Para quem teve uma infância como a minha, uma casa é mais do que um teto para proteger você do sol e da chuva. É uma das coisas mais importantes da vida. Nunca tive nada que fosse meu. Na infância, pulei de orfanato em orfanato e nunca me apeguei. Vivia na miséria e já dormi com a barriga roncando vezes sem conta. Sem família e sem meu próprio canto, sonhava em, um dia, ter uma casa para chamar de lar. Mas parece que o mundo conspirou contra mim e quase não consegui. Foi só quando resolvi erguer a obra sozinha, tijolo por tijolo, que consegui realizar meu sonho. Foram quase 17 anos desde a demarcação do terreno até o último reboco.
Comecei a erguer minha casa em 1996 depois de fazer um curso grátis de pedreiro que durou três meses. Mas, como vivia sem dinheiro, passava semanas com a obra parada. Às vezes não mexia em nada por seis meses! Precisei ter muita perseverança para aguentar até o final, mas o esforço não me desanimou. Bastava lembrar como eu me sentia vulnerável na infância, vivendo sozinha na rua sem brincar ou rir e sempre preocupada em chegar viva ao dia seguinte. Não é que eu nunca tenha tido dinheiro para pagar um pedreiro. Em 1985, me divorciei do Serafim, meu então marido, e a separação me rendeu um terreno e uma pensão de R$ 300 durante um ano. Juntei essa grana para construir minha primeira casa. Ela teria apenas sala, banheiro, cozinha e um quarto. Contratei os profissionais, que disseram que me entregariam a obra em três meses, e fiquei toda feliz.
Achei que meu sonho estava próximo. Que nada... Três meses depois, a casa estava totalmente inacabada e meu dinheiro já era. Os pedreiros foram uns picaretas que só queriam saber da grana e não cumpriram o combinado. Como estava morando de favor e não sou folgada, me mudei para a obra. As paredes estavam de pé, mas o chão era de terra e crescia até mato lá dentro. Também não tinha água nem eletricidade. Eu tomava banho frio de mangueira e...
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Para quem teve uma infância como a minha, uma casa é mais do que um teto para proteger você do sol e da chuva. É uma das coisas mais importantes da vida. Nunca tive nada que fosse meu. Na infância, pulei de orfanato em orfanato e nunca me apeguei. Vivia na miséria e já dormi com a barriga roncando vezes sem conta. Sem família e sem meu próprio canto, sonhava em, um dia, ter uma casa para chamar de lar. Mas parece que o mundo conspirou contra mim e quase não consegui. Foi só quando resolvi erguer a obra sozinha, tijolo por tijolo, que consegui realizar meu sonho. Foram quase 17 anos desde a demarcação do terreno até o último reboco.
Comecei a erguer minha casa em 1996 depois de fazer um curso grátis de pedreiro que durou três meses. Mas, como vivia sem dinheiro, passava semanas com a obra parada. Às vezes não mexia em nada por seis meses! Precisei ter muita perseverança para aguentar até o final, mas o esforço não me desanimou. Bastava lembrar como eu me sentia vulnerável na infância, vivendo sozinha na rua sem brincar ou rir e sempre preocupada em chegar viva ao dia seguinte. Não é que eu nunca tenha tido dinheiro para pagar um pedreiro. Em 1985, me divorciei do Serafim, meu então marido, e a separação me rendeu um terreno e uma pensão de R$ 300 durante um ano. Juntei essa grana para construir minha primeira casa. Ela teria apenas sala, banheiro, cozinha e um quarto. Contratei os profissionais, que disseram que me entregariam a obra em três meses, e fiquei toda feliz.
Achei que meu sonho estava próximo. Que nada... Três meses depois, a casa estava totalmente inacabada e meu dinheiro já era. Os pedreiros foram uns picaretas que só queriam saber da grana e não cumpriram o combinado. Como estava morando de favor e não sou folgada, me mudei para a obra. As paredes estavam de pé, mas o chão era de terra e crescia até mato lá dentro. Também não tinha água nem eletricidade. Eu tomava banho frio de mangueira e bacia. No escuro, pra piorar. Minha casa era de alvenaria, mas tinha até barraco que era melhor. Vivia num quarto banheiro com meu filho Fiz os reparos conforme meu salário de faxineira Como eu cobrava cerca de R$ 30 a diária, fazia uns R$ 600 por mês e olhe lá. Em 1991, após o término de mais um relacionamento fracassado, resolvi dividir minha casa em duas e alugar uma das partes. É que descobri que o meu “amor” já era casado e ele me largou mesmo depois de eu falar que estava grávida. “Aborta”, disse. Mas eu não faria isso nunca! Resolvi ter o bebê e, usei minhas magras economias para a reforma.
O aluguel me ajudaria a garantir o sustento do meu filho. O Luiz Carlos sempre teve o que comer, mas meu sonho de ter um lar ficou reduzido a um quartinho com banheiro. A sala e a cozinha ficaram alugadas a um inquilino, rendendo uns trocados para complementar os bicos que eu fazia. Em 1996, quando meu filho tinha quatro anos, vi um anúncio na TV sobre um curso de pedreiros que aceitava tanto homens quanto mulheres e, o melhor, era de graça. Eu, que nunca tive profissão, vi aí a oportunidade de diversificar minha fonte de renda e de construir uma casa sem gastar tanto. Fiz um curso grátis de pedreiro por 3 meses Fiz a inscrição na mesma semana e, quando o curso começou, fiquei inspirada.
Aprendi o que era argamassa, os diferentes tipos de telha, cano, pregos e muito mais! Descobri que primeiro é preciso fazer a fundação da obra, que o concreto-armado funciona como se fosse o esqueleto da casa e que não adianta só colocar um tijolo sobre o outro. A casa precisa de vigas e colunas para sustentação. O curso não ensinava a bolar o projeto da obra, mas isso eu poderia pegar de graça na prefeitura da cidade. Comecei a sonhar de novo já dentro da sala de aula, um ambiente machista onde escutei muito que lugar de mulher era na cozinha.
Ah, se eles soubessem... Como eu tinha espaço no meu terreno, resolvi colocar meus novos conhecimentos de construção civil em prática. Juntei dinheiro e peguei a planta. O nome do programa que oferece o serviço é Planta Popular e toda cidade tem. Basicamente, a prefeitura tem alguns modelos padronizados de obras simples para que a gente não tenha que gastar com arquiteto. Como obra é um negócio complicado e três meses não me transformaram numa expert, pedi ajuda ao instrutor do curso, o João, para delimitar o espaço e fazer a fundação. Ele foi muito prestativo. Me deu vários toques que me ajudaram durante todo o processo e, quando tinha alguma dúvida e precisava de opinião, falava com ele! Trabalhei na minha casa sozinha nos dias em que não tinha faxina pra fazer. Misturei muito cimento, improvisei andaimes e levei vários carrinhos de mão carregados de material de um lado para o outro.
O Luiz Carlos ficava sempre por perto brincando. Às vezes, quando eu estava pendurada na obra, ele me passava uma ferramenta ou um tijolo. Uma graça! Mas nunca o coloquei em risco. Nas minhas folgas, eu ficava na construção do raiar do dia ao pôr do sol, tomava chuva e até me esquecia de comer. Ficava esgotada, cheia de dores no corpo e bolhas na mão. Não ter ajuda foi mais barato, mas também demorado. Uma obra tem muitas etapas: terraplanagem, quando a gente nivela o solo; infraestrutura, quando a gente ergue a armação da casa; alvenaria, quando subimos as paredes e por aí vai. Foram anos de muito prego, cimento, telha e reboco! Eu só podia investir no lar quando o dinheiro da faxina sobrava, o que explica porque levei 17 anos para terminar.
Meu filho cresceu com a casa e sonhou junto comigo! Quando terminei de erguer as paredes e fechar o teto, resolvi alugar meu quarto com banheiro para ter mais um dinheirinho. As faxinas estavam fracas e a nossa situação precária. Vivi numa obra mais uma vez e dormia com meu filho na sala, sem o menor conforto, porque o quarto não estava terminado. As janelas estavam fechadas com tapumes e ainda tinha muito buraco pra cobrir, então entrava água toda vez que chovia. Foi um sufoco por mais de ano e eu ficava triste por expor o Luiz Carlos a essa situação, mas no final valeu muito a pena.
Como a casa, meu filho tem fundações sólidas. Ele dá muito valor ao que tem! A maior felicidade da minha vida foi terminar minha casa em 2013. Ela tem 97 m2, divididos em oito cômodos: dois quartos, uma suíte, banheiro, sala, cozinha, área de serviço e garagem. A obra demorou tanto para ficar pronta que não faço ideia de quanto gastei. Só sei que não foi nada perto dos R$ 250 mil em que o imóvel foi avaliado por um consultor este ano. Uau! Minha parte preferida da casa é a entrada. Adoro sentar ali para ver o movimento da rua e das pessoas. Claro que ainda acho que tem coisas a melhorar, principalmente na parte da decoração. Mas, hoje, eu me sinto capaz e orgulhosa de ter finalmente conquistado meu sonho. Ver aqueles pregos e aquelas paredes se transformarem aos poucos num lar foi uma sensação indescritível. Agora sim eu tenho um espaço para chamar de meu.
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