Por Rogério Dias
Histórias de jovens moradores das periferias dos grandes centros que encontraram na arte, não apenas uma identidade, mas um meio de vida, tornam-se cada vez mais recorrentes. Em uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais e econômicas, a vulnerabilidade de jovens negros e pobres é algo concreto e presente em nosso cotidiano. Embora as dificuldades de acesso tenham sido reduzidas com o passar dos anos, elas ainda persistem em grande escala. A arte, a produção dos chamados “bens culturais”, de uma forma geral, tem proporcionado alternativas interessantes para muitos jovens que vivem sob o contexto de risco social. É o caso do educador social e professor de dança, Márcio Silva, de 37 anos. Morador da região Leste de Belo Horizonte, ele iniciou sua história como dançarino aos onze anos de idade, quando criou um grupo de dança de rua chamado Lion Dance com alguns amigos. Sua primeira apresentação ocorreu no BH Canta e Dança.Realizado na Praça da Estação, na época o principal evento dedicado à produção artística – funk, rap e dança de rua- dos jovens das vilas e Favelas de Belo Horizonte. “O BH Canta e Dança foi a realização de um sonho pra mim. Poder subir ao palco de um evento de grande porte, no centro de Belo Horizonte era algo inimaginável. Eu dividi aquele espaço com pessoas conhecidas no cenário cultural, como o DJ Walmir, DJ a Coisa, Evandro Emeci, além disso o público médio era de 10.000 pessoas, então era algo que mexia com a cabeça de qualquer adolescente. Subir ao palco, me expressar, ser aplaudido, era, para mim, a afirmação de que um jovem negro poderia vencer e ser alguém através da arte”, conta. Márcio acrescenta ainda que aquele momento funcionou como uma espécie de porta para a sua carreira artística, o que abriu outros horizontes para o seu trabalho. “Foi ali que tive a certeza de que queria trabalhar com arte, independente de ter...
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Por Rogério Dias
Histórias de jovens moradores das periferias dos grandes centros que encontraram na arte, não apenas uma identidade, mas um meio de vida, tornam-se cada vez mais recorrentes. Em uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais e econômicas, a vulnerabilidade de jovens negros e pobres é algo concreto e presente em nosso cotidiano. Embora as dificuldades de acesso tenham sido reduzidas com o passar dos anos, elas ainda persistem em grande escala. A arte, a produção dos chamados “bens culturais”, de uma forma geral, tem proporcionado alternativas interessantes para muitos jovens que vivem sob o contexto de risco social. É o caso do educador social e professor de dança, Márcio Silva, de 37 anos. Morador da região Leste de Belo Horizonte, ele iniciou sua história como dançarino aos onze anos de idade, quando criou um grupo de dança de rua chamado Lion Dance com alguns amigos. Sua primeira apresentação ocorreu no BH Canta e Dança.Realizado na Praça da Estação, na época o principal evento dedicado à produção artística – funk, rap e dança de rua- dos jovens das vilas e Favelas de Belo Horizonte. “O BH Canta e Dança foi a realização de um sonho pra mim. Poder subir ao palco de um evento de grande porte, no centro de Belo Horizonte era algo inimaginável. Eu dividi aquele espaço com pessoas conhecidas no cenário cultural, como o DJ Walmir, DJ a Coisa, Evandro Emeci, além disso o público médio era de 10.000 pessoas, então era algo que mexia com a cabeça de qualquer adolescente. Subir ao palco, me expressar, ser aplaudido, era, para mim, a afirmação de que um jovem negro poderia vencer e ser alguém através da arte”, conta. Márcio acrescenta ainda que aquele momento funcionou como uma espécie de porta para a sua carreira artística, o que abriu outros horizontes para o seu trabalho. “Foi ali que tive a certeza de que queria trabalhar com arte, independente de ter ou não um retorno financeiro. Ali já era uma porta, uma opção para que eu não me envolvesse com a criminalidade, não ficasse a mercê dessas coisas”, reflete. De iniciante a mestre Anos depois, em 1998, Márcio teve seu talento notado pelo professor de dança Ronaldo Dias, que desenvolvia um trabalho social com jovens da periferia, e ganhou uma bolsa de estudos e apoio logístico para que pudesse aprender dança de salão, o que abriu novas perspectivas. Em 2002, ao lado do seu irmão Marcos Jefferson e o amigo Warley de Carvalho, Márcio participou de diversas atividades educativas em comunidades como o Granja de Freitas e o Alto Vera Cruz e aquele foi o começo de uma nova fase em seu trabalho. Foi durante as ações nos centros culturais, com o apoio do programa Fica Vivo e do Grupo Cultural NUC, que eles tiveram a ideia de desenvolver oficinas de dança para os jovens. “Esse projeto foi criado com o objetivo tornar a arte acessível por meio da dança, abrindo a possibilidade de que alguns deles, adolescentes, se tornassem agentes multiplicadores e formadores de opinião”, diz, reforçando o caráter transformador da arte na vida dos jovens. Nascido e criado em uma realidade com poucas opções, Márcio enfatiza que a dança foi uma alternativa ao que poderia ter sido uma vida de crimes e sem perspectivas. “Eu percebo que hoje os jovens de periferia enfrentam os mesmos problemas que eu enfrentei: falta de estrutura familiar e ausência de oportunidades reais. A chance que eu tive é a que muitos deles querem ter, e, por se identificarem com a minha historia, sou sempre muito questionado e conto pra eles porque escolhi a arte e a cultura para a minha vida. Falo abertamente sobre as coisas que aconteceram comigo, as discriminações, as violências que sofri, e, principalmente, afirmo que o que me levou a estar vivo foi justamente a dança. Ela não me deixou rico, mas consegui o respeito das pessoas e hoje é o meu trabalho, o que me sustenta”, afirma. O projeto desenvolvido em 2001 e mantido ainda hoje por Márcio e seus amigos foi batizado de Bart Coxa, um trocadilho com o termo “bate-coxa” muito atribuído às danças de salão, e ao personagem Bart Simpson, que virou uma espécie de mascote do projeto. O Bart Coxa oferece aulas gratuitas de dança de salão, focadas principalmente no Forró Pé de Serra e já atendeu mais de 2000 jovens moradores das vilas e favelas,com idades que variam de 14 a 24 anos. Histórias que se repetem Além da oportunidade de repassar seu conhecimento adiante, Márcio pôde conhecer histórias muito parecidas com a sua, cujo desfecho poderia ter sido outro, não fosse a intervenção das artes. “Há uns cinco anos atrás tive um aluno envolvido com o crime. Ele não podia andar muito porque estava em ‘guerra’ com outros grupos, então ficava confinado ao quarteirão da sua casa. Só conseguia sair do morro de carro, escondido. Então ele começou a frequentar minhas aulas, fomos nos aproximando, ficamos amigos. Ele gostou da forma como foi tratado lá, e um dia me disse que queria mudar de vida. Daí veio o interesse pelo esporte e pela dança. Ele começou a fazer judô, mas continuou comigo por um ano. O aconselhei a conseguir um trabalho e foi o que ele fez. No caso deste adolescente, entre outros alunos que tive, ele se tornou especial. Ainda mantemos contato. Hoje ele não dança, mas trabalha, se juntou a uma menina, e quando nos vemos percebo que ele tem o respeito como forma de gratidão”, recorda, enfatizando que a arte, quando bem utilizada, abre novas possibilidades aos jovens de baixa renda”, conclui.
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