CTG - Imigração Chinesa
Depoimento de Carlos Chen
São Paulo, 26/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1117
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Boa tarde, Carlos, tudo bom?
R – Tudo certo, Genivaldo, e com você?
(01:33) P/1 – Tudo ótimo! A gente vai começar, então, com a pergunta mais básica. Gostaria que você me informasse seu nome completo, sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Bom, meu nome é Carlos Sen Nan Chen, tudo com ‘n’ no final. Eu tenho 24 anos, nasci no dia 13 de julho de 1997 e sou de São Paulo, sou natural de São Paulo.
(02:04) P/1 – E qual o nome dos seus pais, Carlos?
R – Bom, o nome do meu pai é Chen Li Jen - o Chen seria o sobrenome, seria Li Jen Chen. Como ele veio para o Brasil muito cedo, ele adotou o nome de Carlos também, por isso que o meu nome é Carlos. O nome da minha mãe é Hu Lili. O Hu também é o sobrenome e Lili é o nome da minha mãe.
(02:35) P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho, eu tenho dois.
(02:41) P/1 - E onde você fica, nessa escadinha? No meio, mais velho ou mais novo?
R – Eu sou o mais novo. É que, na verdade, esses meus dois irmãos são do primeiro casamento do meu pai. A gente tem uma diferença de idade muito grande, mas eu sou caçula, o mais novo, né? (risos)
(03:05) P/1 – E o seus pais nasceram no Brasil mesmo ou eles vieram de outro lugar?
R – Não, meu pai veio da ilha de Taiwan, ele nasceu em Taipei, só que ele veio pro Brasil muito cedo, ele veio acho que com sete anos de idade. Isso foi acho que em 1960, porque meu pai já está quase beirando os setenta. Ele cresceu aqui, basicamente.
Minha mãe veio de Pequim, veio pra cá em busca de trabalho. Isso foi acho que em 1993, por aí.
(03:47) P/1 – E eles dois moravam em São Paulo mesmo, antes de você nascer, ou eles vieram de outras cidades daqui do Brasil?
R – Olha, até...
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Depoimento de Carlos Chen
São Paulo, 26/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1117
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Boa tarde, Carlos, tudo bom?
R – Tudo certo, Genivaldo, e com você?
(01:33) P/1 – Tudo ótimo! A gente vai começar, então, com a pergunta mais básica. Gostaria que você me informasse seu nome completo, sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Bom, meu nome é Carlos Sen Nan Chen, tudo com ‘n’ no final. Eu tenho 24 anos, nasci no dia 13 de julho de 1997 e sou de São Paulo, sou natural de São Paulo.
(02:04) P/1 – E qual o nome dos seus pais, Carlos?
R – Bom, o nome do meu pai é Chen Li Jen - o Chen seria o sobrenome, seria Li Jen Chen. Como ele veio para o Brasil muito cedo, ele adotou o nome de Carlos também, por isso que o meu nome é Carlos. O nome da minha mãe é Hu Lili. O Hu também é o sobrenome e Lili é o nome da minha mãe.
(02:35) P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho, eu tenho dois.
(02:41) P/1 - E onde você fica, nessa escadinha? No meio, mais velho ou mais novo?
R – Eu sou o mais novo. É que, na verdade, esses meus dois irmãos são do primeiro casamento do meu pai. A gente tem uma diferença de idade muito grande, mas eu sou caçula, o mais novo, né? (risos)
(03:05) P/1 – E o seus pais nasceram no Brasil mesmo ou eles vieram de outro lugar?
R – Não, meu pai veio da ilha de Taiwan, ele nasceu em Taipei, só que ele veio pro Brasil muito cedo, ele veio acho que com sete anos de idade. Isso foi acho que em 1960, porque meu pai já está quase beirando os setenta. Ele cresceu aqui, basicamente.
Minha mãe veio de Pequim, veio pra cá em busca de trabalho. Isso foi acho que em 1993, por aí.
(03:47) P/1 – E eles dois moravam em São Paulo mesmo, antes de você nascer, ou eles vieram de outras cidades daqui do Brasil?
R – Olha, até onde eu sei, de acordo com as histórias que meus pais dizem, me contam, a família do meu pai, junto com meus avós, meus tios e tudo mais, se estabeleceram aqui em São Paulo mesmo. Meu pai nasceu e cresceu aqui em São Paulo - nasceu e cresceu não, desculpa, ele cresceu aqui em São Paulo. Não sei se ele chegou a mudar de cidade. E a minha mãe, quando ela veio pro Brasil também foi a mesma coisa, ela veio pra São Paulo, porque acho que tinha um tio-avô meu, no caso seria o tio dela, que morava aqui em São Paulo, já. Então eles moraram, desde sempre… A gente nunca teve uma... Eles nunca mudaram pra outra cidade, nunca foram, sei lá, pro Rio de Janeiro, por exemplo.
(04:55) P/1 – Então, vamos começar a falar um pouquinho da sua infância. O que você lembra da sua infância, da casa onde você morava?
R – Ah, eu lembro de bastante coisa. Tem uma parte da minha infância que eu não lembro nada, porque aconteceu muita coisa e meus pais sempre me contam, mas eu não tenho nenhuma recordação. Antes a gente morava numa casa ali no bairro de Pinheiros, quando eu nasci, em 1997, mas nesse meio tempo meu pai perdeu muito dinheiro, acabou vendendo a casa e a gente se mudou pro bairro do Jaguaré, que é ali na zona oeste de São Paulo, do lado de Osasco - mais perto do Centro de Osasco do que do Centro de São Paulo. E aquele prédio, o apartamento que a gente morava ainda tem… Eu não moro mais lá, mas virou o escritório do meu pai atualmente e de vez em quando eu ainda vou lá, então está tudo certinho. Claro que com os móveis totalmente diferentes. As mesmas pessoas, muitas das mesmas pessoas que eu cresci junto, meus amigos ou pessoas mais velhas que já moravam lá ainda moram lá, então toda vez que eu vou lá os encontro é uma coisa muito legal. Dá um sentimento de nostalgia e como eu cresci lá, eu digo que eu basicamente nasci por lá, né? Sendo que não nasci, mas a minha recordação mesmo, recordação de infância é tudo lá. E foi uma coisa muito legal.
Eu tenho dois amigos que são irmãos, eles moram lá ainda. São meus melhores amigos até hoje. Aquela coisa de criança, né? Eu posso dizer que foi uma infância muito saudável, porque a gente cresceu junto, tinha aquelas brigas, mas eram brigas por causa de futebol, ou alguma coisa do tipo.
Eu não sei dizer exatamente, mas na infância, claro que teve uma coisa um pouco mais chinesa por causa da minha família, da cultura chinesa, mas foi muito brasileira. Quando eu era pequeno, meu pai tinha um restaurante por quilo, ali na zona sul de São Paulo. Eu também cresci por lá, porque eu ficava acompanhando, ia e voltava. Eu cresci comendo pão de queijo, tomando Toddynho ali na lanchonete, fazia um monte de coisa assim, basicamente. De memória afetiva, memória boa de infância, foi isso. E todo mundo diz que brasileiro nasce sabendo jogar futebol, não dá pra negar, mas nem todo mundo é bom - eu sou péssimo, por exemplo. (risos)
(08:17) P/1 – Do que você gostava mais de brincar, quando você era criança, Carlos?
R – Olha, é uma coisa... Não sei dizer. Eu gostava bastante daquelas brincadeiras que eram de atividade física, sabe? Pega-pega, esconde-esconde, essas brincadeiras, jogar futebol, gostava dessas coisas. Mas ao mesmo tempo - como a minha geração, da década de 2000 - comecei a ter muito acesso à internet e também ficava muito tempo no computador. Eu gostava muito de passar tempo jogando coisas na internet, assim, jogar uns RPG´s; eu sei que não era de acordo com a faixa etária, mas eu jogava.
Eu sempre joguei muito videogame também. Esses meus amigos, esses dois irmãos que eu disse, eles tinham videogame também, então eu ficava jogando com eles. Eles tinham Playstation I, Playstation II, eu tinha Megadrive, também. Sei que o Megadrive não era da minha época, mas eu o tenho ainda. Joguei bastante Gameboy, essas coisas. Uma coisa que eu gosto muito desde pequeno e até hoje é Pokémon. Eu jogo desde pequeno, jogo até hoje; é que não está muito fácil [de ver], mas eu tenho umas pelúcias aqui, eu tenho algumas coisas de Pokémon também, aqui. (risos)
(09:56) P/1 – E uma coisa que eu não tinha perguntado sobre os seus pais: você falou que o seu pai tinha, quando você era criança, um restaurante de comida por quilo. Ele continua até hoje? E também sobre a sua mãe, qual a ocupação dela?
R – A gente não tem mais o restaurante. Meu pai trabalha hoje com comércio. Ele trabalha com atacado, comércio de peças de impressora, bem específico, mas o restaurante hoje não tem mais. Eu nem sei mais o que é ali hoje, faz muito tempo que eu não passo por lá. É que ele mudou também, porque o restaurante não estava dando lucro, aí ele acabou vendendo por causa disso. Eu lembro que até aquela época, digamos que financeiramente a gente não se dava muito bem. Não era muito, financeiramente não era muito viável, por isso ele vendeu.
É engraçado, meus pais sempre falaram pra mim desde cedo, quando a gente tinha o restaurante: “Nunca tenha um restaurante, porque dá muito trabalho”. É muita coisa, né, principalmente restaurante por quilo. (risos) E eu sou uma pessoa que gosta de cozinhar, essa é a ironia do destino.
E minha mãe, hoje... No começo trabalhava nesse restaurante, junto com meu pai, pra ajudar, mas hoje ela é guia turística. Não guia turística, ela é guia, mas pro pessoal que vem fazer negócios, pessoal da China que vem fazer negócios no Brasil, então ela recepciona o pessoal, ajuda em todos esses trâmites de hotel, de logística e também, de vez em quando, quando eles quiserem ir num lugar mais turístico, eles vão. Minha mãe já foi pra Foz do Iguaçu umas quinze vezes, ela não aguenta mais. Mas desde o começo da pandemia, como começou a ter muita reunião por Zoom, reuniões de negócios por Zoom, e também porque não dava pra viajar e até agora é um ou outro que vem, então ela está parada já faz dois anos.
(12:18) P/1 - E você tinha algum sonho de infância, Carlos, alguma coisa que você pensasse: “Quando eu crescer eu quero ser isso”?
R – Astronauta. (risos) Eu sempre quis ser astronauta. Quando eu era pequeno eu já tive vários sonhos. Como eu sempre gostei, desde pequeno, de desenho japonês - assistia na TV, assim como a maioria das pessoas da minha idade - primeiro eu quis ser desenhista, mas com o tempo eu perdi a vontade. A memória mais nítida que eu tenho é de ser astronauta, porque eu lembro de 2006, quando o atual ministro, o Marcos Pontes, foi pro espaço, ele foi pra Lua. Quando ele voltou, ele foi na Feira de Ciências da escola em que eu estudava. Eu vi a palestra e eu fiquei encantado, assim, eu sempre gostei muito de espaço, muitas coisas de ciência, então eu sempre quis ser astronauta. Só que eu vi que é muito difícil, então não deu. Mas, por ironia do destino, eu nunca pensei que ia ser jornalista, juro e hoje eu sou e acho... Não sei, mas o meu maior sonho, antes, era ser astronauta mesmo.
(13:46) P/1 – Você tinha comentado, Carlos, a respeito dessa questão de você ter tido uma infância muito brasileira. E o que você tinha, dentro da sua casa, de costumes chineses?
R – Aí também tem bastante coisa, que ao mesmo tempo que do lado de fora eu tinha muita coisa brasileira, dentro de casa tinha muito valor chinês, muito da cultura chinesa. Meu pai cresceu aqui no Brasil, então, por mais que a parte da família dele seja chinesa, também tinha a mesma coisa.
Meu pai é bem abrasileirado. Ele ama comer feijoada de sábado, por exemplo. Já minha mãe, como ela veio mais tarde, em 1993, ela sempre focava muito no valor chinês. Por exemplo: lá em casa, quando eu falava que brincava com os meus amigos, era muito mais no período de férias escolares, porque eu fazia aula integral na escola, então eu ficava basicamente o dia inteiro na escola. Quando eu ficava em casa, muitas vezes eu ficava estudando. Tem uma frase em mandarim que é Hu Ma, que é tipo, digamos, ________ sabe? “Você tem que estudar, pra ter um futuro melhor”. Então eu ficava muito tempo estudando, muito tempo com a cara nos livros. É claro que isso, hoje, varia de família pra família, mas minha mãe era bastante assim e meu pai também era um pouco; acho que meu pai era mais que minha mãe, inclusive.
Tinha isso e também tem muita coisa de costume, sabe? Por exemplo: uma coisa que sempre me pega é comida, mesmo. Quando eu ia numa lanchonete, eu comia um pão de queijo; quando eu levava um lanche na escola que minha mãe fazia, era uma coisa totalmente diferente, digamos um guioza - quioza é chinês - e várias outras comidas. E aqui em casa, por exemplo, até hoje, minha mãe não sabe fazer feijão, então aqui em casa, quando alguém fala “comida de casa” nunca se remete ao arroz e feijão, sabe? Sempre me remete à comida chinesa, comidas que minha mãe fazia.
Ao mesmo tempo que tinha essas coisas boas - eu tento ver o lado positivo - também tinha as coisas que conflitavam. Por exemplo: os amigos queriam fazer uma coisa e eu era muito influenciado pelos meus amigos, porque eu passava muito tempo na escola. E em casa, [quando] eu chegava, era um contraste totalmente diferente. Eu não sabia lidar com isso. Como eu posso dizer? Eu passava a maior parte do tempo falando em português lá fora; voltava pra casa e tinha que falar em mandarim. Claro que isso no final sempre agrega, mas naquela época eu lembro que, como eu tinha muito sotaque do mandarim, por exemplo, eu não conseguia falar... É um exemplo que eu não gosto de falar, mas seria assim: eu não conseguia falar ‘frango’ direito, esse ‘rrrr’ do ‘r’, por causa da fonética do mandarim, então eu falava um ‘flango’, sabe? Não é uma coisa legal, mas eu chegava na escola e o pessoal meio que zoava - ‘meio que’ não, zoava bastante. Chegava em casa e não queria falar mandarim, aí ficava nessa, tinha muito mais conflito em casa do que fora, né? Complicado.
(17:47) P/1 – Você chegou a passar por alfabetização em mandarim também, ou não?
R – Cheguei, tanto que quando... Desde pequeno minha mãe e meu pai sempre me alfabetizaram em mandarim. Na verdade era só falar, porque meus pais nunca tiveram paciência pra aprender a ler e escrever. Quando eu era pequeno eu lembro que meus pais me colocaram numa escola de chinês, tipo um berçário pra crianças chinesas, só que eu não gostava. Uma memória que eu tenho, bem nítida, é que sempre, toda vez que estava lá eu chorava, que eu queria meus pais. Eu não queria ficar lá.
Mas basicamente a minha alfabetização foi em português, até a adolescência, que aí eu entrei numa escola de mandarim. Eu estudava na escola Português, tudo mais, Matemática, essas coisas, aí em casa eu falava mandarim, mas eu não conseguia falar tanto, porque só o contato de falar da língua não era suficiente. Eu só aprendi a escrever, a ler, bem depois, já na adolescência.
(19:09) P/1 – Então, aproveitando o gancho, sobre essa questão de estudos, quais as primeiras lembranças que você tem, de ir pra escola, Carlos?
R – Olha, eu tenho bastantes lembranças, mas eu tenho lembranças meio bizarras também, porque estudei basicamente em três escolas a minha vida inteira. Eu lembro que eu estudei numa escola no... Da primeira escola, que eu estava no pré, eu não lembro quase nada, mas eu lembro que era um ambiente muito legal. As crianças eram muito legais lá, todo mundo era bem divertido, eu lembro que eu tinha um melhor amigo lá. Eu não lembro o nome dele, mas ele era meu melhor amigo lá, era uma coisa maravilhosa. Eu só ia pra escola pra encontrá-lo.
Eu não lembro de estudo lá, eu juro que eu não lembro. Só lembro de brincadeira de esconde-esconde, de atividades, essas coisas. Eu tenho uma memória… (risos) É meio bizarro, mas estava acho que no final de uma aula - aula entre aspas, porque no pré geralmente tem mais brincadeira do que aula. Não sei como é que está hoje em dia. Mas eu lembro que todo mundo tinha um tapetinho pra brincar ali, os familiares compravam e deixavam lá pra ficar num canto ou juntar, pra se divertir. Eu nunca tive um. O pessoal ali queria brincar de casinha, alguma coisa do tipo, aí tinha um menino que eu não sei, eu também não lembro se eu gostava dele ou não, naquela época, se ele era amigo ou não… A gente estava brincando de casinha, ele era o cachorro e ele me mordeu aqui. (risos) Ele me mordeu aqui e eu lembro a marca aqui. Doeu bastante. Não chegou a inchar, não chegou a fazer nada, não fui pro hospital, mas eu lembro exatamente disso. E outra coisa que eu lembro também é que a gente estava brincando de pega-pega lá, não lembro com quem e eu caí no chão; tenho a cicatriz até hoje, aqui no meu joelho.
Dessa escola seria basicamente isso, porque eu não lembro nada de estudos, mas depois que eu me mudei, eu lembro. Acho que aquela escola era só ensino infantil, não era ensino fundamental, nem nada. Eu entrei numa outra escola, aí quando começou a alfabetização vem aquela questão que eu falei, de não conseguir pronunciar o ‘r’ direito, sabe? Eu não conseguia fazer que nem o choro do Quico do Chaves, sabe, “arrrrrrr”, eu não conseguia fazer isso. Uma lembrança que eu tenho era que a gente estava tentando pronunciar a palavra árvore e eu não conseguia falar esse ar-vo-re, esse ‘re’. Depois disso eu não sei o que aconteceu, deu um branco e do nada eu comecei a falar muito bem português. É uma coisa da minha cabeça que eu realmente, até hoje, eu tô tentando descobrir. Desvendar, no caso, né?
(22:37) P/1 – E nesses primeiros anos, no seu ensino fundamental em geral, tinha alguma matéria que você gostasse mais ou algum professor que te marcou, por algum motivo?
R – Espera, é no ensino fundamental, no começo, assim?
(22:53) P/1 – É, nos primeiros anos do ensino fundamental.
R – Tudo bem. Eu sempre gostei bastante, eu não sei por que, mas naquela época eu sempre gostei de estudar Português. Além de estudar Português, eu sempre gostei de estudar Matemática e Inglês. Eu lembro que nesses primeiros anos tinha uma professora de inglês; não lembro do nome dela, mas ela marcou porque introduziu a língua inglesa pra mim e ela também, ao mesmo tempo, era professora de Música, então ela estava bastante presente ali. Foi uma coisa que marcou bastante e comecei a tomar gosto pela língua, o inglês.
E aí foi uma outra professora - isso já um pouco mais pra frente, acho que com uns dez anos, até os dez anos - ela era professora acho que da quarta série. Naquela época estava em transição para o quinto ano, esse negócio do sistema educacional, ela era professora também do período integral. Depois das nossas aulas, a gente sempre ficava com ela ali, à tarde, fazendo lição, fazendo atividade, essas coisas. Ela era bem brava, mas ela era aquela pessoa brava com... Não sei se até hoje, espero que sim; ela era aquela professora brava ali, mas ela sempre tinha um bom coração, ela sempre te ajudava, sempre dava um apoio. Desde que eu tinha entrado naquela escola, que foi a segunda escola que eu estudei na minha vida, ela sempre ajudava a gente, sempre deu apoio, então, por mais que a gente, como era criança, tivesse até aquele certo medo, porque ela era bem brava, quando eu entrei na quarta série eu gostava muito das aulas dela, porque também eu passava o dia inteiro com ela ali. Digamos que era basicamente minha ‘mãe’, entre aspas. Eu lembro que, por causa dela, eu comecei a tomar gosto de outras matérias na escola, mas eu sempre gostei bastante de Português, Matemática e Inglês, especificamente. Claro que no futuro, assim, eu comecei a gostar de outras matérias, outras eu passei a não me dar bem, odiar - não odiar, mas não me dar bem. E foi basicamente isso. Eu lembro que o nome dela é Josi. Não sei se é abreviação de um nome e tudo mais, mas eu lembro que o nome dela é Josi. Nunca mais a vi, depois que eu saí daquela escola, mas espero que ela esteja bem.
(25:44) P/1 – E essa escola era no seu bairro mesmo, você tinha que ir de ônibus ou a pé?
R – A escola existe até hoje. Posso falar o nome dela aqui? Ah tá, tudo bem. É o Colégio Sergio Buarque de Holanda, que fica ali na Chácara Santo Antônio, ali na zona sul. Como o restaurante do meu pai, naquela época, ficava naquela região, ali na Vila Cruzeiro, na zona sul, eu estudava por lá, mas eu sempre morei ali no Jaguaré, do lado de Osasco, então, todo dia de manhã sempre saía com meu pai. Acho que talvez umas seis horas, seis e meia da manhã eu o acompanhava; ele ia dirigindo, pegava a Marginal - eu já peguei tanto trânsito ali, que eu não quero nunca mais lembrar - ele me deixava na escola e depois ia pro restaurante. E como o restaurante fechava às três, por aí, eu ficava no período integral exatamente por causa disso. Eu passava o dia inteiro na escola, depois disso ele me buscava e a gente voltava pra casa, então era uma jornada bem cansativa. Eu só fui chegar a estudar numa escola perto de casa mesmo no ensino médio.
(27:15) P/1 – E me conta, então, a respeito do seu ensino médio. Você falou que era uma escola mais perto e também época da adolescência, época que os gostos vão mudando, outras atividades vão surgindo; me conta como foi esse período pra você.
R – Xi, foi um período bem conturbado, eu vou até me arrumar um pouquinho aqui. Quando eu entrei na adolescência… Eu passei uma parte da adolescência, no começo da adolescência, ainda no Sérgio Buarque e eu lembro que lá os gostos foram mudando. Como todo adolescente, comecei a passar por muito conflito, porque meus amigos ali, todo mundo morava pela região, só eu que não morava. Quando você vira adolescente, você começa a sair mais, ir pra alguns lugares, em festa de aniversário, essas coisas assim e eu nunca conseguia ir. Toda vez que eu ia, eu tinha que implorar pros meus pais me levarem, porque meus pais também não confiavam de eu pegar ônibus, metrô. Naquela época provavelmente eu teria me perdido e nunca ia achar o caminho de casa de volta, mas foi mais por isso. Também acabei crescendo um pouco distante deles, por causa dessa distância, porque eu sempre… Acho que até o sétimo ano, que já seria a sexta série, meu tempo era totalmente sair de casa, escola [em] período integral, meu pai buscava e voltava pra casa. A partir de 2010, que foi o oitavo ano, não sei, eu comecei a fazer curso, então eu estava fazendo natação, fazendo inglês por fora, uma coisa mais extracurricular; quando eu não estava fazendo isso, eu ia pro escritório do meu pai e ficava estudando, então começava isso.
Eu comecei minhas aulas de mandarim também nessa época e ao mesmo tempo, digamos que estava meio que num limbo, porque eu ficava nisso e ao mesmo tempo que eu ficava longe das pessoas, eu me sentia um pouco distante das pessoas que eu estudava na escola, eu me sentia distante das pessoas lá do meu prédio onde eu nasci, onde eu cresci, então eu ficava nesse limbo e foi uma coisa bem conflitante. Nesse tempo eu brigava muito com meus pais, porque meus pais queriam que eu estudasse e eu queria pelo menos, sei lá, me divertir um pouco, sair com meus amigos. E acabou, eu também, por... Como posso dizer? Eu comecei a ter uma rejeição muito grande com a língua chinesa e com qualquer coisa em relação à cultura chinesa, também porque meus pais... Forçar é uma palavra muito forte, mas eles sempre tentavam mostrar o valor disso e eu não queria saber, eu simplesmente queria falar só português porque eu também não queria, digamos, ser alvo de bullying, ser zoado, então foi um período bem conturbado.
Também nesse mesmo período, dessa parte da adolescência, eu entrei no movimento escoteiro, que era perto de casa, assim, mas digamos que eu sentia que eu não tinha tempo pra mim, sabe? Eu queria pelo menos… Não queria só ficar estudando, fazendo as coisas, eu queria me divertir um pouco. Não que nos escoteiros eu não me divertisse, até porque os meus amigos de infância estavam lá também, mas eu tinha muita dificuldade… Eu também não podia fazer, porque eu tinha outras atividades, ou porque tinha que estudar. Acontecia muito de ter um acampamento de algum feriado, sei lá, digamos, Tiradentes; tinha um acampamento do movimento escoteiro e eu não podia ir, porque eu fazia aula de mandarim no domingo. Eu não podia ir e meus pais sempre priorizavam isso. Não vou dizer que eles estavam totalmente errados, mas ao mesmo tempo eu perdia aquilo que podia também agregar. Não que os dois não agregassem, mas meus amigos estavam lá, se divertindo, e pra um adolescente ver isso é meio chato, você quer se sentir parte daquilo, então eu brigava muito com os meus pais. Eu realmente briguei muito com meus pais por causa disso e também comecei a ter uma rejeição muito enorme pela cultura chinesa.
É uma experiência pessoal minha que eu não gosto, eu realmente não sei o que passava pela minha cabeça naquela época, mas acabou moldando o que eu sou hoje, uma parte. E as coisas também começaram a mudar bastante quando eu entrei no ensino médio, já em outra parte da adolescência. Eu tô dividindo por período de educação, porque fica mais fácil. No ensino médio eu ainda continuei no movimento escoteiro, continuei fazendo mandarim e outras atividades curriculares, só que eu mudei de escola. Eu mudei pra uma escola perto de casa, que era o Objetivo. A escola era menor que uma quadra, sério, era bem pequena, mas tinha pessoas que eu conhecia lá já do bairro, então eu pude ficar um pouco mais próximo das coisas que estavam acontecendo lá, tanto que eu ia e voltava pra casa a pé, basicamente. E aí, ao mesmo tempo, nessa época, quando eu mudei de escola, eu meio que perdi todo o contato, ou a maior parte do contato com as pessoas que eu estudava naquela outra escola, no Sérgio Buarque. Hoje eu tenho contato mais esporádico com um ou outro, mas senti que eu perdi basicamente tudo. Basicamente foi um recomeço, sabe? E pra mim foi um baque, foi um choque, mas eu acredito que foi pra uma coisa melhor. Não que aquelas pessoas sejam ruins, eu converso com um ou outro ali ainda, são pessoas legais, mas ainda assim, foi um choque total.
Quando eu entrei nessa escola, no Objetivo, eu vi uma coisa totalmente diferente: todo mundo ali já tinha, porque sempre estudou… Tinha muita gente que já tinha estudado ali ou estudou sempre na região e eu não tinha. Eu fiquei perdido, eu fiquei muito tempo perdido. E como eu saía muito, eu ia e voltava pra casa a pé; acho que era uns dez minutos andando, só que naquela época, não sei por que parecia cinco quilômetros andando. (risos) Brincadeira.
Não sei por que, mas eu comecei a me sentir um pouco mais rebelde, digamos. Eu continuei brigando com meus pais, porque eu queria sair com esses amigos e agora que eu podia sair com os amigos ali da escola depois da aula e, por exemplo, ir no Mc Donalds comer um lanche, e eu não podia. Eu queria fazer isso, dava pra fazer isso, mas eu não podia, porque eu tinha que voltar pra casa, eu tinha um horário exato. Eu lembro que minha aula acabava à uma e às duas horas eu tinha que estar em casa, no máximo. Eu tinha que voltar pra casa pra ficar estudando, exatamente pra ficar estudando porque aí, como você está no ensino médio, começa a se preocupar com vestibular, a se preocupar com faculdade e tudo mais. Aconteceu muito disso.
Nesse mesmo período eu já estava meio que rejeitando… Cultura chinesa zero, eu estava estudando mandarim, mas era zero, não prestava atenção nas aulas, não fazia nada. Aprendi uma coisa ou outra lá? Sim, mas era aquela rebeldia de adolescente; comecei a ficar muito distante dos meus pais e da minha própria cultura, da cultura de casa. Enquanto meus pais faziam um prato chinês, por exemplo, eu queria comer um hambúrguer ali, queria comer alguma outra coisa. Eu dava muito valor também ao movimento escoteiro, porque o grupo de escoteiros que eu participava é ainda na região, ele ainda está lá próximo, então ficava muito mais… Eu fiquei muito mais conectado com isso, sabe? Eu pude fazer mais coisas, podia algum dia, num domingo à tarde, sair com um pessoal ali, não precisava fazer mais nada. Eu tive um pouco mais de conexão, tinha amigos em comum ali.
Como disse, perdi basicamente totalmente minha conexão com a cultura chinesa, só falava um tequinho em casa, assim, acabou. E eu queria fazer tudo que meus amigos faziam, queria ir em festa - nunca fui em festa, por exemplo, quando era adolescente. Por mais que não seja recomendado adolescente beber, a gente sabe que tem adolescente que bebe. E eles queriam, iam lá, eu nunca fiz isso mas eu queria, a vontade era bem grande, né? Mas por causa dos meus pais, porque meus pais começaram a ficar muito mais rígidos quando entrei no ensino médio, foi por causa disso.
Lembro que… Acho que foi mais ou menos no final do ensino médio, eu comecei - eu não sei o que aconteceu - a dar mais valor aos meus pais, à cultura chinesa e essas coisas porque meus pais sempre quiseram que eu... Meu pai, principalmente, sempre quis que eu fosse engenheiro, trabalhasse com alguma coisa do tipo engenharia mecânica, TI, alguma coisa que, digamos, dê futuro. Tudo pode dar futuro nesse caso. E aí meu pai sempre me forçava a estudar, forçava bastante. Se eu tirava, por exemplo, sete numa prova, meu pai brigava comigo. Eu não vou negar que nas escolas eu sempre fui um dos melhores alunos, porque eu também ficava o dia inteiro estudando, mas não era uma coisa que eu me sentia confortável e acabava brigando muito com meus pais. Naquela época eu já tinha desistido de ser astronauta também, mas eu lembro que naquela época eu briguei muito, mas muito, com meus pais. No final da adolescência, quando eu estava saindo do ensino médio já, comecei a dar um pouco mais de valor pra cultura chinesa, comecei a estudar melhor, mas eu acredito que foi uma coisa muito tarde e eu perdi uma conexão que eu poderia ter aprofundado bem melhor.
Eu sei que tem muitas pessoas, aqui mesmo no Brasil, que nasceram e são filhos de chineses e têm coisas que eu não tenho. Digamos que, pra eles, eu até sou muito mais brasileiro e, ao mesmo tempo, pros brasileiros eu sou muito mais chinês. Acontece, mas eu comecei a dar valor muito tarde, então foi uma coisa bem complicada, teve muito conflito de cultura aqui em casa, né? Hoje está bem mais tranquilo.
Por mais que meu pai tenha crescido no Brasil, ele também tem muito valor chinês. Não sei como ele cresceu também, ele nunca entrou em detalhes. Meu pai é aquela pessoa mais velha, eu acho que mais rígida, mais quieta, mas sempre teve esses conflitos. Com minha mãe também não foi diferente. Foi uma adolescência bem complicada.
(40:08) P/2 – Carlos, você comentou que sua família te vê muito como brasileiro. Se você já foi pra China, seus parentes de lá também te veem como brasileiro?
R – É que aqui em casa, pelo menos, acho que todo mundo é... Não posso dizer que aqui, minha família que está no Brasil, me vê mais como brasileiro porque todos os meus primos, meus irmãos, cresceram todo mundo aqui. Isso é a parte do meu pai, porque a parte do meu pai, da família, está toda aqui no Brasil; parte da minha mãe está toda lá na China. Com meus primos, meus irmãos, hoje em dia eu sou o mais chinês, sabe? Não é nem por nada, mas de todos nós eu sou o que fala melhor mandarim, hoje eu tenho mais uma ligação com a cultura - até porque meus primos e meus irmãos não cresceram falando a língua. Meus tios não chegaram a ensinar a língua pra eles, eles cresceram aqui no Brasil.
Pros meus amigos chineses eu sou mais brasileiro, mas pra parte da minha mãe eu não sei dizer porque fui pra China quando eu tinha oito meses de idade, então não lembro nada. Desde então eu nunca mais fui. Eu falo com minha avó, falo com minha tia, com meus primos, de vez em quando. Aí, pra eles... Com minha prima também, porque eu tenho uma prima que é chinesa, só que ela está morando na Alemanha; ela foi fazer mestrado lá, trabalha lá agora. Pra eles eu sou totalmente brasileiro, né? (risos) Acho que no final de 2018 eu fui pra Europa, fui encontrar essa minha prima e era engraçado que ela mesma… A gente, entre nós, sempre falava mandarim e lá ninguém nunca vai duvidar que eu sou brasileiro. Nada mesmo, tanto que toda vez que... Nessa viagem eu fui pro centro da Europa, ali na Europa Central; eu estava na Áustria, Hungria, Eslováquia e República Tcheca. Todo lugar, na cidade que eu estava e ouvia alguém falando português, eu sabia que era brasileiro, porque dá pra diferenciar o português aqui do Brasil, de Portugal, da Angola, de Moçambique e por aí vai, então… (risos) Eu sempre ouvia alguém falando e sabia que era brasileiro. Tanto que teve, é engraçado… (risos) Uma vez eu encontrei uma família de brasileiros, eles nem suspeitavam que eu era brasileiro e eu só cheguei falando em português: “Vocês querem uma ajuda pra tirar foto?” Eles levaram um susto, falaram: “Nossa, você é brasileiro? Você fala português tão bem, você não é chinês, não? Blablabla”. Isso tudo, nesse contexto, pra falar que minha prima, toda vez que encontrava um brasileiro lá, ela falava que eu me soltava mais. Não vamos dizer que eu me sentia à vontade, mas eu falava mais do que quando eu falava com ela em mandarim. Não que a gente não tenha uma relação próxima, a gente conversa bastante, mas ela sentia, digamos, duas pessoas totalmente diferentes. Ela conseguia perceber que eu sou bem brasileiro, sabe?
(43:58) P/2 – E como é que você se reconectou com a sua cultura chinesa?
R – Voltando na questão de quando eu saí do ensino médio, eu não sei o que deu na minha cabeça, foi por um bom lado, mas eu comecei a me ligar muito também pra questões raciais também, principalmente questões com asiáticos, aí caiu a ficha que eu não sou igual a todo mundo. Ninguém é igual a ninguém, mas comecei a perceber muita coisa. Muita coisa começou a me incomodar e eu não sabia o porquê, comecei a pesquisar sobre isso. Naquela época, foi em 2014… Hoje tem bastante pessoas aqui no Brasil, asiáticos brasileiros, tanto nipo-brasileiros, quanto… Sino-brasileiros é bem pouco, quase nada e coreanos brasileiros também. Falavam desse assunto, mas naquela época não tinha quase ninguém, estava bem no começo. No Youtube da vida, eu caí nesses assuntos, só que com pessoas falando isso lá nos Estados Unidos. Lá tem uma comunidade asiática muito forte, principalmente chinesa, porque a imigração chinesa é bem maior que aqui no Brasil, enquanto aqui no Brasil a imigração japonesa é bem maior e lá não. Então, eu comecei a compreender mais isso, eu comecei... Tanto que tem muita coisa que eles estavam falando nos vídeos que eram sobre as coisas de lá, [mas] eu conseguia relacionar com aqui, porque era uma coisa mais de família chinesa, coisas que pessoas que são chinesas conseguem compreender mais. Não que uma pessoa nipo-brasileira também não possa sentir isso, de uma certa forma, mas começou a encaixar muito mais do que, por exemplo, um programa de uma pessoa nipo-brasileira falar… Pra mim não é a mesma coisa. Por mais que seja lá nos Estados Unidos, em um contexto totalmente diferente, começou a conectar e eu comecei assim: “Meu Deus, realmente faz sentido! Essas coisas estão me incomodando já há algum tempo e eu não tinha essa noção”.
Eu comecei a dar muito mais valor. Além de falar de preconceito, eu também comecei a falar, ver muito sobre cultura. Eu sempre me interessei em cultura pop asiática, principalmente animes, eu comentei que eu gosto de jogar Pokémon até hoje, assistir animes e tudo o mais. Eu sempre me interessei, mas aí eu comecei a ver, assistir também o que tinha de bom. Comecei a estudar, comecei a ouvir música também, a ver essas coisas e a minha mãe também gosta bastante dessas coisas, porque a minha mãe só vê coisas lá da China, então comecei a me reconectar mais com a minha mãe também, por causa disso.
Eu lembro que isso foi já quando eu estava na faculdade, mas eu comecei a ver uma novela chinesa. Eu estava vendo aqui na frente do computador; minha mãe já tinha visto, meu pai começou a ver, aí tinha uma coisa assim, realmente pra gente falar. A gente começou a falar sobre novela, uma coisa que eu nunca ia imaginar na minha vida. Eu nunca fui uma pessoa noveleira também, de cara eu já assisti Avenida Brasil, assisti Caminho das Índias, as produções da Globo, mas nunca assim, meu Deus! E aí a gente começou a ter uma relação mais saudável com isso, eu comecei a perceber e estava gostando de pesquisar, saber mais sobre a cultura que é do país de origem dos meus pais. Comecei a me sentir mais acolhido, comecei a me sentir melhor e comecei a dar mais valor pra isso também.
Desde então, eu não perdi o que eu sou de brasileiro, continuo sendo brasileiro e sempre vou ser, porque está ali na minha certidão, eu nasci e cresci aqui. O meu passaporte também, tem RG, CPF, mas eu também consegui me conectar muito mais com o pessoal lá da China. Consigo me conectar muito mais com a minha avó, consigo me conectar muito mais com meu primo, com essa minha prima, com meus tios lá, então eu senti uma coisa muito boa, sabe?
(48:43) P/2 – E foi isso que te levou a fazer Relações Internacionais?
R – Aí que está. (risos) Até naquele momento, quando eu digo... Vocês já devem ter percebido, minha vida é muito aleatória. Até agora, toda a construção que teve assim, daqui, pareceu uma coisa aleatória, mas é o que realmente acontece na minha vida. E com a faculdade não foi diferente.
Naquela época, na escola eu queria ser arquiteto. Eu queria fazer arquitetura, eu acho uma profissão muito bonita. Queria fazer maquete também, eu gosto, estudei, tanto que eu até estudei o que era arquitetura antes. Eu tenho um livro aqui, atrás de mim, um livrinho sobre arquitetura. Isso quando eu estava no ensino médio.
Naquela época eu também comecei a me interessar mais por história, geografia, política, economia, essas coisas. E eu sempre tive uma bagagem boa de línguas aqui, tanto aqui em casa, quanto na escola, porque eu sempre estudei em escola particular na minha vida, sempre tive esse privilégio. Por mais que aqui em casa a gente fale o mandarim e também eu não falava tanto, eu sempre tive esse contato, então foi uma coisa boa. Por mais que a gente passasse dificuldade aqui em casa, meus pais passaram dificuldade financeira, eles sempre priorizaram minha educação, então sempre estudei em escolas privadas, porque pra eles isso foi melhor. Eu até fiz um vestibulinho da Etec e não passei, porque eu errei as questões, podia ter entrado na Etec no ensino médio, mas aí foi erro meu.
A questão é que na escola eu tive sempre aula de inglês e espanhol e em escola particular; tirando algumas, pelo menos algumas escolas particulares menores, na minha escola as pessoas não davam valor pra essas línguas. Era sempre uma aula extra, uma aula mais tranquila. E era, mas ao mesmo tempo é uma bagagem muito grande. Ao mesmo tempo eu tive a sorte que eu sempre gostei de estudar essas matérias. E uma sorte mais ainda que no ensino médio o meu professor era boliviano e meu professor de inglês é canadense, então eu pude conversar com eles, enquanto estava todo mundo ali fazendo exercícios... Não fazendo exercícios, mas fazendo qualquer coisa - as aulas lá eram realmente uma várzea, eu ficava conversando com os meus professores. Conversei muito mais com o meu professor de inglês - o nome dele é Andrew - comecei a conversar muito com ele porque ele gosta de basquete e naquela época eu comecei a tomar gosto também, a NBA… A gente ficava falando de basquete e ele não falava português quase nada, então me forçava a falar inglês e por causa disso eu sempre falei mandarim, português, inglês e espanhol. Sempre teve essa bagagem de línguas e eu sempre gostei também, tanto que em 2014, quando estava no final da Copa, depois do 7 a 1, eu queria estudar russo, eu estava estudando russo, porque meu objetivo era, em 2018, ir pra Copa. Teve essa bagagem, só que eu não aprendi russo, a ler e escrever, porque é muito difícil aprender sozinho é muito difícil. Como eu gosto muito de anime, eu sempre tive contato com a língua japonesa, então sempre, pra mim, foi mais fácil. Mas voltando aos fatos - é que eu estou no contexto, né? - eu queria fazer arquitetura. Estudei e fiz vestibular pra arquitetura, nem sabia desse curso de Relações Internacionais. Um amigo meu, daqueles meus amigos de infância, o Rodrigo, falou que queria fazer Relações Internacionais. Eu nem sabia o que era, não sabia o que fazia, nada, só mencionou e ficou na minha cabeça uma hora, aí eu fiz o vestibular pra arquitetura e passei em um, passei na Mackenzie, só que naquela época eu já estava meio mal, já estava pensando assim: “Não sei se eu quero isso realmente pra minha vida.” Foi uma pressão muito grande, isso durou um mês e aí eu já estava meio preparado pra começar o cursinho.
Eu lembro que na hora do Enem... Acho que eu não lembro direito, pra ver qual faculdade que você vai usando o Enem - a sua primeira opção, segunda opção - e eu não coloquei Arquitetura, eu coloquei Relações Internacionais. Veio na minha cabeça assim: “Eu não sei o que eu quero fazer da minha vida, vou colocar Relações Internacionais”. Inclusive, com a minha nota do Enem eu passei na segunda chamada da Unifesp, só que esse meu amigo Rodrigo me avisou seis meses depois; eu não tinha percebido, então eu não entrei na Unifesp. (risos) No final daquele mês, em janeiro, eu fiz um vestibular das vagas remanescentes na Faap, também fiz pra Relações Internacionais e eu passei. Foi uma questão de uma semana: fiz o vestibular, passei, na semana seguinte já começava as aulas e foi muito por acidente.
Quando eu entrei no curso, eu comecei a perceber o que era, eu comecei a ver o que era e pensei: “Nossa, é exatamente o que eu quero!” Comecei a pensar em ser diplomata, só que passaram-se dois meses e eu desisti, porque é muito difícil também. Mas aí eu falei… É uma coisa que, digamos, me dá prazer de estudar, ainda me dá. Desde aquela época começou a me dar prazer de estudar, começou a me dar aquela vontade: “É exatamente o que eu quero”. E foi basicamente isso, foi totalmente aleatório, mas acabou encaixando.
(55:23) P/2 – E durante a faculdade, teve algum... Como é que foi esse período pra você, mudou bastante a sua vida?
R – Mudou muito. Mudou bastante porque na verdade foi um choque também. Eu não estava acostumado, eu não sabia o que era. Eu era uma pessoa muito imatura na época, porque eu tinha acabado de sair da escola, literalmente, pra entrar na faculdade. E por mais que na minha escola, na época - no Objetivo havia, digamos, uma pressão um pouco mais madura, pelo menos pra minha sala, eu entrei na faculdade totalmente imaturo, eu não sabia o que fazer. Eu tinha dezessete anos na época, naquele ano eu fiz dezoito, mas foi um choque muito grande porque, a partir daquele momento, como eu ia e voltava da faculdade, eu não tinha mais aquele horário regrado que eu tinha na escola, eu tinha que estudar por conta própria, porque até aquele momento quem me fazia estudar eram meus pais. Eu sempre tinha um pouco de repulsa por causa disso, então eu entrei na faculdade e eu não estudava. Eu estudava um pouco, mas eu não sentia aquela necessidade, não tinha aquela coisa ali, maior, pra falar pra eu estudar, sabe? Tanto que eu peguei DP no meu primeiro semestre na faculdade e com o tempo eu comecei a perceber as coisas, começou a mudar muita coisa.
No meu segundo ano na faculdade, eu entrei em outro curso de mandarim que tem na Faap, [no] Instituto Confúcio. Comecei a dar muito mais valor ao mandarim, comecei a estudar, começou a encaixar uma coisa na outra. Meu processo de amadurecimento foi realmente na faculdade e, assim, eu comecei a sentir uma urgência… Comecei a realmente perceber algumas coisas também. Ao mesmo tempo que também lá na faculdade o pessoal ia em festa e tudo mais, na minha cabeça, por mais que você vá em festa ou não, você pode ser responsável. Só que na minha cabeça, antes, quando eu estava na escola, quem ia em festa era totalmente irresponsável - e no caso daquela minha sala, era realmente verdade, né? Mas eu comecei a perceber isso e eu nunca fui muito... Tanto que quando eu entrei na faculdade eu nunca fui muito em festa nem nada, era uma coisa ou outra. Eu sou uma pessoa… Digamos que eu tenha espírito de velho, quando chega em questões de socializar, essas coisas assim, sabe? E ao mesmo tempo que comecei a amadurecer um pouco mais com isso, também comecei a trabalhar. Tinha um estágio no meu terceiro ano, comecei a dar valor a muitas outras coisas. Também foi uma questão de autoestima, porque aí tem uma questão: o motivo que eu comecei a dar muito mais valor à cultura asiática em geral, mais à cultura chinesa, é porque aqui eu não tinha uma pessoa pra falar: “Nossa, ele é um ídolo meu!” Eu não conseguia me identificar. Quando eu comecei a dar mais valor à cultura chinesa, eu comecei a perceber isso, então a questão da autoestima começou a melhorar, foi melhorando. Hoje não é tão boa, antes era de menos cem a dez, hoje está de um pra dez, no caso. (risos) Brincadeira, brincadeiras à parte. Mas [foi] uma coisa que me ajudou muito, tanto que isso foi mais no último ano da faculdade. Não sei o que aconteceu, eu comecei a ir muito bem nas coisas, comecei a apresentar trabalhos bem; até uma parte da faculdade eu não era uma pessoa muito comunicativa, eu era uma pessoa bem tímida, então acabou me ajudando bastante, porque eu não sabia o que fazer, era um outro mundo, totalmente perdido. Até eu me acostumar com aquele mundo, era outra coisa.
Na faculdade tive muitas oportunidades também. Além do curso, eu comecei a perceber como o mundo age, como as coisas agem, como era o mundo de fato, porque até a escola a única coisa que eu sabia era: casa, escola, estudo, casa, basicamente. Era só isso. Não tinha outras oportunidades, não conseguia desenvolver outras coisas, então eu comecei a perceber isso e foi uma coisa que agregou bastante e até hoje eu tenho bastante; muitos amigos que eu converso e ajudam, sempre tem alguma coisa ou outra. Inclusive ontem eu saí pra jantar com um amigo e a pessoa que estava lá trabalhando, que era recepcionista no restaurante era uma pessoa que era 'bixete' do mesmo curso e ela lembrou de mim. Eu fiquei: “Quem é você?” Eu lembrei depois, mas eu fiquei muito: “Gente, como assim?” Sabe? E isso faz uns dois, três anos, já. Realmente eu não lembrava da pessoa. E foi num restaurante muito bom, eu recomendo, depois eu falo o nome, mas é uma coisa que eu não imaginava e são coisas positivas. Claro que teve partes negativas, perdi muito sono porque eu acordava às cinco horas da manhã, enquanto estava todo mundo acordando sete horas da manhã, pra ir ali em Higienópolis e eu lá, às seis horas, no ônibus, já. Era complicado.
(01:01:43) P/2 – Você comentou que você fez um estágio. Como é que foi esse estágio?
R – Eu fiz estágio na CI, na agência de intercâmbio, que é pra pessoa que quer estudar fora. Fiz seis meses lá, eu estava... Onde era mesmo? No Departamento de Universidades, [em] que a gente ajudava praticamente as pessoas, os brasileiros que querem estudar lá fora, seja bacharelado, mestrado e doutorado, alguma coisa assim. Geralmente era mais bacharelado e uma pós-graduação ou outra, geralmente era pros Estados Unidos, pro Canadá.
Por mais que tenha sido muito trabalhoso - e eu não era tão bem remunerado, digamos assim - eu estava lá mais pela experiência. Ajudou bastante porque, além de aprender bastante coisa lá, eu comecei a perceber como era o caminho de uma pessoa daqui do Brasil que quer estudar lá, em outra faculdade.
Tem outra coisa também que esqueci de falar, agora que eu lembrei. Quando eu estava no ensino médio, no final, eu queria muito estudar fora também. Estava tentando procurar bolsa, procurei sozinho. Não deu certo, mas tudo bem, meus pais também não tinham dinheiro pra fazer isso; eu também já tinha pesquisado, sabia mais ou menos como era o processo, então, quando eu estava trabalhando lá na CI, eu já sabia mais ou menos o que fazer. Claro que eu tinha que trabalhar com o dinheiro dos outros, tinha que trabalhar com o caso de cada um, mas foi uma coisa que me ajudou bastante.
Cheguei a entrar em contato com as universidades; tinha muita coisa na Austrália e a Austrália é um fuso horário totalmente diferente do nosso, então tinha dia que à meia-noite eu estava aqui em casa e eu tinha que ligar lá. Foi uma coisa assim, eu não ligava muito porque era uma oportunidade minha de falar inglês, então me ajudou bastante. E o pessoal do meu departamento era bem legal comigo, tanto que eu tenho amizade com eles até hoje. Minha chefe também era maravilhosa, mas consumia muito, não era exatamente o que eu queria fazer, tanto que no meio do estágio, tinha passado três meses e eu nunca fui uma pessoa tão boa academicamente, mas quando era trabalho assim, focar na prática, eu sempre fui muito bem.
Minha chefe queria me efetivar, só que eu não podia porque eu estava fazendo uma DP. Eu estava estudando de manhã e estava fazendo uma DP à noite, era o único horário; eu estagiava à tarde, não tinha como fazer isso, então eu perdi essa oportunidade por causa da faculdade. Mas tudo bem, isso acontece.
Naquele momento eu percebi, foi uma outra questão que me fez amadurecer. Eu falei assim: “Nossa, eu posso não ser bom em notas. Posso tirar um sete, cinco.” A média da faculdade era cinco, hoje é seis lá na Faap, mas você podia tirar um cinco e eu estava de boa, sendo que eu estava fazendo um trabalho bem lá na CI. O pessoal sempre foi bem tranquilo e foi muito bom, porque a CI, pelo menos o escritório que eu trabalhava, fica ali no Pacaembu, na frente da Faap. Eu me mudei pra Barra Funda mais ou menos no mesmo período, então ficou muito próximo pra mim, as coisas ficaram muito mais fáceis. Eu não precisava me preocupar tanto com o horário, então me ajudou bastante, foi uma coisa bem legal.
(01:05:36) P/1 – E após terminar a faculdade, qual foi seu primeiro passo?
R – Chorar. (risos) Brincadeira, não, não, brincadeira. No meu último ano eu também comecei a trabalhar em outra empresa. Eu comecei a trabalhar numa escola de chinês on line, é o Pula Muralha. A Sisi, ela é um pouco famosinha no ramo. Foi uma pessoa maravilhosa, ela é youtuber e eu já tinha essa ânsia: “Ah, eu vou fazer conteúdo”. Só que eu não sabia como fazer. Quando eu comecei a trabalhar com ela eu trabalhava com vendas; comecei a ver o que era ali, comecei a vender um pouco melhor. Foi questão de um, dois meses, mas me ajudou bastante.
No final da faculdade eu realmente não sabia o que fazer. Eu só queria arranjar um emprego, ou estava tentando mudar de área. Tanto que no final daquele ano eu comecei a estudar linguagem de programação, eu queria mudar pra TI. Comecei a estudar linguagem de programação, estava pensando em fazer outra graduação, ou começar a estudar por si próprio e arranjar um emprego numa empresa de tecnologia. Eu me formei em dezembro; no final de janeiro eu consegui um emprego exatamente numa empresa de TI, pequena, só que eu estava trabalhando em vendas, porque eu já tinha experiência em vendas. Não era o que eu queria, mas era uma oportunidade ali que eu não podia largar. Não vou dizer que foi boa, mas eu fiquei um mês lá, depois da faculdade.
Eu estava querendo já mudar de área, já estava meio perdido nas ideias e aí a CCTV me chamou para fazer uma entrevista porque em 2018 eu estava no Instituto Confúcio e o Instituto Confúcio é um órgão do governo chinês pra ensinar sobre a cultura chinesa, a língua chinesa e tudo mais. Dos cursos de chinês [disponíveis], é bem acessível e ainda te oferece bolsas, tem viagem pra China, essas coisas, porque é um programa do governo. Eu estava estudando lá e muitas empresas chinesas, pelo menos aqui no Brasil, até onde eu sei, procuram o Instituto Confúcio, fazem uma feira de emprego pra procurar gente que, mesmo que fale um pouco, saiba o mandarim, para trabalhar nas empresas chinesas. E aí eu lembro que uma professora minha falou que tinha uma vaga, só que eu não sabia onde que era, eu realmente não sabia. Ela falou: “Ah, quem quiser manda o curriculum pra mim”. Mandei o curriculum, aí eu fiz entrevista em 2018 pra CCTV. Eu não sabia o que era CCTV, eu fiquei meio em choque, eu fiquei “ué”. Tanto que eu lembro que naquele dia eu fiquei meio confuso. Eu não passei, inclusive, na primeira vez.
Voltando agora em 2019 - a CCTV é a TV estatal chinesa, antes de tudo mais - eles me chamaram, me ligaram quando eu estava no trabalho da empresa de tecnologia e falaram assim: “A gente queria fazer uma entrevista com você.” Eu fiquei tipo: “Beleza, vamos. Não sei o que eu quero fazer, vamos arriscar”. Eu fiz, aí eles falaram assim, na entrevista: “A gente quer você porque a gente sabe que você fala mandarim. Você é brasileiro, mas tem uma cara chinesa, porque pra trabalhar em TV também importa muito o rosto. A gente quer você, porque eu acho que vai ser uma coisa legal”. Eles viram que no meu curriculum eu falo sete línguas e principalmente, por falar mandarim e português, ajudou bastante, tanto que só foi uma entrevista mais rápida, mais light. Não foi assim: “Qual sua pretensão salarial e blablabla”, essas coisas mais sérias. Só que eles falaram assim: “Vai ser um período de um mês de teste, se a gente não gostar - é como se fosse um estágio - a gente não vai querer você”.
Falei com a minha mãe, falei com meus pais. Pensei bastante: “Será que eu quero?” É um ramo totalmente diferente, que eu nunca pensei em fazer, sabe? E o pessoal da CCTV já me queria, mesmo. Falei: “Vou tentar. Se passar um mês e eu não conseguir, eu vou tentar arranjar outro emprego e ver o que eu posso fazer”.
Relações Internacionais, ao mesmo tempo que é um curso lindo - eu amo o curso - ele é muito abrangente. Tem pessoas da minha sala, da minha turma, trabalhando em startup, tem gente que está trabalhando com jornalismo, tem gente que está trabalhando numa ONG, tem gente que está trabalhando em banco e por aí vai, sabe? Tem gente que nem está trabalhando com nada relacionado às Relações Internacionais.
Foi isso. Eu passei um tempo lá e o pessoal gostou de mim. O pessoal, até onde eu sei, gosta de mim, está tranquilo. Foi muito bom, eu me senti confortável lá, o pessoal também se sentiu confortável, então eu fiquei muito mais em casa. 90% do pessoal que trabalha lá é chinês, então posso dizer que me senti em casa exatamente por isso, por uma ligação cultural. Claro que é um pouco diferente, porque eu cresci no Brasil, eles nasceram e cresceram lá na China, mas foi uma coisa assim, eu nunca me senti tão bem num trabalho.
Foi uma coisa legal. Passou um mês de teste, eles simplesmente esqueceram, mas eu já tinha assinado contrato. Falaram assim: “Nossa, verdade, você já está aqui há muito tempo”. (risos) E eu tô até hoje aí, né?
(01:12:21) P/2 – E hoje, além de trabalhar na CCTV, o que você faz de atividades?
R – Bom, olha, além da CCTV... É que é assim: como é trabalho jornalístico, é muita coisa de eventos, muita coisa que acontece. O principal foco que eu tenho hoje é isso: seguir carreira jornalística, ser um bom jornalista, porque tudo que eu aprendi de jornalismo foi lá e também na Casper [Líbero], porque eu fiz a pós-graduação - eu tenho que terminá-la, inclusive.
O que eu estou fazendo agora... Antes eu estava me dedicando ao jornalismo, só que por causa da pandemia eu comecei a ficar em casa e comecei a tentar tocar alguns projetos pessoais. Hoje eu faço conteúdo na internet, faço produção de conteúdo, principalmente no Tik Tok e no Instagram e reclamações no Twitter. Eu faço receitas, faço coisas, porque eu sempre gostei de cozinhar, como eu mencionei. Comida é uma coisa que sempre está no meu coração, então eu comecei a cozinhar bastante. Eu tinha começado a cozinhar bastante durante a pandemia; comecei a gravar, colocar coisas nos stories e alguém falou: “Ah, posta vídeos, essas coisas assim.” Comecei a postar e está dando [certo].
Hoje eu posso dizer que hoje eu crio conteúdo, inclusive ontem teve um evento no Tik Tok e a gente foi naquele restaurante do Jacquin, o Buteco do Jacquin. Eu conheci o Jacquin, foi um evento superlegal. Inclusive a Cíntia [Zhu] estava lá também. (risos) Foi uma coisa bem legal.
Hoje eu faço receitas na internet, mas eu faço, eu pego... A única coisa de Relações Internacionais que tem aí é que eu pego um mapa, escolho um país aleatório e falo: “Eu vou fazer uma receita desse lugar”. Então, por mais que eu seja uma pessoa - porque sempre tem essa coisa, né? - asiática, acho que vou fazer só receita asiática. Não, no outro dia eu tô fazendo, sei lá, quiche, que é francês. Eu ia falar babaganoush, mas é árabe e países árabes ali no Oriente Médio também são geograficamente na Ásia. Posso fazer uma receita… Eu já fiz uma receita de Madagascar, por exemplo.
Como minha vida é totalmente aleatória, as coisas já estavam ali na beira do precipício e eu só empurrei. Eu só aceitei, sabe?
(01:15:15) P/1 – E, Carlos, a gente vai agora fazer as últimas perguntas, pra encerrar a entrevista. A primeira coisa, a primeira pergunta é: quais são as coisas mais importantes pra você, hoje em dia?
R - Putz, é difícil falar, é realmente difícil isso. Mas uma coisa que eu sinto, uma coisa que eu aprendi aqui em casa, que meus pais sempre colocaram bastante valor, é respeito. Primeiro de tudo, sempre foi respeito entre as pessoas. Se eu respeitar você e você me respeitar, é uma coisa mútua e então vai estar tudo certo, sabe? Não adianta eu não respeitar você e você me respeitar, ou vice e versa. É uma coisa que sempre pesou aqui em casa. Meus pais sempre botaram muito, muita força pra me ensinar isso.
Outra coisa que me importa bastante... Ah, uma coisa que está acontecendo, que eu tô tentando aprender ainda, é a questão de amor, relações, essas coisas. Como eu disse, quando eu era adolescente, foi uma coisa muito conturbada, tanto a relação com meus pais, quanto com outras pessoas, amizades, essas coisas. É uma coisa que eu tô dando muito mais valor hoje. Hoje eu tô namorando, já faz quase três anos e eu ainda tô aprendendo isso, sabe? Porque a família da minha namorada… Aí está uma outra coisa meio aleatória: o pai dela é argentino, mas a mãe é brasileira, tem um mix de culturas aí também. Eles sempre foram muito juntos, diferente daqui de casa, que eu meio que cresci separado dos meus pais, dessa conexão; minha namorada tem uma conexão muito forte com a família dela e eu nunca tive muito isso, então estou aprendendo ainda. Por mais que eu me importe com valores, família, essa questão de amor eu ainda estou aprendendo. É uma coisa meio pessoal, mas é uma coisa que eu acho que, por ter muito choque de culturas, a gente acaba perdendo também.
Outra coisa que me fez perceber isso foi o nascimento do meu sobrinho. Ele já está com quatro anos, mas eu percebi que por mais que não seja meu filho, é meu sobrinho e eu gosto muito dele. Eu quero e não quero, ao mesmo tempo, que ele repita os mesmos erros que eu tive. Eu quero que ele seja uma pessoa saudável, quero que ele tenha uma criação saudável, então digamos que atualmente são as coisas mais importantes pra mim.
(01:18:21) P/1– E quais são seus sonhos pro futuro, Carlos?
R – Ganhar na Mega Sena. (risos) Brincadeira. Não, hoje eu quero ser... Não vou dizer que eu ainda tô jovem, porque as coisas hoje andam muito rápidas, mas eu ainda quero ter uma carreira melhor. Por mim, eu quero que pelo menos daqui a dez anos eu esteja na bancada do Jornal Nacional. Pra mim está ótimo. Eu quero ter uma carreira sólida, também com uma condição financeira boa, não só pra mim, mas pra todos. Também seguir com essa questão de criação de conteúdos, que eu tô aprendendo ainda, eu tô há um ano fazendo, mas ainda é um passo de formiguinha pra chegar até ali no topo, alguma coisa assim, boa. Se alguma coisa viralizar amanhã, também está ótimo, mas eu quero ter uma coisa mais estável, eu quero continuar fazendo o que eu gosto.
[Quero] melhorar as relações com meus pais. É uma coisa que a gente ainda está trabalhando aqui, é uma coisa que eu quero muito. Quero aproveitar mais tempo com meus pais, uma coisa que eu não pude fazer quando eu estava no ensino médio, na adolescência, quando era adolescente, nem na faculdade também. E que as coisas aqui no Brasil melhorem, por favor. Está foda, está complicado. Por eu ser uma pessoa um pouco mais politizada, [por causa] do meu curso, eu me preocupo muito com isso. Também estou vendo, estou trabalhando com isso todo dia; não exatamente trabalhando numa ONG, mas eu estou noticiando isso e a gente sente como que as coisas estão difíceis, não só aqui no Brasil, mas no mundo. Mas eu tô falando do Brasil exatamente, porque está cada vez mais complicado. E eu espero que as coisas melhorem, que a gente pode fazer a diferença aqui, eleger pessoas boas. Não vou falar nada aqui, porque também… Mas é uma coisa que eu quero, quero que todo mundo esteja bem. Eu me importo muito com o próximo, é outro valor do movimento escoteiro que eu valorizo muito, que é a questão de ajudar o próximo. Por mais que eu tenha todos esses privilégios, consigo ter isso aqui e a pessoa ali do meu lado não tem. Eu quero que ele tenha as mesmas oportunidades, que ele consiga fazer as coisas que ele queira também e hoje está cada vez mais difícil isso, é complicado.
Digamos que esse meu sonho é muito maior do que eu, envolve muita coisa. É uma coisa, vamos dizer, um pouco utópica, mas eu espero que chegue a um momento que seja assim, que a gente consiga ter uma estabilidade aqui no Brasil, principalmente, né?
(01:21:39) P/1 – Então, vamos pra última pergunta, Carlos: o que você achou de contar sua história de vida pra gente, hoje?
R – Ah, eu não sei dizer… Eu levo muita coisa da minha vida, sempre levo uma consideração, uma história. Eu sei que é tudo meio confuso na minha vida, mas é porque é assim. Infelizmente eu aceitei do jeito que é, não tem uma coisa muito linear, sei lá. Uma pessoa que quer ser médico quando era criança, é médico hoje; a minha vida, [ao contrário], é totalmente aleatória.
Uma coisa que eu não falei antes: eu estudei sueco, eu sei falar um pouco de sueco; uma língua totalmente diferente, que você nunca ia imaginar de mim, então eu só aceitei essas aleatoriedades. Mas eu achei uma coisa interessante, uma coisa legal. É sempre bom ter oportunidade de conversar sobre essas coisas, sobre essas questões, também falar sobre a minha vida. A minha vida é meio que um livro aberto, hoje eu trabalho com comunicação, eu sou mais comunicativo. Ter que fazer isso é uma coisa que eu espero que, pelo menos pra quem ouça, que esteja vendo isso aqui, agregue de alguma forma, sabe?
Eu sou uma pessoa que adora reclamar, mas muitas vezes reclamando não se aprende nada; claro que eu não vou reclamar da minha vida, porque teve coisas boas e coisas ruins, mas [a entrevista] foi uma coisa legal.
Eu já participei de um podcast de uma amiga pra falar exatamente disso, mas foi um pouco mais falando sobre a minha vida, mas também falando mais de questões asiáticas aqui no Brasil. Eu já tive essa oportunidade, mas é sempre bom ter uma oportunidade melhor e espero ter agregado de uma forma, mesmo tendo falado muita coisa aleatória ao mesmo tempo. (risos)
(01:24:06) P/1 – De forma alguma, com certeza contribuiu bastante. Bom, então, em meu nome, em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece muito você ter aceitado o convite e ter separado um tempo pra conversar com a gente.
R – O prazer é meu, gente! Muito obrigado!
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