P1 – Bom dia, Sr. José.
R – Bom dia.
P1 – Obrigado por o senhor estar aqui. Nós podíamos começar com o senhor falando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – José de Maio Pereira da Silva, 01/05/1923, São Paulo.
P1 – Sr. José, a sua família era de São Paulo também?
R – Sim.
P1 – O senhor podia falar um pouquinho sobre os seus pais, o nome deles, o que eles faziam, dos seus avós um pouquinho?
R – Meu pai era comerciante, nascido em Campinas. A data de nascimento não recordo. A minha mãe era do lar. Ele era Francisco Pereira da Silva e minha mãe era Maria Inês Gomes da Silva. Meus avós por parte da minha mãe, maternos, era Rosalina Costa Gomes e José Rufino Gomes.
P1 – E eles eram brasileiros?
R – Minha avó era portuguesa. O meu pai era filho de portugueses mas nascido em Campinas.
P1 – E, Sr. José, quando o senhor nasceu o senhor morava aonde aqui em São Paulo?
R – No bairro da Mooca.
P1 – O senhor morava na Mooca?
R – Pertinho da Antarctica.
P1 – Ah, era perto da Antarctica? E assim, comparando com hoje, mudou muito?
R – Bastante, bastante, bastante. Eu nasci, ainda tinha lampião de gás na rua que eu morava.
P1 – E o senhor morava ali perto da Antarctica, né?
R – Sim.
P1 – E a sua vizinhança, os seus familiares trabalhavam na Antarctica?
R – Não, ninguém, ninguém, ninguém.
P1 – E o senhor estudou aonde?
R – Eu estudei, fiz grupo escolar e depois o ginásio no Nossa Senhora (?) do Carmo até o segundo ano só. Aí tive que sair pra trabalhar.
P1 – E como que foi seu primeiro emprego?
R – Foi na Antarctica.
P1 – Foi na Antarctica?
R – Com 15 anos de idade. Eu entrei em 26 de julho de 1938.
P1 – E o senhor entrou na Antarctica como? O senhor podia contar como o senhor chegou lá?
R – Por um alto funcionário que uma tia minha conheceu e que me colocou.
P1 – E o seu primeiro trabalho na Antarctica, o senhor fazia o que?
R – Era, nós chamávamos de Picão, mas era um Contínuo ou Office-Boy. Minha carteira profissional, que eu ia trazer mas não deu tempo de encontrar, dizia Servente. 20 mil réis por mês.
P1 – E na sua casa tinha outras pessoas que trabalhavam na Antarctica ou só o senhor?
R – Só eu.
P1 – Só o senhor?
R – Só.
P1 – E quando o senhor foi pra Antarctica o senhor já conhecia de ouvir falar dos produtos?
R – Não, não. Era muito moleque, nem pensava em cerveja nem refrigerante.
P1 – E quando o senhor chegou lá, o quê que o senhor achou, sua primeira impressão da Antarctica, da companhia?
R – Ah, me dei muito bem. Comecei trabalhando na Portaria Geral, de atender o público em geral. Fornecedores, tudo era nessa portaria. E ao lado tinha uma gerência. Então, um prédio antigo, três pavimentos com escada de madeira, pé direito alto, então era um bom exercício que eu fazia o dia inteiro subindo e descendo, subindo e descendo, levando papel. Era minha primeira atribuição.
P1 – E quando o senhor chegou lá na Antarctica, que é ali na Presidente Wilson, já tinha todo aquele complexo?
R – Não, não. Era só um prédio no número 274, que era o escritório, e do outro lado a parte industrial, cerveja, do lado par o refrigerante.
P1 – E naquela época que o senhor foi pra lá, como que era transportado os refrigerantes, as cervejas? Era de caminhão já ou ainda...
R – Ainda tinha caminhão sem pneu, aquela roda de borracha dura, e carroças também, puxado a burros.
P1 – E aí a estrada de trem era...
R – Era a Estação Mooca logo ali do lado impar da Avenida Presidente Wilson.
P1 – E nesse período que o senhor entrou como que era formado, quem eram as pessoas da diretoria? O senhor lembra?
R – Quando eu entrei eu não tenho muita lembrança, que eu atendia mais uma gerência, e eram alemães. Na época a maioria era alemães.
P1 – E de Picão o senhor ficou quanto tempo trabalhando?
R – Fiquei uns três meses na portaria, depois fui transferido para a Contabilidade Comercial. O mesmo serviço de Office-Boy, Contínuo, Picão. E ali, eu tinha uma letra mais ou menos muito bonitinha... Primeiro vou contar qual era a minha atividade. Tinha que de manhã, antes das sete e meia que começava o expediente, retirar todos os livros de um cofre e por na mesa de cada correntista, que não era nada mecanizado, era tudo escriturado à mão. E os livros eram pesadinhos, era um bom exercício. E à tarde, recolher e guardar no cofre. Isso era todo dia. E durante o expediente levar papel de um lado pra outro, servir refrigerantes pros empregados. Cada departamento tinha uma geladeira e eles tinham direito a tomar o refrigerante, um guaraná, uma água, o que fosse durante o dia, além do cafezinho, que aí era outra pessoa que servia.
P1 – Essas geladeiras era aquelas geladeiras...
R – Feitas na própria companhia.
P1 – Aquelas perfeitas (?)?
R – Não, era de madeira tudo, punha o gelo por cima, uma tampa. E era construída lá mesmo, confeccionada lá mesmo.
P1 – E, Seu José, era meio segredo esses livros, pra se guardar dentro do cofre?
R – Sim, era importantíssimo. Eram os livros legais.
P1 – E nesse período tinha muita gente trabalhando lá?
R – Tinha, tinha bastante gente. Os correntistas, tinha, quer ver? Eu vou até contar pelos nomes senão eu não lembro. Denísio (?), Lorencia (?), ____ Gamba (?), isso era uma meia dúzia.
P1 – Que eram essas pessoas que o senhor atendia ali?
R – Não, mas tinha muito mais. Depois tinha uma carteira de cobrança, um chefe e um sub-chefe e uns três ou quatro funcionários, que eram os faturistas. Era tudo feito ali na contabilidade comercial.
P1 – E, Sr. José, nesse período as pessoas ligavam pra Antarctica e pediam pra entregar produtos em casa? Tinha isso?
R – Sempre teve.
P1 – E aí o senhor ficou nessa atividade quanto tempo?
R – Bom, aí na contabilidade eu fiquei, como eu disse eu tinha uma letrinha mais ou menos boa e já logo me incumbiram de escriturar um livro que chamava-se Contas Assinadas. Só que pegava a fatura e registrava a fatura nesse livro, a data, o vencimento, o nome e o valor. Depois foram passando, me passaram a Praticante de Escritório. Aí eu fazia, além desse livro fazia selagem de duplicatas, calculava o selo, tinha que selar, inutilizar com um carimbo e passar pra... ia pra cobrança. Esse era o meu trabalho.
P1 – E o senhor trabalhava...
R – Depois aí passei pro serviço de contas correntes. Começou a ser mecanizado; aquelas máquinas holerite (?), um colosso de máquina, e ali eu trabalhei na parte de arquivamento das fichas, controle de saldos da freguesia. Os viajantes chegavam, vinham se entender comigo pra saber quanto que o freguês dele, se tinha crédito, se estava devendo etc. E esse era meu serviço até mais ou menos, a época não lembro bem. Eu fui transferido pra sessão dos advogados onde um chefe que era amigo de meu tio, meus tios trabalhavam no fórum de São Paulo, ele me convidou, vamos dizer, me requisitou pra ir trabalhar lá na sessão dele com os advogados. E ali que eu tomei gosto pelo trabalho. Os advogados iam na parte da manhã, na parte de tarde todos saíam pro fórum, não ficava ninguém. Então à tarde deixavam um contrato pra datilografar, uma minutinha pra fazer igual a uma outra. Eu fui, com isso, aprendendo. E nas horas que não tinha mais o que fazer eu lia, lia os processos, lia tudo aquilo e tomei gosto por aquilo.
P1 – Aí o senhor já tinha quantos anos nessa época?
R – Ah, era pouco. Entrei com 15. Tinha por aí, uns 17 ou 18 anos.
P2 – Novinho...
P1 –Então o senhor gostou dessa parte?
R – Aí adorei. Aí fiquei até... ainda estavam terminando o inventário ainda do casal Zerrenner, os advogados trabalhavam mais nisso ainda. E até que um dia recebi uma incumbência muito reservada, muito daquelas que se diz assim: “Nem você pode saber o que está fazendo. Você vai fazer mas nem você pode saber.” “Ta bom.” “Ninguém pode ver nada.” “Ta bom.” “Está aqui o trabalho.” O quê que eu fiz? Fiquei esperando todo mundo sair, ir embora. O auxiliar, tinha um garoto que me auxiliava, saiu. Eu fiquei olhando o Departamento Contencioso que ficava ao lado, tinha um vidro que dividia as duas salas. E o chefe lá não ia embora, eu tive que esperar, esperar… até que ele se despediu e eu fiquei. Comecei a trabalhar já era tarde, depois das sete horas, e passei a madrugada. Era uma representação ao Governo do Estado sobre um decreto de policiamento da alimentação pública e o trabalho era do Professor Teotônio Monteiro de Barros Filho. Datilografei todo o trabalho. Como era muito reservado, eu peguei todas as cópias, o original, pus num envelope, peguei os carbonos, dobrei todos os carbonos que tinha utilizado, pus também dentro do envelope, fechei, pus no cofre que ficava a meu cargo e fui embora. No dia seguinte cedo o chefe chegou, me chamava de Zezinho: “Zezinho, cadê o trabalho?” Eu fui, abri o cofre e dei pra ele. Ele pegou aquilo assim, saiu. Aí passado uma hora mais ou menos fui chamado na diretoria. Pensei: “O quê que será?” Desci e aí o meu chefe me apresentou ao Dr. Walter Belian, eu nunca o tinha visto, e disse assim: “Doutor, foi este menino que fez o trabalho.” Ele me estendeu a mão: “Meus parabéns e muito obrigado.” “Ta bom.” Saí emocionado. Passado acho que umas três semanas, pouco tempo, fui chamado pra trabalhar na secretaria, era secretaria da diretoria, e ali comecei. Logo recebi a incumbência da correspondência com, estávamos na época da guerra, então tinha a chamada lista negra, logo me incumbiram do arquivo. Tudo, como se diz, trabalho abacaxi. O arquivo, a correspondência mais comum e todos os pedidos de compras vinham na minha mão pra verificar se o fornecedor constava na lista negra. Se comprasse de um fornecedor você entrava na lista negra.
P1 – E esta lista negra queria dizer o que?
R – Era cortada. Era considerado inimigos dos aliados. Então a firma, ninguém mais vendia, ninguém mais comprava, certo? Tanto que as firmas estrangeiras que tinha aqui todas tiveram que quebrar, não tinha jeito.
P1 – E a Antarctica sofreu muito nesse período?
R – Tentaram incluí-la na lista negra mas não conseguiram porque não tinham nada que ver. Os Zerrenner eram naturalizados pela grande naturalização e por, vamos dizer, vontade própria, naturalizados brasileiros.
P2 – Então essa lista negra era uma lista do Governo, das empresas que talvez estivessem comprometidas com ______
R – A lista negra era o seguinte. Era a Inglaterra, os Estados Unidos, a França, tudo que era contra o chamado Eixo. O Eixo era Alemanha, Itália e Japão. Então firma japonesa, firma alemã e firma italiana é lista negra. Não se podia comercializar com eles, nem comprar nem vender nada pra eles. Essa era a lista negra.
P1 – E nessa época a Antarctica vendeu um pouco menos? Teve um problema de venda?
R – Não que eu me lembre porque, veja, faltava transporte mas até se usava o bonde elétrico que, de madrugada, encostava um bonde assim na Rua da Mooca, e as carroças. O que tinha de caminhões levava, punha no bonde. Era um bonde que não tinha assento, era como se fosse uma...
P1 – Como se fosse aqueles carrinhos de puxar, né, só que era _________
R – Não, mas era um colosso, elétrico, e ele transportava então a mercadoria pros bairros. Pra todo lado tinha bonde, levava.
P2 – O bonde prestava esse serviço pra Antarctica?
R – É, prestava serviço. E quando faltou força nós arranjamos uma locomotiva que fazia o vapor que precisava pra indústria. Tudo quebra galho durante a guerra.
P2 – ¬__________.
R – Certo.
P1 – E nesse período teve alguém que era ligado à Antarctica, que estava fora do país e não conseguiu voltar? O senhor lembra alguma coisa?
R – Não.
P1 – Quer dizer, mas foi um período duro esse?
R – Foi, foi, foi um período difícil.
P2 – Tinha algum mestre cervejeiro alemão trabalhando na...
R – Sim.
P2 – Existiu algum problema?
R – Não, não. Eles já eram, sabe, eram alemães de nascimento mas já estavam radicados aqui no, já estavam no Brasil, já naturalizados. Não teve nem um problema com eles. Teve alguns problemas antes com alemães, na época do Getúlio, Conselho de Segurança Nacional, mas tudo foi, vamos dizer assim, foi resolvido favoravelmente à Antarctica.
P1 – E nesse período a Antarctica já tinha crescido um pouco, já estava um pouco maior a companhia ali _________
R – Até... Nesse meu tempo, no começo, não. Não tinha ainda tomado o desenvolvimento que veio bem mais tarde. Era a época, vamos dizer assim, da consolidação. Que a empresa sofreu muito com a briga de inventário sobre o casal Zerrenner. Primeiro morreu o marido, depois morreu a mulher, e os inventários então depois foram processados em conjunto. Então uma briga tremenda porque tinha interesses alemães no meio.
P1 – Ah, o senhor podia contar um pouquinho? Que isso eu não sei como é que funcionou esse...
R – Foi o seguinte. O Comendador faleceu e deixou no testamento dele uma fundação na Alemanha, mas no fim ele pôs uma virgula: “respeitados quaisquer direitos e última vontade da minha então viúva”, que é a Dona Helena. Quando a Dona Helena faleceu e deixou o testamento dela, ela disse uma fundação na Alemanha e uma em São Paulo. Porque o testamenteiro dela, com quem eu vim a trabalhar, que era o Dr. Walter Belian, que fui apresentado eu como o menino que fez o trabalho, eu fiquei trabalhando depois com ele, ele era o testamenteiro. Então ele me contou. Disse que: “Eu falei pra Dona Helena que não era justo o dinheiro ter sido ganho no Brasil e ser criada uma instituição beneficente na Alemanha. O certo seria, se a fortuna foi ganha aqui, então fazer o benefício aqui no Brasil.” E assim foi feito. Então ficou uma fundação aqui e uma lá. A de lá teria que viver com a metade das rendas líquidas da daqui. Só que o inventário não terminava. Tinha muita briga, o inventário não terminava, muitos interesses etc. Então foi feita, em 1939 se eu não me engano, uma composição geral entre todos os interessados no inventário, pra acabar, senão não acabava. Então foi feito um acordo e a fundação lá da Alemanha também entrou neste acordo, os responsáveis, que ela teria que começar as atividades dela dentro de um ano. Era uma obrigação por contrato, era por escritura pública. Mas aconteceu, nesse meio tempo arrebentou a guerra, em 39 exatamente, logo depois. E os alemães que tinham interesse na parte da fortuna, queriam, como se diz, logo receber o que lhes cabia. Ele disse: “Não, vocês têm um compromisso. Enquanto não começar a funcionar não recebe nada.” O Governo Alemão encampou a fundação de lá, passou pro Governo e começou a mover processos contra a fundação brasileira pelo consulado alemão aqui em São Paulo. Isso foi, foi, foi. Depois acabou muitos anos depois. A fundação de lá perdeu por inadimplência. Ela não cumpriu a condição a que se obrigara. Não começou a funcionar, não tinha direito a nada. E depois ainda houve mais processos dessa tal fundação alemã que no fim o nosso Supremo Tribunal Federal liquidou. O direito é da fundação brasileira e acabou. Nada mais.
P1 – Nossa, foi...
R – Essa foi uma briga bastante longa e difícil.
P2 – É, eu não sabia dessa parte.
P1 – Eu também não sabia dessa parte. E aqui quantos...
R – Quem constituiu então a fundação foi o Dr. Walter Belian que era testamenteiro da Dona Helena.
P1 – E quando o senhor começou a trabalhar com ele como é que foi? Como era o Dr. Walter como administrador, como pessoa?
R – Ah, era... Ele não tinha hora. Até o fim da vida ele não tinha hora pra começar nem pra terminar. Então trabalhava-se à noite até o dia seguinte, começava de manhã e esquecia do almoço, e assim...
P1 – E o senhor junto.
R – Tinha que ir. Depois eu fiquei, saiu um chefe da secretaria, que era o chefe, saiu. Não sei porque, houve uma desinteligência lá, ele saiu. Ficou um que era o sub-chefe. Esse sub-chefe disse assim: “Olha José, o Dr. Belian disse pra nós indicarmos o chefe da secretaria.” Eu disse: “Mas como, se você é o sub-chefe, você vai indicar o chefe? Vai arrumar serviço pra uma pessoa te chefiar? Não tem sentido. Isso eu acho, pra mim você tem que assumir.” “Sim, mas eu não sou taquígrafo.” “O chefe também não era, certo? Não era. Tomava nota de tudo, tinha boa memória. Você tem.” Ele falou com o chefe e disse: “Não, concordou. O Dr. Belian concordou, vai ficar eu e você só.” “Ta bom, ótimo.” E assim foi. Depois ele, esse rapaz começou a estudar taquigrafia, foi estudar taquigrafia. Saia e eu ficava. Então, como o Dr. Belian não tinha hora pra sair, se era sete, se era oito, se era nove, não tinha. Eu estava ali, eu era o único que ficava. Precisava eu estava ali, precisava eu estava ali. E quando ele saia ele me dava uma carona no carro dele. Eu morava na Vila Mariana, ele morava na Alameda Santos, então ele ia pela Estrada do Vergueiro. Saia lá da Mooca, me deixava ali na Vila Mariana, no Largo Ana Rosa, e ali eu ia a pé pra minha casa. E assim foi muitos anos seguidos.
P1 – E, Dr. José, mas como que... o senhor sentiu uma diferença na Antarctica? Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho ela antes da fundação e ela depois da fundação. O senhor podia falar desses dois momentos, em relação aos funcionários?
R – Não, o tratamento que a Antarctica tinha pro pessoal era muito humano, sabe, muito humano. Eram todos bem tratados, independente de fundação. Depois com a fundação então melhorou mais ainda.
P1 – E o senhor trabalhou quantos anos com o Dr. Walter?
R – 30 anos.
P1 – 30 anos?
R – Até ele morrer. Que depois eu fui chefe da secretaria. Depois houve uma certa, vamos dizer assim, um desentendimento entre os diretores, a diretoria, que a fundação era majoritária e tinha um grupo minoritário. E ele então disse assim: “Eu quero uma secretaria só pra mim, preciso de uma secretaria só pra mim.” Então a secretaria ele fez Secretaria A que era geral pra todos os diretores e a B que era exclusiva dele. Ele me nomeou chefe da B. Eu fiquei com a Secretaria B sob minha responsabilidade. Depois ele transformou em secretário pessoal dele, depois secretário, depois assistente, depois assessor. Ele pegou a minha mesa, pos dentro da sala dele, ao lado da mesa dele, e aí foi. Foi até 1958, eu fui eleito Diretor.
P1 – E nesse período, assim, vamos no período até o Sr. Walter, que o senhor trabalhou esse tempo todo até com ele. Como era o seu dia-a-dia e como era a Antarctica nesse período? Assim coisas que o senhor lembra, que foram marcantes.
R – Assim, é difícil pegar.
P1 – Que foi assim, foram anos de muito trabalho, né? __________
R – Foram 30 anos com ele até 1975 quando ele faleceu.
P1 – Aí o senhor foi mudando de cargo, a sua responsabilidade foi aumentando, né?
R – Sim porque ele, veja, nessa época ele era o Presidente e ele me fez Superintendente. Então nós éramos a representação legal da companhia. Tinha, o quê que eu posso dizer? Nessa época foi a época mais de lutas, de brigas judiciais.
P1 – Tinha muito problema judicial? ______
R – Teve, teve, teve muita. Mais contra a Antarctica e contra a fundação porque a maioria das ações da Antarctica ficou com a fundação.
P1 – A maioria da _____ ficou com a fundação? Das ações?
R – Exatamente. A fundação era a única e universal herdeira do casal. E havia muitas ambições no meio. Então ela sempre tinha brigas até com denúncias, dessas denúncias, vamos dizer assim, não esse denuncismo de hoje. Era denúncia, na época foi do Governo Getúlio quando foi... Um fato que eu me lembro bem foi logo quando eu entrei na Antarctica. Eu entrei em julho de 38, quando chegou em setembro, 16 de setembro de 1938 eu cheguei pra entrar na companhia e tinha polícia de todo lado, polícia especial do Governador. Na época era governador nomeado, não era eleito, era interventor. E o quê que houve? Ninguém sabia me explicar nada também. Fui na contabilidade onde eu trabalhava, tinha mesas, tudo desarrumado, mesas juntas que serviam de cama. “O que é que houve?” “Sei lá, deve ser uma denúncia aí que a Antarctica tinha bombas.” Só se era bomba de chopp, né? E não deu em nada, é lógico. Era tudo, foram golpes, vamos dizer assim. E isso se repetiu em 64, certo? Em 1964 eu estava na sala do Dr. Belian aqui, eu trabalhava aqui. A irmã dele trabalhava aqui ao lado também, um secretário dele. De repente abre a porta, é um pessoal da aeronáutica com metralhadora. “O quê que é isso?” Puxa, não sei o que. “O senhor da licença de eu telefonar?” Ele falou: “Não, você telefona.” “Dr. Belian, está acontecendo isso assim, assim aqui.” “Não se preocupe que eu já estou à caminho.” Aí ficamos lá esperando, o pessoal todo ali. Ele chegou dando bom dia, sorrindo: “Pois não, pois não.” Um coronel se apresentou: “Eu sou fulano de tal.” “Pois não, o que o senhor quer? O senhor quer ver? O senhor da licença.” Abriu a mesa, pegou uns papéis, pos na pasta dele, chamou um advogado mais um chefe de uma outra sessão, falou: “Tudo que o coronel quiser, pode entregar pra ele, o que ele quiser. Façam um termo, vocês assinam e ele assina e ele leva o que ele quiser. José, vamos embora. Todo mundo, vamos embora.”
P2 – Deixaram lá ______
R – Saímos. Aí, no dia seguinte nos reunimos numa sala com os advogados e foi feita uma representação ao governo que começava assim: “A história se repete. Setembro de 38 houve isso, isso e isso. Agora setembro, 16 de 1964 tatata.” E pronto, deu em nada, acabou em nada. Sempre, como ele dizia, o fio vermelho é a maioria das ações da fundação, que ninguém se conforma que a fundação seja dona de uma empresa.
P1 – Nossa, mas que coisa.
R – E eu não sou dono de nada, pelo contrário, eu tenho todas as responsabilidades mas nem um direito. E é verdade, até hoje nós do Conselho da fundação temos toda a responsabilidade e direito nenhum.
P1 – Nada pra vocês.
R – Não. Exatamente.
P1 – Nossa, mas tudo isso por conta dessas ações que acabaram ficando com a fundação?
R – Sim, já foi, vamos dizer, a fundação não tinha maioria, mas antes da fundação o Comendador Zerrenner adquiriu de um membro da família que era majoritária, a que tinha a maioria, um dos membros vendeu a parte dele pro Comendador. Com essa parte que ele comprou ele ficou majoritário, entendeu?
P2 – Eu tenho uma curiosidade. O senhor participou da carreata até Brasília quando Brasília foi inaugurada?
R – Não, não fui. Nós mandamos uma caravana bem grande de gente, fizemos tudo. A parte de restaurante, tudo foi feito pela Antarctica.
P2– O senhor viajava bastante?
R – Não, pouquíssimo.
P2– Ficava mais no escritório.
R – Mais fechado. 10, 12 horas por dia ali bem trancado.
P2– E dessa época, década de 50, 60, teve algum produto da Antarctica que o senhor se recorde que tenha tido bastante representatividade, que o senhor gostava de tomar, alguma coisa?
R – Não, os produtos são os mesmos até hoje, o guaraná, soda limonada. Teve alguns produtos que foram lançados, depois não vingaram no mercado.
P1 – E esses produtos quando eram lançados, antes de chegar ao mercado, isso era, as pessoas que trabalhavam na Antarctica tinham acesso a ele antes pra saber o que era?
R – Mas isto ficava entre os fabricantes e os diretores responsáveis.
P1 – Só voltando um pouquinho, pegando um pouquinho a pergunta que a Ana fez antes, sobre Brasília, essa carreata. Qual que era essa relação entre o Governo e as empresas nessa época? Que foi uma coisa importantíssima, né?
R – Foi, foi.
P1 – Isso era pedido pras empresas ou as companhias ________
R – Olha, como foi eu não sei, não me lembro como foi isso combinado. Eu sei que nós participamos intensamente da inauguração de Brasília.
P1 – Foram caminhões.
R – Puts, foi uma tropa, vamos dizer, de gente pra lá. Até advogados foram.
P1 – E montaram...
R – Tudo.
P1 – Restaurantes...
R – Tudo, tudo, tudo.
P1 – Isso só na inauguração. Antes da inauguração...
R – Não, não, só no dia da inauguração que foi.
P1 – E o senhor, depois que o senhor começou a trabalhar na Antarctica a sua família só consumia produtos da Antarctica?
R – Ah, só, toda a família.
P1 – E sempre que tinha um lançamento a Antarctica vendia pros funcionários, vendia uma coisa ________
R – Também.
P1 – Mais barato.
R – Não, não, nada. Era o preço que todo mundo pagava, não tinha diferença nenhuma.
P1 – Eu pensei que tivesse uma diferença, que fosse mais em conta.
R – Não, não. A gente tinha facilidade de encomendar. Tinha o barrilzinho de alumínio, aquele de 5 litros, que era só pra determinados fregueses. Tinha facilidade de sempre levar pra casa, comprava e levava pra casa.
P1 – E essa fase, passava por onde o senhor trabalhava essas aquisições que a Antarctica estava fazendo de novas fábricas?
R – Ah, sim. Era um, veja, isso era deliberado na diretoria toda. Isso começou, esse desenvolvimento começou depois de 1962 que nós passamos, o Dr. Belian começou a chamar sete anos de vacas magras, porque uma briga judicial começou em 54 e terminou em 62 no Supremo Tribunal Federal onde a fundação ganhou por sete votos a um.
P1 – O que foi esse período das vacas magras, assim?
R – Foi o seguinte. A fundação deixava todo seu crédito, todos os seus dividendos que ela recebia das ações da Antarctica ela não pegava o dinheiro, ficava com crédito na Antarctica. E ela, à medida da necessidade, sacava desse crédito. E houve um mal entendido entre alguns altos funcionários na época da fundação que eu acho que esqueceram que a fundação não podia dever pra empresa. Então daquele crédito eles sacaram mais do que o crédito que tinha. Quando o Dr. Belian soube disso foi um deus nos acuda. Ele não se conformava com isso. E pra resolver logo a situação primeiro um foi mandado embora, foi uma briga feia. Então ele pegou algumas propriedades que a fundação tinha e deu em pagamento à Antarctica. Pra fazer isso tinha que ter alvará judicial porque é a fundação que é dona do patrimônio, você não pode mexer sem autorização do Ministério Público, que é o que vela pelas fundações. Esse pedido de alvará, havia já uma qualquer coisa por trás e o juiz não dava. O curador dava, o juiz segurava, até que um diretor já falecido fez uma representação contra o Dr. Walter Belian e a fundação dizendo que ele estava dilapidando o patrimônio da fundação etc. Bom, aproveitaram-se disso e o juiz, isso foi quando eu fui eleito Diretor, foi em 1958. A assembléia foi no dia 12 de outubro de 1958. Foi um feriado se não me engano, dia 12 de outubro caiu ou numa quinta ou sexta-feira se não me falha a memória. E a sentença desse juiz foi publicada na segunda-feira com data de 11 de outubro. Percebeu já, que já estava adivinhando tudo antes. 11 de outubro foi publicada na segunda-feira decretando uma intervenção na fundação destituindo todos os dirigentes num processo que era uma sindicância administrativa sem forma nem figura de juízo e segredo de justiça. Então você não podia saber de nada. O processo corria lá. Só que o jornal publicava todo dia: “A fundação é isso, a fundação é aquilo. O patrimônio não sei o que.” Foi mais ou menos um golpe, vamos dizer assim, tentado contra a fundação. E dessa intervenção então tivemos que entrar com Mandato de Segurança contra o ato do juiz, que foi ______. O nosso advogado foi o Professor Vicente Rao que hoje é nome de avenida em São Paulo, Professor Celso Neves, que até está licenciado por motivo de saúde, e é da fundação também, do conselho. Tinha mais um advogado que eu não me lembro agora o nome, mas os dois principais foram o Professor Vicente Rao e o Professor Celso Neves. Quem defendeu oralmente foi o Professor Vicente Rao. Então nós ganhamos um Mandato de Segurança aqui em São Paulo, o Ministério Público recorreu. O Supremo Tribunal ainda era no Rio, não, não sei se já era em Brasília ou se era no Rio. 58, 59 acho que já era Brasília. Não, Brasília foi 61, né? Não, foi antes. Era no Rio, e no Rio nós perdemos o recurso. Então entramos com embargos divergentes, de nulidade, uma coisa assim, e esses embargos foram jogados então. 1960, acho que foi em 60, ganhamos por sete votos contra um e aí normalizou a nossa situação. Aí o Dr. Belian disse: “Bom, agora vamos cuidar um pouco da empresa.” E aí começou então, logo depois, em 62 então começou o desenvolvimento de nova empresa, ____.
P1 – E assim, pelo que o senhor está falando, a Antarctica, o senhor e o Dr. Walter Belian meio que já trabalhavam com as coisas da Antarctica e da Fundação.
R – Sim.
P1 – Não era tão separado, elas caminhavam meio que juntas.
R – Sim, sim, sim, sim, certo.
P1 – E o Dr. Belian era um homem assim de muita visão? Ele tinha um...
R – Sim, sim, ele era um homem muito inteligente. Segundo ele me contou, ele estudou pra Direito, mas quando ele foi se diplomar o pai dele disse: “Não, advogado de jeito nenhum.” Então ele não teve outra que disse (?): “Bom, então eu me formei em Filosofia e Lógica”, que é Direito, né? Não é? Filosofia e Lógica, Direito. E tanto que ele gostava de processos, sabe?
P1 – Era o que ele...
R – Tinha tudo. Ele gostava mesmo, e conhecia bem.
P2 – Sr. José, eu posso fazer uma pergunta? O senhor lembra em que ano que foi adquirida a Companhia Cervejaria de Petrópolis que faz a Bohemia?
R – Não lembro.
P2 – Foi no começo dos anos 60, foi bem no comecinho, né, 61?
R – Deve ser. Eu não tenho, a data exata eu não tenho não. Só me lembro quem tinha, quem parece que nos trouxe o negócio foi o jornalista que era muito amigo nosso, Dr. Carlos Andrade Rezini. Se não me engano ele tinha qualquer ligação com esse pessoal lá da Bohemia e teria sido ele que teria apresentado o negócio. Certeza eu não tenho não.
P1 – A Antarctica, as pessoas que trabalhavam lá que nem o senhor, era normal ficarem anos ou saiam muitas, tinha muita gente dispensada?
R – Não, não. Todo mundo ficava. O pai trazia filho, o outro trazia neto, tudo pra Antarctica. Tanto que quase todos os nossos colegas, o Gracioso foi Office-Boy que nem eu, o Dr. Vitório veio da fundação pra Antarctica também, começou lá mocinho. Quem mais? No momento só estou lembrando do Gracioso que está lá, estamos juntos até hoje, né?
P1 – Seu Joaquim.
R – Sim, também. O Joaquim entrou também como Office-Boy, certo?
P1 – E como era a Dona Erna? Como foi essa passagem quando o Sr. Belian faleceu e ela assumiu?
R – Sim, ela ficou a Presidente, né? E a gente tinha que ajudar bastante porque ela mesmo dizia, ela tinha uma formação humanística, nada de coisas comerciais, nada. E a gente ajudava em todos os sentidos, colaborava bastante com ela.
P1 – Mas ela tinha uma noção, né, ______________?
R – Ah tinha, porque ela participou de tudo junto com o Dr. Belian, das lutas tudo. Acompanhou sempre tudo.
P1 – E não houve assim um certo, não digo embate, mas as pessoas aceitaram bem quando ela assumiu, na época uma mulher na presidência de uma companhia?
R – Não houve ninguém não. Ela já estava convivendo já com a gente há muito tempo, há muitos anos.
P1 – Sr. José de Maio, gostaria que o senhor falasse um pouquinho das atividades, das funções da fundação, contar pra gente como ela funcionava, como até hoje funciona.
R – Certo.
P1 – Assim, qual era o principal foco da fundação? Era a saúde, educação?
R – O próprio Dr. Belian costumava sempre dizer: “Existe um binômio que salva um país, educação e saúde. Feito isso não precisa cuidar de mais nada que o país vai sozinho.” Se não cuidar da educação e da saúde não adianta, tanto que ele na fundação fez primeiro a escola e depois o hospital que está até hoje funcionando. A escola, primeiro a escolinha. Foi uma escola pré-vocacional. Porque ele dizia o seguinte: “O garoto vai pro Grupo Escolar, entra com sete anos, sai com 11 mas só pode trabalhar com 14. Nesses três anos o que fica fazendo na rua? Vai ser engraxate? O que vai ser?” Então ele teve a pré-vocacional que exatamente pegava dos 11 aos 14, certo, pra dar uma profissão. Era uma escola pré-vocacional com Eletricidade, Mecânica, tudo. E assim começou a escola que é hoje lá a Escola Técnica Walter Belian, na Mooca.
P1 – Mas teve uma escola ali no Parque Antarctica, não teve?
R – Sim, essa pré-vocacional começou lá.
P1 – E como que era, eu tenho uma curiosidade porque a gente não tem muito claro, dentro do que nós vimos até hoje, essa questão do Parque Antarctica.
R – Sim.
P1 – Esse terreno era da Antarctica?
R – Todo aquele terreno, do lado direito era o Matarazzo, do lado esquerdo a Antarctica porque eles sempre visavam ter sempre uma linha férrea perto, e ali tinha. E o Parque Antarctica foi assim, era, na época, onde as pessoas iam aos domingos passear no parque, talvez tomar um chopp ou comer. Nem sei o que tinha lá, não lembro. E ao mesmo tempo pegado tem um terreno que foi doado ao Palestra Itália na época, e ficou então que eles tinham que, nessa doação eles obrigaram a fazer sempre propaganda dos produtos da Antarctica no ginásio lá deles. Isso vigorou, acho que ainda deve estar em vigor, foi por escritura pública, uma doação com encargos.
P1 – Mas uma doação pra um time de futebol...
R – Ou doação ou venda, não tenho bem na lembrança. O Gracioso lembrou bem, eu acho. Ele falou sobre isso, o Parque Antarctica.
P1 – Não, ele vem...
R – Ah, ele vem hoje?
P1 – Vem hoje.
R – Vem hoje. Eu estou confundindo porque vi o trabalho dele.
P1 – Porque o que era o Parque Antarctica, ele pegava aqui da Sumaré até a Francisco Matarazzo? Era tudo isso?
R – Tudo, desde ali onde era Assis (?), aquilo foi vendido pela Antarctica, o terreno todo. Ficou só uma quadra, que nós reservamos a quadra Nove, uma quadra bem grande onde tinha toda a arborização do parque, a mais bonita, reservada porque o Dr. Belian tinha ali a idéia de fazer um restaurante com espaço pras crianças ficarem brincando etc. Uma, vamos dizer, como se fosse um Ibirapuera hoje. Mas aquela quadra, aquilo começou em volta a surgirem prédios de apartamentos e eu acho que não tinha lugar pros moradores onde passear, e tinha sempre acho que interesses desse tipo. A prefeitura desapropriou essa quadra do Parque Antarctica, quadra Nove. Hoje deve ser, nem sei onde é que está situado. Hoje não lembro bem, sei que era uma área muito bonita. A prefeitura desapropriou, indenizou tudo. Até as árvores foi calculado o quanto valia uma árvore centenária, e ela pagou tudo direitinho.
P1 – Depois que o Palmeiras construiu toda a parte dele, teve uma parte que ficou meio depósito da Antarctica.
R – Sim, tinha um depósito, Água Branca a gente chamava, que é Avenida Água Branca. E o Palmeiras precisou de mais um pedaço pra por uma luminária, pra iluminar¬¬ o campo, que estava faltando. Então nós deixamos, e no fim vendemos pra eles o outro pedacinho do depósito, que eles estavam precisando.
P1 – É, nós começamos esse assunto por causa da escola vocacional.
R – Certo.
P1 – Que começou ali. Aí depois foi pro Cambuci.
R – Foi, foi tudo pro Cambuci, certo.
P1 – E aí a grande maioria que estudava ali era de filhos de funcionários da Antarctica.
R – Perfeito. A preferência, né?
P1 – Não exclusividade mas preferência.
R – Não exclusividade. A preferência eles tinham, sempre. Se tivesse uma vaga, era nossa.
P2 – Sr. José, o senhor chegou a freqüentar o Teatro Cassino Antarctica?
R – Muito.
P2 – Como era?
R – Era uma jóia. Muito grande, ali na Avenida, como é que chama hoje aquela avenida? É Anhangabaú mesmo? Era um depósito de bebidas no fundo, então era um espaço bem grande até você chegar a entrar no teatro, um salão de espera muito grande. Tanto é que o Palmeiras dava os bailes de carnaval lá dentro do Teatro Cassino Antarctica. E eu não perdia nem um espetáculo. Lá nós tínhamos uma, chamava camarote e frisa (?), então os melhores lugares. Todo espetáculo que vinha, que tinha Oscarito, Beatriz Costa, às vezes vinha artistas da Argentina, grupos da Argentina, teatro. Muito interessante.
P1 – E o Cassino, o quê que tinha? Tinha essa parte cultural de apresentações e bailes. Era um cassino mesmo de...
R – Não, não, nada de jogo. Era teatro, só teatro.
P1 – Só teatro?
R – Só teatro.
P1 – E tinha restaurante, não? Só o teatro?
R – Restaurante não, tinha bar. Bar tinha, mas restaurante não.
P1 – E era da Antarctica?
R – Da Antarctica.
P1 – Assim, e como que a Antarctica, o que levou a Antarctica a ter um cassino _______?
R – Já encontrei pronto. Agora, tem um prédio que é pegado com o ex-cassino, pegado tem um edifício, não sei se o nome dele ainda é, Edifício Pingüim. Foi a Antarctica que construiu aquilo e depois vendeu, se não me engano foi pra Votorantin. Me parece que foi a Votorantin que comprou. É pegado à área que era do teatro.
P1 – Porque a Votorantin tem um prédio.
R – É bem alto.
P1 – Que é no Viaduto do Chá, que pega a descida do Anhangabaú. O escritório fica ali. Pode ser pegado. E quando foi que terminou o Cassino assim, que fecharam?
R – Veja, não me lembro a data, mas houve uma, o Prestes Maia precisou de um pedaço e abriu uma rua. Se não me engano é aquela ruazinha, Escala (?), Rua Escala Jorge (?) que pegou uma parte assim do terreno do teatro, e aí foi que acabou. Ficou só o depósito de bebidas, o teatro foi embora.
P1 – E esse teatro era muito freqüentado?
R – Sim, todas essas companhias de revistas, que o teatro de revista era sempre. Lá que eu vi Beatriz Costa, Oscarito, Vicente Celestino e o irmão Pedro Celestino com a peça da Viúva Alegre. Muito interessante.
P2 – E tinha espetáculos quase todo dia ou era só de fim de semana, sexta e sábado?
R – Não, era sempre. Quando era temporada era todo dia. Uma matinê, primeira e segunda sessão.
(Pausa)
R – Manual, né? Pegava a tabuleta e punha assim.
P1 – O senhor não mudava o número, né?
R – ____ Pereira Barreto, os burrinhos da Antarctica tiravam férias.
P1 – Ah, é verdade. O senhor podia contar um pouquinho disso?
R – É, tinha férias, tinha um sítio onde eles tiravam férias. Lá dentro tinha areia, tinha um galpão com areia, que eles vinham da rua e iam se refestelar lá na areia e etc.
P1 – E as férias dos burrinhos eram férias de...
R – Não, não, férias pra valer mesmo.
P1 – Pra valer?
R – É, exatamente.
P1 – 15 dias, 30 dias?
R – Exatamente. Os arreios eram todos com estrela da Antarctica, de metal cravado, tudo. Isso ainda tem. O desenvolvimento da cevada nacional. Todo ano nós distribuímos livros na festa de Natal. Como ele falava sempre pra contribuir pra educação e saúde, todo ano nós educávamos ou comprávamos uma edição de livros e distribuía pros amigos e clientes da Antarctica. E ele ficou Presidente de Honra do São Paulo Futebol Clube, ficou o Dr. Walter Belian.
P1 – Eu posso fazer uma coisa assim, eu pego.
R – Bom, tenho que tirar isso aqui, né?
P1 – E aí eu lembro o senhor _______, pode ser?
R – Pode.
P1 – Aí a gente fala do livro dos 75, dos 100 anos.
R – Isso aqui veio demais.
P1 – Sr. José, eu queria que o senhor falasse um pouquinho dessa coisa da Rainha do Rádio, desses programas que a Antarctica patrocinava.
R – Bom, tinha muita relação com os Diários Associados do Chateaubriand (?). Ele tinha a televisão e o rádio, então os lançamentos sempre eram feitos pelas emissoras associadas e a Antarctica patrocinava a artista e aí fazia esses concursos e o patrocínio fazia a Rainha.
P1 – E era uma época que o rádio estava muito em alta.
R – Certo, certo.
P1 – E o senhor estava falando, no nosso intervalo, na nossa conversa, da Antarctica que construiu um prédio ali no Centro.
R – Na Praça do Correio.
P1 – Como que foi essa história?
R – Era o prédio, esse prédio foi construído, eu acho, não pela Antarctica mas pela firma que era Zerrenner Bülow , que eram os associados, né, que eram os maiores acionistas da Antarctica, a família Bülow e a Zerrenner. E essa firma, deve ter sido eles que construíram esse prédio que ficou com a Antarctica praticamente. Esse prédio foi vendido pela Antarctica ao Governo Federal que pagou com selos do Imposto de Consumo. Uma cerveja antigamente era toda selada, cada garrafa era selada. Então o pagamento foi feito em selos. Maravilhoso o prédio. Devo ter fotografia, mas não sei aonde. Comigo eu não tenho. Não sei se conservaram ainda alguma coisa lá dos arquivos, deve ter fotografia também do Teatro Cassino Antarctica, alguma coisa.
P1 – E Sr. José de Maio, como foi os 75 anos da Antarctica?
R – Foi editado um livro, memorial, Antarctica ontem, hoje e sempre. E teve no Rio de Janeiro, não. Em São Paulo parece que nós tivemos uns três consertos com a orquestra, como é que chama a orquestra oficial do Estado de São Paulo, do Teatro Municipal regida pelo Maestro Armando Belardi (?) Não me lembro quantos espetáculos foram, foram algumas récitas. E depois teve uma comemoração também no Rio de Janeiro e só. Foi isso. Foi bonito, foi organizado um grande coral por um padre. Padre Talarico aqui de São Paulo, trouxe um coral grande mesmo. E foi feito, tinha um hino dessa época que foi escrito pelo poeta Correia Júnior que trabalhava conosco, era aposentado da Gazeta, e pelo Herdé Cordovil. Eles fizeram a letra desse hino que marcou os 75 anos da Antarctica.
P1 – E falando nas comemorações, como foi a comemoração dos 100 anos?
R – Nenhuma.
P1 – Nenhuma?
R – Nenhuma. Foi uma complicação porque nós fizemos, na imprensa em geral, só. E também era o que eu devia trazer porque isso é bom pra memória, vamos dizer assim. Mas vocês são mais de depoimentos, não de... de documentos também?
P1 – _____________________________________
R – Então eu prometo mandar pra vocês.
P1 – E como foi, qual passagem do Dr. Pereira Barreto?
R – Esse Pereira Barreto eu preciso encontrar o material que eu li. Não sei quem mandou um calhamaço assim de xerox de biografias e era do Pereira Barreto. E esse colecionador, vamos dizer assim, dentro de uma academia de uma cidade do interior de São Paulo, conhecia muito bem a história do Pereira Barreto. E ele contou que, primeiro, o Pereira Barreto foi o homem que primeiro divulgou as qualidades da fruta guaraná, certo? Ele que foi o primeiro estudioso do que o guaraná tinha de propriedades estimulantes, etc. E depois diz, quanto a ele Pereira Barreto, que a Antarctica era uma firma de produtos alimentícios, frigorificado, e a indústria, a lavoura do café levou todo mundo pro café e ela não tinha o material, vamos dizer assim, do que ela cuidava pra frigorificar e vender. Então diz que um teria dito pro Pereira Barreto, um dos proprietários, acho que aí é da família Sales, que foi a fundadora em 1885. 83 ou 85 heim?
P2 – Acho que talvez em 83 já tivesse a intenção mas o documento saiu em 85.
R – Bom, eu me perdi agora.
P1 – O senhor estava falando da família Sales.
R – É. Então diz que em uma semana, não. Ele ia fechar a Antarctica porque não tinha mais o material pra funcionar, e o Pereira Barreto disse: “Me da uma semana.”, teria ele dito para os presidentes da Antarctica de então, “Me da uma semana, não fechem.” Ele foi, diz que depois de uma semana voltou e disse: “Não, vocês têm tudo aqui. Vocês não sabem da pasteurização? Isso mais isso mais isso, está tudo aí. Vocês têm a refrigeração, têm caldeira, têm isso. Pode fabricar cerveja.” E aí teria nascido a idéia da cerveja. Eu preciso encontrar o documento pra ver bem o que ele disse, aí mando pra vocês.
P2 – Isso foi no final do Século XIX, comecinho do XX. Faz tempo isso, né?
R – Puxa.
P2 – É na época que a Antarctica fabricava embutido, essas coisas, gelo.
R – Era, não sei _____
P2 – Faz tempo mesmo.
R – É, porque a Antarctica é 91. 91 legalmente porque, com a proclamação da República teve que dar autorização pra funcionar a Sociedade Anônima. ____ tem duas datas, tem essa legal e a real que é 85.
P1 – Falando em legal, o senhor estava falando dos burrinhos. Isso foi uma exigência do Governo, era, ou foi a Antarctica?
R – Não, era coisa do Dr. Walter Belian. Ele amava os bichinhos, sabe? Tinha cachorros, os burrinhos. Se está passando no jardim pra ir pro restaurante e via uma minhoca no caminho ele pegava um palito, um graveto, tirava do caminho e punha na grama. É, tinha todo esse cuidado.
P1 – E como que as pessoas viam isso? Porque é um lado extremamente humano mas é engraçado dar férias pros burrinhos.
R – Certo, mas era. E ele acompanhava bem o tratamento desses burrinhos. Porque a gente, a Antarctica comprava, vamos dizer assim, lotes de animais que ainda eram chucros. Quando eu entrei na Antarctica, logo que eu comecei, eles atrelavam dois, quatro, seis. Chamava assim três parelhas. E tinha um homem em cima, era um forte com aquelas rédeas segurando, e o portão fechado, ele dizia: “Pode abrir.” Quando abria o portão o bicho saia de uma disparada, puuuuuuuuuuuuuuuuuuu, ia pra Avenida ______ pra baixo. Daí mais ou menos uma hora voltava com os burrinhos tudo toc, toc, toc, toc, tudo calminho, espumando. Aí já ia pro banho, praticamente já estavam domesticados. E os serviços dos inspetores de vendas eram feitos em charretes. Cada um deles tinha uma charrete com o burrinho e eles corriam a freguesia com essa charrete e o burrinho. Não tinha automóvel.
(Pausa)
P2 – Nós temos lá um artigo, saiu numa revista.
R – Certo.
P2 – Eu não lembro qual, _____
R – Dr. Gioso (?), o veterinário.
P2 – _________________________
R – Perfeito.
P1 – E Dr. José, quando que, o senhor falou alguma coisa acima sobre a cevada nacional.
R – Sim, desde a década parece de 20 ou 30 começou o desenvolvimento da cevada no país e continua até hoje. A AmBev ainda continua no mesmo sistema de plantar e de garantir a compra da cevada.
P1 – Mas vinha muita coisa importada, né?
R – Sempre tem. A daqui não é suficiente, não só em quantidade como em qualidade também. Precisa, como se diz, fazer um brinde (brandy) (?).
P1 – Antes de nós passarmos pra sua fase de fundação, do seu trabalho, o senhor comentou que a Antarctica doou um órgão para a Catedral da Sé.
R – Certo.
P1 – Como que foi esse... o senhor lembra a época?
R – Não lembro a data, precisaria procurar a data, mas foi um órgão doado pra Catedral de São Paulo, foi um órgão importado da Alemanha. Foi uma coisa muito bonita.
P2 – Será que não foi na época do IV Centenário da Cidade de São Paulo?
R – Não, não foi não. No Quarto Centenário a companhia montou um stand lá no Parque Ibirapuera com trenzinho elétrico, uma coisa bem feita, e o prédio ficou lá. Depois que acabou os festejos do Quarto Centenário o prédio ficou de propriedade da Prefeitura. Não sei se ainda está lá ou se já foi demolido.
P1 – O prédio era da Antarctica?
R – Ela construiu no Ibirapuera pra fazer a sua exposição.
P2 – Deixa eu só voltar um pouquinho. Com relação à questão da cevada, o senhor lembra aonde que ficava essa...
R – A plantação?
P2 – É.
R – No Paraná.
P2 – No Paraná?
R – Paraná. Tínhamos um depósito em União da Vitória e depois passou pra uma outra região melhor de clima, e era um terreno bem grande onde tinha a parte experimental, fazia a seleção.
P2 – E eram de propriedade da própria Antarctica?
R – Sim. Certo? Agora, os plantadores não. Os fazendeiros eram contratados. A gente contratava a compra da plantação deles. Acho que até hoje funciona assim. É um incentivo também.
P1 – E Dr. José, quando que o senhor foi pra fundação?
R – Pra lembrar da data agora eu não lembro.
P1 – O senhor lembra o ano?
R – Bom, eu trabalhei na fundação desde que fui pra área dos advogados.
P2 – Um trabalho conjunto da Antarctica?
R – Tinha advogados que cuidavam de uma coisa e de outra.
P1 – Então quer dizer que foi na década de 70.
R – 60 ou 70?
P1 – Aqui está que foi em 73.
R – Consta que foi a minha eleição?
P1 – Isso. E aí o senhor foi, e como que foi o seu trabalho lá na fundação?
R – A parte administrativa, eu fui provedor. Toda a responsabilidade era com o provedor, que é uma espécie de, superintende todos os serviços administrativos da fundação.
P1 – E assim, houve uma passagem assim, o senhor saiu da Antarctica e foi pra fundação?
R – Não, não.
P1 – Foi concomitante, o senhor foi trabalhando nas duas?
R – Certo. Eu só deixei de trabalhar na secretaria numa ocasião em que o Dr. Belian, que protegia muito os animais, e a senhora dele viu na Avenida Quarto Centenário que tinha um Hospital Zoófilo da União Nacional Protetora dos Animais, UIPA (?), e viu os cachorrinhos lá sem alimentos, tudo sujo, não sei o que, e falou pra ele. O Dr. Belian ficou muito comovido e achou que devia acabar com aquilo lá, por em ordem. E nós tínhamos um diretor, um colega nosso, Dr. Teophilo Pupo Nogueira Filho que era veterinário também. Era advogado, veterinário e tinha sido Capitão da PM. Então combinamos. Ele era amigo do Presidente da UIPA (?), combinou com eles, disse: “Olha, vamos fazer o seguinte. A Antarctica vai ajudar vocês a por esse negócio em ordem, tudo bem?” “Ah, tudo bem.” Então foi feita uma eleição, nomeado um presidente. Parece que foi esse próprio colega que ficou presidente na ocasião. E aí a Antarctica entrou, praticamente tomou conta do Hospital Zoófilo e eu fui destacado. Estava na secretaria, o Dr. Belian arranjou uma secretária que a irmã dele apresentou e disse: “O senhor vai cuidar da protetora dos animais.” Então eu fui. Foi bom. E levei um outro garoto comigo, pra me ajudar, e começamos trabalhando com o Dr. Gioso (?) e mais o Dr. Aldrigue (?), eram dois veterinários. E começamos então a por ordem na casa, então identificar os animais, descrever como era ______ etc. Quando não tinha raça ele punha: “Põe aí, Dogstreet.” E fizemos identificação de todos eles, direitinho, organizamos uma farmácia. Eu escrevi cartas pros laboratórios pedindo pra mandar. Mandaram tudo. É o mesmo remédio pra gente é o mesmo remédio pro animal, né? Antibióticos, tudo, vermífugos. E tinha muita sarna, então foi preciso desinfetar todos os canis. Tinha que desinfetar tudo porque era muita pulga. Foi um trabalho completo, foi tudo refeito, tudo remodelado. Ficou uma jóia. Até teve um cachorro que ficou famoso aqui na Força Pública, na PM, não sei se vocês lembram disso. Foi uma coisa, não é muito velha. Era um cão policial muito forte e estava lá na Antarctica esse cão com outros. Entrava um cachorro lá na Antarctica, ficava. Então arrumaram um canto, no fundo, onde eles eram alimentados, ficavam por lá. Não podia maltratar. E esse nosso diretor que era veterinário também olhava pra isso. E um dia ele foi lá visitar o cachorro e parece que ele se distraiu, o cachorro deu um pulo no braço dele. Não pegou o braço mas pegou o terno todo, e foi embora. Então ele disse: “Esse cachorro não pode ficar aqui.” Então foi doado, se não me engano foi pra Força, e depois esse cachorro ficou famoso. Houve um problema policial qualquer que esse cachorro participou e descobriu etc. Mas isso aí saiu de lá, uma parte da história.
P1 – E, Sr. José de Maio, vindo mais recente, como foi pro senhor quando o senhor soube da fusão? Assim, uma pessoa que sempre foi Antarctica e teve a Brahma como uma rival.
R – Certo.
P1 – Como que foi isso?
R – Como eu senti?
P1 – É, como que o senhor sentiu?
R – Eu achei a idéia ótima porque nós estávamos recém saídos do entendimento com a Anheuser-Busch, entende?
P1 – Então o senhor acha que não foi assim uma coisa: “Ah, estou...” O senhor não teve o sentimento de traição?
R – Não, não.
P1 – O senhor foi...
R – Não, não.
P1 – E como que ficou a fundação com essa fusão? Não mudou nada?
R – Não, não. A fundação ficou, como se diz, acionista controladora da AmBev.
P1 – E a fundação, que a Brahma tinha uma fundação.
R – Aí foi incorporada pela nossa fundação. Nós incorporamos a Fundação Brahma.
P1 – Quer dizer, então ficou existindo uma fundação?
R – Uma só. Isso foi tudo aprovado pelo Ministério Público, que é o órgão que vela pelas fundações.
P1 – E a Brahma tinha um trabalho, atuava muito, tinha muitos bens ou não? Como que foi essa integração?
R – Bom, a Fundação Brahma tinha ações da Brahma que vieram e passaram também pra nós, pra fundação, nessa incorporação.
P2 – Nessa época o senhor estava com que cargo?
R – Bom, eu estava no Conselho de Administração da Antarctica, exatamente. Como tinha sido criado o cargo de Diretor Geral, que era do Dr. Vitório, nós outros era praticamente o Conselho, sabe? Só a gente deliberava em reunião ou... Reunião se podia fazer a qualquer momento, qualquer hora. Estávamos todos trabalhando juntos, então era fácil. Não tinha problema na administração não.
P2 – E hoje qual é o cargo que o senhor ocupa, atualmente?
R – Atualmente eu estou no Conselho Consultivo da AmBev. Eu comecei no Conselho de Administração, depois eles precisaram de uma vaga pra essas aquisições. Precisou de um cargo lá, me perguntou se eu concordava. “Perfeitamente, não tem nada.”
P1 – E, Sr. José de Maio, nesses anos todos, nessa vida do senhor com a Antarctica, com a fundação, o senhor consegue apontar um, ou mais de um, momento que foi marcante, que quando o senhor faz uma retrospectiva o senhor fala: “Nossa, isso foi muito marcante”?
R – Posso dizer que foi marcante aquele fato de quando eu fui apresentado. Ficou na minha memória, eu não esqueço nunca. Se não me engano foi 44. Depois o 12 de outubro de 1958, quando eu fui eleito Diretor, também marcou bem. Depois tem tanta coisa que aconteceu que é difícil de lembrar.
P1 – Como o senhor vê essa iniciativa da AmBev em estar resgatando a sua história, construindo esse acervo?
R – Ah, maravilhoso. Eu acho que isto tem um valor inestimável, muito, muito.
P1 – E o senhor, como que o senhor se sente dando um depoimento, lembrando de coisas importantes?
R – Muito bem, só lamentando não poder lembrar mais. Se me desse mais um pouquinho de tempo, eu ia falar muito mais.
P1 – E, Sr. José de Maio, nós estamos chegando ao fim.
R – Sim.
P1 – Eu queria perguntar pro senhor se o senhor gostaria de falar alguma coisa que nós não abordamos.
R – Só se você me der pra dar uma olhadinha naquelas minhas anotações aí. Bom, no Quarto Centenário que você mencionou nós editamos um livro, fizemos um livro, Nasce uma Metrópole, um álbum muito bonito. Fez grande sucesso. Eu precisaria, não sei se já tem. No acervo já tem? Não. E tem esse dos 75, vocês também já têm.
P1 – Que é um livrão grande, vermelho, com umas fotos?
R – Não.
P1 – Ah, não. Esse é o Antarctica, Ontem, Hoje e Sempre.
R – É esse aí. Não tem? Tem. ____ Catedral, publicação dos 100 anos. Falei que quando eu nasci ainda tinha lampião a gás. Rainha do rádio falamos. Ah, relógios antigos. Eu e meu assistente, Osvaldo Roversi (?), ele já está aposentado também. O rapaz começou comigo menininho ainda, de calça curta. Trabalhou comigo 50 anos. E então nós recuperamos alguns relógios antigos que tinha na companhia e estão no acervo. Está com vocês o acervo, não?
P2 – Deve estar. Eu me lembro de ter visto alguma coisa. ____________________
R – A Antarctica, o Dr. Walter Belian era pianista e ele, na Primeira Grande Guerra ele foi ferido. Uma granada pegou a mão ________. Então ele não pôde mais ter aquela habilidade. E regente também. Ele então adorava música. Antes nós, uma vez nós patrocinamos o Julio Beck (?), sempre tinha um cantor, né? Esse ______ faz parte da história da Antarctica, os patrocínios de Julio Beck (?), o Gica (?), Afonso Atistirado (?), grandes nomes da música, Cayme aqui no Brasil. E nós oferecemos cinco óperas com a Liga Internacional no Teatro Municipal a cinco mil réis, sei lá qual era o valor da época, a entrada. Lotou até o teto. Então ele dizia que precisava, o povo precisava ouvir pra poder apreciar. Se você não tem o meio de ouvir, como é que vai gostar ou não gostar, certo? Sei que o balcão lotava todinho, todinho. Foram cinco óperas maravilhosas com a, a soprano era Renata Tebaldi (?). Aí você vê a importância da companhia lírica estava aí. Depois foi um grande momento que eu admirei muito da Antarctica. E todos os ensaios da orquestra, quando foi os 75 anos, todos os ensaios nós íamos assistir durante a semana. O Dr. Belian fazia questão de ir lá assistir os ensaios. Eu falei dos livros, que nós distribuíamos livro todo ano. Estado e Antarctica eu falei, cevada, memorial. Ah, olha, quer ver uma coisa histórica? Um dos maiores jogadores de futebol do Brasil, Artur Frederrache (?) foi funcionário da Antarctica. Terminou sua vida como funcionário da Antarctica. Era Inspetor de Vendas.
P1 – Sr. José de Maio, a Antarctica teve alguma relação com o Estádio do Pacaembu, na construção?
R – Sim. Na construção não. Ela teve participação na construção do Estádio de São Paulo, no Morumbi. A Antarctica deu uma boa contribuição para a construção do estádio e depois ficou com exclusividade na venda de cervejas e refrigerantes e tudo lá. Na inauguração do Pacaembu, foi em 42, a Antarctica participou em um desfile de um grupo de jogadores de futebol, inclusive eu estou no meio. Tem uma fotografia naquela sala lá, foi na inauguração do Pacaembu.
P1 – Os jogadores já eram um time da Antarctica?
R – É, tinha o time da Antarctica e tinha também, internamente, como a gente tinha o campo de futebol à disposição, a gente fazia jogos entre os departamentos, sessões. Escritório contra a produção, a gente fazia umas brincadeiras lá.
P2 – O senhor gostava bastante?
R – Eu sim, adorava. Eles me levaram, logo depois eu fui. Era no começo, 16, 17 anos. Nós disputávamos um campeonato que chamava-se ACEA, Associação Comercial de Esportes Atléticos. Então participava o Laboratório Paulista de Biologia, grandes empresas, e a Antarctica também participava desse clube. Eu ficava sempre no segundo. No primeiro time nunca ia. O Presidente de Honra de São Paulo eu já falei. Tinha uma fotografia quando o zepelim passou em São Paulo, passou. Tem uma fotografia assim dele passando e o prédio da Antarctica embaixo. Aquele prédio branco grande escrito Antarctica. Tenho uma lembrança dessa. Na revolução de 32 tinha uma metralhadora lá em cima na Antarctica, no ponto mais alto.
P1 – Tinha uma metralhadora?
R – Uma metralhadora. Isso eu era moleque, morava perto.
P1 – Então dava pra...
R – Então a gente via aquilo lá em cima, e quando vinha aquele avião das forças contrárias a São Paulo, ela disparava lá os tec, tec, tec, tec. A metralhadora funcionava.
P2 – O que o senhor tinha mencionado, desculpa, era sobre o Presidente de Honra do São Paulo? O quê que foi?
R – Foi, como a Antarctica deixou o campo, cedeu o campo de futebol para o São Paulo, eu acho que eles em gratidão fizeram o Presidente de Honra do São Paulo o Dr. Walter Belian. Eu acho que é o único que tem. Um ex-companheiro de trabalho da Antarctica, Ataíde Julio Guerreiro, hoje distribuidor da AmBev, ele que é sócio do São Paulo e, como se diz assim, ardoroso torcedor, ele que me deu essa indicação, inclusive a publicação no Diário Oficial, tudo que saiu sobre esse fato. O Ano Santo também a Antarctica participou com fotografias do Jean Manzon que eu conheci também, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente. E nós lançamos um livro logo depois chamado Cristo na Arte e na Literatura, um livro muito bonito. Fez sucesso em São Paulo.
P2 – ____________________________________________________
P2 - Sr. José, quando foi o Ano Santo _____________________?
R – Eu não me lembro quando foi, eu sei que foi o Ano Santo. No Congresso Eucarístico de 40 nós participamos também muito, ajudamos muito com madeira pra montar aquilo lá na Praça da Bandeira lá em São Paulo.
P2 – O Dr. Walter era religioso?
R – Ele era, ele dizia que não era espírita, era espiritualista. Tanto que ele trouxe na Antarctica, os dois cardeais vieram almoçar na Antarctica, o do Rio Don Jaime e o de São Paulo Cardeal Mota, Carlos Carneli (?) de Vasconcelos Mota e mais o arcebispo do Rio. Vieram os três.
P2 – E teve a época que o Santos Dumont também visitou as instalações da Antarctica?
R – De Santos Dumont eu não estou lembrado não. Da história da Antarctica, anterior a mim, tinha de um grande pugilista que foi Primo Carnera (?), um italiano. Esse visitou a Antarctica. Quem mais? A Antarctica tinha _______________ Conselho Fiscal do mais alto nível de pessoas de São Paulo. Por exemplo, quando eu comecei na secretaria o Presidente do Conselho era o Conde Silvio Penteado. Me lembro bem dele, que tinha escritório na Rua São Bento e eu ia levar os livros da ata do Conselho pra ele assinar. E assim eu fiquei conhecendo o Conde Silvio, o Horácio de Mello, (Argemiro)Valdomiro Couto (?) de Barros, Íris Miguel Rotundo, todos grandes nomes da cidade, contabilistas. Professor Antônio Carlos Cardoso da Escola Politécnica, Comendador Armando de Almeida Alcântara, grandes nomes sempre no Conselho Fiscal da Antarctica e no Conselho Consultivo da fundação também. Já descobri mais algumas, né?
P2 – É. O senhor tem uma memória ótima.
R – Do centenário eu já falei. Dos arreios dos animais já sabem também, né?
P1 – O senhor falou que eles todos usavam uma estrela, não é?
R – Sempre, tudo com marca da, os arreios eram todos fabricados pra Antarctica mesmo.
P1 – Não era fabricado na Antarctica, era fabricado...
R – Nós tínhamos um celeiro lá dentro, cuidava disso. Ano Santo. Ah, Trianon. Ali na Avenida Paulista onde hoje é o Masp, o Museu, eu achei que aquilo foi muito bonito mas estragou com a, vamos dizer, ali era um belvedere (?). Você do Trianon você via a cidade inteirinha e tinha um bar de um lado e uma sorveteria do outro. Em baixo era um salão de baile, muito bom aliás. Eu cheguei a freqüentar, não pra dançar mas pra ouvir a música que eu gostava. E acabaram com aquela beleza que tinha, fizeram aquele predião lá, e hoje o quê que é? Lá embaixo tem uma feira de antiguidades.
P1 – Tinha algum, essa sorveteria que o senhor falou era da Antarctica?
R – Sim, o bar era da Antarctica. Tinha também no Teatro Municipal. O bar do Teatro Municipal era explorado por um vendedor da Antarctica. No nosso acervo histórico nós temos parecer do Rui Barbosa, de próprio punho, temos do Gilberto Freyre quando foi dos 75 também. Aqueles grandes espetáculos de promoção internacional, a orquestra do Xavier Cugar (?) foi patrocinada pela Antarctica no Brasil e tocou a estréia no Teatro Municipal, depois foi acho que pro Odeon (?) ali na Rua Consolação.
P1 – A Antarctica sempre esteve muito ligada à cultura, né?
R – Sim, sempre. Eu acho que é... Pode ter muita coisa mas não da agora pra lembrar, viu?
P1 – Sr. José de Maio, o senhor gostaria assim de deixar uma mensagem, um recado, alguma coisa pra AmBev?
R – Continuar nesse grande progresso. É isso aí, não parar não.
P1 – E com relação ao acervo, o senhor queria falar alguma coisa pra AmBev?
R – Do acervo?
P1 – É, desse ___________
R – Eu acho maravilhoso. Falei já, sensacional. Essa memória eu acho que tem um valor inestimável, tanto o depoimento como a parte do acervo histórico. Acho muito importante conservar.
P1 – Sr. José, nós estamos terminando. O senhor quer falar alguma coisa?
R – Não, só agradecer a vocês.
P1 – Quem agradece somos nós por o senhor ter vindo e ter ficado com a gente.
R – Ok.
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