Depoimento de Gertrude Maria Hemerberger - Irmã Brunildes
Entrevistada por Karen Worcman
Entrevista_HV 115_Irmã Brunildes
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Vanuza Ramos
Revisado por Débora Moysés Aoni
P/1 - Vou bater a claquete depois, tá? Bom, eu ia começar perguntando pela coisa mais simples: o seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Olhe, meu nome secular é Gertrude Maria Hemerberger
P/1 – E a senhora nasceu onde?
R – Eu nasci em Unterfranken, Würtzburg, é Franconia.
P/1 – E quando foi?
R – Mil novecentos e quarenta.
P/1 – Então a senhora nasceu no meio da Guerra?
R – Sim, no meio... no início, né? Trinta e nove começou.
P/1 – A senhora lembra de alguma coisa da Guerra?
R – Eu me lembro, me lembro de muita coisa. Nossa cidade, Würzburg, foi 95% destruída.
P/1 – Ela fica perto de que cidade grande lá na Alemanha?
R – Frankfurt. Perto eu acho que 90 quilômetros.
P/1 – O seu pai estava na Guerra?
R – Meu pai devia entrar na Guerra quando eu tinha cinco dias de idade.
P/1 – E ele entrou?
R – Devia, fora obrigado. E ele chegou da Guerra... ele sempre chegou, eles tinham tempo livre e ele chegava... diversos tempos, ficou meio ano assim, né? Em 44 foi para a Rússia e voltou da Rússia em 56.
P/1 – Por que ele ficou dez anos na Rússia?
R – Eles ficaram presos, como prisioneiro.
P/1 – A senhora era a única filha?
R – Não. Tinha três irmãos.
P/1 – E como vocês sobreviveram com sua mãe e seu pai... vocês tinham notícias se ele estava vivo?
R – Sim. De tempo em tempo, eu acho que só em 45 ou 46 é que recebemos notícias. E ele até escrevia que ia chegar, sempre prometiam que eles iam ser liberados, iam ser mandados para casa. E ele disse que em vez de ir para a Alemanha, eles iam mais para dentro da Rússia.
P/1 – Ele chegou a ir para a Sibéria?
R – Para a Sibéria, estavam como prisioneiros. Deviam trabalhar,...
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Entrevistada por Karen Worcman
Entrevista_HV 115_Irmã Brunildes
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Vanuza Ramos
Revisado por Débora Moysés Aoni
P/1 - Vou bater a claquete depois, tá? Bom, eu ia começar perguntando pela coisa mais simples: o seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Olhe, meu nome secular é Gertrude Maria Hemerberger
P/1 – E a senhora nasceu onde?
R – Eu nasci em Unterfranken, Würtzburg, é Franconia.
P/1 – E quando foi?
R – Mil novecentos e quarenta.
P/1 – Então a senhora nasceu no meio da Guerra?
R – Sim, no meio... no início, né? Trinta e nove começou.
P/1 – A senhora lembra de alguma coisa da Guerra?
R – Eu me lembro, me lembro de muita coisa. Nossa cidade, Würzburg, foi 95% destruída.
P/1 – Ela fica perto de que cidade grande lá na Alemanha?
R – Frankfurt. Perto eu acho que 90 quilômetros.
P/1 – O seu pai estava na Guerra?
R – Meu pai devia entrar na Guerra quando eu tinha cinco dias de idade.
P/1 – E ele entrou?
R – Devia, fora obrigado. E ele chegou da Guerra... ele sempre chegou, eles tinham tempo livre e ele chegava... diversos tempos, ficou meio ano assim, né? Em 44 foi para a Rússia e voltou da Rússia em 56.
P/1 – Por que ele ficou dez anos na Rússia?
R – Eles ficaram presos, como prisioneiro.
P/1 – A senhora era a única filha?
R – Não. Tinha três irmãos.
P/1 – E como vocês sobreviveram com sua mãe e seu pai... vocês tinham notícias se ele estava vivo?
R – Sim. De tempo em tempo, eu acho que só em 45 ou 46 é que recebemos notícias. E ele até escrevia que ia chegar, sempre prometiam que eles iam ser liberados, iam ser mandados para casa. E ele disse que em vez de ir para a Alemanha, eles iam mais para dentro da Rússia.
P/1 – Ele chegou a ir para a Sibéria?
R – Para a Sibéria, estavam como prisioneiros. Deviam trabalhar, construíam grandes estradas, eles ficaram como profissionais.
P/1– O seu pai tinha uma profissão antes de ir para a Guerra?
R– Meu pai era ferreiro de cobre, quer dizer, sabia trabalhar com ferro, com coisa...
P/1– E a sua mãe?
R– Minha mãe? A gente tinha videiras, plantação de vinho, né, e a minha mãe organizava tudo.
P/1– E ela sobreviveu do que nesse período que...
R– Da plantação de uva.
P/1– Ah é? A família fazia vinho? Como era?
R– A gente pertencia a uma cooperativa e lá pela cooperativa era tudo organizado.
P/1– Uvas brancas?
R– Brancas.
P/1– Era vinho branco...
R– É. Toda a nossa região é de uva.
P/1– A senhora lembra como era na sua infância? A senhora chegou a ajudar a fazer uva?
R– A gente ajudava. Estes trabalhos leves nas videiras, a gente devia fazer. Devia não, a gente até gostava (risos)!
P/1– O que a senhora fazia? Amassava a uva, por exemplo?
R– Como?
P/1– Amassar a uva, por exemplo?
R– Não. A gente ajudava nas videiras. Ajudava, por exemplo, quando os ramos eram cortados, a gente carregava; a gente ajudava a capinar.
P/1– Vocês tinham funcionários também na casa?
R– Não. A gente só tinha uma ou duas pessoas que a minha mãe contratava para ajudar. Os parentes ajudavam, se juntavam e ajudavam.
P/1– A infância da senhora foi na Guerra e no pós-Guerra. A senhora lembra se teve muita necessidade em casa? Como era?
R– A gente não sentia muita necessidade, não. Porque tinha muita batata (risos)!
P/1– Tinha plantação de batata?
R– Tinha plantação de batata, né? E a gente comia batata quase todo dia.
P/1– Como se comia? Cozida?
R– Cozida, frita, diversas comidas de batata.
P/1– Tudo de batata!
R– Tudo de batata depois da Guerra. E graças a Deus, né?
P/1– Tinha também, assim, a carne? Que na Alemanha tem muita salsicha...
R– Olhe, a gente matava um porco por ano. E esse era dividido em latinhas que eram para cada semana ter um pouquinho de carne.
P/1– Um porco dava pro ano todo?
R– Nosso porco dava sempre para o ano inteiro. Mas só matamos um porco por ano.
P/1– Ele era muito gordo?
R– Era grande. Eram porcos enormes, né? E se dividia... com esse porco se fazia linguiça, carne, presunto, todo tipo.
P/1– Fazia isso dentro de casa?
R– A gente convidava um açougueiro que trabalhava diversos dias e transformava... em geral comprava-se ainda uns quilos de carne de gado junto, para fazer linguiças, diversos tipos de linguiça.
P/1– Isso fazia parte do almoço e do jantar?
R– Do almoço. O jantar em geral não.
P/1– No almoço era batata com o pedaço da...
R– Com carne. E a gente tinha horta, muita verdura.
P/1– Ah, então tinha uma comida... tinha leite também?
R– Leite, a gente recebia um litro de um fazendeiro. Eles podiam vender dois, três litros, assim, e o resto tinha que entregar na cooperativa porque era para o povo todo, né.
P/1– A senhora lembra o que a sua família e a comunidade falavam da Guerra?
R– Olha, a minha família foi contra o Hitler o tempo todo e por isso o meu pai devia logo entrar na Guerra. Minha família foi... todo mundo sabia que o meu pai era contra o Hitler.
P/1– E aí ele foi convocado?
R– Ele foi logo convocado, um dos primeiros. Como uma forma de repressão, né.
P/1– Depois, quando a senhora começou a ir à escola... a senhora começou a escola com que idade?
R– Com seis anos, 46. Logo depois da Guerra.
P/1– A senhora sentia algum impacto? O que a senhora lembra da escola?
R– A escola tinha esses bancos compridos (risos). Cabia, né, juntinho. Porque a cidade foi destruída completamente, então muita gente morava na nossa aldeia. E as escolas eram super cheias. Todas as crianças de seis anos que moravam na aldeia foram para a escola, né?
P/1– E era tudo misturado, todas as idades?
R– Não. Era por... de seis anos, de sete anos, de oito, assim... cada série era separada.
P/1– A sua área tinha influência dos americanos ou dos russos?
R– Dos americanos.
P/1– E eles ajudavam com dinheiro ou...
R– Não. Com dinheiro não. Mas para nós, crianças, a gente ia pra lá pedir chocolate, pedir isso (risos)...
P/1– Tinha um exército americano rodando pelas cidades?
R– Rodando. Em cada rua, eu me lembro, estava um jipe dos americanos.
P/1– O que se falava em casa dos americanos?
R– Olha, na minha casa se falou: "Graças a Deus que eles chegaram porque nos salvaram do Hitler". Agora, tinha gente que era a favor do Hitler e foram contra, né? Mas na minha casa disseram: "Graças a Deus que os americanos chegaram!".
P/1– Então o fim da Guerra foi bem vindo?
R– Para muita gente foi bem vindo.
P/1– A senhora lembra do dia que seu pai voltou?
R– Eu me lembro.
P/1– Como foi esse dia?
R– Foi... ele chegou com a última turma que foi livre.
P/1– Nossa, ele ficou muito tempo, né?
R– Muito tempo! Toda vez dizia no rádio "São de novo liberados, são de novo...". E depois chegou, eu me lembro, eu estava na aula e o professor chegou dizendo: "Olhe, seu pai vai chegar", chegou no rádio, né? Então ele me mandou logo para casa. E as pessoas iam para o lugar onde eles foram... como é?
P/1– Que se concentraram, assim?
R– Que se concentraram. E os parentes chegaram para buscar.
P/1– A senhora foi com sua mãe?
R– Não. Fiquei em casa esperando. A minha mãe foi, parentes foram, diversos. Naquela aldeia não tinha muitos carros, não. Os carros que tinham na aldeia foram tudo pra lá.
P/1– A senhora não lembrava mais dele, não é?
R– Não. Olhe, eu tinha ele como estava no retrato, né? Mas ele já chegou velho, 50 anos ou 49; 48, 49.
P/1– Mas muito sofrido?
R– Olhe, ele chegou como velho.
P/1– E ele contou da vida dele lá? Ele falava?
R– Ele contava, contava como foi... por exemplo, quando os que foram liberados, quando eles chegaram, eles se juntavam mais e contavam entre si. E a gente ficava escutando, escutando, né? Ele não contava muito no início, não. Quando estava com mais tempo, contava muito mais. Mas entre si, os prisioneiros - que foram prisioneiros - eles contavam e a gente ficava escutando.
P/1– A rotina na sua casa mudou muito depois que ele chegou?
R– Claro! Porque depois foi o pai que tomou conta.
P/1– Mas melhorou ou ficou mais confuso? Porque vocês já deviam estar acostumados com a...
R– Olhe, no início a gente estranhava. Nós, crianças, estranhamos.
P/1– Ele era muito severo?
R– Não, muito severo não. Mas ele tinha ainda o tempo antes da Guerra na cabeça: "Mas as crianças não podem sair, não podem fazer isso, não...", "Mas hoje em dia é diferente!", minha mãe toda vez devia intermediar, devia explicar "Mas agora...". O tempo mudou completamente de antes da Guerra e depois.
P/1– Foi uma mudança grande?
R– Muito grande.
P/1– No comportamento? Em que mais?
R– Em tudo, sabe? O comportamento, tudo mudou!
P/1– O pessoal em volta tinha, assim, muito sofrimento? A senhora lembra da sua infância com alegria ou com clima pesado? O que a senhora lembra?
R– Olhe, a gente era alegre. Como criança, a gente brincava, tudo, né? Mas a gente não tinha, assim, muita coisa. Por exemplo: "Mãe, a gente quer isso!", "Olhe gente, vocês sabem que o pai de vocês não está, não tem o que comer, só...". A gente escutou isso muitas vezes e a gente se conformava.
P/1– E ele quando voltou, ele voltou a trabalhar? O que ele fazia?
R– Olhe, ele não voltou a trabalhar não. Ele diz que não tinha mais condições de assumir trabalho. Porque antigamente ele era da polícia e chamaram ele, se ele queria assumir um serviço como policial e ele disse que não, que não tinha mais condições para isso. E ele trabalhou nas videiras, na plantação de uva.
P/1– Ele ficou mais em casa.
R– Ficou trabalhando com isso e deu para viver. Não tinha muito luxo, depois da Guerra não tinha luxo e também no tempo depois que o meu pai chegou não tinha luxo, mas tinha o necessário.
P/1– Na sua casa tinha livros? As pessoas liam muito? A senhora foi influenciada por alguma leitura, alguma coisa?
R– Olhe, nós mesmos em casa não tínhamos muito livro, não. Também porque muitos livros, o pessoal... não tinha papel, não tinha isso, não tinha aquilo e o que não era necessário se queimava, punha fogo, se queimava. Mas a gente ia à biblioteca da aldeia, buscamos muitos livros e lemos.
P/1– Teve algum livro que influenciou a senhora? A senhora lembra de alguma coisa, assim, dessa época?
R– Infantil.
P/1– Algum específico?
R– E revistas, tínhamos muitas, sabe? Revistas, assim, dos missionários. E a gente lia as histórias, eu acho que isso me influenciou. Lia as histórias das missões, das coisas. Aí chegou e eu queria ir pra lá, né?
P/1– Então, eu ia perguntar quando a senhora decidiu se ordenar. Como surgiu na sua cabeça?
R– Olhe, a gente tinha Irmãs na congregação. Estudava na quinta e sexta séries com irmãs. E a gente, às vezes, falava com eles em particular, como crianças, né? Como era a vida no convento, como era, assim, né? E eu queria ser uma Irmã.
P/1– A senhora estava com que idade?
R– Eu estava com 12 anos.
P/1– A senhora ouviu aquela vida e deu...
R– É. Mas isso eu queria, né?
P/1– Nessa época já?
R– É.
P/1– E aí o que a senhora fez para se tornar uma Irmã?
R– Depois eu falei com uma Irmã: "Olhe, eu quero ser também Irmã". Ela disse: "A gente tem uma escola" - as Irmãs, né. "Então vai nessa escola e depois pode decidir se quer ou não". E eu fui. Fomos muitos mas poucos ficaram, como muitos que entraram no convento. Mas eu acho que tem uma razão para isso.
P/1– Durante o processo, assim, a senhora foi tendo mais certeza ou teve dúvidas?
R– Mais certezas, chegaram dúvidas. No fim quero, não quero, mas depois eu decidi que queria.
P/1– O que a sua família achou disso?
R– Primeiro achava que não: "Você não pode", eu tinha depois vinte anos, "Não pode decidir, não dá, é nova demais, não sei o que...", "Não, mas eu quero".
P/1– A senhora tinha quantos anos quando decidiu? Vinte?
R– Vinte. Depois eles disseram: "Você deve saber que se você não quiser, pode chegar para casa", eles deixaram... minha mãe sempre disse: "Você não precisa. Se você decidir que você não quer, pode voltar para casa". Meu pai também, principalmente meu pai: "Olhe, não precisa pensar que agora tem que entrar no convento, você pode voltar".
P/1– Isso foi importante?
R– É, mas eu...
P/1– A senhora não pensou em desistir.
R– Não. Decidi entrar.
P/1– Os seus irmãos se tornaram o que?
R– Meu irmão, o mais velho, ele ficou em casa e assumiu as videiras. Depois ele trabalhou um tempo com os americanos, muitos anos, como motorista e fez, ao mesmo tempo, ele assumiu... ele trabalhava três dias por semana, quatro dias como motorista. Porque iam para longe, ficavam três dias fora. Depois tinham três dias livres e trabalhava nas videiras. O outro irmão ficou, não sei como se chama... contador, ele tinha uma máquina... uma máquina?
P/1– Uma firma?
R– Escritório de contabilidade. E minha irmã ficou em casa, ajudou a minha mãe e casou cedo.
P/1– E aí a senhora foi morar no convento?
R– E eu entrei no convento.
P/1– Quanto tempo a senhora ficou se formando no convento?
R– Formando por dois anos. Primeiro a gente fica, vai sem ser Irmã, só mesmo para ver. Depois (fica) um ano, naquela vez era um ano de experiência como Irmã - Noviça que chama. E depois faz para dois anos, depois faz para cinco anos, votos, e depois faz para sempre. Depois de dois anos eu decidi que ia para o Brasil.
P/1– Só depois de dois anos a senhora decidiu que ia para o Brasil? Já era a Ordem Franciscana?
R– É.
P/1– Isso era uma escolha ou era o convento que tinha...
R– Não, escolha (risos)! Eles até não queriam: "Não, fiquem aqui, a gente precisa na Alemanha também". A gente depois disse que não, que tinha resolvido mesmo e eles deixaram vir.
P/1– O que levou a senhora a decidir pela Ordem Franciscana?
R– Primeiro porque eu conhecia as Irmãs. Também porque eu gostava de São Francisco. Mas foi principalmente porque eu conhecia essas Irmãs. A gente tinha na aldeia também outros, mas me atraía mais para os Franciscanos.
P/1– Na Ordem Franciscana é que tinha essas coisas de fazer as missões fora do país?
R– Sim. Tinha aqui no Brasil, no Nordeste. A gente leu e quando essas Irmãs chegaram da visita e contaram como era, eu disse "Eu quero".
P/1– Aí a senhora decidiu que queria vir pra cá.
R– É.
P/1– E como a senhora veio pra cá? A senhora veio de barco?
R– Eu vim de barco. Saímos (pausa) da Itália, eu não sei mais... Milão! Milão não...
P/1– Não tem problema. Eu sei de onde saem os barcos da Itália, fique tranquila (risos).
R– Saímos, levamos quinze dias.
P/1– Quinze dias no barco?
R– Quinze dias com barco francês. Chegamos pra cá...
P/1– Aportaram onde?
R– Como?
P/1– Aportaram direto ou não?
R– Recife. Foi direto Recife, mas paramos nas Ilhas Canárias e depois fomos para Recife. No Recife as Irmãs estavam me esperando e eu não sabia nem ao certo para onde eu ia. "Não, eles estão lá e te esperam." E fui para Limoeiro, Limoeiro é no agreste.
P/1– Foi trabalhar lá?
R– Fui. Primeiro eu fui dois anos lá na escola, fiz pedagogia, preparação para professora porque o da Alemanha não valeu.
P/1– Lá mesmo? A senhora teve então que estudar de novo aqui?
R– Dois anos, é.
P/1– Era bom? Era diferente da Alemanha onde a senhora estudou?
R– Olhe, era uma escola dirigida por Irmãs alemãs e era muito boa, muito boa mesmo.
P/1– Nessa época já se discutia, por exemplo, Paulo Freire? Nós estamos falando de mil novecentos e sessenta e poucos...
R– Não. Isso foi em 61, 62. Em 63, depois de dois anos, eles disseram: "Mas se tu gostas da escola é bom fazer serviço social". Então eu mal sabia português (risos) e devia fazer exame de adaptação primeiro. Quando eu cheguei deram logo o meu nome porque os outros tiveram dois, três anos a esperar até serem chamados. Então eu terminei em 62, então disseram: "Olhe, a gente já dá seu nome para em 63, 64 você ser chamada".
P/1– Para estudar?
R– Para fazer o exame de adaptação.
P/1– É um exame para que?
R– Adaptação faz Português para ser reconhecido o estudo da Alemanha, né? Português, História, Geografia, fazia diversas matérias...
P/1– A senhora tinha que estudar muito, então?
R– Sim! "E daqui a dois, três anos depois você vai ser chamada", como foi. Eles deram meu nome, foi em 62, eu cheguei no fim de 61.
P/1– E a senhora já falava português?
R– Nada (risos)! Depois, em 62, início de 62, eu fui chamada.
P/1– E aí, como foi?
R– Nossa! Disse: "Tu tem que fazer sinal pra dizer que daqui você sabe, se lhe chamar.
P/1– Ai meu Deus!
R– Mas depois uma Irmã - ela é muito inteligente, sabe? - ela chegou dois anos antes de mim e ela tinha sido chamada nesse ano que eu cheguei. Então eu disse: "Mas não é possível, não vou fazer!". "Tu vais fazer! Vamos estudar, vamos estudar! A gente vai dizer o que entra: em geral tem que fazer uma composição, tem que corrigir um texto e tem de não sei o que...".
P/1– Em português?
R– Em português. "Pelo amor de Deus! Mas eu não vou fazer." "Tu escreve frases simples!”(risos). Ela todo dia estudava comigo.
P/1– Todos os dias?
R– Todo dia!
P/1– Português? Começou do Português, óbvio, né?
R– É. Português, História e...
P/1– A História era História do Brasil?
R– História do Brasil e Geografia do Brasil. Todo ano chega o mesmo: "Tu vais receber isso também", era sobre Nordeste, né?
P/1– História do Nordeste?
R– Estudei História do Nordeste, estudei, estudei. Em geral a gente olhava o que todo ano...
P/1– A prova do ano anterior.
R– Do ano anterior. Me chamaram no fim do... eles deram o nome e me chamaram no fim de 1962.
P/1– A senhora já dominava o Português?
R– Não. Mais ou menos, até hoje não estou dominando (muitos risos)! Mais ou menos eu dominava, eu formava frases, vamos dizer assim. Então eu cheguei: "Olhe, a senhora vai fazer de Português". Na Pernambucana...
P/1– Ginásio Pernambucano, eu conheço. Uma escola bonita, grande, que tem lá, né?
R– Fica junto do Capibaribe. Eu disse: "Olhe, senhor, para dizer a verdade eu não sei muita coisa, não; eu só vim porque eu sei que depois eu não vou ser mais chamada". "Não faz mal, não. Eu vou lhe ajudar", ele disse.
P/1– Quem é que aplicava?
R– O professor, professor de Português. "Mas o senhor me ajuda, tá?", "Eu te ajudo" (risos).
P/1– A senhora arrumou uma cola na prova!
R– "Olhe, a senhora escreva uma composição: Natal na Alemanha."
P/1– Natal na Alemanha em português.
R– Em português. Pelo amor de Deus! Eu me sentava, pensava e depois escrevi frases simples, não sei o que... nisso passei. "Porque tem frases simples mas tem lógica e a senhora quase escreveu sem erros. Na composição achei bom." Depois tinha a correção de texto.
P/1– A senhora tinha que corrigir um texto? Que loucura!
R– Corrigir um texto, sabe? Isso era mais complicado. Então eu disse: "O senhor disse que ia me ajudar, então eu espero a sua ajuda", então ele devia completar, por exemplo, preposições e outras coisas, completar. Então eu disse "Me ajude", "Eu ajudo". Ele mesmo pegou o texto e disse "É ou não é?", ele sempre perguntava "É ou não é?".
P/1– Ah, ele orientava um pouquinho?
R– Eu anotava a acentuação que ele fazia (risos) e pensava: "Isso deve ser assim, não sei o que...".
P/1– Então ele chamava a atenção pro erro talvez, né? "Isso aqui está certo ou errado?"
R– É. "Será que isso pode ser?", eu não sabia, não. Conforme ele perguntava, eu conseguia, assim, sabe? Foi bom, foi bom. Também sem a ajuda dele eu não teria conseguido, mas graças a Deus.
P/1– Depois a senhora teve Geografia e História?
R– Geografia, isso, foi... eles disseram: "Olhe, são regras sobre o Nordeste" e chegou sobre a Amazônia.
P/1– Meu Deus!
R– Eu disse: "Pra dizer a verdade, eles me disseram que caía sobre o Nordeste e agora cai sobre a Amazônia?", mas graças a Deus deu para passar. O tamanho do Amazonas, não sei o que, todas essas coisas. A Amazônia sempre já me interessou, né? Devia, assim, corrigir, corrigir não, completar texto. Mas foi muito comprido. Nisso eu passei. Acho que sabia que ia passar de Geografia. E de História era sobre, principalmente sobre o Nordeste.
P/1– Maurício de Nassau, História do Nordeste?
R– Nassau, esses daqui. Um bocado de coisa, também tinha estudado isso.
P/1– A invasão dos holandeses?
R– Isso eu tinha estudado e sabia que nesse eu ia passar. Não precisava muito escrever, só completar, sabe? Era grande mas devia completar e listar, graças a Deus. Eu tinha mais medo do Português (risos).
P/1– Aí a senhora conseguiu validar o diploma?
R– Sim, da Alemanha. Foi reconhecido o da Alemanha, completado com esse que eu fiz.
P/1– Mas o diploma era de que? De Assistente Social?
R– Não. Da Alemanha era o de ginásio, era o Aptur, que pode entrar na faculdade na Alemanha com esse diploma. Eu já estava numa faculdade, mas quem tem na Alemanha o Aptur já podia entrar na faculdade. Este é como...
P/1– É o fim do segundo grau no Brasil, na verdade, ginásio, ensino médio.
R– Enfim, na Alemanha era tudo mais, era Matemática pesada, era Alemão difícil, era muito mais difícil do que como é aqui. É que era em Português, uma matéria que nunca tinha estudado. Tinha estudado, assim, mas muito superficial, né?
P/1– Pra dizer a verdade o conteúdo na Alemanha era muito mais difícil, né?
R– Muito mais difícil, não tem nem comparação.
P/1– A senhora chegou a fazer faculdade?
R– Sim. Depois eu completei o pedagógico, né?
P/1– Dois anos ou quatro anos a senhora fez?
R– Dois anos. No primeiro ano eu fiz prova sobre isso. No segundo ano... não, três anos eu estudei. No primeiro ano eu fiz a prova para poder entrar logo no segundo ano. O segundo e terceiro ano eu fiz e depois eu fiz... como se chama?
P/1– Assistência Social?
R– Assistência Social eu fiz a prova mas eu já sabia as coisas, assim...
P/1– Não fez a faculdade, então?
R– Fiz. Eu fiz a adaptação, né? E podia depois fazer o... como se chama? Vestibular! Fiz depois vestibular, não achei difícil não.
P/1– Posso perguntar um pouquinho mais?
R– Pode (risos). Mas a senhora não me deixe esquecer das coisas!
P/1– Tá bom. Mas eu acho que a senhora está lembrando do essencial.
R– E depois, no fim, vai cada vez menos, menos, menos.
P/1– Mais perto? A senhora lembra mais do antigo?
R– Não. Também não, simplesmente...
P/1– Mas quando a senhora me conta, por exemplo, da Alemanha, a senhora lembra da imagem da casa? Isso vem na cabeça?
R– Me lembro, me lembro.
P/1– Nessa época, então, a senhora se formou na faculdade em Pernambuco?
R– Em Recife.
P/1– Em Recife. Então me conta como é que foi que a senhora saiu de Recife. A senhora foi trabalhar no Agreste?
R– Eu trabalhei, eu estudei e trabalhei dois anos em Limoeiro, no Agreste.
P/1– Era muito...
R– Depois fui para Recife, para fazer Serviço Social.
P/1– Em Recife?
R– No Recife.
P/1– E que tipo de serviço a senhora fez em Recife? Que trabalho com a comunidade a senhora fez mais?
R– Olhe, naquela vez, nós, Irmãs, deveríamos assumir uma escola... a gente tinha lá uma escola e para sobreviver a gente tinha lá uma turma para assumir. Então eu assumi a alfabetização. Durante todo o estudo, eu ensinava alfabetização.
P/1– Em português?
R– Em português.
P/1– Nessa época a senhora trabalhava com algum método? Como é que foi que a senhora aprendeu a ensinar a ler e escrever? Havia uma discussão entre as Irmãs de como se...
R– Não. Tinha uma irmã que ensinou muitos anos alfabetização, né? E ela me repassou o método. Agora, esse método naquela época estava adaptado a Paulo Freire, porque Paulo Freire em si não é para criança.
P/1– É para adulto.
R– Para adulto. Mas nós adaptamos para crianças.
P/1– E funcionava?
R– Como? Muito bem! A partir de uma palavra, a palavra era colocada nas sílabas, como, assim, por exemplo... (pausa) Por exemplo, a gente colocava: casa. "Como são nossas casas? Como é feita uma casa?", Com as crianças, né?”, “Vamos agora construir uma casa." A gente fazia na areia, fazia assim... é difícil agora me lembrar (risos). Por exemplo, casa, né? Depois íamos às casas. E a gente fez assim: "Vamos agora olhar as casas onde a gente mora" e a gente olhava. "Como são as casas? São casas bonitas, são casas boas", porque era no bairro Espinheiro, um bairro de gente que...
P/1– Ah é?
R– Espinheiro? É. Mas também tem um bairro de pobres lá, quer dizer, tinha antigamente, né? "Então todas as casas são assim? Não! Tem também esses. Por que eles são assim? Por que eles são pobres, não sei o que...". Quer dizer, a gente procurava colocar nas crianças também a...
P/1– Consciência.
R– A realidade, né? "Vocês têm casas bonitas, mas tem crianças que não moram em casas dessas." Agora, uns pais gostaram muito e outros não gostaram.
P/1– Eles vieram reclamar do tipo de ensino?
R– Não, mas perguntaram por que colocar isso já na cabeça das crianças. A gente mostrou a eles que desde criança, elas devem saber da realidade. E assim foram os nossos métodos, sabe? Mas como elas aprenderam a ler dentro de um ano, ninguém mais reclamava (risos).
P/1– Quer dizer, o método funcionava!
R– Funcionava, né? Foi o método de Paulo Freire, mas adaptado às crianças.
P/1– Irmã, a gente está falando de 65, 66?
R– Olhe, 64, 65, 66, 67.
P/1– Isso em Recife?
R– No Recife, é.
P/1– Nessa época teve o Golpe Militar no Brasil. A senhora chegou a viver algum reflexo disso na sua atuação?
R– Olhe, a gente tinha pais que foram presos, que foram isso, sabe?
P/1– O próprio Paulo Freire, na época, ele não era o Ministro da Educação?
R– No início era, mas depois não mais. E foram pais que sofreram, irmãos de colegas, né?
P/1– Padres e freiras da sua congregação sofreram nessa época?
R– Da minha congregação não, mas tinham os que sofriam, amigos...
P/1– Houve desaparecimentos? A senhora lembra disso?
R– Eu me lembro, mas não eram de... eram, assim, amigos das Irmãs. Porque eu tinha chegado de Limoeiro do Agreste pra cá e para mim era tudo novo, né? Agora, depois, na escola de Serviço Social, lá a gente passava.
P/1– Imagino.
R– Lá a gente passava.
P/1– Aí, para não cansar muito a senhora, em 67 veio o padre convidar para vir pra cá? Quando é que foi?
R– Não. 69, chegou. Ele chegara para Recife, né, e pedira Irmãs. Então nós tínhamos, naquele tempo, uma assembléia. Então foi colocado na assembléia das Irmãs, se podiam aceitar ou não. Como tinha diversas Irmãs que queriam ir embora, "Vamos começar, vamos alargar os nossos horizontes indo para outras regiões". E depois foi decidido, em 69, para chegar para o Amazonas.
P/1– Aí a senhora se candidatou?
R– Eu me candidatei (risos). E foram mais cinco ou seis, né? "Não, vão quatro!"
P/1– Decidiram que iriam só quatro. Então foram a senhora...
R– Não! Queriam mais mas as outras estavam... por exemplo, uma era diretora da escola e não podia; tinham funções na congregação que eram difíceis de deixar em cima da hora.
P/1– E quem veio pra cá? A senhora...
R– Fui eu, foi Irmã Julieta, foi Irmã Germana e foi Irmã Gertrudes. Gertrudes é alemã também.
P/1– Só a Irmã Gertrudes era alemã também?
R– É.
P/1– E aí? A senhora chegou em Santarém? Como é que foi?
R– Não. Devíamos chegar logo para Juruti, né?
P/1– Ah, direto. De barco?
R– Devíamos chegar para Juruti direto. Irmã Julieta e eu chegamos de barco e as outras duas chegaram de avião, com avião militar. Eles sempre levavam gente do Nordeste para o Norte, podia pedir e podíamos viajar com eles, com os militares.
P/1– E aí, quando a senhora chegou a Juruti, a senhora foi morar onde?
R– O padre já tinha construído a casa, que está hoje lá. Ele: "Olhe, vocês vão morar nessa casa.", "A gente não quer morar em casa bonita, a gente quer morar entre o povo.", "Não! Essa casa foi construída para vocês, vocês fiquem agora lá pelo menos nos primeiros anos, podem resolver".
P/1– Então a senhora teve que ficar lá?
R– E tinha duas voluntárias lá, enfermeiras. Embaixo era o consultório e em cima foi para as Irmãs. "Mas a gente não imaginava assim, a gente quer morar numa casa simples, entre o povo!", "Olhe, foi construído para vocês. Pelo menos... o que a gente vai dizer aos que ajudaram a construir se as Irmãs agora não vão..."
P/1– Rejeitarem.
R– Então perguntamos no Recife e eles disseram: "Não, vocês fiquem primeiro nessa casa" e a gente ficou, sem muita vontade, mas depois a gente se acostumou e a casa virou, assim, uma casa para todo mundo.
P/1– Quais foram os primeiros trabalhos que vocês fizeram aqui?
R– Olhe, o padre distribuiu: "Você fica na escola", eu porque tinha pedagógico, né? "Irmã Gertrudes fica na secretaria da paróquia e de trabalhos manuais", ela era professora de trabalho manual, formada, e costura e cozinha e não sei o que. Ela deu trabalho manual para os meninos e também ensinava as mulheres a cozinhar, a aproveitar as verduras porque as pessoas não comiam verdura, né?
P/1– Não comiam verdura?
R– Não. Não gostavam de verdura.
P/1– O que é que o pessoal comia?
R– Peixe, muito peixe e farinha.
P/1– Essa era a comida?
R– Peixe e farinha, é.
P/1– Tinha subnutrição aqui? As crianças eram desnutridas?
R– Muita criança era desnutrida. E ela se dedicava a isso. Ela deu, junto com as enfermeiras, deu para crianças pequenas... e melhorar a alimentação.
P/1– E na educação, que era a sua área, o que a senhora foi fazer?
R– Eu primeiro não fiz nada. Eu fui observar como eles davam aula, como era, quantos, quem. Porque era muita gente na alfabetização e primeira série; pouca gente na segunda, menos na terceira, menor ainda na quarta.
P/1– Um na quinta!
R– Na quinta só um grupinho, né? Porque o pessoal dizia: “Se sabem ler e escrever, já chega.” E tiravam porque iam trabalhar na roça. Eu ia no primeiro meio ano só observar, ia nas salas de aula ver como eles davam aula, assim, né? Depois a gente ensinou um método de alfabetizar. Como já tinha alfabetizado no Recife, foi fácil.
P/1– Ensinou direto para as crianças ou para as professoras?
R– Para as professoras. Ajudamos professores de alfabetização, depois de primeira série, de segunda série, de terceira série, de quarta...
P/1– O que a senhora observou nesses primeiros seis meses? Quais foram as conclusões, a senhora lembra?
R– Não. Seis meses já ensinamos um pouquinho também mas era mais observar do que...
P/1– E que conclusão a senhora chegou?
R– Porque era mês de agosto, né, então ficamos até o fim do ano. Que conclusão? Que eles estavam unicamente, unicamente alfabetizados e... com o método do “bê-á-bá”.
P/1– E que não funcionava.
R– Que não funcionava. Funcionava, mas uns poucos aprendiam e a maioria devia ficar dois, três anos para aprender a ler e muitos nem aprenderam.
P/1– Foi daí que a senhora concluiu que tinha que ensinar as professoras de novo?
R– Não. A gente ensinava os métodos. A gente explicava que tem métodos, que eles deviam ver e depois a gente escolhia os melhores - que a gente notava que compreenderam - para pegar a alfabetização. Eles sempre botavam os mais fracos na alfabetização e a gente notou que tem de ser os mais fortes, né?
P/1– Vocês inverteram, então?
R– É. Colocamos na alfabetização. Tinha uma que tinha feito... estudava com as Irmãs em Óbidos e ensinava a quinta série; e mais uma que sabia também e ensinava a quarta série.
P/1– Aí vocês colocaram elas para...
R– Colocamos... isso não para quarta e quinta, que tinham uma formação. A segunda e terceira, foram estes que tinham mais. (...) Que a gente achava que não precisava ser tão forte como na alfabetização. Porque na alfabetização... sempre diziam que na alfabetização podia colocar qualquer um.
P/1– E aí ninguém aprendia, né? E isso mudou? A senhora viu o impacto disso?
R– Sim, muito forte. Eles foram inteligentes, eles pegaram logo... os professores, sabe?
P/1– A senhora viu, assim, que houve um aprendizado maior por parte das crianças, rápido, assim?
R– Elas aprendiam, aprendiam. Não tão ligeiro como depois, no segundo e terceiro ano, que ensinaram. Mas a gente notava grande diferença.
P/1– Daí que a senhora saiu para fazer os Casulos? Como é que foi?
R– Os Casulos começaram em 76. A gente entrou, a gente procurava quem podia ajudar numa coisa, né? E o pessoal da LBA - Legião Brasileira de Assistência - eles de vez em quando chegavam. Depois chegaram também para nós e ofereceram projetos. Primeiro foi costura, bordados, trabalhos manuais; a Irmã Gertrudes assumiu, Irmã Germana também. Fizeram contratos com eles, projetos com eles em trabalhos manuais. Depois na costura também, costura com máquina e eles ajudaram: deram material, deram máquinas e com isso eles logo prosseguiam. Depois chegaram e perguntaram se a gente não queria abrir Casulos. Casulo é creche, né?
P/1– Quem deu esse nome?
R– Eles, a LBA. Em quase todas as cidades depois foi tirado o nome, mas aqui pegou e ficou até hoje.
P/1– Então eles é que perguntaram dos Casulos?
R– Sim, foram eles. Foi a LBA que começou. "Ah, vamos tirar porque é da LBA, não sei o que...", "Não! Vamos deixar, é muito bom esse nome: Casulo."
P/1– E eles tinham uma metodologia ou a senhora...
R– Não. A gente podia fazer. Não de alfabetização, só de trabalho com as creches. E a gente começou e quando eles chegaram, ficaram admirados, sabe? A gente fez um método alemão de jardim da infância.
P/1– Ah é? Como é que foi?
R– Colocamos um método alemão de jardim da infância. Como eu sabia, como eu uma vez aprendi. E uma turma, estes de sete anos, a gente pegou logo para alfabetizar.
P/1– Com sete anos ainda estavam no Casulo?
R– Estavam lá até sete anos completos. Elas entraram lá e durante o ano, seis anos ainda, podiam aceitar e no meio do ano viraram... sete anos, né, e a gente pegou para alfabetizar. Eles chegaram e tinham meninos que sabiam ler com sete anos e ficaram admirados.
P/1– O que, do método do jardim da infância, de diferente, foi implantado aqui?
R– Não era alfabetização, não. Mas era o modo de trabalhar no jardim da infância.
P/1– Como seria? A senhora consegue me explicar o que acontecia no dia a dia...
R– Olhe, a gente fez muito, muito material. Tinha bonecos, tinha roupa de boneca, tinha coisa... por exemplo, tinha caminhões, mas tudo feito aqui.
P/1– Quer dizer, trabalhar com a mão.
R– Trabalhar com a mão. Os pais fizeram os carros e a gente comprava dos pais. A gente mostrava como fazer, tinha um que está ainda hoje trabalhando aqui, ele está agora em Juruti. Como fazer um caminhão, ele ensinava e depois os pais ajudavam a fazer. Boneca, a gente fez tudo de fazenda, não compramos de plástico. Fizemos de fazenda as bonecas, eu acho que não tem aqui... fizemos bonecas, fizemos carros, fizemos principalmente o que na Alemanha usa-se muito: esses blocos de madeira.
P/1– Lego, a gente chama de Lego, de montagem, né?
R– É, montagem. É assim, de todo tamanho, desse, de quadrado, de cinco, seis tipos. E eles receberam um saco cada, um saco cheio, sabe? Depois aprenderam a fazer casas, fazer quintais, podiam construir mesmo com isso, né? Porque na Alemanha... hoje não, hoje sofisticaram, mas no meu tempo - depois da Guerra - se usava coisas que dava pra fazer mesmo, e isso a gente fez. Então os pais ganharam alguma coisa, fizeram; e as mães ganharam, as que costuraram bonecas, e as crianças aprenderam. Eles ficaram encantados com esses brinquedos, da LBA, e até chamaram os meninos daqui para Santarém para dar um curso (risos).
P/1– Até hoje ainda se usa tudo isso?
R– Tudo, tudo, tudo. Primeiro, você pode usar muito tempo. A gente pinta todo ano, né?
P/1– Pinta, pinta, pinta.
R– Pinta de novo, então parecem novos!
P/1– Os próprios brinquedos, né?
R– Os próprios brinquedos.
P/1– Antes disso, do que é que se brincava?
R– Aqui? Não tinha. Foi a primeira vez que se começou uma creche, nós começamos com creche.
P/1– Porque antes as crianças...
R– Não tinha, não tinha. O que os alunos tinham na primeira série: todo mundo tinha um caderno e um lápis, pronto!
P/1– Era isso. E copiava.
R– E copiava.
P/1– Então quando a criança saía do Casulo, ela já saía...
R– Não todo mundo mas... no início, eu acho que dois terços liam. Devagar, mas lia sim.
P/1– Como era a relação com a família? A dificuldade vinha...
R– A família devia colaborar no Casulo, cada mãe. Porque a gente não tinha dinheiro, né? Só foi paga uma pessoa e precisava também para fazer comida, porque eles recebiam comida. Recebiam merenda, recebiam almoço e nas comunidades recebiam, à parte, merenda e almoço ou jantar, mingau ou alguma coisa. Então cada mãe colaborava uma semana no Casulo; se acabava as mães, começava de novo, né?As mães ainda aprenderam a fazer outros tipos de comida, enxergaram o que as crianças comeram, né. E aprenderam a fazer também para melhorar a alimentação em casa.
P/1– A senhora fazia horta na escola?
R– Todo Casulo tinha uma horta e tem hoje ainda. Agora vai começar... porque o Casulo só começou no mês passado, né. Muitos já têm um canteiro, dois canteiros.
P/1– E quem cuida da horta?
R– As mães. Não pagaram nada mas a colaboração foi que deram, num mês, um dia de serviço, quer dizer, meio dia de serviço. E quase todas chegaram.
P/1– Os pais resistiram ou gostaram de colaborar?
R– Não. Colaboraram muito bem, muito bem. Porque eles aprenderam, tinham comida lá neste dia...
P/1– O que se plantava na horta?
R– Na horta? Verdura, couve, salada, espinafre. A gente, em geral, plantava umas árvores. Olhe, por exemplo, esta coisa é resultado ainda do Casulo.
P/1– Esta plantação?
R– É.
P/1– E ali em cima eu vi que tem uma horta, né?
R– É. Mas tinha... tinha, né?
P/1– E o pessoal sabia fazer horta?
R– Mas aprendia.
P/1– Mas eles chegavam sem saber?
R– Não. Eles fizeram um canteiro, assim, levantado, alto, e lá plantaram em geral... o que as pessoas plantavam no canteiro? [alguém responde “Cebolinha.”] Cebolinha, né? Conhece, né. E em geral, couve, né? Couve também. E assim foi aumentando com outras comidas.
P/1– Tomate? Isso eles não plantavam?
R– Sim. Tomate vocês não plantavam, quase, né?
P/1– Mas o pessoal de casa que faz horta, o trabalhador rural, eles plantavam farinha, é isso? O pessoal que trabalhava no campo antes, os pais?
R– Sim, farinha. E umas árvores, mangueira... o que mais de árvore que o pessoal tinha? Mangueira principalmente, né? Abacaxi, banana, uns pés.
P/1– Mas essa parte de completar a alimentação com legume não tinha.
R– Não. Só tinha cebolinha e couve.
P/1– E tinha galinha?
R– Tinha galinha. Cada Casulo tinha galinhas. Primeiro para ovos e segundo para a carne. Agora, o pessoal tinha galinha também, mas tudo livre. Não era nada cercado, né?
P/1– Isso é diferente? Se cercar a galinha o que acontece de diferente?
R– Eles não gostavam porque tinha de dar comida e assim, não, elas ficavam livres e comiam...
P/1– Isso mudou também?
R– Mudou e não mudou. Mudou um pouquinho.
P/1– A senhora sente que o pessoal muda a cultura fácil ou é difícil...
R– Difícil, difícil. Tem gente que está logo pronto de mudar, mas a maioria está acostumada e fica desse jeito.
P/1– É difícil então?
R– A gente diz: "Vamos fazer a horta". Todo mundo: "Eu faço, eu faço". Fazem uma vez e depois acabou (risos).
P/1– Aí a senhora insistia?
R– Olhe, a gente colocou assim: "Quem faz horta recebe um tanque de cimento, quem faz horta recebe um regador".
P/1– Prêmios?
R– Prêmios. Então, pelo menos até ganhar isso, faziam (risos). Mas um pouquinho ficou, ficou, né?
P/1– A gente conversou um pouquinho sobre o Casulo. Mas a senhora trabalhou com construção de casas, que não tem a ver com educação. Como foi esse trabalho das casas?
R– Olhe, primeiro a gente disse da Cáritas. Quem recebia alimento da Cáritas... eu tenho de mexer um pouquinho. Tá duro (risos).
P/1– Tá dormido, tá?
R– Dormido? Parece, assim, grossos, sabe?
P/1– Ai, que coisa.
R– Por exemplo... o que a gente falou?
P/1– Cáritas, tava falando da Cáritas.
R– Por exemplo, quem recebia alimentos devia melhorar sua casa, né? Ou ajudar a fazer ou melhorar, pelo menos. Então a gente viu, Irmã Germana, depois ela estava com isso; então o padre me pediu: "Olhe, agora você assume a Cáritas". A gente buscou para a escola uma professora do Nordeste que queria chegar para cá, e ela assumiu a escola e eu ficava com construção de casas. E então (pausa)...
TROCA DE FITA
P/1– Depois a gente volta para contar um pouco do trabalho das Cáritas. O que a senhora acha que mudou um pouco na organização social aqui do Brasil, depois que a senhora chegou? Porque a senhora estava me dizendo que mudou muito, né?
R– No Brasil eu conheço mais a região daqui, né?
P/1– E daqui, exatamente, o que a senhora acha que se transformou?
R– Olhe, quando nós chegamos, o pessoal, a gente viu que era descendente de índio, né?
P/1– Visualmente? Profundamente, né? A cara era...
R– Como? A cara, penteado, é tudo, né? Com a televisão, mudou muito. Eu acho que é, não é Irmã? Eu acho que foi a televisão que trouxe uma mudança rápida.
P/1– Mas que tipo de mudança a televisão trouxe?
R– O modo de vestir. E acho que toda a vida familiar. E depois também o pessoal se interessava mais pelo estudo.
P/1– Antes?
R– Não!
P/1– Quando chegou a televisão?
R– Sim, eu acho. Porque antes eles... as crianças deviam ir na roça, deviam ajudar, não sei o que... e depois não, os pais, muitos, querem que estudem.
P/1– Isso foi uma transformação?
R– Sim, eu acho que foi uma transformação.
P/1– E um pouco na parte... eu acho que houve muita transformação na parte política. Quando a senhora chegou aqui, estava começando a Ditadura Militar...
R– Demais! Olhe, era Arena e PMDB; PMDB não, MDB. E pronto. Em outra coisa não se falava, como em toda parte. Aqui em Juruti Velho, é interessante, sempre foi o MDB que ganhou.
P/1– Mas que tipo de MDB?
R– Não é muito do... era mais um negócio, assim, de poder, né? Não é tanto de ajudar, o MDB, a mudar a região. Simplesmente uma luta pelo poder - eu vejo assim, não sei. Eles dizem que não. O Jader Barbalho conseguiu se levantar aqui em Juruti.
P/1– Ah é?
R– A primeira vitória dele foi aqui em Juruti. E o povo tem orgulho e ele diz também com muito orgulho.
P/1– Mas aí, depois disso, começou uma organização maior dos trabalhadores.
R– Sim. Quando começou o PT. Olhe, na primeira eleição foram setenta e poucos votos pro PT.
P/1– É uma tradição do PT no Brasil haver uma relação do PT com a Igreja. Houve uma relação aqui também?
R– Aqui também.
P/1– E a senhora ou a Igreja, sua congregação, teve uma atuação forte nisso?
R– Sim. A gente ajudou.
P/1– Como foi?
R– A gente ajudou no sentido de mostrar que outra política é possível. Que o povo tem direito, o povo tem poder se eles se unirem... e podem fazer outro Brasil.
P/1– Mas isso falando com as pessoas na igreja? Como é que acontecia isso no dia a dia?
R– Olhe, na primeira eleição do PT aqui eram sete votos (risos). Certinho: sete votos.
P/1– E aí foi juntando mais as pessoas?
R– Foi. Se explicou que os direitos que o povo tem e o poder que pode ter. Então, agora o prefeito, Henrique... eu acho que é a segunda vez, não é? Segunda vez que o PT ganhou.
P/1– Inclusive no Governo daqui é o PT.
R– Isso. Mas antes era só o PMDB. PMDB e Arena, PDB.
P/1– Mas houve uma reação muito forte por parte do PMDB ou da Arena contra, contra...
R– Houve, contra o PT.
P/1– É?
R– Sempre colocaram que não presta, não sei o que... às vezes horrível (risos).
P/1– E as pessoas? Havia uma tradição de mobilização política aqui antes?
R– Houve.
P/1– Mas antes. Porque tem regiões no Brasil de muita tradição. Por exemplo, Recife: tinha tradição de mobilização no campo. Como era aqui?
R– Não, neste ponto não. Mas era simplesmente o PMDB. Eles chegaram e colocaram que o PT não presta, esse não presta, só o PMDB presta; aqui na região, né? Era mais um líder pessoal, o Nilse, né?
P/1– Ele era do PMDB?
R– E o pessoal votava nele. Muitas vezes nem votava tanto no PMDB do que nele, né.
P/1– E aí isso foi se transformando com o tempo?
R– Foi. Sempre um pouquinho mais, um pouquinho mais, um pouquinho, até que...
P/1– Além dessa mudança política teve também uma mudança econômica aqui, que foi com a chegada da Alcoa.
R– Da Alcoa, mas isso foi nos últimos anos.
P/1– Agora.
R– Sim, é.
P/1– E a mobilização do PT é dos anos 80?
R– Desde que o PT existe.
P/1– É, 80 mais ou menos.
R– Sempre conseguiu um pouquinho mais, um pouquinho mais... até...
P/1– Foi um trabalho contínuo aqui?
R– Foi um trabalho contínuo, contínuo.
P/1– Seu também?
R– A gente ajudou (muitos risos). Porque a gente viu que assim não podia continuar, né? A gente achava que se realmente queremos um progresso, tem de mudar a política. Porque eram sempre os mesmos no poder, sempre os mesmos, a mesma família.
P/1– Agora, pra mudar isso tem que mudar muito quem vota, né? As pessoas. Aí houve uma reação das famílias às discussões que vocês estavam propondo ou não? Ou seja, as famílias se envolveram, rejeitaram, como é que foi?
R– Olhe, sempre foi mais no tempo da eleição. O pessoal ficava contra, sabe? Mas depois que passava a eleição (risos)... foi normal. Na outra eleição, de novo. Finalmente, eles acharam que “Agora está na hora”, que tinha que mudar de uma vez, né.
P/1– Já é o segundo mandato do PT aqui em Juruti?
R– Segundo mandato.
P/1– E isso trouxe mesmo mudanças pra cidade?
R– Eu acho que trouxe. O que você acha? [se dirige a uma terceira pessoa, que responde: “Como eu estava falando com ela de manhã, da conversa, do diálogo, de ter essa aproximação, isso facilitou pro pessoal, entendeu? A gente vê que o prefeito tem esse diálogo, essa aproximação. Não é aquela distância: agora que eu estou aqui, vocês vão pra lá. A gente vê que os grupos, a sociedade em geral tem essa participação no diálogo com o prefeito, de pedir ajuda, de ter aquela participação. A gente vê um sentido naquilo e cresceu.”] O povo ficou mais consciente, sabe?
P/1– Ficou mais consciente. Porque o Pará é um estado do Brasil muito complicado. É um estado que tem trabalho escravo, tem muita confusão aqui no Pará. Então é uma mudança grande.
R– Eu acho que o povo reconheceu mais os seus direitos, que eles também têm direitos. Antes o povo não reconhecia que tinha direitos, né?
P/1– Achava normal...
R– Normal. Política é isso: a gente vota e recebe em recompensa uma coisa, né.
P/1– É uma mentalidade bem brasileira, né?
R– E depois não. Depois "Olhe, eu voto, mas não só ter direito a qualquer presente, qualquer coisa; é ter também meus direitos de exigir". Eu acho que isso ficou muito mais consciente.
P/1– Agora vamos só voltar um pouquinho para completar. A senhora estava contando muito dos Casulos, aliás, eu fui lá. É muito bacana, muito bonito esse Casulo aqui. Nós fomos lá, tiramos fotos, muito bonito o espaço. Então a senhora me falou mais da educação. Eu queria, se a senhora puder, que me contasse um pouquinho do trabalho com as casas.
R– Com as casas? Olhe, como a gente já disse, começou com a Cáritas. A Cáritas pediu que melhorasse a moradia. Então, nos primeiros dois anos só foi conserto de casa. Se fosse de palha, consertava; se fosse de madeira, consertava. E então a gente viu que só consertar casa e continuar com casa de palha não traz futuro. Eternamente a mesma coisa, né?
P/1– Fora aquela parte horrível que a senhora me falou.
R– É. Então a gente falou com o pessoal: "Olhe...". A Irmã trabalhou depois na enfermagem e pedira para eu assumir. Eu conversei com o pessoal, né? "Olhe, se a gente continua assim, a gente nuca sai disso: consertar casa, consertar casa. A gente tem que fazer de material melhor." Então tinha gente do Nordeste aqui e disse: "Olhe, nós no Nordeste fazemos “adubio"” - adubos, né? Não é que chama aqui?
P/1– Adobe.
R– O pessoal do Nordeste disse isso para gente. "Então vocês façam uns e mostrem pra gente como se faz, que material se usa, pode ser que a gente possa fazer." Primeiro a gente quis fazer de tijolo mesmo, mas ninguém sabia mesmo a massa, composição.
P/1– Aqui não tinha casa de tijolo.
R– Não tinha.
P/1– Eu vi muito de madeira.
R– Madeira e palha. A maior parte era palha ou madeira. Então eles experimentaram fazer: "Façam e experimentem. Façam um muro, uma coisa para experimentar".
P/1– Se funciona, se não cai!
R– Se funciona ou não. E a gente fez. Primeiro uma casinha e depois uns sanitários de experiência e o pessoal gostou.
P/1– E como é que funcionava? O próprio pessoal que construía, como era?
R– A gente fez assim: quem era da Cáritas, se juntava. Sempre seis, sete, um grupo. No início parece que eram 30 pessoas que se animaram. Olhe, bem no início foi uma pessoa que continuou. Uma pessoa. Disse: “Mesmo que vocês não queiram...” - porque caía e ficava fraco - "Não, a gente não quer. A gente quer fazer de madeira". Mas ele ficou e fez. Depois a pessoa se agradou da casa de adobe. E a gente juntou depois “Quem quer?”, foram primeiro 30 casas: 30 pessoas, 30 casas.
P/1– Em que região foi?
R– Toda a região por aqui.
P/1– Mas foi em uma comunidade ou queria quem quisesse?
R– Quem quisesse entrar, podia.
P/1– E o que precisava para a pessoa entrar?
R– Para entrar precisava a vontade de fazer uma casa e... por mês... foi assim. A gente, depois, com a LBA, fez a proposta. A gente queria a ajuda da LBA numa casa de palha ou de barro. Eles disseram que não davam. Então a gente disse que ia fazer de adobe, eles disseram: "Então vamos ajudar" e eles deram uma pequena ajuda. Deu, parece que só a quarta parte da casa. E ainda a gente disse: "Vamos nos virar para receber de outras entidades e um quarto do custo é de vocês", das pessoas.
P/1– Eles tinham que pagar, então?
R– Um quarto... pagaram né. E dois quartos a gente recebia: um quarto da Alemanha e um quarto a gente conseguiu com gente conhecida que estava interessada e ajudaram. Então foi dividido em quatro partes e não era muito pesado, assim. No primeiro ano fizemos adobe, só adobe; cada grupo fez adobes. No segundo ano foi construir só mesmo as quatro paredes e a divisão lá dentro.
P/1– Ah, então ficou um ano produzindo só o adobe, tijolo...
R– Porque eram para sete casas, ninguém queria ficar atrás: “Pronto, então vocês fazem primeiro para todas as casas.”
P/1– Pegava o barro no rio?
R– Não. Tem o... como se chama? É um barro especial, um barro branco.
P/1– E que pega...
R– Especial que seca e fica forte, forte.
P/1– Então tem que ir numa região especial pegar esse barro?
R– Sim. Só tem perto do lago e não é em toda parte, não. Eles procuraram onde tem esse tipo de barro.
P/1– É o adobe, é o barro que faz o adobe.
R– Que dá o “adubo”, né?
P/1– É, é.
R– Então o pessoal fez. Por exemplo, eles fizeram, vamos dizer que gastaram dois para dois mil tijolos. Então fizeram só no sábado, até duas horas.
P/1– Esse era o trabalho? Todo sábado...
R– Todo sábado, até duas horas, fizeram "adubo". Depois a gente olhou e em cada grupo ficaria um pedreiro.
P/1– Certo.
R– Ele fez também a sua casa e ensinou aos outros a fazer parede. Com o tempo, quase todo mundo do grupo sabia assentar parede, tijolo e...
P/1– Eram basicamente homens ou eram mulheres?
R– Homens. Raro ter mulher porque o trabalho era difícil, mas tinha umas mulheres que substituíam homens. Então, no segundo ano levantamos as casas. E entraram novatos, acho que 30; e no segundo ano já foram 70.
P/1– Foi crescendo?
R– Foi crescendo. Mas isso foi em Juruti, não é daqui, né? E no fim foram 150!
P/1– E aí foi renovando, quer dizer, os que já tinham adobe subiam a parede...
R– Olhe, quem já tinha, cada grupo devia dar um pedreiro para o grupo novo. Foi muito à base de colaboração.
P/1– A senhora tem a conta de quantas casas foram feitas, mais ou menos?
R– Olhe, a gente fez de 72 até oitenta e tanto... 87, mais ou menos.
P/1– Depois pararam de fazer?
R– Depois paramos porque cimento ficou caro. E muita gente depois já tinha condições de fazer mesmo suas casas, né? Fizeram mesmo, ajudaram mesmo ou fizeram só. Então foram cinco anos, ficaram numa construção. No primeiro ano era fazer "adubo", segundo era levantar, terceiro era só fazer, terceiro ano era rebocar; depois no outro ano era fazer umas divisões...
P/1– Dentro da casa.
R– Dentro da casa. Umas já foram, mas queriam mais, queriam cozinha; depois chegaram porque queriam também... porque eram só duas salas, para os pais e os filhos; depois chegaram "Olhe, nós queremos para os meninos e para as meninas.”
P/1– Foi sofisticando.
R– É, mesmo. E assim foi... em cinco anos a casa estava pronta.
P/1– Quer dizer, demorava cinco anos para ter a casa.
R– Cinco anos. Quem queria ficar, né, todo sábado.
P/1– E as pessoas desistiam muito também?
R– Poucos desistiram, poucos. E depois chegaram, em Juruti Velho: "Nós queremos também casa". Fizeram mais simples. Em Juruti fizeram mais sofisticado. Depois chegou Capitão, depois chegaram diversas comunidades que queriam também.
P/1– Então foi contaminando isso?
R– É. E outros fizeram só "adubo", sem querer em grupo.
P/1– A casa de adobe é melhor do que a casa de madeira?
R– Olhe, de "adubo" é igual a tijolo, e acho que é até mais resistente. A Dona Ceci sempre diz que a casa dela é mais resistente do que de tijolo, né. Mas é duro, para derrubar custa (risos).
P/1– Então, Irmã, a senhora fez um trabalho de educação que foi muito investido nos Casulos; um na área de casas...
R– E junto das casas, o pessoal, por exemplo, tinha gente que não podia pagar. Eles fizeram a roça para ter alimento para os Casulos, plantações.
P/1– Então, quer dizer, o Casulo envolvia... eu vi lá, a horta, dentro do Casulo, nós vimos, não foi?
R– Mas, olhe, “não foi começada a horta”, mas vai funcionar de novo.
P/1– Então todo Casulo tem uma horta?
R– Todo Casulo tem.
P/1– E são os pais que se responsabilizam pela horta?
R– Olhe, é a cozinheira. E ela convida os pais para ajudarem.
P/1– E essa mentalidade dos pais participarem e ajudarem é difícil?
R– Em Juruti foi fácil. Em Juruti Velho foi difícil (risos).
P/1– É diferente, assim, mesmo estando tão pertinho?
R– Em capital, que é mais perto, logo vizinha, foi muito fácil. Eles ajudaram de maior alegria.
P/1– O que a senhora acha que é diferente na comunidade, que uma tem mais possibilidade de entender isso e outra menos?
R– Eu não sei. É que houve muita gente que foi contra: "Mas olhe, isso é exploração, isso é...". Principalmente políticos, que botaram na cabeça deles, dizendo: "Olhe, quem se aproveita são eles!” – somos nós, né. "Eles que querem se aproveitar, com certeza tem muito dinheiro por trás!" e não sei o que...
P/1– E aí a população ficava mais desconfiada.
R– Ficavam. Até que notaram que não era e depois entraram também.
P/1– E quando a senhora veio para Juruti Velho?
R– Olhe, já chegava nos anos 70.
P/1– Aqui?
R– Chegava uma vez por mês, duas vezes por mês... para orientar as casas, orientar a horta, assim, né? Ficar mesmo, em 91.
P/1– Faz bastante tempo, faz quase 20 anos, praticamente.
R– É, em 91 para ficar.
P/1– E por que a senhora saiu de Juruti para Juruti Velho?
R– Olhe, em Juruti o artesanato, a gente viu que tinha gente que podia assumir; o Casulo, a gente fundou em 92 uma associação, né? E a associação assumiu os Casulos. Assumiu só em Juruti e agora assumiu todos. Eu só ficava lá, assim, para olhar, para orientar, assim... quando me chamavam. Agora...
P/1– É uma associação da própria sociedade? Foram as próprias pessoas que fundaram essa associação?
R– Sim. Olhe, eu disse: "Eu vou sair de Juruti, Juruti mesmo agora pode assumir! Se vocês querem que continue, vocês mesmos vão assumir". Demorou, demorou... "Ah, porque a gente não sabe.", "Vocês sabem! Eu sei que vocês sabem assumir.", "E como vai ser?", "Olhe, no início fazemos uma vez por mês reunião, uns meses, e depois vocês assumem." Depois da quarta reunião eu não fui mais (risos).
P/1– E não caiu?
R– Não! Até levantou!
P/1– É muito difícil isso, largar assim.
R– Eu larguei mesmo, disse: "Agora eu vou para Juruti Velho, lá tem outros trabalhos, outras coisas; eu não posso mais ficar aqui. Em Juruti vocês assumem todas as comunidades!".
P/1– E assumiram.
R– Tem mil trezentas e tantas crianças ao todo.
P/1– E o dinheiro hoje que vai pro Casulo vem da onde?
R– Chegou da LBA.
P/1– Ah, LBA? E ainda hoje é assim?
R– Não. A LBA, depois - eu não sei em que ano foi, acho que no ano cinqüenta e tanto - a LBA acabou.
P/1– A LBA no governo Collor ainda tinha.
R– Começou, tinha ainda, mas quase não funcionava mais. Não davam mais dinheiro ou davam pouco dinheiro, assim, sabe? E a gente tinha que brigar muito para receber. Por exemplo, eu escrevi uma vez uma carta dizendo: "O que vocês dão para uma criança por mês, dá para comprar cinco bombons... e vocês querem que a gente só compre bombons? Senão, a gente vai publicar uma vez isso!" Assim, depois sempre deram.
P/1– Deu resultado.
R– Deu resultado.
P/1– Aí a LBA acabou, né?
R– Acabou e o Estado assumiu em 85; disseram: "Agora vamos assumir" e deram 16 mil, mil por mês...
P/1– Mil para cada Casulo? 16 mil por mês para cada Casulo...
R– Não, não. Eram trinta e tantas turmas. Não deu mil, não. E com três, quatro, cinco meses de atraso. Hoje em dia a LBA não dá mais nada. Não existe mais, mas o Estado não dá mais nada.
P/1– E como vive o Casulo?
R– A Prefeitura assumiu. A gente prometeu ao prefeito que se ele assumisse o Casulo, nós iríamos ajudar ele a ganhar (risos).
P/1– A senhora entrou na política (risos) de verdade!
R– E pronto! Ele sempre tinha os filhos dele no Casulo e gostava, sabe? Ele disse: "Eu vou ajudar, mesmo que vocês não me ajudem. Se eu ganhar, eu vou ajudar."
P/1– E aí a Prefeitura entrou...
R– A Prefeitura parece que dá 70 mil por mês... ou por ano? Nem sei mais... acho que por mês... não, por ano.
P/1– E aí a senhora largou o Casulo com as associações. E as casas, a senhora também largou com as associações?
R– As casas a gente largou por necessidade porque não conseguimos mais, assim, sustentar a coisa.
P/1– Por falta de dinheiro, de recursos ou de tempo?
R– Faltou recursos. Nós não recebemos mais recursos para construção de casas, né? Então uns dois anos o povo financiou mesmo. O cimento depois subiu, tudo subiu.
P/1– E aí ficou complicado.
R– E a gente disse: "Sabe o que? Vocês agora se virem mesmo, façam suas casas. Se vocês precisarem de um pedreiro, uma coisa, podemos ajudar. Quer dizer, ele pode mostrar a vocês como se faz, como levanta uma casa e o resto é por conta de vocês."
P/1– E isso teve algum resultado? Quando fica por conta deles, o povo acaba se virando? Como é que aconteceu?
R– Olhe, nos primeiros anos se viraram ainda. A gente deu carro para buscar areia, para buscar pedra. A gente ajudava nesse sentido, ainda. Mas depois chegou a hora de eles se virarem mesmo.
P/1– Entendi.
R– "Porque vocês sabem, agora tem muito pedreiro; vocês sabem como dar. Antigamente não tinha pedreiros, mas agora tem e vocês se virem mesmo". E se viraram.
P/1– E aí a senhora veio pra cá?
R– Sim.
P/1– A senhora veio por quê?
R– Porque o povo pediu, pediu. E a gente queria sair de Juruti.
P/1– Quem queria?
R– Eu. E a Irmã Ávila queria ir para a África com a irmã dela; a Julieta ficou doente, ela pegou lúpus, tinha que sair; a Irmã Germana também queria e depois "Ah, também vou para a África" e foi para a África e pronto.
P/1– Então a senhora ficou...
R– Sobrou eu (risos)!
P/1– E a Irmã Joanita?
R– A Joanita não era...
P/1– Não estava aqui.
R– Não, não.
P/1– Ah, então sobrou a senhora. A senhora queria ficar aqui.
R– Sim. Então o pessoal quis, foi pedir a nossa superiora no Recife...
P/1– Para trazer a senhora pra cá?
R– Para eu chegar pra cá. "Então, se ela quiser!".
P/1– E a senhora queria?
R– Eu queria porque as comunidades aqui nunca receberam assistência mesmo.
P/1– É mais distante, né?
R– É. A gente chegava, mas em Juruti foi continuamente.
P/1– E aqui a senhora voltou a fazer o mesmo trabalho dos Casulos, das casas? Qual foi o foco do seu trabalho aqui?
R– Não. Os Casulos a gente já tinha... em 92, 91, eu saí, então eu disse: "Olhe, agora eu vou sair; ou vocês assumem ou acabam".
P/1– Não dá uma dor no coração falar assim?
R– Dá, mas eu acho que estava na hora. Se o povo vira de criança em adulto, tem de fazer duro. Tem de fazer duro! Eu tinha pena, sabe (risos)? Mas eu acho que foi necessário porque eles não podem eternamente estarem sujeitos a mim ou a outra (pessoa); eles têm que assumir mesmo. E o Jorge, o Jader, Maria Lúcia, eles assumiram muito bem, né? Eles chegaram muitas vezes ainda pra cá no primeiro ano.
P/1– Perguntando coisa...
R– Perguntando. Quando convidaram, eu fui, orientei. Agora, eu nunca me meti; se não pediram, eu deixei eles agirem mesmo.
P/1– E aqui, em Juruti Velho, qual foi o foco do seu trabalho? Onde a senhora entrou...
R– Olhe, na região eles pediram ainda para olhar um pouco para os Casulos. Aqui tem em seis lugares, tem seis turmas. Mas os outros, em um... ainda olhei isso e depois me meti mais na agricultura. "Olhe, gente, vamos ver se a gente planta, faz roças comunitárias." E fiz mais isso e depois eu me esqueci (risos)... chega num ponto que (risos)...
P/1– A senhora lembra ou tem vontade de falar um pouco o que representou a chegada da mineradora aqui ou não? A senhora é contra ou a favor?
R– Eu estou contra.
P/1– Eu ouvi falar que a senhora é contra, mas só isso; não ouvi falar mais nada.
R– Olhe, foi assim: eles chegaram e no início foram muito... toda semana estavam duas vezes aqui, né?
P/1– Aqui, falando com a senhora.
R– Conosco, falaram, não sei o que. E a gente realmente apoiava porque não sabia como era. Apoiava mas não foi contra, orientava. Eles perguntaram em que a gente podia ajudar. Eles disseram que iam ajudar, mas a gente disse que não queria ajuda pra não ficar dependente, né? (pausa) Agora chega o ponto (risos)... e pronto, chegaram: "Olhe, fale com os trabalhadores, por causa disso, assim...", sempre pediram opinião... e a gente, no início, fez a ponte para o povo e assim. Agora, depois, vamos ver onde já tem mineração e como é a mineração, né? Fomos para diversos lugares.
P/1– Lá tem mineração?
R– Lá tem mineração. Tem uma parte da Alcoa lá. "Olhe, vão para lá e conversem com o povo como é. Vão para Barbacena..."; Barbacena não, perto de Belém, grande. "Olhe, vão para lá..." Barcarena, é! "Vão pra lá, conversem com o povo. Sempre conversem com o povo para a gente ter uma noção de como é, se a gente pode apoiar ou não, se a gente vai apoiar ou não."
P/1– E aí?
R– Em todo ponto recebemos negativo: “Os trabalhadores ganham uma coisa mas, como um todo, não ajudam.”
R– (...) nos aconselharam: "Olhe, não vai trazer benefício como um todo", né?
P/1– Para a comunidade.
R– Para a comunidade. No início eles mostram e depois, o que não nos agradou... eles distribuíram presentes, sabe? Fizeram reunião e deram faca, deram isso, deram aquilo...
P/1– Igual aos portugueses, inclusive.
R– A gente disse "Igual ao que fizeram com os índios!".
P/1– Mas fizeram isso efetivamente?
R– Como?
P/1– Mas fizeram isso mesmo?
R– Fizeram! Fizeram bingo, fizeram coisa... e depois a gente disse: "A gente sente que vocês fazem como fizeram os portugueses como os índios".
P/1– E o que eles responderam?
R– Deixaram (risos), não fizeram mais. "Não! É para o pessoal que vai à reunião, para agradar...", não sei o que. Se precisam disso, não pode ser coisa muito boa. Porque se eles estão... se fosse mesmo, o povo nota: "Ah, eles são bons, eles ajudam", isso ou aquilo. Mas com presentes, compraram o povo e a gente achou meio...
P/1– Mas aí, Irmã, de qualquer maneira a Alcoa chegou.
R– A Alcoa chegou e a gente não podia dizer nada. A gente disse para eles. "Mas vocês foram no início, conversaram... e agora vocês são contra." Porque agora a gente sabe o resultado que vai ser, né.
P/1– E a senhora avalia que foi mesmo esse resultado ou foi um pouco melhor?
R– Não sei. Eu não... eu acho que, sabe, assentar-se aqui, 40 mil hectares, por enquanto já caia para a Alcoa.
P/1– Quarenta mil hectares de terra para fazer a mina...
R– De terra para... como é? Para explorar a bauxita, né? Eu acho muito.
P/1– Isso já está sendo feito dessa...
R– Não. Eu acho que são de 8 a 10 mil hectares explorados agora.
P/1– Houve algum tipo de benefício ou custo grande até agora para a comunidade, que a senhora avalia?
R– Olhe, a gente lutou, lutou, Juruti Velho, Acorjuv. A gente foi, acusamos todos os danos que já fizeram, todos os prejuízos que estão dando. Agora, tem de dar para Juruti Velho, para a Acorjuv, por mês, não sei quanto mas uma boa soma. 0,5% do lucro da exploração vai para a Acorjuv. Zero vírgula cinco por cento, isso que conseguimos.
P/1– Até agora só isso.
R– Só isso. Agora, é um bocado, sabe?
P/1– Isso talvez seja melhor aplicado, assim, na...
R– Agora a gente fez o planejamento de como vai ser aplicado esse dinheiro para que 23 comunidades sejam beneficiadas. Pelo menos é a primeira vez que uma mineração tem de pagar para o povo.
P/1– É verdade.
R– Primeira vez no mundo! Agora, como é... Gasolina? Não...
P/1– Petróleo? Petrobras?
R– Petróleo... a Petrobras, é. Eles dão, ajudam, né? Por exemplo, eles deram para as crianças de Abelha, Paraíso. Mas por conta própria, né, não por exigência. E eles dão o que eles querem dar. Mas a Petrobras, a Acorjuv, têm de dar, é obrigação. E tem agora de pagar todos os prejuízos que já fizeram e é muito!
P/1– E vão pagar?
R– Tem que pagar! É tudo na Justiça, quem controla tudo isso é a (pausa)... Doutor... [Alguém fala “Drº Dilton?”] Não, Doutor Moraes, Raimundo Moraes. O que ele é? É do governo.
P/1– Ministério Público?
R– Ministério Público, vai tudinho pelo Ministério Público, que recebe, repassa, vai ver como está aplicado.
P/1– É uma evolução também, uma mudança.
R– É! E grande!
P/1– Muito grande.
R– Todo mundo: "Mas como que vocês conseguem?". Nós conseguimos. A gente é contra, contra, contra até que pagam. E agora tem outro já que exigem também, por exemplo, o Geminar, já exploram há mais de dez anos. Explorando mesmo, né. E agora também vão começar a exigir. E outros que vão começar, também já entrem com (risos)...
P/1– Ou seja, um modelo de atuação, né?
R– Sim, que está para fazer, vocês só devem ser firmes (risos).
P/1– Irmã, eu vou deixar porque a senhora está cansada e eu tenho que ir embora. Eu queria fazer uma última pergunta, é pro futuro. A senhora ainda tem um grande projeto, um grande sonho pra cá?
R– Não. Eu não tenho, não (risos). Olhe, eu nunca tive grandes sonhos, grandes projetos. Foi conforme... em Juruti não, em Juruti planejamos isso, aquilo, não sei o que; aqui não. A gente está aqui e o que o tempo exige; o que a população quer, apoiamos.
P/1– É essa a sua missão.
R– Isso agora aqui em Juruti Velho, é isso; sempre o povo diz o que é necessário. E a gente age. Claro que surgem outras coisas, mas a gente age mais adaptados para deixar o povo decidir. Agora, acompanhamos com o povo esse planejamento.
P/1– A senhora vai para a Alemanha?
R– Eu vou paro o ano. Paro o ano de 50 anos de vida religiosa e vamos todos nos encontrar lá. Irmã Gertrudes vai, Irmã Joanita vai, essa turma, então eu vou ainda.
P/1– Tá bom! Muito obrigada pela entrevista.
R– Me desculpa, eu não estava bem.
P/1– Desculpa a mim por insistir tanto.
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