora, qual foi a primeira vez que a senhora costurou? Foi lá na fazenda ainda?
R – Desde criança que eu costurava. Eu sempre estava remexendo na maquininha que mamãe tinha e aprendi a costurar ali. Aí, depois, eu fui aperfeiçoando, fui fazendo cursos e, quando eu cheguei pra cá, em Jaci-Paraná, não tinha ninguém aqui costureira, não tinha nenhuma costureira aqui. Aí eu me juntei com a Alda e falei: “Vamos da um curso para essa meninada, tem muita meninada desocupada, aqui é um lugar que tem muita menina que necessita muito de cursos e aprender a fazer alguma coisa, porque arrumam meninos muito cedo e não sabem fazer uma roupinha pra criança.” Aí, eu combinei com a minha filha: “Vamos dar um curso de corte e costura aqui.” Nós conseguimos, juntamos as maquininhas, os cacarecos nosso da nossa casa e levamos lá para o salão e demos um curso. Então, nós temos uma costureira aqui que faz os uniformes dos colégios todos que foi uma aluna minha é a única costureira que tem que faz camisetas para todos esses colégios de Jaci-Paraná e ela foi minha aluna.
P/1 – A senhora usava a máquina da sua mãe, como era essa máquina da sua mãe?
R – Aquelas máquinas de pedal, sabe? Antigamente, não tinha máquina a motor em casa. Cada casa tinha a sua máquina, uma era tocadinha aqui assim, a outra tocava no pedal e eu costuro em todas elas, porque sempre eu estava mexendo com as máquinas. Aí depois eu quis costurar em Campo Grande quando casaram todos os filhos, aí eu me senti assim meio inútil. Aí eu comecei a pensar: “Gente eu estou tão inútil” Era só eu e meu marido e ele trabalhava no Pantanal e eu ficava sozinha o mês todo, limpava a casa e não tinha mais o que fazer, eu fui me sentindo inútil e falei um dia com o senhor: “O senhor me tira, já chega de viver porque eu não estou inválida aqui sem fazer nada, eu tenho tanta energia e estou parada.” Aí pedi que o senhor me tirasse, eu falei: “Ou me tira ou me acha alguma coisa pra fazer.” De manhã, cedinho, eu estava dormindo, uma pessoa bateu na porta e falou pra mim: “Levanta...” Era uma irmã minha que trabalhava numa fábrica: “Levanta que tem um serviço aqui pra você.” Eu levantei e ela estava com duas sacolas desse tamanho: 70 jalecos de brim pra fazer, ela falou pra mim assim: “Olha, estão precisando muito desses jalecos, são mil jalecos e não estão dando conta e eu me lembrei que você poderia fazer um pouco desses jalecos pra nós, só que é pra entregar até quinta-feira.” Isso foi na segunda-feira. Eu falei: “Está bom.” Ela falou: “Eu estou apurada, porque eu vou pegar ônibus.” Ela saiu e eu peguei a máquina, eu tinha uma maquininha dessas comuns de casa e costurei. Na quinta-feira, eu fui lá entregar. Quando eu cheguei, eu não pegava serviço nas fábricas porque eu não sabia costurar em máquina industrial. Aí eu cheguei lá e tinha um papel assim escrito: “Precisa-se de auxiliar de costura.” “Isso eu sei fazer.” Aí eu entreguei os jalecos e tudo, recebi e falei: “Ainda está aberta a vaga?” Ele disse: “Está.” Aí, eu falei: “Eu vou preencher essa vaga.” Ele disse: “Então, pode começar agora a trabalhar.” Eu entrei lá, mas eu pensava que... Aí ele falou pra mim que estava aberta a vaga, aí ele falou: “Se a senhora quiser, pode começar agora.” Era bem cedinho. Aí já fiquei empregada lá, trabalhando, mas eu pensava que era só cortar linha, pregar botão e não Eu tive que enfrentar todas as máquinas daquele salão, eu tive que enfrentar overloque, interloque, porque se tem uma costurinha que não pegou no interloque, eu tenho que passar se tiver no overloque eu tenho que costurar. Pra pregar botão é tudo na máquina, fazer uma barra de saia é uma máquina doida que costura com uma agulha assim... É rápido demais e tudo era eu mesma.
P/1 – A senhora aprendeu tudo, então?
R – De repente, aprendi a trabalhar com todas. Aí trabalhei muito bem, um dia eu falei: “Quero sair desse serviço, quero que me ponha como costureira, porque eu já estou tendo tempo pra fazer roupa aqui e estou aqui como auxiliar.” Ganhava só um salário. A dona era uma turca, ela não quis me pagar um salário e meio igual as costureiras, né? Aí eu falei: “Então vou sair.” E abriu uma fábrica lá em Campo Grande, muito grande, a fábrica de jeans, eu me inscrevi e fui a primeira a ser chamada e a primeira que entrou costurando lá, aí trabalhei com jeans três anos, né? De lá, eu vim pra Rondônia.
P/1 – Está certo. Eu vou voltar porque agora eu quero falar um pouquinho de escola. A senhora então foi pra casa da sua avó porque precisava estudar e como era essa casa da sua avó? O que mudou de sair da fazenda e ir pra casa na cidade?
R – Ah, tudo, né? A casa da vovó era uma casinha bem humildezinha e a minha avó foi de família muito pobre e a casinha era humilde, não tínhamos criação em volta pra gente ver, nada. Foi só estudar, ali era só estudar e passar o dia junto com ela e aí a gente só vinha nas férias pra casa. Foi muito bom aquele tempo que passamos junto com ela, mas não era fazenda, lá era muito melhor. Aí eu vim pra fazenda e, em seguida, quando eu estava com 13 anos, meu pai vendeu a fazenda pra comprar uma maior. Nesse meio tempo, ficamos sem papai.
P/1 – E a escola? A primeira vez que a senhora foi à escola? O que a senhora se lembra da escola?
R – A primeira vez que eu fui à escola, eu já tinha uma professora na fazenda que já tinha me alfabetizado, eu e meu irmão mais velho, aí nós fomos pra escola bem adiantadinhos e não foi aquela coisa de chegar lá e não saber nada, né? A gente já chegou sabendo um pouquinho e foi bom... Naquele tempo, não era igual agora que cada ano faz um ano, né? A gente entrou na primeira série e quando chegou o final do ano, eu já estava no terceiro ano, os livros eram todos diferentes, as coisas eram tudo diferente, mas, se você tivesse capacidade, você não ficava lá na primeira série igual agora é obrigado a ficar até o final do ano. Naquele tempo, a gente entrava e, se você tivesse capacidade, você ia pro segundo, terceiro e até pro quarto ano, né? Os livros eram diferentes, eu estudava língua portuguesa, como era o nome da língua portuguesa que a gente estudava na época? Exame de admissão que era outro livro já de quinta série e, depois, eu só podia ir até aí, porque também ficamos sem papai e a vida ficou apertada e eu não pude estudar mais e parei na...
P/1 – Dona Amélia, me explica uma coisa, a senhora tinha professor? A senhora lembra o nome desse professor particular lá na sua casa?
R – Lembro, chamava dona Firmina, uma mulher que trabalhava na fazenda. O marido trabalhava na fazenda e ela dava aula pra nós pra alfabetizar pra que a gente entrasse conhecendo ao menos as letras, né? Então, foi muito bom... Os meus filhos... Eu tive muitos filhos, mas nunca meus filhos foram pra escola sem saber ler, todos já sabiam ler, eu tinha uma mesa grande na cozinha e como eu tinha muito filho, eu tinha que dar as tarefas, né? Então, meus filhos trabalhavam... Duas tomavam conta da cozinha, duas na roupa e era assim porque cuidava de roupa do quintal, deixar tudo limpinho e outra cuidava de roupa lavar, passar, consertar e guardar porque era bastante gente e tinha que pôr tudo certinho, né? Quando eram cinco horas, a que estava na cozinha tinha que estar com a janta na mesa, aí todo mundo já tinha tomado banho e já estava prontinho pra jantar. Jantar, tirar a mesa, lavar as louças e já vinha a toalha pra pôr os filhos pra fazer as tarefas. Aí íamos ver as tarefas como estavam. Não tinha televisão naquele tempo também, aí punha todos os filhos na mesa pra fazer as tarefas. Tinha vez que eu tive sete filhos na escola tudo estudando, aí então eu corrigia muito bem os cadernos dos meus filhos. Então, na escola, a diretora sempre falava: “A família Legal não perde nenhum ano, porque quando chega mês de novembro, eles estão com as notas todas fechadas.” E era mesmo.
P/1 – Você olhava caderno por caderno?
R – Caderno por caderno e o pequenininho se não estava dormindo estava ali fazendo letrinha também. Quando era o outro ano, aquele que ia já ia conhecendo as letras, já estava começando a juntar as letras. Então foi uma vida difícil, mas muito bem controlada.
P/1 – Vamos entrar um pouco nisso agora. Então, depois que a senhora estudou até a quarta série, que ia pra quinta, a senhora voltou pra fazenda e seus pais separaram?
R – É. Nós voltamos pra cidade outra vez, fomos morar na cidade e a minha mãe não podia tirar a gente da escola porque se tirasse dava lugar pro papai tomar nós e como ela não queria nos entregar pro papai ficamos uma porção de tempo ainda na escola, mas não pudemos fazer mais que a quinta série.
P/1 – E vocês foram morar onde depois que seus pais...
R – Rio Brilhante.
P/1 – Depois que seus pais se separaram, vocês continuaram em Rio Brilhante?
R – Moramos em Rio Brilhante até eu casar. Eu casei em Rio Brilhante.
P/1 – Aí sua mãe cuidava de vocês e vocês tiveram que trabalhar? O que mudou?
R – Só meu irmão que trabalhava, eu só trabalhava com costura junto com a minha mãe, porque ela era costureira, ela lavava roupa pra uma porção de famílias e também costurava. A gente trabalhava na casa, eu a ajudava na costura.
P/1 – E vocês foram morar de novo na casa com sua avó, mas agora sua mãe...
R – Junto com a minha avó, mas na nossa casa.
P/1 – Ah, vocês tinham a casa de vocês? E o contato com seu pai ficou menor?
R – Muito menor, nunca mais eu vi o papai... Com 14 anos, foi a última vez que eu vi o papai. Ele comprou uma fazenda muito longe num lugar chamado Bonito, Guia Lopes, um lugar longe e a gente quase não se via mais, nunca mais vi. Aí eu casei e, quando eu estava com 42 anos, eu fui visitá-lo, eu cheguei lá e ele não me conheceu. Ele estava bem velhinho já, já era viúvo, tinha casado outra vez, mas tinha ficado viúvo. Aí ele não me conheceu, aí uma pessoa falou: “Tem uma senhora que quer ver o senhor que diz que é uma conhecida sua.” Ele veio me receber e falou: “Eu sei que conheço a senhora, mas não sei de onde.” Aí eu falei quem eu era e, quando eu falei, ele me abraçou chorando, a gente chorou muito também foi a última vez que eu o vi, em seguida, ele morreu.
P/1 – Mas a senhora conseguiu reencontrá-lo antes, né?
R – Ainda fui vê-lo. Mas é isso, a minha vida se resume hoje aqui, hoje eu sou divorciada tem quatro anos.
P/1 – Eu queria antes de falar do divórcio, eu queria que a senhora... A senhora foi morar com sua mãe de novo quando seus pais se separaram e a senhora conheceu seu marido... A senhora casou quando?
R – Eu casei em 1952.
P/1 – A senhora tinha quantos anos de idade?
R – Eu tinha 17 anos quando casei. Meu irmão trabalhava fora, meu irmão mais novo do que eu um pouquinho, trabalhava sempre pra ajudar a mamãe e a gente levou a vida controlada, tinha mais três irmãozinhos pequenos, mas deu tudo certo.
P/1 – Com 17 anos a senhora casou, a senhora conheceu seu marido como?
R – Desde criança, a família dele era muito amiga da minha família, eram compadres e nos criamos quase que juntos. Depois, eu nunca mais o vi porque mudei pra Rio Brilhante e ele ficou na fazenda pra lá outra fazenda que eles tinham lá perto e nunca mais nós nos vimos. Aí fomos nos encontrar quando ele chegou do quartel que eu o vi. Depois, a gente casou. Ele tinha 21 anos e eu 17.
P/1 – E naquela época como era? Vocês se conheceram em algum lugar? Vocês já se conheciam de família, mas aí vocês resolveram casar? Como foi até chegar ao casamento?
R – Nós nos conhecemos e aí depois a minha mãe fez um segundo casamento com o irmão dele que é o mais velho da família e era solteiro e minha mãe casou com o irmão dele. Aí tudo favoreceu pra mim, aí eu casei com o cunhado dela, em 1952.
P/1 – E como foi o casamento?
R – O casamento foi maravilhoso, foi bom. Ele era um homem bom sempre foi uma pessoa boa, honesta, trabalhadora demais. Criamos 11 filhos, Muitos filhos tivemos, morreram dois e esses nove a gente criou com muito amor e muito... Ele é um ótimo pai, mas depois de velho começou a namorar que não parava mais e, com 54 anos de casamento, eu pedi o divórcio e hoje nós estamos separados.
P/1 – Dona Amélia, me fala uma coisa a senhora casou com 17 e aí vocês foram morar em Brilhantina mesmo?
R – Em Rio Brilhante.
P/1 – Então vocês continuaram lá?
R – Nós continuamos lá.
P/1 – Só que você saiu da casa da sua mãe e passou pra...
R – Pra minha casa. Nós moramos em Rio Brilhante mesmo de lá nós mudamos pra Campo Grande. Ele trabalhava com obra e a firma que ele trabalhava mandou ele pra Porto Velho... Em 1985, 1984, a firma o trouxe pra cá pra Porto Velho, aí ele trabalhou aqui e, depois, ele foi lá me buscar e falou: “O serviço lá é muito grande e a gente não vai terminar tão já.” Aí nós mudamos pra cá, trouxemos a filharada toda solteira e chegamos aqui e fizeram o favor de casar tudo aqui em Rondônia. Casaram tudo e ficamos só nós. Aí voltamos pra lá... Eu não acostumava aqui porque nós tivemos um sítio aqui no Jaci e foi como eu conheci Jaci. A gente passava por essa ponte aqui, era uma estrada de chão ruim, a gente ia pro sítio que ficava aqui na 94, uma estrada muito ruim. A gente passava o dia no sítio, era um dia pra vir e pra voltar levava o dia inteiro. Era longe por causa da estrada muito ruim e, de Porto Velho até aqui, era muito difícil pra vir. A gente passou a morar uns tempos em Porto Velho, mas ele não acostumava com Porto Velho: “Ah, eu quero ir embora para Rio Brilhante... Pra Campo Grande.” Aí, voltamos pra Campo Grande e moramos lá uns tempos, mas só nós dois e os filhos ficaram todos casados aqui, aí resolvemos voltar, viemos passear e ver os filhos, eles falavam: “Ah pai, larga mão disso, de ficar morando longe de nós, vem pra cá.” Aí a gente veio.
P/1 – Então me deixa entender, você saiu de Rio Brilhante com quantos anos? Você casou e saiu da cidade onde a senhora nasceu com quantos anos?
R – Eu tinha mais ou menos uns 22 anos, quando saímos da cidade, e fomos pra um lugar chamado Bocajá. Lá, nós tivemos quatro filhos. Aí fomos pra Porto Vilma, outro lugar em Mato Grosso do Sul também, moramos uns tempos em Porto Vilma e depois nós não tínhamos terra lá.
P/1 – Conta um pouquinho de Bocajá, como que foi... A primeira vez que a senhora saiu da sua cidade natal foi pra ir pra Bocajá?
R – É pertinho ali, umas três ou quatro léguas, não sei quanto que é, uma légua parece que são seis quilômetros, né? É pertinho de Rio Brilhante, a gente sempre estava lá e estava na casa, lá nós começamos a trabalhar...
P/1 – Lá a senhora teve seu primeiro filho?
R – Eu tive quatro filhos lá.
P/1 – O primeiro nasceu lá?
R – O primeiro nasceu lá e depois tivemos quatro filhos. O primeiro morreu e ainda tivemos mais quatro em Bocajá, aí mudamos pra Porto Vilma. Aí lá nós criamos os filhos, estudaram, lá tinha uma escola muito boa. A Alda estudou lá, ela e as outras mais velhas, todas estudaram lá depois que a gente mudou já estava começando a casar. A Alda já casou lá em Porto Vilma. Aí já estava começando a casar as filhas, aí mudamos pra Campo Grande e moramos uns tempos em Campo Grande, casaram mais duas e aí mudamos pra Porto Velho. Aí em Porto Velho chegaram os rapazes, rapazes e ainda vieram duas moças, aí chegaram aqui e se engraçaram com os portovelhenses e casaram todos aqui. Ficamos só nós dois, aí voltamos pra Campo Grande e moramos lá uns tempos e agora viemos direto pra Jaci.
P/1 – E o marido da senhora fazia o quê? Porque vocês tiveram que mudar muito, o marido da senhora fazia o quê?
R – Ele mexia com obra, ele era mestre de obra, tinha uma firma construtora, sempre trabalhava com obra.
P/1 – Aí vocês mudavam por causa dessas construções?
R – É. Ele sempre pegava serviço de um lugar pra outro e a gente mudava, mudamos de Porto Velho... E, quando nós viemos pra cá que tivemos que cuidar de lote, nós não estávamos mais mexendo com obra e ele abandonou, largou de mão. Mas eu ainda tenho filho nesse ramo que trabalha com isso.
P/1 – Está certo. Deixa eu perguntar outra coisa, como foi o primeiro filho? Quando a senhora engravidou como foi?
R – Foi tudo normal, uma gravidez normal, eu tive o filho normal só que deu um problema... Eu não sei nem o que deu naquela criança e ele faleceu.
P/1 – Ah, ele faleceu ainda criança?
R – Pneumonia, parece que deu uma pneumonia e ele faleceu. Dali a três anos eu tive a Alda por isso que ela fala que ela é a primogênita, mas já tinha morrido o mais velho. Mas foi uma vida normal, tudo foi normal comigo, deu tudo certo, a gente teve uma vida boa, esse senhor Arlindo Legal está com 80 anos. Ele trabalha o dia todo, ele é uma pessoa incansável, sempre está trabalhando, você chega em casa e ele está sempre trabalhando. É assim o jeito dele, a gente foi toda vida uma família trabalhadora, nunca tivemos envolvimento com coisa errada e deu tudo certo com a gente, uma vida... Podemos falar que foi uma família legal, nunca tivemos filhos envolvidos com nada, com coisa errada nunca deu isso. Apareceu um neto que inventou de mexer com droga e, em seguida, morreu também. E é só, temos muitos netos casados, muitos bisnetos, mas estão todos vivendo uma vida boa, podemos falar que foi uma família legal
P/1 – A senhora contou o caso das tarefas, mas eu queria que a senhora me contasse outras coisas daquela época, como era o cotidiano da casa? Eles tinham as funções deles na casa, cada um tinha o que fazer?
R – Isso. Na casa, todo mundo tinha seu serviço: chegava da escola e tinha uma lavourazinha porque lá era uma chácara que nós tínhamos...
P/1 – Isso em Campo Grande?
R – Em Porto Vilma, lá nós tínhamos uma chácara, tinha um campinho de futebol que eles jogavam bola à tarde e eu costurava muito nessa época. Eu costurava para um armazém, porque, naquele tempo, não tinha esse negócio de comprar roupa feita e lá tinha muito peão. A gente fazia as roupas em casa. Eu costurava para um armazém que vendia roupa pra peãozada de fazenda e eu trabalhava muito. Então, minhas filhas eram donas da casa, só que eu era muito enérgica com elas, tinha que ser tudo bem limpinho, bem cuidado, era muito bem cuidada a minha casa. As minhas filhas foram criadas... Sempre elas falam: “Nós sabemos fazer as coisas, porque tivemos uma mãe enérgica.” Meus filhos, se fossem pegar uma camisa na gaveta, e falavam: “Mãe quem foi a lavadeira?” “Foi fulana.” Nós éramos muito pobres, mas tudo tinha ordem, as roupas eram tudo lavadinhas e passadas. Então, era com muito cuidadinho. Se faltasse um botão, tinha que ir atrás da lavadeira e colocar aquele botãozinho e era assim. E foi muito bem... Tinha que ser bem organizado, porque era bastante, né? Então, umas faziam a comida, outras cuidavam do quintal, porque lá nós criamos porcos... Nós tínhamos engorda de porco, tínhamos galinhas, era uma chacarazinha e, lá, tinha que cuidar de porco, tinha que cuidar de galinha, ovos que a gente comia eram todos naturais, que a gente colhia e frango, tinha chiqueiro onde fechava os frangos pra engordar pra despesa da casa. Era tudo assim, bem tratado, bem cuidado. E tudo aquilo eram eles que tinham que dar conta e o quintal limpo, porque ali tinha batata, ali tinha mandioca, ali tinha cana e tinha o pomar ainda também. Pêssego lugar dava de ter que erguer os pés.
P/1 – A alimentação de vocês, vocês sempre tinham por perto, né?
R – Tinha, era tudo natural, tinha horta que meus filhos cuidavam. Então, os meninos tinham obrigação de cuidar da horta, do quintal e tudo. As meninas tinham que dar conta da casa, eram quatro meninas e três meninos. A luta era pesada, mas era boa, aí quando chegava à noite todo mundo punha seu caderninho aqui pra fazer a tarefa pra depois dormir. Aí faziam a tarefa e vamos fazer oração e aí que vai dormir. Então, toda vida em casa teve um princípio religioso, né? Meus filhos hoje são tudo... Tem muitos que não são nada, mas não foi falta de ter uma educação... Nenhum deita sem ajoelhar e entregar a vida nas mãos do pai, porque foram criados assim. Isso é muito importante, a gente criar a família com temor do senhor é muito importante, o pai nunca foi aquele pai de andar em bar, ele nunca foi, porque hoje em dia os filhos vão pro bar beber e já aprendeu com o pai, porque o pai pega na mão do filho e fala: “Vamos ali beber, o pai vai beber uma ali.” Chega lá e já compra uma latinha de guaraná e põe lá pro filho e vai tomando e o pai vai beber essa: “Pai, deixa eu tomar dessa sua?” “Não, essa aqui é só quando você ficar grande.” Então, quando ficar grande, sabe o caminho e os filhos já... O pai ensina a beber e ele nunca foi homem de levar filho nenhum pra bar, pra ir beber, ele nunca foi. Foi uma filharada que não deu trabalho. Hoje, chega à noite, estão todos na cama dormindo. Chegava à noite, minhas filhas nunca me deram trabalho. Se fossem para um festa, porque lá tinha muita festa vinham aqueles conjuntos grandes de São Paulo, de todo lugar daqueles clubes pra tocar, mas ninguém era besta de ir a uma festa sem nós, tinham que levar... A mãe tinha que ir lá e o pai pra levá-las na festa. Bom, naquele tempo era assim, né? Aí lá já tinha uma mesa pra nós, nós íamos com a família pra festa. E assim foi na nossa vida.
P/1 – Eu quero que a senhora fale das festas que os filhos não se atreviam ir para festa sem vocês e como eram essas festas? O que tinha nessas festas?
R – As festas eram esses conjuntos grandes que vêm da cidade pra tocar a noite toda, eles já ganhavam pra entrar naqueles clubes e tocar a noite toda, né? Aqueles conjuntos vinham de São Paulo, vinham do Paraguai, aqueles conjuntos vinham pra tocar, mas a gente já tinha mesa, já tinha tudo reservado lá. A gente ia com a família e eles falavam: “Ali é a mesa dos Legal.” A gente já sentava na mesa e ali tinha de tudo para aquela mesa e quando você saía dali, eles iam na nossa casa com a despesa, era assim. Era muito bom, vinham cantores, de vez em quando, vinham aqueles cantores de São Paulo. Uma vez veio aquele... Como era o nome daquele cantor? Não me lembro do nome dele... Vinham sempre aqueles cantores de lá das rádios, vinham lá nos clubes... Vinham lá nas festas conosco e era muito gostoso.
P/1 – E na cidade todo mundo conhecia a família Legal?
R – Tudo, infelizmente é assim em tudo que é lugar. Lá todo mundo conhecia a família Legal, em Porto Velho, a mesma coisa de lá em Jaci, pode falar pra qualquer um: “Vai lá e procura a família Legal.” Já nos acha aí.
P/1 – A família deixou marca por onde passou, né?
R – Marca limpa, né? Porque quando a marca é suja ninguém...
P/1 – A senhora estava falando agora que a casa de vocês era grande e sempre estava cheia, como era essa vida em comunidade? Como se relacionavam uns com os outros? Porque hoje as pessoas se relacionam muito mal, né?
R – O relacionamento da família hoje é péssimo. Nós não tínhamos esse problema, a nossa família era sempre assim bem organizada, não tinha brigas. Eu lembro que uma vez um filho meu brigou um com o outro e o pai deu uma paulada neles lá e falou: “Olha, vocês não podem brigar, porque vocês não são cachorros.” E nunca mais... E se um discutisse com o outro, não tinha esse negócio de passar aqui e falar: “Você falou com seu irmão?” Porque meu marido falava que irmão, às vezes, discute, mas não tem que ficar de mau um com o outro, porque se acontecer alguma coisa com teu irmão, você é o primeiro que pula no meio. Irmão é assim, a gente, às vezes, tem que pôr os pingos nos “is”, mas não é assim não. Então, nunca teve esse negócio, tudo de bem um com o outro e quando a gente está reunido é aquela alegria, não tem ninguém assim com política um com o outro e agora é neto é tudo.
P/1 – Nessa casa, a senhora recebia os amigos deles? Seus irmãos você ainda tinha contato depois de casada?
R – Tinha... Meus irmãos vinham me visitar, eu criei um irmão meu que casou... O último que casou foi meu irmão depois que todos os filhos casaram, aí que casou meu irmão e a gente criou ele desde pequeno.
P/1 – Ele era muito mais novo que a senhora?
R – Era bem mais novo do que eu, uns 12 anos mais ou menos, esse eu que criei comigo, mamãe deixou ele comigo quando eu casei como meu companheirinho e esse companheirinho ficou a vida inteira. Ele casou agora há pouco tempo que ele foi pra casa dele, está com uns oito ou dez anos que ele casou.
P/1 – Conta pra gente como era isso, a sua mãe deixou ele pra ser seu companheiro?
R – É porque eu morava em lugar que não era dentro da cidade, né? No Bocajá, onde eu morava, não era cidade, era assim sítio, né? Então, mamãe o deixou comigo para meu companheirinho pra não ficar sozinha e esse companheirinho ficou a vida inteira e se acostumou, se adaptou com a gente e o meu filho mais velho é aquele.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Alírio e o Alírio é uma peça muito importante na minha vida, a gente criou como filho e hoje ele está velho, mas ainda é o nosso filho, nós queremos muito bem a ele.
P/1 – Você tem alguma lembrança especial... Era diferente criar ele que era seu irmão do que criar os seus filhos?
R – Não, toda vida os filhos respeitam muito ele como tio e ele não foi uma pessoa assim qualquer não, ele foi uma pessoa que impunha respeito e fazia respeitar ele e ele foi uma pessoa muito... Uma peça importante na minha vida.
P/1 – Quando a senhora diz que ele foi importante... Qual foi o episódio mais marcante na sua vida? Ele sempre estava do seu lado?
R – Ele era aquele companheiro pra tudo, pra não ter hora, não ter nada, toda hora ele estava presente, aquela pessoa é uma pessoa que foi muito importante na minha vida, ajudou criar meus filhos e tudo. Se eu estava apurada, o Arlindo, meu marido, nunca foi de pegar um filho no braço, não pegava, era mais... Se eu estava com um bebê e eu falasse assim: “Pega esse bebê pra eu ver aquela panela que está queimando.” Ele ia ver a panela, mas ele não pegava o bebê, não pegava a criança de jeito nenhum. Então, era meu irmão, aquele é que era o cavalo dos sobrinhos, era aquele, o dia todo estava com o bebê no braço, meus filhos têm muito carinho por ele até hoje. Hoje estão tudo velho já pintado de branco, mas aquele carinho com aquele tio é demais.
P/1 – Então vocês eram em nove filhos mais o Alírio?
R – É, era o Alírio que era meu irmão que eu criei e interava dez.
P/1 – E quando você saiu do sul, quando você foi pra Campo Grande?
R – Nós mudamos do Bocajá pra Campo Grande por causa de serviço. Nesse tempo meu marido começou a trabalhar com obra. Aí nós fomos pra fazer uma grande obra em Campo Grande que era pra Matel Matadouro Industrial Ltda. Aí nós mudamos pra lá. Moramos em Campo Grande um tempo e também para os filhos estudarem onde nós morávamos dava só até a quarta série. Aí pra eles poderem estudar fazer o ginásio teve que vir pra Campo Grande, aí eles vieram pra lá e lá que eles estudaram, lá casaram as últimas filhas. Eu fiquei só com as duas pequenininhas e aí nós mudamos pra cá pra Porto Velho.
P/1 – A primeira... Tinha filha que casou antes de Campo Grande já?
R – Antes de Campo Grande casaram duas, casou uma em Porto Vilma que era a Alda e duas em Campo Grande, aliás, duas em Bocajá e nós trouxemos duas moças pra Campo Grande e casaram. Nós trouxemos uma pequena pra cá que era a caçulinha, era o dodoizinho e chegou aqui morou aqui conosco um tempo, estudava aqui... Nós já tínhamos o sítio e nós tivemos que mudar aqui pra Jaci pra ela estudar, ela estudou aí, mas começou a dar malária demais em mim, no Arlindo e nela também, aí resolvemos ir embora. Vendemos tudo que tinha aqui e fomos embora pra Campo Grande.
P/1 – E como foi... Porque vocês tinham sempre a casa cheia como foi ver a primeira filha casar? A primeira filha sair de casa?
R – A primeira filha que casou foi um buraco que ficou na casa, nós sentimos muita falta, só que ela morava pertinho. O Jair, que é marido da Alda, comprou um lote perto e fez a casa ali e a gente estava sempre junto, na mesa só aumentou mais uma colher, a gente estava toda hora junto e era assim. A gente sempre se deu muito bem com ele e com ela... Os filhos que casam você tem que considerar assim: não é um que sai da tua vida é um que aumenta, os filhos que casam é um que aumenta na família. Se ela é uma nora é uma filha que aumentou e se é um... Se eles têm os problemas deles lá é deles, mas você tem que considerar como uma filha tua, não tem esse negócio de você... Às vezes, tem um pessoal que fala assim: “O fulano casou com aquela mulher assim, assim...” O problema é dele e a mulher quem vai aguentar é ele, ela, pra mim, é uma filha e não tenho esse negócio. Minhas noras são minhas filhas e meus genros são meus filhos. Eu sempre considero assim, se eu precisar de um genro... É assim, uns tempos uma filha minha morava com um rapaz e eles se separaram, mas eles ficaram de bem, mas ela estava numa festa e o rapaz falou: “E a minha sogra?” Ela falou: “Mas nós terminamos tudo e você não está mais morando comigo.” “Mas a minha sogra vai se minha sogra a vida inteira” Eu sempre tenho esse negócio de meus genros serem meus filhos, minhas noras são minhas filhas e eu me dou muito bem com eles, com todos, eu não tenho nenhum genro que eu tenha alguma coisa contra. Se eles têm os problemas deles lá, eu falo: “Vocês resolvem os problemas de vocês...” Se eles vêm me contar alguma coisa, eu falo: “Vocês resolvem pra lá... Eu dou apoio, quando não tiver mais jeito, mas enquanto vocês estiverem juntos, eu não me misturo em nada.” Aí você está sempre de bem, porque se você vai a favor às vezes até ela mesma... Às vezes, a filha fala: “Ah mamãe, o fulano fez isso, fez aquilo comigo.” E você entra naquela de falar: “Ô sujeito isso, ô sujeito aquilo...” Daqui a pouco, ela faz as pazes, ela vai ficar sentida, porque você falou alguma coisa conta o marido dela, “canalha” ou qualquer coisa, ela vai ficar sentida. Então, quando acontece uma dessa com você, faça de conta que está tudo bem, procure entendê-lo, ninguém é perfeito e é assim, você nunca se meter na vida de filhos, eu sempre estou falando assim: “Olha, eu não me meto em vida de nora e de filho.” Porque quando a filha vem me contar qualquer coisa, eu falo: “Filha, procura entender, porque ninguém é perfeito.” Nunca você se ponha contra, porque eles voltam atrás e a gente fica como ruim.
P/1 – Dona Amélia, me conta um pouquinho agora de Campo Grande, como foi Campo Grande? Era muito diferente dos lugares que você morou?
R – Sim era, porque eu acostumada em Porto Vilma, uma cidadezinha pequena, depois vim pra Campo Grande e lá a cidade era grande e também era difícil, não era uma cidade... Não era uma fazenda, né? Que a gente tinha de tudo na mão, mas dava, porque todos os filhos trabalhavam e não eram aqueles filhos assim que cada um trabalha pra si não, quando chegava final de semana, era dia de pagamento... Eles trabalhavam nas obras que eles trabalhavam e quando era no final de semana recebiam e já vinham tudo e falavam: “Aqui mãe, o dinheiro da semana, eu vou tirar esse aqui pra minha despesa de ônibus.” Já vinha tudo pra minha mão e eu já levava numa conta e largava lá, a hora que eu precisava, eu sabia onde estava. Então, eu sempre levei controlada a vida, não tinha esse negócio de: “O filho da dona Amélia está lá fazendo isso ou aquilo com o que recebeu.” Ele tinha o dinheirinho dele mas tinha a quantia certa, nunca a gente larga assim as coisas pó conta, porque bagunça.
P/1 – Em Campo Grande, seu marido estava construindo o quê?
R – Construindo casas e prédios. Ele construiu uma porção de prédios, construiu casas, construiu um clube lá muito grande, fez uma grande reforma lá, depois que ele estava contando quem acompanhou aquela novela, ele foi para o Pantanal pra fazer aquelas obras que tiveram que fazer no Pantanal pra esperar esse povo do Rio que vinha pra fazer aquela montagem da novela, a fazenda... Como que era? Fazenda Rio Negro, foi lá que foi gravado o Pantanal. Aí ele foi chamado pra lá uns dois meses antes pra trabalhar, fazer muitas reformas que foram feita lá antes desse povo do Rio chegar pra acampar lá, porque não vêm só aqueles artistas, vem muita gente, né? E também vieram os visitantes que vieram assistir a novela lá quando estavam fazendo e lá ele teve muito tempo trabalhando, aquela casinha da Juma que tinha lá, você assistiu a novela Pantanal? Aquela casinha da Juma era uma casinha de material bom, ele camuflou ela toda, parecia um ranchinho, fez um fogãozinho lá onde a Juma cozinhava, foi ele que fez, era assim.
P/1 – Agora, você falou que ficou sem trabalhar o tempo que você teve que criar seus filhos, não é isso?
R – Foi, eu trabalhava só em casa. Depois que eles casaram, eu fui trabalhar, eu trabalhei muito.
P/1 – Em Campo Grande a senhora já me contou que a sua irmã chegou com a sacola dos jalecos pra costurar...
R – Eu comecei a costurar em máquina industrial, lá eu entrei para as fábricas.
P/1 – Aí a senhora trabalhou naquela primeira fábrica...
R – Dali, eu passei pra outra sempre costurando e até hoje... Agora que eu larguei, eu tenho a maquininha lá e, de vez em quando, costuro pra distrair, mas não pego mais costura porque as pessoas conhecem as costuras da gente e, de vez em quando, aparece e querem que a gente faça uma roupa. Eu sou muito chegada em fazer roupa pra homem, então, de vez em quando, as pessoas vêm pedir uma calça social e vem pra eu fazer e eu ainda faço. As pessoas da igreja gostam de roupa social e, às vezes, ainda, faço, mas não estou gostando mais de costura o tanto que eu gostava mesmo porque não tem mais aquelas máquinas boas como era nas fábricas, nas fábricas as máquinas são muito boas e convidam a gente pro trabalho.
P/1 – E como é o ambiente da fábrica? Como funciona? Tem um monte de gente? A senhora vai pegar o trabalho e alguém diz o que fazer? Como é?
R – Nas fábricas, a gente trabalha assim: nós éramos, na Desfrute, 70 costureiras, era um salãozão muito grande, as lâmpadas todas florescentes numa altura disso aí, baixinho pra poder ficar bem iluminado dentro e as máquinas têm uns fios dentro dos canos que passam assim, desce a energia nas máquinas. E a gente costura aqui, a outra costureira está ali e é o quanto pra você entrar... E aqui do teu lado tem uma mesinha compridinha e têm as auxiliares de costura. As auxiliares de costuras são as que trazem as peças pra você costurar. Vem marcado do número um até o cem se for o caso, se cortou cem peças lá, vem assim. Aí vão pondo naquela mesinha e você só vai passando aqui na máquina e derrubando, você não pega a costura lá e recolhe, já vem a auxiliar e quando fica aquele montão, ele vem cortando e pondo número com número e passa pra outra costureira. Dali a um pouquinho, você olha assim e está aquele montão de calça jeans feitas, aí só empacota, porque eles nem cortam lá. Aí só empacota, amarra de 12 em 12 e vai pra lavanderia, a lavanderia é imensa, imensa, uma casa também imensa onde põe e o que for pra delavê já fica marcado, já marca num papelzinho “delavê” põe ali e quando é de tarde chega branquinha já seca. Aí vão lá pra aquele lugar onde eles passam pra tirar botão e passar aquelas roupas e pregar os botões aquela pressão, bate numa máquina chamada travete e faz essas coisinhas aqui, aquele arremate todo, já é depois de pintado. Aí, passa aquela travete no bolso e corta ali, tem muita moça aquilo vai embora, aquele monte de gente só cortando. A hora de pregar zíper é aquele monte e você vai só pregando e derrubando e vai indo aquele zíper pra outra ir fazendo outra coisa e, quando você menos espera, está pronto, aquela quantidade de calça.
P/1 – E você gostava da fábrica?
R – Muito, só que eu ficava cansada, eu ficava azul do jeans, né? É muito pesado o jeans e, quando chegava à tarde, você estava cansada, mas é muito bom, tinha uma rapaziada que trabalhava conosco que a gente se dava muito... Era muito gostoso, eu tenho vontade de trabalhar assim só que hoje eu não aguento aquele serviço, é muito pesado. Naquele tempo, eu era nova, mas hoje...
P/1 – Dona Amélia, mata uma curiosidade, depois que seus filhos já casaram, seu marido teve que passar um tempo longe, a senhora ia pra cidade pra sair, pra jantar? O que você fazia além de trabalhar?
R – Eu nunca saía pra lado nenhum, eu nunca saía meus passeios são agora depois que eu separei dele, porque ele era muito caseiro e eu também não saía, mas agora eu ando pra todo lado e vou embora, passeio uns dois, três meses.
P/1 – Então vamos chegar agora, em Rondônia. Depois de Campo Grande vocês vieram pra Rondônia? E como foi isso? Como começou?
R – Começou porque ele pegou uns prédios muito grandes em Porto Velho pra fazer e a firma o mandou pra cá.
P/1 – Isso em que ano? R – No ano de 1985. Em 1985, ele fez uma obra em Jaru e de Jaru mandaram ele pra cá, porque Jaru é outra cidade aqui de Rondônia, vocês vieram de avião ou de carro?
P/1 – De avião.
R – Tem uma cidade aqui chamada Jaru. Em Jaru, ele veio pra fazer uma obra e, quando ele terminou essa, a firma mesmo o mandou para Porto Velho. Em Porto Velho, eram uns prédios, oito prédios muito grandes, imensos assim, alto com dois andares parece que em cada um eram oito apartamentos. Aí nós viemos pra ali, chama... Em 1985, ali era mato tudo, como é o nome? Era residencial Porto Velho, ali embaixo é garagem e nós viemos ali pra fazer isso. Tinha um repartimento de tábua fechando a obra pra lá e pra cá era a casa dos engenheiros e dos mestres de obra. Então, eu tinha uma dessas casas e tinha a minha cantina, aí eu vim de Campo Grande pra cá no mês de fevereiro, em 1985, eu vim. Eu saí de lá era frio, em fevereiro estava frio e eu cheguei aqui e vim enfrentar uma cozinha pra cozinhar pra cento e tantos homens, uma cozinha de lenha pra cozinhar para aquele mundão de homem e quase morri de calor, não era brincadeira aquela cozinha Eu cozinhava para cento e tantos homens.
P/1 – Que trabalhava lá pra obra?
R – É porque era empregado dele, tinha muita, muita, gente. Então, tinha um lugar que tinha uma mesa grande e eu arrumei uma mulher que me ajudava e a gente ia enchendo os pratos e pondo e ia passando para aqueles lá, porque pra lá era o bicho, porque era só homem, uns trezentos e tantos homens pra lá. Era onde ele dizia que tinham os peões urutus, peão urutu que ele diz são esses peões do trecho que vinham de qualquer jeito pra entrar lá, porque lá tinha alojamento, tinha tudo, né? Trabalhava com muita, muita, gente, ali não eram só os nossos peões do lado de lá tinham os peões da obra de um tal de Negrão que tocava dois apartamentos daqueles, fazia dois prédios daqueles e tinha mais três mestres de obra que também tinha suas cantinas. Então, quando batia o ferro ali, a coisa fervia.
P/1 – Nessa época, estava tendo muita construção em Porto Velho?
R – Muita, muita mesmo. Foi quando estava Porto Velho no auge mesmo, naquele tempo, Porto Velho quase não mexia com construção, era meio parada, a coisa era garimpo aqui.
P/1 – Essas construções vieram por quê? Quem ia morar nessas casas? Era pra vender pra alguém?
R – Era porque Porto Velho estava começando a crescer, né? Nessa época em 1985, Porto Velho estava se mexendo, porque era muito acomodada até lá e aí começou a se mexer, começaram a aparecer os conjuntos, tinham os conjuntos habitacionais que eram dos primeiros também, parece que ele pegou 40 casas que hoje é Alfaville, é uma vila que tem lá. Ele pegou parece que 40 ou 50 casas que ele fazia junto com aquele prédio, ele tinha uns cento e poucos homens aqui e tinha 70 lá na outra obra. E trabalhava muito, o serviço era muito pesado.
P/1 – E a senhora sempre servindo comida lá?
R – Eu tinha que dar a comida. Vinha uma ficha e quando batia o ferro, ao primeiro sinal, cada um abandonava a sua e ia pra cantina. Lá pega a sua ficha pra vir pedir o almoço se não viesse com a ficha não pegava o prato.
P/1 – E de cozinhar pra onze e mudar pra 300 como era a diferença?
R – Não brinca Tinha que ter dois homens pra descer a panela de arroz que era aquele mundo assim. Tinham que vir aqueles dois homens descer aquelas panelonas de arroz, panelona de carne e a coisa era pesada. Duas bacias desse tamanho de salada e ali era pegado a coisa. Aí desce aquelas panelas pra servir o... Aí era muito trabalho.
P/1 – Aí desciam aquelas duas panelas...
R – Aí vai servindo os pratos, passando e pegando aquela ficha, quando eles vinham e eram peão de outro, umas eram amarelas, outras as fichas eram vermelhas, outras eram... Tinham uns rapazes que trabalhavam fazendo estrutura metálica e as fichas deles eram cor-de-rosa. A gente pegava uma caixa assim e ia pegando a ficha, entregando o prato, pegando a ficha e entregando o prato e eles tinham uma mesa e iam pondo tudo ali e comendo. Quando aqueles uns acabavam de comer, já tinha lá uma garrafona de água pra eles beberem, aí era uma sombra lá. Quando acabavam de almoçar, ficava aquele monte ali, aí tinha ficha amarela que era do fulano, mas pra nós era a mesma coisa, porque a gente recebia a metade. A metade você recebia daquilo ali parece que era quatro ou cinco reais a refeição e o patrão pagava a metade e nós pagávamos a metade, os peões ganhavam de graça, não pagavam a refeição, o patrão é que pagava pra nós.
P/1 – E aí quanto tempo vocês ficaram nessa obra lá ainda?
R – Nessa obra, foi mais de ano, um ano e seis meses, nós trabalhamos assim. Nessa época, eu só tinha duas filhas pequenas que estudavam e os filhos que já eram pegados junto com o pai, né? Nas obras, eles trabalhavam muito.
P/1 – E vocês ficavam só lá no canteiro de obra lá em Porto Velho... O que tinha na cidade de Porto Velho?
R – Porto Velho, naquele tempo, ainda era muito mato dentro da cidade, uma cidade muito suja. Naquele tempo, o esgoto corria no meio da rua, era uma cidade fedida, uma cidade ruim, que eu não via a hora de terminar a obra pra ir embora, eu não gostava de Porto Velho por ser suja, sem esgoto.
P/1 – Em 1977?
R – Em 1985, em Porto Velho, você não via esgoto, a coisa mais horrível que era. Aquela coisa feia, eu não via a hora de terminar isso pra ir embora, porque a cidade era muito fedida pra quem vinha de Campo Grande que era limpinha, né? Achava muito difícil. Bom, lazer nem tinha, nessa época não existia nem lazer pra mim era só ali dento mesmo trabalhando.
P/1 – E o canteiro de obra no dia-a-dia era uma correria? De manhã, era fazer comida...
R – É. Dinheiro vinha um saco desse tamanho de dinheiro e um dia ele ia de jipe buscar, outro dia ele ia com um saco de estopa lá e jogava na bicicleta e trazia, porque o pagamento era todo sábado à tarde.
P/1 – O pagamento era dinheiro em papel ainda?
R – Papel. Quando era à tarde ia lá ao banco... De manhã, ele ia ao banco cedo, todos os mestres de obra iam, um dia iam num carro, outro dia iam em outro, um dia eles levavam uma caixa de papelão, porque era bastante, era aquele montão assim. Chegava acertava tudo e tinha uma moça que trabalhava de guarda livro acertava tudo, tudo ali e ia passando o pagamento daquela turma toda, também era só o almoço que a gente dava.
P/1 – E quem pagava, era a obra pública?
R – Não, era a Construtora H.F., uma construtora que tinha aí. Ela que pegava essas grandes obras.
P/1 – Aí eles iam lá no livro caixa e pegavam todo o dinheiro e...
R – Ia pagando todo mundo, desde a cozinheira recebia e estava livre, daquela hora que recebia estava livre, três horas da tarde acabava tudo, acabava o movimento tudo. A gente pegava o carro e vinha pra cá pro sítio, chegava aqui no sítio, passava aqui no sítio dentro das matas e nós íamos embora domingo cedo pra lá.
P/1 – Conte pra mim desse sítio, como surgiu esse sítio? Vocês compraram? O que foi isso?
R – Compramos uma marcação de um outro e moramos uns tempos aí...
P/1 – Lá em Porto Velho mesmo vocês compraram esse sítio?
R – Foi alguém lá ofereceu pra nós. Em 1994, nós tínhamos o sítio que chamava Margarete. Nesse sítio, nós moramos uns tempos e deixamos bem formadinho ali, mas dava muita malária, eu não aguentava mais. Uma vez, eu estava com malária e falei: “Olha, se eu escapar dessa, eu vou embora daqui.” Aí, o Arlindo numa rede eu em outra, aí eu falei: “Se eu escapar dessa, eu vou embora.” Ele falou: “Eu também.” Ele estava pensando a mesma coisa. Aí nós fomos embora, aí eu falei: “Não precisa pegar mais serviço em Porto Velho, porque eu não aguento mais a malária.” Eu era branca, eu tenho umas fotos minhas lá, eu era branca, não tinha uma gota de sangue de tanta malária. P/1 – E vocês então trabalhavam na obra dia de semana e nos finais de semana iam pro sítio? E quando vocês chegaram aqui o que tinha em Jaci? Como fazia pra chegar? O que tinha? R – Jaci não tinha nada. Só tinha as estradas péssimas, era um trilheiro dentro da mata assim, era uma mata fechada, tinham uns trilheiros, cheios de buracos e o carro vinha e atolava, teve vez de dormir no mato, não aguentava chegar aqui, porque aqui atolava, era muito difícil vir de Porto Velho aqui.
P/1 – Pra vir vinha em que transporte?
R – Nós tínhamos uma Chevrolet C-10 naquele tempo e nós vínhamos de lá aqui, às vezes, saíamos de madrugada de lá pra chegar aqui a uma hora da tarde. Era muito difícil pra vir, mas a gente enjoou por causa da malária que era demais.
P/1 – Mas no começo quando vocês chegaram, vocês só tinham o terreiro? Tiveram que construir o sítio aqui?
R – Era esse que nós estávamos construindo, aí nós largamos tudo, vendemos tudo, vendemos casa e fomos embora, não aguentei mais a malária, porque aqui dava malária demais, demais e a malária começa a dar e em seguida ela vira hepatite. Aí o perigo é a hepatite já dar cirrose, porque o fígado fica muito atacado. De medo disso nós resolvemos ir embora.
P/1 – E quais eram os sintomas? Você falou que tem as fotos que você estava bem branca, como era?
R – A malária dá em você hoje... Você viu o marido da Alda como está ali? Ele está com malária, parece que ela chupa todinho o sangue da pessoa de uma hora pra outra. Você fica branco, branco, transparente, parece que ela bebe todinho o sangue teu. E você sente muita dor no fígado, você quer comer não consegue é um “ansiamento”, você tem uma ânsia assim pra comer. É muito difícil. A malária não é brincadeira não, a primeira malária que dá na gente quase vai, quase morre é muito difícil, mas depois você vai acostumando, parece que a gente vai adquirindo anticorpos que... Hoje em dia, se vai me dar uma gripe, se vai me dar uma malária, eu prefiro a malária, hoje eu dia eu já tenho... A gente adquire defesa, você vê esse povo que tem aí que criou no meio da malária, dando malária toda a vida, eles são pessoas que malária pra eles é mesmo que nada, assim estamos nós já também. Eu sinto assim uma dor na perna, uma dor aqui, o fígado parece que incha e falo: “Estou com malária.” Você já sente o sintoma, você vai ali e fura o dedo, eles tiram sangue e faz uma lâmina que eles falam e dali a pouquinho já fala: “A senhora está com tantas cruzes de malária.”
P/1 – Isso aqui, em Jaci mesmo, eles já fazem?
R – Eles já fazem a lâmina, já fala quantas cruzes você está de malária e aí você já está... Já vem o medicamento, você toma e no outro dia você já não tem mais nada, já sente que já vai aliviando.
P/1 – A malária era uma constante, todo mundo tinha malária? Era uma coisa que...
R – Era direto e dava também muitas... Não era só a malária que dava também uma tal de doença de criança que eles falavam aqui que eu e a Alda quase ficamos doidas quando chegamos, porque dava uma tal doença de criança que a criança começava a gritar, gritar de dor de cabeça e dali a um pouquinho estourava sangue do nariz e do ouvido e já morria. Uma vez, nós chegamos numa casa, a mulher estava lavando umas roupas e a criança chorando e ela falava: “Dona Alda, me acode.” Era um aluno da Alda, aí ela falou: “O que você está fazendo pelo teu filho?” Ela falou: “Nada, dona Alda, ele está com doença de criança daqui a um pouquinho ele está morto.” Aí a Alda falou: “Meu senhor, como eles ficam desse jeito é doença de criança.” A Alda foi a Porto Velho e falou com o doutor... Como era o nome do doutor? Pediu pra ele vir aqui ver o que era esse problema porque morria muita criança. Aí ele veio aqui e falou: “É hepatite B. Isso é um perigo até para os que estão por perto.” Ele falou pra Alda o que era e fizeram uma reunião lá em casa com esse médico que a Alda pediu pra vir aqui. Aí, ele deu uma orientação boa, ele falou pra formarem esse hospital que hoje tem que foi na época meu marido e meus filhos que fizeram esse hospital em 1980 e não sei o que, fizeram esse hospital aqui. Essa casinha que tem ali que hoje é o posto de saúde.
P/1 – Então, vocês acabaram saindo de Porto Velho e morando definitivamente no sítio, né?
R – Foi, nós moramos uns tempos no sítio e depois nós fomos embora de tudo, porque não aguentamos Porto Velho que era muito ruim, naquela época Porto Velho era muito fedida. Nós moramos em Porto Velho e depois fomos pra Campo Grande e, depois, voltamos pra cá outra vez passear e não voltamos mais. Agora temos 12 anos que moramos aqui, aí nós compramos lá em cima uma chácara, aí nós tínhamos gado, tinha carneiro, tinha galinha, peru, era aquele barulhão de criação. Aí começamos a vender e a vender, porque vai entrando gente, né? E vai comprando e fomos vendendo, vendendo, acabou com tudo, aí ele se envolveu com menina aí.
P/1 – Espera aí, vocês, na década de 1980, vieram aqui pra Jaci, eles construíram hospital? Fizeram de tudo aqui?
R – Aqui já foi... Em 1987 que foi feito isso aqui, 1987 ou 1988, por aí que foi feito esse posto aí, daí que nós voltamos pra Campo Grande.
P/1 – Por causa da malária?
R – A malária que era demais.
P/1 – Mas nessa época da família de vocês ficou alguém aqui?
R – Ficou a Alda aqui que não pode ir, não queria ir.
P/1 – E a Alda veio pra Jaci com vocês?
R – Nós estávamos em Porto Velho quando ela veio pra cá, ela estava antes em Brasília e de lá ela veio pra cá conosco pra Porto Velho, ainda trabalhou um pouco nas obras aí até terminar, o Jair trabalhou aí e daí veio pra cá pra Jaci. Nesse tempo, a Alda já tinha um envolvimento com a igreja católica e ela foi mandada pra cá pra trabalhar com catequese aqui, porque estava muito abandonada a igreja católica. A Alda foi mandada pelas irmãs, as irmãs moravam na casa dela dando força pra ela, pra ela levantar a igreja católica e aí ela veio pra cá pra isso. Quando nós fomos embora, ela já era funcionária da prefeitura e não quis ir e ficou aí.
P/1 – Vocês voltaram pra Campo Grande, quando vocês voltaram...
R – Moramos quatro anos ainda em Campo Grande.
P/1 – Como foi a vida nesses quatro anos?
R – Vida boa, Campo Grande é bom mesmo, moramos ainda quatro anos lá, mas depois deu saudade dos filhos e viemos vê-los e não voltamos mais.
P/1 – E aí vocês ficaram aqui por causa dos filhos?
R – É.
P/1 – Quando vocês voltaram depois de quatro anos tinha mudado muita coisa aqui em Jaci?
R – Tinha mudado um pouco, mas não foi muita coisa não, Jaci deu um pulo foi agora mesmo, porque quase não tinha nada nesse Jaci, era uma vilazinha muito apagada. Muito pouca gente e era muito mal a assistência de Porto Velho pra cá, era muito pouca. Jaci como uma vila de Porto Velho na idade que ela tem... Tem tantas cidades grandes aí, novas e Jaci foi uma cidade aqui muito esquecida por Porto Velho. Era pra estar muito boa, mas foi muito negligenciada...
P/1 – Você falou que recentemente as coisas mudaram, o que mudou?
R – Mudou mais, você vê agora já tem até uns pedacinhos de asfalto que não em toda parte, mas já tem, mas isso já foi muito feio, Jaci foi muito feia. Tinha uma casa assim alinhadinha, umas casas de capim na beira da estrada onde vendia uma água, um suco, uma coisa. Era tudo muito desleixado, tinha muito urubu andando no meio do pessoal e eu ficava horrorizada com aquilo. Agora Jaci está muito boa, do jeito que eu a conheci, agora está muito bom. Mas é isso é tudo que eu tenho pra falar.
P/1 – Faltam só três perguntinhas, a gente já está quase acabando Dona Amélia. A senhora voltou e passou a morar na chácara, né? Conta pra gente.
R – Foi, a gente comprou uma chacarazinha ali...
P/1 – A senhora falou que vocês produziam e vendiam muito, né? Conta um pouco dessa produção, o que vocês vendiam e o que vocês tinham aqui na chácara?
R – Na chácara, nós mexíamos com horta, vendíamos verdura, trabalhávamos também... Tinha criação de galinha, tinha vaca, vendia leite, vendia queijo, doce de leite, era direto eu fazendo. Gente trabalhadora em tudo enquanto é lugar vive bem. Tinha mandiocal e aqui todas as coisas eram compradas. Então, a gente ali tinha de tudo... Todas as coisas que tinham ali, vendiam. Era muito bonzinho ali. Mas aí começou a vender a chácara, porque vai começando a chegar gente e quer comprar um pedacinho, quer comprar... Um pedacinho pra um, um pedacinho pra outro e deu uma data pra cada filho, uma pra cada neto e assim encheu ali e...
P/1 – Você falou agora de neto, eu não tinha perguntado, vou recuperar, como foi a primeira vez que você soube que ia ser avó? Ser avó é muito diferente de ser mãe?
R – Avó é uma coisa, eu vou te contar... Quando a gente é mãe, a gente acha que não tem mais nada pra dar pra filho e quando chegam os netos é que você vai ver que neto é mais importante que os filhos. Quando eu olhava assim, eu falava: “Neto é neto, não tem mais nada comigo.” É nada Qualquer coisinha com neto é com você, a coisa é séria, neto é a coisa mais... Agora eu tenho é bisnetos muitos já, eu tenho bisneta com 17 anos e pode ser que eu ainda tenha tataraneto, né? Se de uma bobeirinha, eu ainda vou ter tataranetos, mas é muito bom, ter muitos filhos, muitas netas, muitos netos.
P/1 – Dona Amélia, qual é a importância da família na sua vida?
R – É tudo, a família na vida da gente é tudo se eu não tivesse família, eu acho que eu era uma mulher frustrada, eu sou muito agradecida ao pai eterno por ter me dado a família que ele me deu. Quando eu casei, a minha sogra tinha muitos filhos, então antes do dia clarear... Era fazenda, antes do dia clarear, eles levantavam e iam tomar chimarrão, tocar violão, outro tocava acordeom e a gente acordava com aquela música, os que estavam lá pro lado do galpão tocavam berrante chamando as vacas pra tirar leite. Mas eu ficava encantada com aquilo eu falava: “Eu quero ter muitos filhos” Ela falava: “É nada, quando você tiver dois, não quer mais.” Mas não, a coisa melhor que eu fiz foi ter esse monte de filhos, como é bom, eu vejo gente assim que fala que a pior coisa da vida são os filhos, eu fico pesando como criou esses filhos pra pessoa ficar assim, né? Porque também vai muito do jeito que você cria seus filhos. Se você não criou com carinho, o que você que esperar dos filhos, né? Os filhos precisam ser criados com carinho e com muito amor pra eles poderem ter o que te dar depois.
P/1 – Dona Amélia, a senhora falou que se divorciou depois de 54 anos, como a senhora teve força? Como foi isso?
R – Depois de 54 anos de casada, ele estava envolvido com uma menina aí, eu falei: “Chega, não quero mais, agora, cada um cuida da sua vida.” E cada um foi pro seu lado, foi muito difícil, eu não sei nem como eu não morri, porque eu senti muito, a mesma coisa é... Às vezes, eu falava assim: “Preferia ter visto meu marido saindo num caixão morto do que saber que saiu assim.” Um companheiro da vida inteira você perder pra uma porcaria aí que nem está morando com ele só pra envolver. Ele se envolveu tanto com uma menina, uma porcaria aí que só queria o que era dele e depois não o quis, hoje ele anda por aí sem... Não está por aí, porque ele foi lá pra minha casa e falou assim: “Você me arruma um quartinho aí?” Eu falei: “Está bem, fica aí, você de hoje em diante é meu inquilino.” Hoje ele é meu inquilino, mora num quartinho lá, mas não é a mesma coisa não, ele tem o quartinho dele lá, vive lá se ele se acha bem não sei, mas agora ele é meu inquilino, não é mais o meu esposo. Mas a gente faz isso não é pela gente, é pelos filhos, porque os filhos sempre querem muito bem a ele. Ele é muito querido pelos filhos e se você faz qualquer coisa contra ele está fazendo contra os filhos. Então, tudo na vida da gente tem que pensar pra fazer e tem que ser forte, a gente aqui vem pra ser forte pra poder aguentar todos os tropeços que a vida traz pra gente. A gente precisa ser muito forte e buscar força no pai eterno, porque é só de lá que você recebe força pra você aguentar. Os tropeços da vida, por melhor que ela seja, ela sempre tem as dificuldades, as coisas difíceis sempre vêm, então, a gente sempre tem que estar seguro na mão de quem tem força pra passar pra gente. Até o filho do nosso pai, quando esteve aqui nessa terra, ele saía lá longe buscar força pra poder aguentar, ainda mais nós que não somos nada, né? Somos só filhos de Deus também, temos que buscar força no pai eterno toda hora, todo instante a gente tem que estar seguro na mão dele, tudo que você vai fazer tem que pôr ele em primeiro lugar na tua vida. E sempre você tem problemas, aparecem problemas, sempre aparece... Para quem está na tinha idade, de vez em quando, aparece cada problema e a gente fica olhando e tem que saber administrar, saber fala porque se você não falar às vezes você estraga uma causa e a vida é difícil.
P/1 – Dona Amélia, a sua casa aqui, em Jaci, vai ser inundada? Como vai ser?
R – Não, lá não vai ser inundada, só que eu acho que eu vou ter que derrubar, eu queria fazer uma pintura nela, mas nem vou fazer, ela está aquela casa velha, abandonada, porque parece que ela ficou bem no meio da rua assim, de uma rua e vai ter que derrubá-la, uma casa velha de tábua lá, não tem nada que presta lá.
P/1 – E você se sente como? Você é a favor da construção da barragem? Como isso está te atingindo? Como você reage?
R – Ah, o progresso sempre é bom, né? Isso aqui é progresso pro lugar, isso aqui foi muito abandonado e, hoje, isso aqui está com essa carga de gente as pessoas reclamam, mas é o progresso, vai ser bom pro pessoal daqui, tem muita gente por aí... As cidades por onde a gente anda, quem já tem andado por aí, como eu ando, eu sinto que é muito apertado por aí, é muito apertado, as cidades grandes são muito apertadas, isso aqui é uma “larguesa” que está precisando ser ocupada, não é mesmo? Isso aqui é uma “larguesa”, Rondônia é uma benção, você entra dentro de uma canoa igual eu entro aqui pra ir a um sítio que nós temos aí pra cima, você anda desde que o dia amanhece e você enxerga lá só mata, coisa bonita nesse mundo velho aí. Isso é muito legal e a gente vê gente exprimida nessas cidades, nesses lugares, isso aqui tem que abrir pra poder entrar gente nisso aqui, usufruir disso aqui que é necessário, é muito bom.
P/1 – E a senhora fica aqui em Jaci, a senhora não vai embora?
R – Não, não estou nem pensando nisso. Jaci é uma benção, isso aqui é muito bom, eu me dou muito com o pessoal daqui, eu gosto muito, é muito bom Jaci. Jaci Paraná é uma das últimas bênçãos que papai do céu está dando para as pessoas.
P/1 – A senhora se dá muito bem com as pessoas, como é a relação que a senhora tem com as pessoas aqui?
R – Eu me dou bem com todo mundo daqui, eu gosto do pessoal daqui, da humildade deles, eu gosto, me dou bem com eles. Todo mundo aqui de Jaci são umas pessoas agradáveis. Nós formamos aqui uma associação de mulheres eu e a Alda, nós temos reuniões com essas mulheres, as mais jovens um pouco e temos também 50 e poucos idosos que nós nos reunimos nas quintas-feiras, é tão gostoso ficar junto com eles um pouco e conversar, nos lembrar dos tempos antigos e dar risadas é muito bom.
P/1 – Posso pedir pra contar um pouco da história da associação e do grupo do idoso?
R – O nosso grupo de idoso, agora estamos sem sede, esses dias o pessoal perguntou pra mim: “Como era o grupo de idoso?” Fizeram uma entrevista, eu falei: “Poderia estar melhor se nós tivéssemos uma sede, mas nós nem sede não temos, nós estávamos fazendo reunião na casa da Alda.” Nós nos reuníamos nas casas dos idosos e o grupo de idoso mexe com trabalho, tapete e essas coisas que é um lazer pro idoso, nem isso nós não podemos fazer porque, nas casas dos outros, a gente não pode guardar o material que nós temos muito material que a prefeitura doa pra gente fazer trabalho e nem isso nós não podemos trabalhar, porque não temos a sede. Aí eu falei: “Nós necessitamos muito, porque o grupo de idoso é bastante e poderia fazer muito material pra gente no final do ano, fazer uma exposição e vender é tão gostoso, já arrecada dinheiro pra gente comprar mais material.” Mas não temos isso aqui está uma coisa muito bagunçada, eu estava falando esses dias na prefeitura aí: “Está muito bagunçado, nós sem uma sede pro idoso.”
P/1 – O grupo começou como?
R – Nós começamos a nos reunir, porque a Alda tem muita facilidade pra trabalhar com idoso. Nós começamos a nos reunir, fazer trabalhos assim um que sabe um trabalho e outro que sabe outro, um que faz um cestinho e outro que faz outra coisa e começamos a reunir. Aí, nós resolvemos criar o grupo de idoso e hoje nós temos bastante. Hoje não veio ninguém aqui, porque é longe e o medo do sol quente pra voltar, mas...
P/1 – E a associação das mulheres?
R – A associação das mulheres é outro problema, nós temos o terreno já batalhamos, já conseguimos o terreno, já está tudo... Até o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) já passou tudo pra nós o terreno e não temos a sede, agora que vai sair a sede do idoso... Porque essa semana o prefeito quando ele esteve aí nós pedimos a sede do idoso e a sede da mulher. Porque nós temos muitos problemas aqui, vêm essas mulheres dos sítios... A associação das mulheres tem muitas mulheres dos sítios, da zona rural, elas vêm pra cá, às vezes vem pra consultar, pra furar dedo de criança, vem com criança doente, vomitando, chega aqui queimando de febre e nós não temos onde acolher, porque nós não temos uma sede da associação das mulheres aqui onde nós pudéssemos colocar essas mulheres posarem pra fazer os exames. É uma coisa muito difícil que preocupa muito a gente. A gente às vezes leva essas mulheres pras nossas casas pra poder cuidar é muito difícil isso. Nós queríamos muito essa associação com uns quartos pra poder pôr essas mães com criança quando não tem onde ficar. Aí eu estive expondo esse caso pra prefeitura nesses dias. Domingo passado, eles caíram na bobeira de pedir pra eu fazer uma entrevista ali e eu dei uma reclamada boa sobre a nossa situação, porque é preciso, nós temos necessidade de uma associação para o idoso e outra pra sede das mulheres. Dentro da casa da Alda tem fogão, tem geladeira, tem máquina de costura, tem caixas e caixas de linha e material pra fazer trabalho que está só trancando o quarto lá na casa da Alda, porque nós não temos a sede pra colocar.
P/1 – Foi pela associação que a senhora teve a ideia do curso de costura? De dar curso de costura pras mulheres aqui?
R – Não, nesse tempo a gente não estava mexendo com isso, eu resolvi criar, dar um curso aí pras meninas, porque tem muita menina aqui sem... Como eu posso falar?
P/1 – Sem orientação? Sem formação?
R – Sem formação nenhuma. Tem muita menina aqui que não tem uma formação de nada e arruma os filhinhos rápido que é uma beleza e, depois, ficam aquelas mãezinhas por aí, sem saber o que fazem da vida. Você pode imaginar não é preciso nem falar que você já imagina como é isso aí, ficam aí essas mãezinhas sem saber o que fazer da vida com aquele filhinho na mão sem saber o que fazem. Então, eu resolvi dar um curso de corte e costura. Eu tive plano de ter uma sala onde eu pudesse recolhê-las e ensinar muita coisa, mas como não tem sede a coisa é difícil, né? A gente deu esse curso, eu dei curso para umas 30 e poucas mulheres e só uma que hoje trabalha, porque o marido comprou as máquinas e ela hoje trabalha... Ela aprendeu a fazer essas pinturas das escolas e tudo, aprendeu tudo e hoje ela tem uma fábrica de camiseta pras escolas, ninguém busca camiseta lá, já encomenda aí. E foi muito bom pra ela, ela era uma mulher que tinha muitos filhos, era muito difícil a vida pra ela, aí ela ganhava bolsa família. Quando ela começou a trabalhar, ela falou com a Alda: “Dona Alda, eu vou entregar a bolsa família pra passar pra um mais necessitado, porque eu já estou ganhando bem e já não estou precisando mais.” A gente achou bonito o gesto dela, né? E ela hoje tem uma fábrica de uniforme muito boa, foi uma de nossas alunas, minha e da Alda.
P/1 – Dona Amélia, agora eu vou só finalizar, eu queria perguntar uma coisa, com essa vida, com bisnetos, a senhora é bisavó, hoje, a senhora ainda tem um sonho por realizar? Tem algo que a senhora fale: “Eu ainda quero fazer isso.”?
R – Não, a realidade que eu quero ainda aqui pra Jaci é essa associação de mulheres e de idosos. E agora, eu já estou muito pacata, agora os sonhos já estão ruindo, mas enquanto for vivo tem manter a esperança, né? Enquanto a gente é viva ainda tem que... Se aparecer uma oportunidade ainda de ajudar alguém, eu estou aí, eu sempre estou falando: “Use-me e abuse-me, porque eu estou aqui pra isso”
P/1 – E pra finalizar Dona Amélia eu queria perguntar como foi se lembrar de toda sua trajetória, de toda sua vida? Como é poder se lembrar dessa história? Como a senhora se sentiu de poder contar?
R – Foi bom me lembrar das coisas tristes e das coisas alegres, foi bom, a gente passa assim sem se lembrar, né? Vai deixando assim, mas quando a gente relembra é bom. Foi ótimo passar um pouco das experiências pra vocês que são novos, procurem fazer um pouco das coisas. O quanto mais certo puder é melhor e nunca se esquecer da mão do pai eterno pra buscar força. Nas horas das dificuldades, vocês dois que são novos nunca esqueçam que nós temos um Pai poderoso no Céu que nos dá força, nos fortalece nas horas difíceis e que vocês vão ter muito daqui pra frente, pode crer. Nós sabemos que esse mundo tem muito e vocês vão ter muitos pedaços difíceis pra passar, até lá eu acho que já estou dormindo, mas vocês nunca se esqueçam de buscar na mão do todo poderoso a força pra aguentar tudo que vai vir aqui.
P/1 – Obrigado Dona Amélia.
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