P/1 – Bom dia, Rosa.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiramente eu agradeço a sua participação no projeto do Museu da Pessoa de conceder um depoimento sobre a sua história de vida, de trajetória pessoal e profissional.
R – Tá bom .
P/1 – Rosa, eu gostaria de começar, então, pedindo que você nos forneça o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor.
R – Meu nome é Rosa Maria Batista de Souza, eu nasci em Machado, Sul de Minas Gerais, no dia 27 de Fevereiro de 1945.
P/1 – Em relação aos seus pais: os nomes deles e você conhece a origem da sua família, tanto paterna quanto materna?
R – É, o meu o pai era Jorge Batista de Souza, minha mãe Armanda Costa de Souza, e eu não conheço a origem porque eu me separei de meus pais aos quatro anos. Fiquei até os oito com a minha vó paterna e naquela época não se falava muito pras crianças assuntos de adultos porque, assim, de onde eu venho pra onde eu vou, não havia esse hábito. Mas, assim, eu sei que a mãe da minha mãe era caiapó, índia, caçada a laço pelo meu bisavô que era mascate e tinha uma origem árabe e é só o que eu sei da família da minha mãe. Do meu pai não sei nada. Eu costumava brincar, depois de algum tempo, eu brincava que eles eram pigmeus porque eram todos bem negrinhos, bem negrinhos e pequeninhos, baixinhos. Não eram anões, eram baixinhos. E não sei.
P/1 – Profissão do pai você sabe?
R – Meu pai era tintureiro. Ele foi tintureiro, corretor de seguros, motorneiro.
P/1 – Em relação a irmãos, você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho dois irmãos legítimos e dois ilegítimos. Nós somos em três, meus irmãos mais eu, Valdomiro Batista de Souza Neto, que sumiu em 65, desapareceu e o Luiz Carlos de Souza, que mora em São Paulo; somos os três. Depois, tem a Rosana Nables de Souza, que é filha do meu pai e tem o Paulo César, que é filho da minha mãe.
P/1 – Com relação a sua avó que te criou, fala um pouquinho dela e fala um pouquinho da sua infância, por favor.
R – Ah, da minha avó, sabe, eu me emociono porque ela era tudo pra mim. Meus pais se separam eu tinha quatro e eles me perguntaram: “Com quem que você quer ficar?”, eu falei que queria ficar com o meu pai, que eu era louca pelo meu pai. E meu pai me deixou com a mãe dele. Então, a minha avó Antonieta, era tudo pra mim, meu chão, meu céu, tudo. E, aos oito anos, ela faleceu. Foi uma tortura pra mim porque era véspera de São Pedro e a gente tinha passado a tarde toda fazendo merenda, que em Minas se chama merenda, fazendo broa de fubá, bolo de fubá, o biscoitos de polvilho, tudo pra festa de São Pedro, que nós faríamos no dia seguinte. E ela teve um acho que foi ataque do coração, alguma coisa assim, porque esse povo não costumava. E eu saí correndo porque minhas todas estavam no baile, na Liga Operária, e eu saí de noite, correndo pra buscar as minhas tias, avisar. Quando eu cheguei, ela já tava morta. Então, pra mim foi a maior tragédia da minha vida. Foi a maior tragédia. Depois disso, eu fiquei um tempo com a minha tia-madrinha irmã caçula do me que pai, mas ela não podia ficar comigo porque ela trabalhava numa casa de família, tal, e não podia ficar comigo. Aí, eu fui morar com o meu pai, depois de muito minha tia implorar pra ele me buscar ele foi e eu fui pra São Paulo, pra São Caetano do Sul...
P/1 – Mas antes de chegar a São Paulo, vamos falar um pouquinho de Minas? Lembra um pouquinho da sua infância, o quê que se brincava, você chegou a frequentar grupo escolar, como era uma infância em Machado, 45 também depois da Guerra. Como é que era foi isso?
R – Olha, eu acho que era normal. Eu tinha as minhas amiguinhas. Agora, eu sofri muito nesse primeiro estágio porque eu tinha dois primos, filhos da irmã mais velha do meu pai, a tia Maria José, ela vivia brigando com a minha vó e quando ela brigava ela estendia a briga a mim, entendeu, me maltratava e ela tinha dois filhos que eram barra pesada. Um dia, um me encostou na parede, ficou me segurando, o outro veio com fogo pra queimar minha cara. Eu uma vez viajei pra Poços de Caldas quando eu voltei eles disseram que... Eu tinha uma única boneca que era uma boneca de papel marchê e com roupinhas de crepe, era uma boneca que se usava naquela época, que os pobres tinham e, quando eu voltei, eles tinham operado a boneca e enterrado, disse que a boneca morreu na operação e enterraram. Eles fizeram muitas maldades. Um dia, o mais velho fez uma malcriação pra minha avó e eu tomei as dores, tal. Ele jogou o chinelo da minha avó em cima da cama -as camas eram altas e tal- e eu falei pra ele ir catar e ele não foi. Eu fui catar e no que eu fui, a minha vó era costureira, alfaiate, aquelas tesouras grandes, tal. Ele pegou a tesoura, acho que ele queria me espetar na minha bunda mas pegou na vagina e eu sangrei muito, muito, muito. Essa foi a primeira infância, entendeu? E que culminou com a morte da minha vó.
P/1 – Em relação a essa origem libanesa da família, alguma questão ligada a cultura libanesa perpetuou na sua família, alguma tradição, alguma coisa?
R – Que eu saiba não.
P/1 – Seu pai era imigrante ou seu pai já...
R – Meu pai não era. Meu pai não tinha nada que ver: era minha mãe. Era o avô da minha mãe. Era beduíno, era o avô da minha mãe e não que eu saiba porque minha vida foi muito isolada de família. E até hoje porque como eu não tive convívio com eles, conheci alguns, tal, mas não tenho aquela ligação, entendeu? E até hoje a minha família é o mundo, são meus amigos, não tem muita...
P/1 – Vamos falar, então, de São Paulo. Quando é que você pra São Paulo, pra São Bernardo?
R – Não, fui pra São Caetano do Sul, fui morar, pra você ver, na Estrada das Lágrimas, número 13. E lá foi um outro tormento porque eu tinha madrastas, que meu pai trocava de mulher a toda hora, tal. E meu pai era muito severo, batia muito. Um dia, num hiato das madrastas, eu fiz aniversário, porque, assim, com 11 anos eu fui violentada e, aí, não sei se por culpa ou não, meu pai perguntou o quê que eu queria de aniversário, coisa que ele nunca tinha feito. Aí, eu falei que eu queria a minha mãe e ele disse que vinha ao Rio pegar a minha mãe. Aí, ele veio ao Rio mas ele voltou com os meus dois irmãos porque, na separação, a mamãe tava grávida de um e tinha o outro que tava no colo ainda. Aí, ele voltou pra São Paulo com os dois meninos, sem a mãe. Aí, ele falou um monte de coisas sobre a mamãe, que não valia a pena, tal. E eu fiquei, eu era a dona de casa quando não tinha madrasta. Eu cuidava da tinturaria, cuidava da casa, cozinhava e ia pro Grupo Escolar, porque eu saí de Minas ainda sem terminar. E quando os meus irmão vieram também passei a ser mãe dos meus irmãos. Minha mãe, de repente, um dia ela apareceu atrás dos meninos e ela ficou um tempo lá. Um dia, ele mandou eu levar os meninos pra passear no parquinho, no Centro, e eu levei. Quando nós voltamos, a mamãe tinha ido embora, de novo. E, aí, ficou, nunca mais voltei a ver minha mãe (emoção). Aí, fiquei...
P/1 – Qual era o nome da tinturaria, você lembra?
R – Num lembro, num lembro. Acho que era carioca porque o apelido do papai era carioca, porque o estilo dele era todo carioca, não era paulista. E eu, aí, a mamãe foi embora, foi uma tortura de novo porque com 12 anos eu fui levada pro Juizado de Menores, porque uma das madrastas me viu enterrando calcinha no fundo do quintal. Eu não sabia o quê que era menstruação, então sangrava e eu, com os forros, porque naquela época, na tinturaria, papai trocava o forro dos paletós dos fregueses e os forros que estavam rotos eram trocados e ficava lá aquele retalho. E, dos retalhos, eu cortava e fazia a mão calcinha pra vestir. Quando sujava eu enterrava no fundo do quintal. Um dia, uma madrasta viu e... (choro)
P/1 – Emociona Rosa. Infância doída.
R – Nossa (emocionada)!
P/1 – Mas você deu uma volta na vida maravilhosa!
R – Com a Graça de Deus. Eu me considero uma flor nascida do lodo.
P/1 – Você deu uma volta maravilhosa.
R – Hum. E, aí, ela me viu enterrando a calcinha no quintal e fui contei pra ela porque eu tinha medo de contar pro meu pai. E, aí, ela começou a me explicar o que tava acontecendo, os cuidados que eu tinha que tomar. Quando ela chegou no sexo, eu perguntei pra ela se pai e filho podia fazer. Ela disse que “Não. Por quê?”. Aí, eu contei pra ela. Ela falou no Juizado de Menores e eles foram me buscar, me tirar meu pai do poder e eu fiquei no Juizado, assim, a primeira noite, os primeiros dias que eu passei no Juizado foi num lugar terrível que eu sempre fui muito, por causa de tudo, eu era muito interiorizada, eu era muito fechada. E tinha medo das pessoas, tinha medo do mundo, tal. O lugar que eu fui era na Rua Traipu, lá no Pacaembu. Tinha uma unidade do Juizado lá e lá as meninas eram as piores meninas que tinham, assim. Delinquentes, tal, e eu não me misturava a elas, que eu não gostava do modo delas. Então, elas me espetavam com agulha, elas me queimavam com cigarro que elas fumavam escondido e, pra eu não contar, elas diziam: “Olha aqui, sente que se você contar eu vou te queimar outra vez; aí, eu te queimo a cara”, entendeu? O fogo sempre me perseguiu. Aí, numa noite, eu dormi num lugar chamado Pensionato Maria Gertrudes. Eles, na Rua Traipu, perguntaram – eles viram o meu sofrimento – o quê que eu queria fazer, se eu queria trabalhar ou continuar lá. Eu disse que eu queria trabalhar. Aí, eu fui trabalhar numa casa, de babá, lá no Santo Amaro. Nessa casa eu fiquei um tempo. Um dia, a dona Ermelinda, que era a vigilante desse lugar, do Pensionato Maria Gertrudes, ligou, falou: “Ó, Rosa, você não quer vir pra cá, Rosa?” . E, aí, ela falou: “Aqui você pode estudar, você pode trabalhar, oque você quiser; tem meninas da tua idade” tal. Falei: “Eu quero” e meus patrões ficaram danados, danados. Ela fez um monte de chantagem, que o marido dela me levava e me trazia da escola noturna, eu falei: “Não, quero ir”. Aí, eu fui pro Pensionato e pra mim foi uma maravilha, foi a melhor fase da minha vida porque lá eu estudei, fiz vários cursos de Cerâmica, Botânica, Culinária, Bordados, era um lugar subsidiado pelos Diários associados à Rádio e TV Tupi e Radio difusora. Então, no Natal, os artistas iam lá. E a nossa patronesse era a Maria José Monteiro e eu, assim, me apaixonei por ela e foi um outro golpe na minha vida quando ela foi operar o estômago e faleceu.
P/1 – Você lembra da visita de algum cantor ou ator no Pensionato?
R – Ah, vários! Walter Foster, Wilma Bentivegna... Ela morava na esquina da Capote -esse Pensionato era na Rua Amália Noronha e na esquina da Amália com a Capote tinha a casa da Wilma Bentivegna- e quando ela vinha chegando em casa, que ela vinha passando na rua as meninas falavam: “A Wilma tá aí, a Wilma tá aí” eu subia correndo pro banheiro pra cantar, pra ver se ela me descobria . Porque a dona Maria José dizia que eu não podia ser cantora, que eu tinha que ser professora, tanto que eu fiz Escola de Arte equivalente ao normal; ela me botou pra fazer Inglês -lá que eu fiz meu Inglês- eu não podia ser cantora, de jeito nenhum: cantora era vagabunda.
P/1 – Quais são as suas primeiras lembranças com relação à música? Você sempre gostou de cantar, gostava de ouvir rádio? Como é que era?
R – Sempre. Eu sempre ouvi rádio. Lá em Minas não, lá eu não lembro da minha relação com música, não. Mas depois que eu fui pra São Paulo eu ouvia música, meu pai ouvia música sertaneja e ele gostava. Meu pai era um negro que... Naquela época, os negros e os brancos não se misturavam e o meu pai aonde negro não entrava, ele entrava, com um sorriso, a simpatia e o violão. Ele tocava e cantava. E minha mãe casou com o meu pai pra fugir do meu avô porque ela queria ser cantora: olha que louco. E, então, eu já tenho isso no sangue e, aos três anos, a gente morava aqui no Rio de Janeiro, a minha mãe me levou – a gente morava em Santa Teresa – no “Tabuleiro da Baiana”, que era um lugar que a Yara Salles tinha um programa uma vez por semana, ela me levou lá pra cantar porque tinha um concurso de crianças, tal. E ela me levou pra cantar e eu cantei Chiquita Bacana e ganhei o primeiro lugar.
P/1 – Canta um pedacinho de Chiquita Bacana.
R – (cantando) “Chiquita Bacana lá da Martinica”, ah, pera um pouquinho! Sem aquecer a voz, de manhã, não é bom, não. (pausa) “Chiquita Bacana lá da Martinica; se veste com uma casca de banana nanica” . E, depois, lá em São Paulo, com meu pai, eu me habituei a ouvir programa porque a gente acordava muito cedo, cinco horas da manhã, fazíamos ginástica, tomávamos banho frio, ele quebrava um ovo cru na boca de cada um de nós e nós íamos tomar café e tudo isso com o rádio ligado, na Música Sertaneja, Tonico e Tinoco, Joãozinho Limeiro e Zézinha, umas coisas assim. E dessa época o que eu lembro, era uma coisa que me marcava muito, que era um programa do Tonico e Tinoco, que era uma poesia que falava assim: “Toca bandinha, toca; vai tocar em outro lugar; vê se faz essa saudade; não bater...” não! “Toca, bandinha, toca, vê se toca sem parar; vê se faz essa saudade ir bater n’outro lugar; vê se faz o pensamento não pensar no que pensou; vê se faz o coração não amar como amou” uma coisa assim. E isso me marcou muito que eu nunca esqueci disso, da poesia que eles falavam. Aí, depois...
P/1 – Aí, nesse Pensionato quando você...
R – Foi no Pensionato porque os Diários Associados mandavam pra lá os discos que as Rádios não queriam mais e, aí, eu é que tomava conta porque eu era fissurada. Então, ali eu conheci e aprendi a gostar de música clássica, conheci o Jazz, Maurane, Bessie Smith, Billie Holiday, quer dizer, eu cresci ouvindo Frank Sinatra, todos eles. E, eu ouvia a música e macaqueava o som, cantando. E a dona Maria José viu e disse: “Essa menina tem dom pra línguas; vai aprender Inglês”.
P/1 – Você cantava em Inglês?
R – Ah, cantar jamais. Foi isso, eu sempre tive uma relação muito intima com a música, graças a Deus.
P/1 – E você ficou até quantos anos no Pensionato?
R – Então, eu tava com... Eu faço anos em Fevereiro e em Novembro minha tia, que é muito parecida com a minha mãe, apareceu. Em Novembro a minha tia Geni apareceu e eu achei que era a minha mãe e eu não quis receber, tratei muito mal, subi pros quartos e não quis descer pra falar com ela, nada. Aí, depois que ela foi embora, ela foi com a minha prima Cristina, toda arrumadinha, de vestidinho de organza, toda engomadinha e eu morrendo de ciúmes achando que a minha mãe tinha outra filha, entendeu e tratei muito mal. Aí, passou um tempo a minha mãe veio. Aí, eu conheci, tal, e a dona Nélia que era nossa Diretora disse: “Você vai completar 18 anos e vai ter que sair. O quê que você quer fazer da tua vida?”. Falei: “Eu quero ir embora com a minha mãe”, porque eu tinha um imaginário de mãe, como eu via a dona Nélia, a dona Ermelinda, que eram mães, assim, mãe padrão, mãe que cuida da filha, mãe que faz vestido pra filha ir no baile no final de semana. Eu achava que a minha mãe era assim. Aí, cheguei aqui no Rio...
P/1 – Que ano foi esse?
R – 62. Cheguei aqui no Rio e a mamãe morava numa casa de cômodos, foi a primeira bordoada porque, no pensionato, mesmo com o meu pai, a gente tinha uma casa boa. A casa do meu pai a frente dava pra uma rua e os fundos pra outra. Você imagina a Tinturaria era na frente, a gente morava nos fundos e era um lugar grande e confortável, tal; no Pensionato a mesma coisa: era uma casa de três andares, todo o conforto, tal. Quando eu cheguei aqui e vi uma casa de cômodos, marido brigando no quarto do lado com a mulher, eu falei: “Meu Deus, eu tenho que sair daqui”.
P/1 – Que bairro que era?
R – Era na Rua São Francisco Xavier. Quando eu saí de São Paulo, eu tava no terceiro estágio de Inglês, no Yázigi. Aí, eu falei: “O quê que eu vou fazer? Eu quero cantar”. Peguei os livros que eu tinha, pedi um dinheiro pra minha mãe, comprei um dicionário da Barsa e espalhei na vizinhança que eu dava aula de Inglês. Aí, a minha primeira aluna chamava-se Olga Maria, tinha sete anos, não ia na escola normal, tudo dela era feito em casa e a mãe me contratou pra dar aula de Inglês pra menina. Eu montava aula de madrugada, assim, eu acabei aprendendo também. Não podia fazer o meu curso e dava aula de manhã. Ela trouxe um primo, o primo trouxe um amiguinho, no final da temporada eu tava com oito alunos e me deu dinheirinho. Eu dava aula na parte da manhã e na parte da tarde eu ia procurar outro emprego. A filha de uma ex-patroa da minha mãe arrumou um emprego pra mim no IAPC, que o Instituto dos Comerciários, que não existe mais.
P/1 – Sua mãe trabalhava?
R – Minha mãe a única profissão que ela aprendeu foi tinturaria, com o meu pai. Ela era passadeira de tinturaria; trabalhava. E a mamãe era uma pessoa muito esfuziante, ela gostava de gente, ela gostava de unhas grandes, ela gostava de se pintar, gostava de Carnaval; eu era o oposto. Então, pra mim era uma tristeza ver a minha mãe tomando cerveja, indo no Carnaval, eu odiava aquilo, entendeu ? Coitada. E até eu me harmonizar com ela levou um tempo porque eram duas educações diferentes. E, onde eu tava?
P/1 – Você tava falando que arrumou um emprego no IAPC.
R – Eu arrumei um emprego no IAPC, naquela época diziam que eu entrei pela janela, sem fazer concurso. Aí, fiquei no IAPC até... Bom, aí, eu dava aula de manhã, à tarde eu ia pro IAPC, à noite eu conheci um senhor que tinha uma escola de idiomas no Marquês do Herval, ali na Rio Branco. Aí, ele me convidou pra dar aula de Português pra estrangeiros. Fui e como parte do pagamento eu tinha aperfeiçoamento no Inglês, noções de Francês e Espanhol.
P/1 – Mas, assim, como é que era um pouco o Rio daquela época. Você vivia de alguma forma a cidade? Você trabalhava muito mas você não viveu a cidade naquela época, 62, 63?
R – Não, eu não vivi. Vivi, assim, eu trabalhava durante a semana e no final da semana eu ia cantar. A primeira vez eu fui na Rádio Mairinque Veiga, primeira vez um fui num Programa da Rádio Mairinque Veiga chamado “Papel Carbono”. Aí, eu me propus a imitar Angela Maria. Mas, olha, tão ingênua que eu era, fui imitar a Angela Maria cantando uma música do Sílvio Caldas! Fui gongada e tal mas eu não desisti. Na Rádio Tupi tinha um programa do Rossini Pinto e não me lembro o nome do programa. Aí, eu fui no Rossini Pinto, cheguei lá, o primeiro dia cantei uma música em Inglês e outra em Português. Nós tínhamos um cantos que era a coqueluche das meninas, chamado Demetrius, e ele gravou uma versão masculina de uma música chamada Runaround Sue, que era uma música americana. E o Demetrius fez uma versão pra homem e eu peguei essa versão dele e adaptei pra mulher. Fui cantar, os caras adoraram. Aí, pediram pra eu cantar uma segunda música e eu cantei Hello Dolly, em Inglês, tal. O cara gostou e eu fiquei fazendo o programa dele. O programa dele acabou, ele me apresentou pro Jair de Taumaturgo, que era da Rádio Mairinque Veiga, e o Jair me levou pra Televisão, que ele tinha um programa na Televisão e as pessoas começaram a me chamar. O Erlon Chaves que tinha um programa chamado “Embalo” me chamou pra defender música americana. Aí, a TV Excelsior me chamou pra defender música americana que tinha na parada e...
P/1 – Como é que era, assim, como é que foi a aceitação nessa época, uma mulher, negra, cantando em Inglês. Isso era uma questão naquela época?
R – Olha, eu não sei porque eu não era ligada. Pra mim, eu não tinha cor, entendeu? Nessa época eu não tinha cor. Então, eu não entendia bem essas coisas mas eu sentia uma coisa, assim, as pessoas me achavam muito antipática, porque eu era fechada. E, depois, eu tinha uma certa cultura e isso incomodava. Então, por exemplo, eu soube de produtores depois que eu encontrei com eles, tal: “Ah, você tá aqui? Não era pra você estar nos Estados Unidos?”. Eu nunca tinha ido pros Estados Unidos! Eu te procurei pra um certo trabalho e disseram que você tava, entendeu? Umas coisas assim aconteciam, sim, mas eu não sei se é porque eu era negra. Não entendo assim. Eu acho que naquela época as coisas eram muito mais cruéis, o meio era muito mais cruel porque tinha o tal do lance do teste do sofá, das coisas. Eu sempre ficava na minha, sempre fui, na minha alimentação, naturalista. Então, enquanto tava no auditório, esperando pra ensaiar, eu tava lá comendo um tomate, uma cenoura, um ovo cozido. Entendeu? Eram as minhas refeições.
P/1 – Como é que você se vestia?
R – Eu me vestia direitinho.
P/1 – Como era a Moda naquela época?
R – A Moda era mini mas não tão mini quanto hoje. Era mini, assim, acho que uns quatro, cinco dedos acima do joelho e, ah, tinha calça justa, era de helanca eu acho, blusinha. Eram umas coisas, assim, que hoje em dia tá tudo voltando. Depois teve a calça boca sino, eu pus; também a cintura baixa, eu pus com camisão. Eu me vestia na moda . Eu nunca fui muito ligada nessas coisas de moda, não, entendeu? A minha Moda eu é que faço porque eu que conheço o meu corpo, eu é que me vejo no espelho. Cada olho é um e às vezes as pessoas me vestem de um jeito que eu olho e não gosto de me ver assim.
P/1 – Então, a gente tava falando de década de 60, um pouco da tua experiência nas Rádios, na Televisão Excelsior. Como é que foi se dando isso? Você se lembra, por exemplo, da primeira vez que você apareceu na Televisão?
R – Na Televisão? Claro! Foram com os Musicais e foi no programa do Jair de Taumaturgo, que era um programa que eu acho que era “Hoje é Dia de Brotos” ou “Festa do Bolinha”, não me lembro o nome do programa. E eu tinha 18 anos, foi logo que eu cheguei no Rio porque eu já sabia o que eu queria e fui atrás logo, entendeu? E foi no programa do Jair de Taumaturgo.
P/1 – Você pode relembrar um pouco essa... Você te, alguma lembrança disso?
R – Eu acho que foi pra defender uma música que tava na parada de sucessos, poxa, eu não lembro. Mas foi pra defender uma música que tava na parada de sucessos, em Inglês.
P/1 – Mas o quê que se ouvia no Brasil nessa época? Quer dizer, o que tinha...
R – Ah, ouvia (cantando) “Ei, se você quer um gato para sair”, isso é a minha versão (cantando) “tome cuidado pra também não cair no golpe dele; pois um dia fui ver um Don Juan ele tinha que ser”. Na versão do Demetrius era namoradeira. Essa é Runaround Sue, que era sucesso. Era Diana “não se esqueça, por favor”. Tinha muita coisa: Elizeth Cardoso, Edith Veiga, Nora Ney, Jorge Goulart, eram todos efervescentes, tá?
P/1 – Tinha Festival de Música já nessa época?
R – Não.
P/1 – Era década de 70?
R – Tinha, assim, TV Record, tinha sim. TV Record era a Globo do Brasil, em termos de audiência e popularidade era a Rede Record e eu fui, em 67, final de 67, contratada pela TV Record pra ir pra lá. E lá eu participei dos programas todos Família Trapo, as paradas, programa do Roberto, programa Elis, todos os programas que tinha eu participava. Onde eu fui bem popular foi no programa Essa Noite se Improvisa, que era o Blota Júnior que apresentava, meu amigão querido. As pessoas me tratavam com muito carinho e muita atenção porque elas sabiam de onde eu tinha vindo, então elas tinham um cuidado comigo. Pra você ver: as camareiras, a Isaurinha Garcia e a Aracy de Almeida, falavam muito palavrão. A gente tava no camarim e elas falavam palavrão, a camareira cutucava e falava: “Olha a menina”, sabe? Naquela época tinha um respeito pela juventude e a juventude tinha pelos mais velhos. Vou te contar uma coisa: eu fiz, quando fui pra Record, o meu primeiro show com o Wilson Simonal, no Beco das Garrafas. O show se chamava Simbora e o Mièle e o Bôscoli que fizeram a Produção e Direção. Um dia, eu não fumava, tava dentro da Buttons, que era a boite que a gente trabalhava e tava um cheiro muito forte de cigarro, fumaça e eu saí no corredor do Beco, pra tomar um ar e tal. Daí, veio o Simonal: “Já pra dentro que aqui não é seu lugar. Já pra dentro”. Ele tinha um cuidado comigo e só depois eu fui saber que o Beco das Garrafas tinha esse nome porque ali era lugar de prostitutas e a vizinhança jogava as garrafas nelas. O Simonal tinha um cuidado que ele... Eu saía e pra eu não ir de noite, sozinha pra São Francisco Xavier, ele arrumou pra mim dormir na casa de uma amiga dele, na Barata Ribeiro. Então, ele me deixava toda noite ali, na casa da Marisa – Marisa Castelo Branco, nunca me esqueço. Muitas pessoas lindas apareceram na minha vida. Muitas pessoas que me acolheram, que me deram abrigo, que me deram amor, carinho, atenção. Muitas pessoas! Por isso que eu digo: o mundo foi e é a minha família, sabe?
P/1 – Mas o quê que, então, isso significava pra você, com a sua trajetória de vida, cantar com o Simonal?
R – Ah, tudo! O meu primeiro LP, porque foi assim: eu cantava no programa de Televisão, o Roberto Menescal e o André Midani me viram e me levaram pra Odeon, pra gravar. E quem foi o meu padrinho? Foi o Wilson Simonal porque a minha primeira gravação foi com ele, no LP dele, convidada dele. E nós dois cantamos Se Todos Fossem Iguais a Você e, depois, quando eu gravei o meu LP, eu o convidei pra cantar comigo, entendeu? E, daí, nós fizemos o show juntos. Ele fez a contracapa do meu LP; escreveu a contracapa do meu LP, tal.
P/1 – Além de trabalhar como cantora você também teve uma experiência no Teatro, não é isso?
R– Tive, a minha primeira experiência no Teatro foi em 68, final de 68, no Hair. Nós fomos da primeira montagem. E o Hair pra mim foi muito importante porque botou a Rosa Marya pra fora, porque o diretor era o Ademar Guerra, que era um diretor maravilhoso. Ele fazia laboratório com a gente; nós fizemos laboratório pra poder fazer porque foi uma peça revolucionária, onde as pessoas ficavam peladas. Eu não fiquei pelada porque eu já era cantora e não era bom pra minha imagem ficar pelada mas vários atores ficaram, atores que na época já tinham até um certo nome, já tinham feito TV Tupi, tal, e foram fazer o Hair. E foi uma experiência maravilhosa porque me tirou pra fora, me ensinou muitas coisas, me fez ficar mais esperta em relação ao mundo.
P/1 – Com quem que você contracenou lá?
R – Com todos porque nós éramos um trio, Neuza Borges, eu, Maria Helena Steiner, eu acho. A Maria Helena nunca mais eu vi; a Neuzinha, Graças a Deus, tá por aí. E nos fazíamos as Supremes. A relação era com todos.
P/1 – Acho que agora eu gostaria de dar um pulo, infelizmente, no tempo. Queria que você falasse um pouco já da década de 80 e sua participação na Televisão brasileira, alguns papéis importantes, papéis de destaque como a Tia Anastácia, que marcou toda uma geração que viu você trabalhando. Então, você pode falar um pouquinho pra gente chegar até o trabalho atual, o Suburbia.
R – Tá. Eu comecei fazendo Televisão como atriz a primeira coisa foi Escrava Anastácia, na TV Manchete. Aí, depois, eu fiz uma participação...
P/1 – Fala um pouquinho desse papel, por favor.
R – Eu era uma cozinheira na senzala, que tomava conta das duas crianças, foi um trabalho muito intenso também com o Avancini. Nós ficávamos numa fazenda, fora do Rio, foi uma coisa muito forte. A gente tava numa fazenda que tinha sido uma fazenda de escravos, então, a energia deles estava lá, foi uma coisa meio complicada. Depois disso, eu fui fazer uma participação no Retrato de Mulher, com a Regina Duarte. Isso pra mim foi o must porque eu era -sou ainda- super fã dela e fui fazer esse trabalho com o Del Rangel. Adorei porque era um papel bem marcante, bem significativo e a Regina é uma pessoa super do bem e generosa, sabe, como pessoa, como atriz; eu fiquei muito feliz. Depois disso, eu fiquei um tempão sem fazer novela. Aí, eu comecei a fazer humor, com o Chico Anysio. Fiz “Chico City”, “Show do Chico Anysio”, tal. Aí, depois, num desses shows do Chico Anysio, o Luiz Fernando chegou e falou pra mim: “Eu quero você pra Nossa Senhora, pra fazer Nossa Senhora”. Aí, passaram-se os anos, isso foi em 89, por aí.
P/1 – Mas você continuou em paralelo a sua vida de cantora?
R – Sim, nunca deixei de cantar.
P/1 – Você chegou a ter uma banda?
R – Não, eu sempre tenho os músicos que me acompanham, você arregimenta isso, dependendo da necessidade do momento você arregimenta, sai e vai à luta. Aqui no Brasil é impossível você manter uma banda. Apesar de que a Justiça Trabalhista e alguns músicos acham que os cantores são patrões. E bota a gente na Justiça, não sei o quê. E não é, a gente não tem condições de manter uma banda, pagar INSS, essas coisas todas. Enfim...
P/1 – Mas você já conhecia o Luiz Fernando? Como é que foi?
R – Não, não, eu conheci aí.
P/1 – Ele que te procurou?
R – Eu acho que ele tava ali, ele era da Produção. E ele chegou em mim e falou: “Eu quero você pra Nossa Senhora”. Os anos se passaram, eu vi “Hoje é Dia de Maria”, o primeiro, a Juliana que foi uma amiga em 82, eu fiz Teatro com ela, fiz o “Presença de Vinícius”, eu era o alter ego dela e eu vi Juliana fazendo Nossa Senhora e eu falei: “Ah, o cara esqueceu de mim, imagina”. Aí, passaram-se dois anos, eu acho, ele me chamou pra fazer Nossa Senhora. Eu fiquei super feliz porque eu falei: “Que pessoa é essa?” que as pessoas não têm palavra. As pessoas falam. E, aí, eu fiz o “Hoje é Dia de Maria” com ele...
P/1 – Como é que foi esse papel que ele reservou pra você?
R – Ah, foi muito legal porque eu fazia Nossa Senhora e uma lavadeira. Não sei te dizer em palavras o que significou porque foi muito emocionante o trabalho. Ali não era só a promessa cumprida do Luiz Fernando; era trabalhar com o Rodrigo Santoro, com o Osmar Prado que era meu ídolo. Eu era criança, lá no Pensionato, o Osmar era da TV Tupi, ele fazia o, acho que é “Grande Teatro”, ele fez “O Pequeno Lord”, ele tinha um cabelo aqui, assim, loirinho, assim, sabe, uma coisinha. Eu era fã dele. Quando eu vi que eu ia trabalhar com ele eu quis morrer porque ele é um ator bárbaro e também uma pessoa linda. E Osmar Prado, o Rodrigo, o Ricardinho Blat, entendeu, tava com... Ah, aquela moça que tá fazendo “Gabriela”, meu Deus, ela é fantástica também!
P/1 – Juliana Paes?
R – Não, não, a senhora.
P/1 – Laura Cardoso?
R – Laura Cardoso! Também, sabe? E você todo mundo assim, simples, sabe, sem esnobação, te tratando de igual pra igual. Muito legal. Pra mim foi muito bom. Depois do “Hoje é Dia de Maria” eu fiz o “Sítio”, tudo isso na Globo. Fiz o “Sítio” que eu sinto muito ter terminado porque era um trabalho que eu amava de paixão porque eu amo criança. Eu tenho adoração por criança. Fiz o ‘Sítio’, depois do “Sitio” fiz “Ciranda de Pedra”, uma participação no “Paraíso”. Participação...
P/1 – Rosa, eu queria, então, que você falasse do seu papel de Tia Anastácia no “Sítio do Pica-pau Amarelo”.
R – Ah, o Sítio era uma delícia!
P/1 – Com quem que você contracenava?
R – Ah, a dona Benta era a Bete... Meu Deus do Céu, que cabeça.
P/1 – Daqui há pouco volta. Não era a Nicete?
R – Não, não, com a Nicete quem fazia era a Dudu, das “Frenéticas”. Eu fazia com a Bete... Ela é uma das três fofoqueiras no...
P/1 – É a Bete Mendes?
R – Bete Mendes! E era muito gostoso, o Kiko Mascarenhas também estava. Tem um dia que me marcou muito que eles vão pra feira mundial. Aí, a Tia Anastácia chega, ela fala assim: “Mim ser Nastácia” , muito engraçado. Ela fala tudo com sotaque achando que tá falando a língua do cara. Muito engraçado, foi muito bom. Foi pena que ficou muito pouco tempo no ar: um ano e pouco só. Mas todo mundo fala que sente... Foi muito boa.
P/1 – Vamos falar, então, de Suburbia. Como é que se deu o convite, como é que foram seus testes? Qual a importância desse trabalho pra você e pra televisão brasileira de uma forma geral?
R – Eu recebi um telefonema do Nelsinho Fonseca dizendo pra eu ir fazer um teste. Aí, ele me mandou por e-mail o texto e eu fui lá, fazer o teste. Fiquei muito nervosa porque teste sempre me deixa nervosa, você saber que está fazendo um teste. Mas eu fui fiz e...
P/1 – Pra quê que era o teste? Qual o papel?
R – Era pra Mãe Bia.
P/1 – Já era pra Mãe Bia?
R – Já era pra Mãe Bia. Aí...
P/1 – Quando você leu o texto o que te bateu, assim? Quem era Mãe Bia?
R – De primeira bateu que Mãe Bia é isso que ela era mesmo, ela era uma mãezona com muito amor, coração aberto pra receber todos que viessem a sua casa, uma esposa dedicada. Isso bateu.
P/1 – Como foi esse teste? Aonde foi?
R – Foi lá no Projac, Nelsinho... Porque o teste é sempre com uma câmera e com o diretor e o produtor do teste e é muito ruim porque você tem que falar com uma pessoa que não tá ali, sabe? É muita imaginação. E eu fiz, não tem o que falar do teste porque eu li... Era assim: “Vamos, Conceição. Vamos até o Mercadão, eu vou comprar umas coisinhas”. Aí, chega no Mercadão e fala: “Olha, eu quero um alguidar número três, eu quero uma chavinha de cera” entendeu? Comprando as coisas. Chavinha de cera é uma coisa pra abrir as portas, abrir os caminhos, minha filha! Sabe? Isso foi o teste.
P/1 – Como é que é essa questão da religiosidade na sua vida?
R – Eu não tenho religião; a minha religião é Deus e o Universo. Eu me preparo pra minha sequência de vida porque não acredito que a vida seja só isso aqui. Eu não acredito que a pessoa nasça, cresça, aprenda um monte de besteira, case e morra, entendeu? Eu acho muito pouco. Então, eu busquei muitos caminhos, me encontrei na “Rosa Cruz” e eu faço pesquisa ufológica, acreditando, sim, na sequência de vida e na existência de outros universos e outros seres, outras dimensões. Isso é em que eu acredito.
P/1 – E a Mãe Bia, qual é a religião dela?
R – A Mãe Bia é ecumênica, igualzinho o brasileiro. Ela vai na Umbanda, ela só não vai na Igreja Católica mas ela vai na Umbanda, ela reza o terço, ela tem uma Bíblia em casa, ela tem os santos de devoção. Ela é ecumênica, ela é assim e ela tem uma filha que é evangélica, entendeu? Ela tem um filho que não é de nada, que é ateu, que fala bobagens , entendeu?
P/1 – O quê que significa, o quê que representa nesse trabalho, a casa da Mãe Bia?
R – A casa da Mãe Bia é um esteio. Ela recebe a filha nova, ela recebe os amigos dos filhos, ela recebe o namorado da nova filha, que se desvirtua e depois se reencontra e ela recebe, entendeu? Ela entende toda situação.
P/1 – Como é que tá sendo pra você essa experiência nessa minissérie que a gente pode dizer que vai trazer um diferencial, talvez um ineditismo até na Televisão brasileira, e, aí, eu queria que você fizesse uma reflexão sobre a presença do negro na Televisão e nas Artes, pensando um pouquinho na sua trajetória. E sobre estar trabalhando com um pessoal tão novo com uma força, a gente pode dizer, com tanta garra e pulso.
R – É, eu sou muito – não só eu mas todo mundo no elenco porque nós já comentamos muito sobre isso – ao Luiz Fernando por essa abertura porque isso sugere um novo caminho, um caminho onde possa-se mostrar a verdadeira diversidade do Brasil, porque a gente vê nas Televisões brasileiras muito loro, muito loro. Não tenho nada contra os loros, nem contra os brancos, mas esse é um país mestiço, é um país misturado. Então, a gente tem que ver o índio na televisão, o negro, o moreno, enfim, a gente tem que ver o japonês na televisão porque as pessoas dos meios de comunicação eles se esquecem que existem cabeças sendo formadas. Uma vez eu fiz um programa de televisão, da Ione Borges, lá em São Paulo, e, no meio do programa eu recebi o telefonema de uma mãe, negra, dizendo que o ela poderia fazer pro filho dela aceitar ser negro, porque ele não aceitava, um menino de nove anos, entendeu? Por quê que ele não aceitava ser negro? Porque tudo que ele vê dentro da sociedade, referente ao negro, é pernicioso, é feio, é mau, entendeu? Ele só vê isso. Ele não se vê na Televisão, ele não vê, ele não tem uma imagem, assim como todos nós hoje em dia não temos mais em que nos exemplificar. Então, antigamente “veja o exemplo do Doutor Fulano; siga o exemplo; olhe o exemplo do teu irmão mais velho” eram exemplos bons. Então, exemplo é uma coisa que se precisa pra se formar o caráter. A criança negra precisa se ver refletida na sociedade, nos meios de comunicação, nos livros, nos ensinos da escola, pra se formar como ser. Pra se gostar, pra ter uma autoestima boa, enfim. E esse projeto do Luiz Fernando eu tenho fé que abra um novo caminho, que abra esse espaço pra que todos nós possamos nos ver. Você vê que os Estados Unidos que é um país que... Eu sempre disse “eu prefiro o racismo americano do que o racismo brasileiro” porque o racismo brasileiro é camuflado. Se você é negro e tem dinheiro, é negro e é bonito, mulatas se dá o adjetivo de mula é aceita. Agora, nos Estados Unidos, o cara é negro, ele sabe que ali ele não pode ir e ele não vai porque vai arrumar encrenca. Mas ele sabe que aqui, no núcleo dele, ele vai ter isso, vai ter aquilo, vai estar no Cinema, vai estar no Teatro, vai estar na Televisão, entendeu? E quem quiser veja, que os Estados Unidos também é um país multirracial, entendeu? Eu tenho esperança que isso se torne um seriado anual e que as outras TVs se exemplifiquem no ato da Globo de estar no sando essa brecha, sabe?
P/1 – Como é que tá sendo pra você contracenar com esses meninos jovens, meninos saídos de Comunidades reconhecidamente carentes, violentas e que têm um gás, uma força e um desejo e uma autenticidade na representatividade esses personagens que eles estão fazendo? Quer dizer, são eles. Talvez não esteja representando um papel, estão ali, expostos.
R – Eles são maravilhosos! Talentosíssimos, viu? E, aí, quando você vê isso, você acha que é uma injustiça não dar oportunidade pra essas pessoas todas ascenderem na sociedade. É uma injustiça porque eles são muito bons, são pessoas criativas e nem todos esses que são do morro, tal, eles já fazem parte de um movimento teatral.
P/1 – “Nós do Morro”.
R – “Nós do Morro”. Outros, já fazem Cinema. O mais experiente que é o Fabrício Oliveira que já tem um currículo mais assim. Mas eles já têm uma coisa boa de Teatro, de Circo e agora estão entrando na Televisão; eles são novos lá mas eles são talentosíssimos, viu?
P/1 – Rosa, o quê que tem de Rosa na Mãe Bia; o quê que tem de Mãe Bia na Rosa? Como é que é essa relação com a personagem?
R – Eu acho que tem tudo. Uma coisa, assim, eles só me chamam pra fazer coisas que sou eu. O Wolf Maia me chamou pra fazer a Zilá, no Fina Estampa, que era um mulher que lidava com a Natureza, fazia uns cremes das ervas, e tal. E sou eu. Agora, você vê, eu falei: “Isso aqui é arnica”, sou super ligada na natureza, eu faço minhas garrafadas, faço minha arnica em casa, que eu tenho plantada. Minha varanda, meu amigos chamam de “Jardim Suspenso da Babilônia” porque é tudo verde na minha varanda.
P/1 – A casa da Mãe Bia tem quintal.
R – Tem quintal, tem horta, entendeu? É muito legal.
P/2 – Teve alguma atividade; você lembra dos desenhos que ele pediu pra fazer? Esses são seus, não? Maria Rosa.
R– Não, e a Maria Rosa do...
P/2 – Você fez os desenhos?
R – Não, não fiz.
P/2 – Você não chegou a fazer essa atividade?
R – Não, não cheguei, não. É a Maria Rosa que a minha filha caçula.
P/2 – Ah, eu tava vendo pelo desenho e tava achando estranho. Você não chegou a fazer essa atividade?
R – Não, não fiz porque teve um período da preparação que eu tive turnê. Eu fui fazer turnê no Mato Grosso do Sul, então eu fique ausente dos ensaios.
P/1 – Então, pra gente ir encerrando, você trabalha como atriz, hoje você canta. Canta o quê, trabalha aonde? Como é que é a Música no Século XXI pra você?
R – Assim, eu sou uma velhinha pra frentex . Eu adoro a música dos jovens, procuro estar em dia e atualizada em relação a eles porque eu gosto muito, assim, como eu gosto de criança, eu gosto de jovens, sabe? Eu acho que nós, adultos, nos esquecemos que fomos jovens um dia e só criticamos os jovens. A gente se esquece de que a gente foi o exemplo deles; a gente que preparou essa titica que tá aí, pra eles. Então, eu procuro sempre entender e tem coisas ruins nas músicas jovens de hoje, como tinha no nosso tempo também. Eu me lembro que os mais velhos diziam: “Ah, Beatles! São desafinados, são uma porcaria” não sei o quê. Que a boa música era Orlando Silva. E hoje em dia continua a mesma coisa, a gente fala: “Funk é uma porcaria” mas no funk, se você procurar ver, os Racionais, tem algumas pessoas do funk que estão “cabeça”, que dá pra você ouvir legal. Mas eu tô gravando um CD novo. Esse meu CD é um parto sem dor porque eu tô gravando ele já há dois anos e sempre pinta outra coisa que eu paro. Fiz agora uma música, Giz, do Renato Russo e tô finalizando clipe pra botar na internet. Eu faço tudo as minhas próprias custas porque as gravadoras hoje em dia, as coisas mudaram. Mas eu vou entrar no estúdio pra fazer a segunda música, já fizemos um esboço e o Eugênio Dale tá fazendo os arranjos, tal. E é isso: eu continuo fazendo shows, eu não canto mais na noite porque não aguento mais e tá muito perigoso você transitar pela noite sozinha. Eu canto, assim, tem meu site na internet, a pessoa entra, pede show e a gente, o meu produtor transa com eles, transa com eles é ruim, hein ?
P/1 – Mas tem umas expressões! Os meninos falaram assim: “Tem umas expressões que vocês falavam na década de 90” que é da minissérie ... Mas, Rosa, existe uma grande música na tua vida?
R – Existe, California Dreaming.
P/2 – Ah, eu ia pedir! Tava me segurando!
R – California Dreaming que foi assim, eu tava fazendo no Rio, em 86, “Noviças Rebeldes”, uma peça do Wolf Maia. Aí, o Zé Rodrigues me chamou pra São Paulo pra gravar, lá no Voz do Brasil, 30 segundos de California Dreamin’ . Aí, eu fui, fiz os 30 segundos. Dali a duas semanas ele pediu pra eu ir gravar a música inteira. Fui, gravei e a Rádio Cidade, lá em São Paulo, começou a tocar como música mesmo, os ouvintes começaram a pedir. Ali, eles me chamaram pra fazer um LP. A música estourou sozinha. Essa foi a grande música da minha vida.
P/1 – Você pode cantar uma parte, 30 segundos, pra gente ?
P/2 – Ah, uns 60, ela inteira !
R – Pô, de manhã! Deixa eu pegar um pouquinho de água. (cantando) “All the leaves are brown; and the sky is grey; I went for a walk, for a walk; on a winter's day; I'd be safe and warm; If I was in L.A.; California dreaming'; On such a winter's day”
(Palmas).
P/1 – Então, Rosa, pra finalizar, você ainda tem algum sonho ou desejo de Realização? De reflexão sobre a sua trajetória bárbara de vida e de superação Rosa?
R – Ah, me melhorar como ser humano pra ser mais digna de ser filha de Deus, ajudar no que eu puder as pessoas. Eu sei que a gente vai passar por momentos muito difíceis, agora, num futuro próximo. Eu quero estar apta, equilibrada, centrada, pra poder ajudar as pessoas; esse é meu sonho. E ter uma continuidade de vida depois desta, ir pra melhor, realmente.
P/1 – Hoje você e sua mãe moram perto?
R – A mamãe... A gente, depois de um tempo, se harmonizou. Eu entendi. Depois de eu ver muitas mães, inclusive a dona Ermelinda, que se dedicaram ais filhos, esqueceram de si por eles e eles nas cabeças delas, entendeu? Sabe, ter a maior decepção? Ela fez o que ela tinha que fazer, entendeu? Se era aquela vida que ela queria não tinha que se prender por ninguém e eu escolhi, depois, dentro da minha espiritualidade, que eu escolhi a minha mãe, entendeu? Eu escolhi aquela mãe então eu tinha que me harmonizar com ela. E, infelizmente, há cinco anos atrás, ela se foi. Mas, Graças a Deus, a gente tava bem.
P/1 – O que você achou de dar um depoimento sobre a sua trajetória pessoal e profissional pro Museu da Pessoa?
R – Eu achei legal, emocionante mas achei muito legal. Lembrar de coisas que foram fortes na vida da gente não é fácil. Às vezes a gente pensa que as feridas estão curadas mas não: elas estão lá no fundinho.
P/1 – Então, eu agradeço profundamente: é um belíssimo depoimento, Rosa. Muito obrigada.
R – Eu é que agradeço.
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