Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Sônia Gonçalves Claro dos Santos
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 16/04/2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV007_Sônia Gonçalves Claro dos Santos
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Sônia, nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo.
R – Meu nome é Sônia Gonçalves Claro dos Santos.
P/1 – Você nasceu onde?
R – São José dos Campos.
P/1 – Que data você nasceu?
R – Dezenove de agosto de1965.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Gilberto Gonçalves Pereira, minha mãe Dominga dos Santos Pereira.
P/1 – Eles trabalhavam em quê?
R – A minha mãe era do lar e o meu pai era mecânico.
P/1 – Mecânico, ele consertava o quê?
R – Era mecânico de autos, ele trabalhou muitos anos numa empresa chamada Matarazzo. Depois a firma fechou e ele montou uma oficina própria em casa mesmo.
P/1 – Que lembrança você tem do seu pai?
R – São as melhores possíveis, embora uma educação rígida que ele dava pra gente na época, e ele fazia coisas assim, era um pai excelente.
P/1 – Que coisas?
R – Tipo de educar até ser amigo mesmo da gente, né? Pra ele filho e família era, não tinha coisa melhor pra ele que a família e os filhos, trabalhou muito, muito, porque foi uma época muito difícil pra gente. A gente tinha um irmão muito doente, tinha problema no pulmão, era tuberculoso, então o meu pai trabalhava de manhã, de tarde, de noite, não tinha o que ele não fizesse pra manter a vida dos filhos e a família, que era um tempo bem difícil mesmo.
P/1 – Em quantos irmãos vocês são?
R – A gente era em cinco irmãos, e, assim, um atrás do outro, então não tinha tempo mesmo pra ele respirar mesmo, né? Minha mãe, numa época também, ajudou muito, minha mãe lavava roupa pra fora pra poder ajudar em casa, mas, embora tudo fosse difícil, eu não me lembro de ter faltado nada pra, que fosse, assim, pra gente mesmo, nunca deixou faltar nada.
P/1 – Vocês são em quantos irmãos, mulheres e homens?
R – Em duas mulheres e três homens.
P/1 – Você disse que ele era muito presente, fazia muitas coisas pros filhos, você lembra de alguma coisa que marcou, ou que ele fazia sempre pra vocês?
R – Ah, de passeio, a gente tinha, assim, uma infância bem pobre mesmo, então tudo que era perto de natureza que o meu pai gostava de fazer porque não tinha custo: levava a gente pra beira de rio, na época na cidade da gente tinha muita represa, rio. Então a vida dele era levar a gente pra represa. E ele adorava jogar bola, então tinha, na firma que ele trabalhava tinha um campo de futebol, um parque, então a vida dele era levar os filhos, deixar no parquinho, correr, jogar bola. A vida do meu pai era jogar bola, ele adorava, muito bom jogador por sinal. Então é isso que eu mais me lembro da infância, é isso, ele levando a gente pro parquinho, deixando a gente no parquinho se divertindo e indo jogar a bolinha dele, que era sagrado, todo sábado e domingo.
P/1 – Tinha um time que ele jogava?
R – Tinha, da Matarazzo mesmo, que era a firma que ele trabalhava, né?
P/1 – Você tem fotos dessa época?
R – Eu não tenho fotos, foi muito antigo, então não.
P/1 – E sua mãe? Você disse que ela lavava roupa pra fora.
R – A minha mãe era lavadeira, lavava roupa pra fora. Embora a gente fosse uma família bem simples, a gente morava num bairro de classe média em São José, então serviço pra minha mãe nunca faltava mesmo, ela lavava roupa pra fora.
P/1 – Como era a rotina de vocês, Sônia, você, seus irmãos?
R – Olha, era escola na parte da manhã, a minha na parte da tarde era ajudar a mãe, que eu era a mais velha, então eu tinha que ajudar a olhar os menores. E a gente brincava de tudo, mas era assim, na rua, a gente adorava. E onde eu morava, tinha muita chácara na época, sabe, então a vida da gente era pular muro e entrar em chácara, tirar cana, tirar manga, goiaba, e aquelas brincadeiras mesmo de pular corda, de roda, é o que eu mais me lembro da minha infância.
P/1 – Teve um caso que marcou, que você lembra que aconteceu, uma arte que vocês fizeram?
R – Ah, tem.
P/1 – Conta uma pra gente.
R – Foi um dia que a gente entrou numa chácara que a gente já tava acostumado a entrar. A gente pulava o muro, porque a pessoa morava na parte da frente, e a gente pegava, ia pro lado do fundo da chácara e costumava entrar. A gente tinha essa mania, mas a mulher nunca negou que a gente pegasse nada, mas mais gostoso era pular o muro, parecia que tava fazendo escondido, era mais gostoso. Aí a gente foi, tava acostumado, entramos, pegamos, pulamos o muro, entramos, daqui a pouco só dois cachorros vindo em cima, a gente não sabia que tinha cachorro, que a gente tava acostumado e era cachorro que tinham posto, novo, né? Quando a gente viu dois cachorros vindo na direção, foi só a gente querendo pular o muro do outro lado e voltar, nossa, foi horrível, a gente sentiu o cachorro nas pernas, tava eu, tava umas amigas, nossa, foi muito engraçado! Aquele dia eu acho que foi um dos que eu mais me lembro, foi a história do cachorro.
P/1 – E a brincadeira que você mais gostava, além de pular o muro das casas?
R – Pra pegar manga. Ah, eram todas, roda, pular corda eu acho que era o que eu mais gostava na época.
P/1 – Você era boa de pular corda?
R – Boa de pular corda, pular corda e pular muro, nossa, viver nas alturas é especial pra gente mesmo, né?
P/1 – Sônia, você freqüentou a escola lá mesmo em São José?
R – Em São José, do “prezinho”...
P/1 – Que lembrança você tem da escola? Como era essa escola que você frequentou, a primeira?
R – A primeira, a Ângelo de Siqueira Afonso, essa escola eu não esqueço. Ela era pequena, muito gostosa de estudar, foi da primeira série até a oitava, nossa, mas todas recordações boas eu tive de lá: quadrilha, ótimos professores na época, ensinamentos muito bons, nossa, era, tudo de bom de uma escola eu lembro dela.
P/1 – Tinha quadrilha?
R – Quadrilha, a gente adorava, né? Era quadrilha, era festa junina, festa de primavera, todas essas festas, a gente participava, a escola chamava os pais também pra participar, então os pais faziam questão de acompanhar, foi uma época muito gostosa de escola, bagunça, aquela escola foi a que mais me marcou mesmo, assim.
P/1 – E as bagunças?
R – Eu era muito tagarela (risos), falava demais, falava demais, demais, então eu sempre tava levando bronca, porque eu gostava de sentar no fundo, né, já pra poder conversar, rir, mas nunca me atrapalhou ser uma boa aluna, porque o meu pai cobrava muito mesmo. Ele não aceitava reclamação nenhuma de escola e que filho dele não estudasse, não se dedicasse mesmo, então, embora toda a bagunça, graças a Deus, eu sempre fui uma boa aluna, que era muito cobrada pelo meu pai mesmo.
P/1 – E professor, teve um que te marcou muito?
R – Eu acho que a da quarta série, a Professora Celina. Nossa, ela foi, assim, um marco, porque toda a dificuldade que a gente tinha, alguma coisa, era aquele professor, que ela gostava de ver que o aluno tava aprendendo mesmo, sabe? E eu tive um pouco de dificuldade com Matemática na quarta série, expressões numéricas, aí eu ficava louca, ela falava: “Não, você vai sentar do meu lado até aprender, eu não aceito que saia sem aprender”. Nossa, quantos intervalos eu não fui pro intervalo pra poder apreender. Mas ela foi assim, me ensinou que se tivesse dedicação e esforço eu aprenderia, então isso ficou, não tem matéria difícil, tinha sim pouca vontade de apreender aquilo, que eu não tinha mesmo (risos), pra falar a verdade eu não tinha mesmo, mas ela foi, foi se dedicando, mostrou que era bom, que tinha necessidade e a coisa foi.
P/1 – E os amigos na escola, que lembranças você tem?
R – Os amigos da escola foram aqueles que continuaram porque era a maioria, todos moravam no mesmo bairro, então a gente cresceu junto, foi pra escola junto, depois, mais tarde, saímos juntos, então os amigos foram que continuaram depois, até a época da juventude, até a fase do casamento, praticamente os mesmos. Então, assim, um pegava catapora, o outro pegava, o outro pegava; um pegava caxumba, o outro pegava, o outro pegava, então os mesmos do bairro foram os da escola, então era praticamente quase todos como irmãos, das séries que a gente pegava, porque já tinha convivência.
P/1 – E depois, pra se divertir, quando vocês foram ficando mais velhos, foram ficando mais jovens, o que vocês faziam nessa idade?
R – Tinha no nosso bairro uma igreja chamada Sagrada Família e tinha um padre com o apelido de Padre Tarzan. Ele tinha vontade que tirassem as crianças do horário, assim, que a gente ficava brincando na rua, ou esse tempo vago, ele queria que fosse pra dentro da igreja. Ele montou um centro chamado Centro Juvenil, então a gente tinha a tarde inteira pra passar lá dentro, depois, assim, de uma idade, que a gente já mais mocinha, a gente ficava à tarde. Tinha mesa de pebolim, pingue-pongue, depois aula de música, a gente saía pra cantar no coral da igreja e depois da missa no domingo, que a gente todo domingo, não faltava à missa, ele servia um pão com guaraná, que nossa, um pão doce com guaraná, que a criançada ficava louca! A gente passava o domingo ali e a preocupação dele sempre foi interar o jovem pra tirar da rua mesmo, pra que não tivesse mal elemento e que os pais soubessem onde tá, dentro da igreja.
P/1 – Sônia, você disse que esse grupo de jovens participava muito, todo mundo junto, participava das atividades da igreja, tinha mais algumas coisas que vocês faziam, além dessa participação na igreja?
R – Não tinha, porque na época a nossa educação como era rígida, a gente não não podia sair, não podia sair na noite, então tudo era limitado ali na igreja: ir na missa, ficar no Centro Juvenil, né, que ali tinha de tudo também pra gente, né, aprendia violão, canto. O padre tinha essa coisa, ele chamava mesmo os jovens pra dentro da igreja, né?
P/1 – Era muita gente, eram muitos jovens?
R – Muitos, vinham até de fora do nosso bairro, os bairros vizinhos, os jovens também compareciam, então era um lugar que eu acho que, pela nossa juventude, supriu tudo, tá? A gente tinha os ensinamentos, tinha os pais em casa e o reforço dentro da igreja, dentro desse Centro Juvenil. Ele não forçava a pessoa a seguir, mas muito jovens participavam e terminava seguindo a igreja, a missa.
P/1 – Sônia, como era a participação, se tinha bastante jovens e se vocês faziam alguma coisa além da igreja?
R – Não. A gente não fazia porque na época, quando a gente tava na faixa mais ou menos de 15 até os 17 anos, os pais não tinham mais, assim, não deixavam a gente sair na noite, era tudo bem rígido mesmo, então toda a nossa educação, todos os nossos passeios, tudo que a gente fazia entre os 15 e os 17 anos foi dentro da igreja: coral, aprender violão, tudo era lá mesmo nesse Centro de Jovens mesmo.
P/1 – Você tava dizendo que vinham jovens de outros lugares também, de outros bairros.
R – Vinha, vinham bastante jovens de outros bairros.
P/1 – Você cantava no coral da igreja?
R – Nós cantávamos no coral (risos), cantávamos e bagunçávamos, né, a gente mais, na missa, assim, cantava.
P/1 – Como era essa bagunça no coral?
R – Ah, às vezes a gente não queria cantar o que o padre, a música do padre, então a gente já ficava inventando outras musiquinhas em cima, fazia uma bagunça, mas na hora da igreja, na missa, era tudo muito certinho. Mas, assim, nos ensaios não era, não, a gente bagunçava bastante.
P/1 – Você lembra de alguma musiquinha que vocês fizeram, alguma paródia?
R – Ah, eu não lembro (risos) de paródia, não, mas a gente bagunçava bastante, coitado do professor (risos). Muita bagunça, mas uma bagunça, que a gente fala, saudável, né, a gente às vezes era meio arredio, não queria cantar aquela, ficava dando opinião, aí batia um pouco de frente com o professor, mas na hora da missa, do padre.
P/1 – Era misto esse coral?
R – Misto, moça, rapazes.
P/1 – E os namoros, tinha namoro nesse grupo?
R – Nossa, nessa época começou, né, paquerinha, paquera aqui, paquera lá, só que o meu pai nunca quis saber de namoro de filha, não. Ele ficava em cima, ele marcava mesmo, mas a gente tinha uma paquerinha aqui, o outro ali, mandava bilhetinho, em época de festa junina mandava correio elegante.
P/1 – Você lembra daquele primeiro namorado, primeira paquera?
R – Ah, lembro, o nome dele era Davi.
P/1 – Então conta um pouco do Davi. O que você fez, mandou bilhete, como é que foi?
R – Nada, foi tudo platônico mesmo, mandava bilhetinho, ele mandava também, mas logo depois de um tempo ele mudou de bairro, a gente não... Mas ficou só no bilhetinho, tudo platônico, era lindo, maravilhoso, ia morrer de amores, né, mas foi só no papelzinho mesmo, bilhetinho, correio elegante, cantava do lado do coral, sempre fazia ficar perto, mas não passou disso.
P/1 – Mas era gostoso?
R – Era, era muito gostoso, foi uma época muito boa.
P/1 – E depois foi crescendo, e aí?
R – Aí depois esse padre foi embora do bairro, aí o Centro Juvenil já fechou. A gente já tava quase com 18 anos, já tava indo, correndo atrás mesmo, né, aí eu já comecei trabalhar, só seguia as missas, ficava mais em casa, porque já tinha, cada um já tava começando a seguir seu caminho mesmo, né? Uns amigos já tinham ido pra faculdade, então já ficou mais complicado, eu já não pude ir mesmo pra faculdade, meu pai já tinha uma dificuldade, pra pagar era difícil. Então eu já comecei a trabalhar pra ajudar em casa mesmo, eu tinha os irmãos um pouco menor, então já comecei a trabalhar, ajudar em casa.
P/1 – Com quantos anos você começou a trabalhar?
R – Comecei mesmo com 18 anos.
P/1 – Qual foi o seu primeiro trabalho?
R – Trabalhei num consultório, consultório médico.
P/1 – Médico?
R – Isso, médico.
P/1 – Você lembra do dia que você começou seu trabalho, como foi?
R – Ah, o primeiro dia de trabalho não é gostoso, né, você vai tremendo, com medo de fazer qualquer coisa errada, tudo, mas a médica que eu fui trabalhar, uma ótima médica, ela ensinava tudo direitinho, não teve problema, foi muito bom.
P/1 – Você fazia o que no consultório?
R – Eu era atendente, fazia ficha, atendia telefone, então era gostoso.
P/1 – Quando você ganhou o seu primeira salário, você lembra desse dia?
R – Lembro! Lembro que eu cheguei em casa e dei inteirinho pra minha mãe (risos).
P/1 – E ela, como ficou?
R – Ah, ela ficou muito emocionada, porque eu falei: “Olha, mãe, pra ajudar”, aí eu me lembro que ela tirou um dinheirinho, deu na minha mão, pras coisas que eu precisasse, e o restante eu ajudei em casa mesmo, né?
P/1 – E o seu pai?
R – Ah, o meu pai já achava que era obrigação da gente, A minha mãe ficou com dó porque ela sabe que a gente era moça, precisa de muita coisa, aí ele falou: “Não, o certo é ajudar o pai mesmo nessa época”. E a gente ajudava e não reclamava, que a gente queria compensar o que ele já tinha feito pra gente, nunca questionei o porquê, eu sempre chegava, recebia, minha mãe deixava a minha parte, o restante ajudava na casa.
P/1 – Você ficou feliz com isso?
R – Nossa, foi o melhor dia! O primeiro salário acho que ninguém nunca esquece, né, mas eu sei que eu tive a felicidade de chegar e entregar tudo pra minha mãe, isso eu sei que eu fiz.
P/1 – E a parte que ela deu pra você, pra suas coisas, você lembra se você comprou alguma coisa?
R – Ai, na época eu comprei um sapato (risos), um sapato, uma botinha, até hoje eu lembro, que eu era apaixonada por bota, aí eu comprei uma botinha. Porque o meu pai não tinha muitas condições, eram muitos filhos na época, estudar era caro, vestir era caro, alimentar era caro. Então eu fiquei pedindo uma bota muito tempo, eu falei: “No dia que eu trabalhar eu compro uma bota”, eu sei que na primeira oportunidade eu comprei a bota.
P/1 – Aquela bota especial?
R – Aquela bota especial.
P/1 – Você ficou namorando ela antes, não?
R – Não, namorei bastante tempo.
P/1 – Como era essa bota?
R – Nossa, era de camurça, viradinha, na época foi moda, viradinha na perna, era muito bonitinha, eu adorava. Na minha cidade teve uma época que o frio era muito frio mesmo, não é hoje, assim, faz frio, faz calor, era uma cidade fria, nossa, então quando eu ganhei a bota foi o inverno inteiro (risos), difícil.
P/1 – Sônia, como você conheceu o seu marido?
R – Ele trabalhava numa lanchonete, num restaurante no meu bairro. Ele era de uma cidade de fora, vizinha da minha, e eu me lembro até hoje, assim, eu tinha ido numa festa junina, nessa época o meu pai já deixava a gente sair, tudo. Eu tinha ido numa festa junina numa escola que tem no nosso bairro. Só que chegou lá a festa junina tava ruim, eu falei: “Nossa, que festa junina mais chata, vamos embora”, aí eu chamei uma amiga minha, que chama Valéria, a gente tinha ido junto, né: “Ai, Valéria, tá muito ruim, vamos embora”. Aí ela falou: “Mas eu tou com fome” e a gente desceu nesse restaurante pra comer uma pizza, eu e ela, aí eu conheci ele lá, ele era garçom.
P/1 – Como foi esse encontro?
R – Eu vou falar, mas eu acho que foi amor à primeira vista (risos).
P/1 – É mesmo?
R – Foi, foi sim. Na hora que ele serviu, só que quando ele serviu a pizza e tal, assim, eu achei que ele tava paquerando a minha amiga, aí a gente acabou de comer a pizza, a gente pediu dois sorvetes, na época chamava colegial, que gozavam muito, hoje já nem é mais. O meu vem transbordando, vinha calda, vinha uva, vinha castanha, transbordando, aí a minha amiga falou assim: “Não, não é eu, não, porque olha o meu sorvete e olha o seu” (risos), o meu veio transbordando. Eu nunca tinha visto ele no bairro, embora ele já tivesse morando lá. Aí peguei, paguei a conta, fui embora, e na hora que eu paguei a conta, que eu fui embora, ele deixou um bilhetinho em cima da mesa, que queria me conhecer.
P/1 – Foi à primeira vista.
R – Foi.
P/1 – Mas você tinha já reparado nele também?
R – Ah, eu achei ele bonito (risos), tinha reparado bastante nele, só que eu achei que a paquera era pra minha amiga, só a minha amiga que falou: “Não, é pra você, porque o seu sorvete veio transbordando”, aí depois que eu tinha visto.
P/1 – E aí vocês se encontraram depois?
R – “Se encontramos”.
P/1 – Como foi esse encontro?
R – A gente foi só no cinema, aí passamos numa lanchonete, tomamos um lanche, tudo, mas ficou na conversa. Só que eu nunca tinha visto ele no bairro, depois eu comecei ver na padaria, ver no açougue, todo lugar que eu ia, eu batia de frente, eu falei: “Vichi, tá difícil”. Mas o meu pai, como era muito rígido, até aquela idade eu não queria saber de namoro, aí eu falei: “Vichi, agora tá complicado”, mas aí a gente se viu mais uma vez, aí ele me pediu em namoro. Só que eu falei assim: “Não, meu pai é muito rígido, não vai deixar eu namorar”, aí eu fiquei namorando um tempo escondida, até o dia que o meu pai pegou (risos).
P/1 – E aí como foi?
R – Só sei que o meu pai falou assim... Eu fui pra um lado e o meu pai virou o carro pro mesmo lado, porque ele me deixava numa esquina antes da minha casa, porque eu não queria bater de frente com o meu pai, meu pai era muito bravo! Só sei que o meu pai virou e falou assim: “Espero o senhor lá no portão pra gente conversar”. Só que eu achei que ele ia fugir: “Ele não vai, né”. E no final ele foi, conversou com o meu pai e a gente começou a namorar.
P/1 – E casaram depois.
R – É, dois anos depois a gente casou. A gente namorou e noivou em dois anos, e ficamos casados até o dia que...
P/1 – Você lembra do filme que vocês assistiram, que você assistiu com ele?
R – Ah, lembro (risos).
P/1 – Qual que era?
R – Foi um filminho com um monte de bichinho, os Gremilins, eu lembro até hoje o filme que eu assisti.
P/1 – E aí casaram, tiveram quantos filhos?
R – Tivemos dois.
P/1 – Como eles chamam.
R – O Thiago e a Thaís, o Thiago é meu mais velho e a Thaís é minha mais nova, minha caçula.
P/1 – Como foi a vida de casada?
R – Olha, eu não tenho o que falar. É uma vida difícil, não é fácil, né, porque ele também vinha de, ele não tinha, assim, estudo, era uma pessoa muito simples, mas muito batalhadora, muito trabalhador, nossa, como pai, um excelente pai, marido também. Não tenho o que reclamar, foi um excelente marido, nunca deixou faltar nada pros filhos nem pra mim, então foi uma pessoa maravilhosa, uma pessoa assim, que na minha vida não tem como repor outro.
P/1 – Ele já faleceu?
R – Ele faleceu em abril de 2011, amanhã vai fazer três anos que ele é falecido, deixou muita saudade.
P/1 – E os seus filhos, conta um pouco deles?
R – Eu tenho o meu menino, que é o Thiago, é o mais velho, que hoje faz a faculdade, né, que eu falei, um filho excelente, um menino batalhador pelo o que ele quer, pela vida, um ótimo filho, um excelente irmão pra irmã que ele tem, e hoje ele praticamente é o pai do meu neto, né, que é um excelente tio.
P/1 – Seu netinho mora com você?
R – Meu netinho veio numa época meio conturbada, minha filha ainda era muito jovem, né, 14 anos. Foi um baque porque o meu marido tinha acabado de ficar doente, tava se convalescendo. Aquele baque de vida que vem uma coisa gerando a outra, né? Quando ele tava convalescendo já, né, um pouco assim, aconteceu da minha filha, aos 14 anos, engravidar, aquele momento que você não entendeu o porquê da vida, o porquê tá acontecendo tudo aquilo ali. Porque a gente como pai, embora eu trabalhasse e o meu marido trabalhasse, a gente sempre foi pais muito presentes, principalmente o pai. Nossa, o pai era maravilhoso com ele, e a gente não entendia o porquê, aonde a gente tinha errado, a gente se culpou. Mas foi assim, o meu marido assumiu toda a responsabilidade junto comigo. A gente não quis, não favorecemos pra casamento, a gente manteve ela com a gente, porque a gente não saberia o que ela poderia enfrentar pela frente, com uma criança, ela muito nova. Então meu marido fez de tudo, nós fizemos de tudo por esse bebê, e, assim, antes até, logo que ele melhorou, tudo, falou: “Não, eu vou cuidar como se fosse meu” e o neto era o xodó da vida dele, era o neto.
P/1 – Como chama o netinho?
R – Cauã, tem seis anos hoje. É a razão da nossa existência ali, da nossa batalha, do nosso dia-a-dia.
P/1 – E a sua menina, como chama?
R – A minha menina? Thaís. Hoje ela tá com 21 anos, né, uma ótima mãe, muito responsável dos papéis dela, trabalha, batalha, dá duro mesmo pra poder ajudar o irmão, que tá na faculdade, e a cuidar do filho.
P/1 – Você veio pra Rio Claro em que momento, Sônia?
R – Eu vim pra Rio Claro logo que eu fiquei viúva. O meu filho foi trabalhar, largou os estudos pra poder batalhar, porque eu tava viúva, tinha a minha filha, que também na época não tava trabalhando, tinha o menininho, então ele assumiu a responsabilidade de ajudar a cuidar da gente. Ele era gerente de loja e trabalhava em várias lojas, viajava às vezes pra Sertãzinho, de uma cidade pra outra, até que o patrão pôs ele fixo aqui em Rio Claro. Aí, como ele tinha um apartamento, a gente pagava aluguel lá e a firma pagava aqui pra ele, ele falou: “Mãe, vem embora pra cá”. E a gente sozinha lá, também tinha essa perda do marido, perda do pai, a ausência do filho, porque a minha família é muito pequena, né? Então ele falou: “Mãe, vem pra cá, eu tou sozinho”, aí a minha filha falou: “Vamos, mãe”, porque o Cauã é muito apegado com ele também, eu falei: “Então vamos pra lá”. E viemos pra cá pra procurar ficar todo mundo unido, foi mais pela união da família mesmo, que a gente tava sentindo muito a ausência dele. Aí quando chegou aqui, ele trabalhando, a gente tava morando, tudo, ele: “Mãe, eu queria falar uma coisa, aqui tem uma UNESP e eu queria estudar”, aí eu falei assim: “Ai, filho, então vamos lá”, “Só que tá apertado, não dá pra mim fazer Inglês, porque é apertada a vida da gente, a senhora ganha muito pouco e eu como gerente também”. A Ta quando veio pra cá, que é a minha filha, também não tinha emprego, mas eu falei assim: “Mas você quer estudar?”, mas o sonho dele sempre foi fazer faculdade, eu falei assim: “A mãe ajuda então, vamos lá, né”. Ele falou: “Mas eu não vou pagar cursinho”, pegou os livros, chegava tarde do serviço, começou a estudar e foi indo, foi indo, chegou no final do ano, ele fez as provas, eu já meio assim, cabreira, porque quando ele chegou, queria estudar, eu pensei numa faculdade à noite. Aí ele falou: “Não, mãe, o que eu quero fazer não tem faculdade à noite, é período integral”, eu falei: “Não, mas é seu sonho?”, ele falou: “É, mãe, eu preciso disso pra garantir também o futuro seu e o do Cauã e da Ta”, então vamos lá, né? Aí ele começou a estudar, à noite ele chegava da gerência da loja, né, e ficava estudando à noite, sozinho, eu falava assim: “Ai, meu Deus, coitado do meu filho, estudando sem cursinho, enquanto os outros têm faculdade, enquanto os outros têm cursinho particular, tudo”. Mas eu nunca desincentivei, ele estudava à noite, eu levantava de madrugada, levava copinho de leite e ficava rezando pra que desse certo, né? Quando chegou no final do ano ele fez a prova, passou na primeira fase, eu já fiquei assim: “Vichi”, já tava meio assim, porque eu fiquei preocupada, porque eu sabia que na firma, ia terminar ele não podendo trabalhar. Aí ele fez a segunda prova, que foi a segunda etapa, primeira lista não saiu, eu falei: “Nossa”, aí eu fiquei meio chateada, eu falei assim: “Nossa”, ao mesmo tempo fiquei um pouco despreocupada, porque eu falei: “Não, pelo menos, se não der certo”. Aí saiu a primeira chamada, ele não passou, ele ficou cabisbaixo, eu falei: “Não, Ti, tenha fé, ainda tem a segunda, né”, na segunda chamada saiu o nome dele, graças a Deus. Mas foi um novo recomeço, porque a firma não fez acordo, mandou ele embora sem direito nenhum, sem fundo de garantia, sem nada. Eu ganho pouco do INSS, a pensão do meu marido é bem pouca, eu falei: “Nossa, e agora?”. Mas a gente, naquele período, tava com tanta alegria dele ter passado que a gente segurou, assim, a preocupação, mas foi difícil, foi bem complicado.
P/1 – E o apartamento?
R – A gente teve que entregar o apartamento. E, assim, não tivemos dez dias pra arrumar as coisas e sair, foi complicado por causa disso, a hora que ele falou, o patrão na hora pegou a chave já, pedindo o apartamento, que ele já tinha que mandar outro gerente, mandou embora sem os direitos. A gente sem guardar quase, porque não tinha como ter muita reserva com pouco dinheiro no bolso, falamos: “E agora? Vamos lá, né, vamos ver o que a gente vai fazer”. A minha família em São José não tinha condições de ajudar, porque cada um cuida da sua vida e é vida batalhada, minha mãe também não tinha como, eu falei: “Ai, eu não sei o que a gente vai fazer”. Mas a gente contou com bons, embora poucos amigos, ótimos, que a gente fez aqui, duas famílias maravilhosas nos ajudaram, uma guardou as nossas coisas e o meu filho ficou morando num quartinho, porque eu voltei pra casa da minha mãe até a gente poder arrumar uma casa aqui. Enquanto eu fui pra São José, o Thiago, essa família cedeu um quartinho pro meu filho, que não tinha vidro na janela, nada, era um quartinho bem bagunçado de coisa, meu filho jogou um colchão. E eu falei assim: “Thiago, vou pra casa da vó, fica uns dias com o Cauã, até vocês aqui começar a achar uma casa, porque não tem outra solução, a gente não tem”. E foi uma choradeira na rodoviária, porque ninguém queria se separar, né, todo mundo preocupado. Mas eu falei assim: “Você vai, filho, você vai, porque você precisa começar essa faculdade e a mãe fica lá até achar”, mas foi acho que o pior mês da minha vida (risos), a separação, a dificuldade. Nisso a minha filha já tava começando a trabalhar na farmácia. Ela tem uma amiga também muito boa e deixou morar uns dias no apartamento dela, aí ficou ele morando de favor na casa de um amigo e a minha filha na casa de uma amiga. Aí quando eu tava lá em São José, já fazia quase um mês e pouquinho, uma amiga nossa achou essa casa aonde eu moro, passando, levando a irmã pra escola, ligou pra minha filha, falou: “Thaís, tem uma casa aqui pertinho da minha, corre e vai lá ver”. Minha filha chegou aqui e o homem falou assim: “Não”, ela explicou a nossa situação, Seu Rogério o nome dele, ele falou assim: “Não, eu alugo pra vocês, só que eu quero a mãe de vocês aqui”, tava em São José. Quando foi duas horas da tarde minha filha ligou: “Mãe, pelo amor de Deus, eu já achei uma casa, só que o dono quer que a senhora venha”. Eu saí de São José quatro horas da tarde, peguei ônibus, fui pra São Paulo, vim pra cá, cheguei à noite. De manhãzinha eu conversei com o Seu Rogério, ele falou: “Não, eu alugo pra senhora”. Só que as minhas condições eram poucas, meu salário era pouco, a casa tinha um aluguel um pouco elevado e eu expliquei toda a minha situação pra ele, que minha filha tinha acabado de entrar numa farmácia, o salário dela também não era muito alto, o meu também não. Mas mesmo assim ele olhou e falou assim: “Eu gostei muito do seu filho, da pessoa da senhora e eu vou alugar a casa pra senhora, eu vou confiar”, aí alugou a casa pra gente. No mesmo dia eu fiz o contrato. Oito horas da noite, eu lembro como hoje, peguei o ônibus pra São Paulo com o meu neto, o dia tava até meio frio, cheguei em São Paulo, um frio, quando eu desci na rodoviária era quase meia noite, pra voltar pra casa da minha mãe pra pegar as minhas coisas, pra poder voltar no outro dia, vir embora pra poder começar minha vida nova numa casa com o meu filho e ajudar ele nessa empreitada que ele tá, de faculdade, de vida. Não é fácil, porque quando todo mundo não botava esperança da gente conseguir, falando: “Nossa, mas você já ganha tão pouco, a sua filha tá começando agora, vocês vão pagar aluguel, seu filho desempregado”. Quando todo mundo colocava que não ia dar certo, ninguém me botava pra baixo, que não ia dar, momentos muito difíceis, mas foi superado.
P/1 – Você tinha contado antes que ele fazia brigadeiro, né?
R – Ah, é! Nessa época foi assim, quando a gente veio pra morar pra cá eu deixei meus móveis, logo que eu vim pra Rio Claro, lá em casa, na casa da minha mãe, porque eu não tinha condições de trazer pra cá, caminhão era muito caro, então, como o apartamento dele era mobiliado, a gente ficou usando. Quando eu aluguei a casa nós fomos sem móveis, sem nada. Até a geladeira e o fogão eu comprei nas Casas Bahia, tive que esperar uma semana pra entregar, a gente ficou comendo de marmita, lanche, mas a união da gente era tão grande que nada tirava a vontade da gente vencer. Até hoje a minha casa é assim, uma salinha ficou lá assim, com umas coisinhas, a gente tem o fogão, a geladeira, uma hora a gente aparece, assim, móveis lá da faculdade, pessoa que às vezes até foi embora, a gente pegou, ganhou e tudo. Aí a gente ajeitou a casinha, não tem luxo, mas tem o que a gente precisa, só que na época ficou apertado porque pagar aluguel, ele sem trabalhar, minha filha também não ganhava muito, eu falei assim: “E agora? Como é que eu vou me virar?”. Aí um dia eu olhei, falei assim: “Nossa, eu faço doce”, peguei, olhei, tinha umas latas de Leite Moça lá, um chocolate, eu falei: “Ti, tive uma ideia, você leva brigadeiro e vende na faculdade, um dinheirinho nós vamos tirar daí”. Só que ele é bom demais, ele levava os brigadeiros, vendia um fiado, dois ele trazia, o outro ele deixava e, assim, nunca negava nada pra ninguém. Eu falei assim: “Ti, mas a gente tá fazendo isso pra manter a casa, pra manter um pouquinho das coisas”, que tirava um dinheirinho da mistura, tudo, falou: “Não, mãe, mas ele vai pagar tal dia, tal dia, tal dia”, ele nunca negava pros amigos, né, eu falei: “Ai, Ti, esses brigadeiros tão uma coisa”. Aí um dia na aula lá, deu uma muvuca assim num cantinho, aí o professor falou o que tava acontecendo ali, ele explicou pro professor que ele vendia o beijinho e o brigadeiro pra poder ajudar em casa por causa da faculdade. Aí o professor falou assim: “Ah, então tá bom, você vai na minha sala”, só que ele foi pra lá pensando que ele ia ser repreendido, né? Aí o professor pediu explicação da nossa vida. Ele falou: “Não, professor, minha mãe é viúva, a gente tá há pouco tempo aqui na cidade, minha mãe não tem serviço, então ela tá fazendo uns doces pra fora e eu trago pra faculdade e vendo, ajuda a comprar uma mistura, um negócio, a gente também, como tem criança pequena, era um leite pro Cauã, tudo”. Aí o professor se comoveu com aquela história e ajudou, levou ele pro laboratório pra ele ter uma iniciação científica e ajudou ele a conseguir uma bolsa, que na época 400 reais, que até hoje ele ganha, né, que é o que ajuda a gente interar o dinheiro do aluguel. Só que ainda não era o suficiente, porque o Thiago deixava tanta gente ficar devendo, aí eu fui trabalhar de fazer faxina mesmo pra poder ajudar na renda da casa.
P/1 – Como é que depois você começou com o empreendimento?
R – Foi assim, eu tava, eu fazia faxina, e a minha filha trabalha na farmácia junto com a filha da Maria Vilani, que trabalha num empreendimento. E eu me lembro ate hoje que eu tinha chegado numa sexta-feira, tava cansada, tudo, mas a minha filha tinha levado o meu neto pra farmácia porque a gente não tinha quem ficasse com ele. E a gerente era uma pessoa muito boa, sabe, aí ela ligou pra gerente, a gerente falou assim: “Não, pode trazer ele pra sua mãe poder vir buscar”. Foi um dia que eu tinha feito uma faxina, que eu tava muito, muito cansada, uma casa muito grande, que eu vim me perguntando: “Meu Deus, dá-me força, dá-me força porque hoje tá difícil”. Mas mesmo assim eu trazia o dinheiro pra casa, então mesmo com toda dificuldade, o cansaço, eu falava assim: “Mas graças a Deus foi mais um dia batalhado, mas eu to com o dinheiro do que é pra pôr dentro de casa”. Aí fui buscar o meu neto na farmácia e a Elaine, que é a filha da Maria Vilani, já tinha comentado assim, eu fui buscar meu neto e brinquei com ela, falei: “Olha, quando você tiver uma vaguinha lá, sua mãe tiver alguma coisa, se você quiser eu vou trabalhar, se sua mãe arrumar uma vaguinha pra mim”, mas falei brincando, né? Aí ela falou assim: “Ah, tá bom”, mas logo depois aconteceu de aparecer uma vaga, que tava precisando gente aqui e a Maria Vilani me chamou, eu vim pra reunião e deu certo de ter chegado no Consulado.
P/1 – E aí como foi quando você começou aqui?
R – Nossa (risos)! Foram uns dias meio difíceis, tinha feito faxina, mas tudo, como tudo sobe, né, foi um mês meio apertado pra mim, que o Thiago também tinha tido uns gastos extras na faculdade, minha filha também tava meio apertada, porque o meu neto também tava passando por cirurgia, era remédio, um tratamento de alergia que ele tinha, tava meio apertado. Eu me lembro que nos dias que eu tava vindo, eu tava com dois reais no bolso e ainda faltavam três dias pra eu receber, eu olhava aqueles dois reais, eu falava assim: “Meu Deus, eu compro pão ou eu compro leite? Eu compro leite ou compro pão?”. Nesse dia eu me lembro que tinha uma moça lá também, que entregava pão na rua, eu cheguei pra ela, expliquei pra ela que faltava, se ela venderia o pão pra mim, ela falou: “Não, a senhora pode ficar com o pão”, fui lá, quebrei o cofrinho, tinha um dinheirinho do leite. Aí eu cheguei pro meu filho e falei assim: “O leite e o pão a mãe conseguiu, mas a mistura do Cauã a gente não tem” (choro). O meu filho pegou e falou: “Mãe, não vai faltar, eu vou cobrar o pessoal que tá me devendo”, aí ele foi, cobrou, ninguém tinha dinheiro pra pagar no dia. Mas tinha um amigo dele que falou assim: “Ti, eu tenho dez reais, você pode levar” e ele veio com a bicicletinha e trouxe, passou no mercado, comprou frango: “Tá aqui a mistura do dia”. Então foi nesses dias que eu tava participando dessa reunião já aqui, mas ainda não tinha bem certeza se eu ia ficar, se daria certo, aí eu falei: “Filho, se Deus quiser é uma nova porta, a mãe tem muita fé que eu vou ficar”, só que demorou uma semana, duas semanas, três semanas. Mas eu falei, assim, nada me tirava a fé de eu começar aqui. E realmente eu participei e vim pro Consulado numa época que eu tava, assim, bem assim, querendo perder as forças, mas eu falava assim: “Não, eu tenho que continuar” e nada me tirou a força de ter continuado e hoje eu acho que tudo valeu a pena, tudo valeu a pena! Eu me lembro até hoje que o primeiro pagamento que eu peguei no Consulado, eu falava: “Nossa, agora eu vou passar no mercado”, porque parece que a maior preocupação da mãe é que não falte o teto e que não falte o pão, né? Passei no mercado, nossa, foi uma felicidade, levei pro meu neto coisas que fazia mais de meses que ele não comia (risos), que tava faltando pra ele, então isso aqui pra mim representa muito.
P/1 – Isso o quê?
R – O Consulado. Pra mim é uma oportunidade que me deu esperança que eu tenho de continuar ajudando meus filhos no estudo, se Deus quiser a minha filha também o ano que vem, que agora ela pode começar a pensar, né? Que até agora a gente só pensou em manter o Thiago, porque ela é muito unida com o irmão, ela ajuda muito, então ela me ajuda muito em casa pra gente suprir, pra ele poder estudar.
P/1 – E agora a próxima será ela?
R – A próxima, se Deus quiser, o ano que vem eu vejo ela numa faculdade. A hora que eu ver os dois formados e ele, assim, porque eu sei que ele é um irmão maravilhoso, então quando ele se formar e acabar ele vai vir atrás ajudando a irmã dele e ajudando o meu neto. Aí eu sei que a minha missão vai tá cumprida, quando eu ver os dois na educação. Meu pai sempre prezou muito isso, mas infelizmente meu pai não chegou a ver nenhum filho na faculdade, mas, se Deus quiser, ele vai olhar pelo neto. Meu filho tá no segundo ano de Física. No ano passado, com todas as dificuldades de vida da gente, ele ficou a primeiro de 45 alunos da sala de aula dele, então eu deixo essa mensagem, que nada é impossível, a gente tem os percalços, mas pra um sonho de um filho da gente não tem sacrifício.
P/1 – Agora eu vou falar um pouquinho do empreendimento, que você veio trabalhar aqui, mas aqui onde? Como chama o empreendimento que você participa?
R – Chama Espaço Solidário, é a lanchonete da Whirlpool. Quando eu cheguei aqui, quem me ensinou foi a Maria Vilani, que abriu as portas, ela me trouxe pra cá e me ensinou. Eu tinha alguma noção de alguma coisa de cozinha, porque eu já tinha trabalhado, o meu marido também a vida inteira trabalhou com restaurante, me ensinou muita coisa também, que eu devo a ele. Então tinha um pouco, mas cada lugar, cada coisa que a gente vai é uma coisa. Mas eu cheguei com esperança que isso aqui fosse mudar a minha vida e realmente é o que acontece, embora as dificuldades, as coisas, isso aqui pra mim representa muita coisa.
P/1 – O que mudou? Você já contou bastante coisa, mas se você puder falar um pouco mais.
R – Ah, a qualidade de vida minha, a vontade de alcançar alguma coisa, os ensinamentos que a gente tem aqui nas reuniões que a gente tinha com a Daniele. Não só supriu essa parte de necessidade material, eu tava muito pra baixo do que eu era capaz, do que eu podia, e a gente vê que é capaz, a gente vê que consegue fazer as coisas, que a gente pode melhorar, que a gente pode ter uma autoestima. Isso foi bom, as coisas que ela falava durante as reuniões foi elevando a moral da gente, e isso foi bom também.
P/1 – Vocês trabalham em quantas no empreendimento?
R – Hoje a gente trabalha em sete, sete mulheres.
P/1 – Como vocês se organizam pra esse trabalho? Tem algum combinado, como é?
R – Assim, como é empreendedora, uma vai pra cozinha, a outra atende, uma é caixa e a gente tem as reuniões, que são feitas, que a gente distribui um pouco do serviço. Uma auxilia a outra, né, eu faço um pouco, vou, ajudo a outra, a outra vai, também faz um pouco, uma atende, depois a gente já vai na cozinha, ajuda também, é assim que é feito.
P/1 – Cada uma tem uma função ou vocês vão revezando? Além de uma ajudar a outra, mas existe essa divisão de trabalho?
R – Tem um pessoal mais que fica na cozinha mesmo, que cozinha mesmo, e o pessoal que gosta mais de servir. Eu já fico, assim, um pouco de cada (risos), um pouco eu vou pro balcão, um pouco eu vou pra cozinha, porque eu também gosto de aprender coisas novas na cozinha, né? Gosto também de fazer, eu adoro fazer as coisas, adoro quando o cliente adora e elogia, nossa, eu fico muito feliz de saber que você, além de tá fazendo, você tá dando gosto pra pessoa que tá comendo essa coisa, tem um carinho nisso, né?
P/1 – E o dia-a-dia de vocês nessa empreitada, tem alguma coisa que você acha que é importante contar no dia-a-dia, na convivência de vocês?
R – Ah, a gente sempre aprende a conviver com as pessoas, respeitar o limite da pessoa. Não é fácil você trabalhar num espaço, cada um tem sua mentalidade de trabalhado, mas a gente tem que ir adequando a tudo, né? Uma passa experiência pra outra, ou quando uma tá mais chateada a outra aprende a respeitar mais. Não vou dizer que de vez em quando não sai umas brigas, uns pensamentos diferentes, mas é do convívio humano, né? A gente vai se adaptando, de vez em quando dá, assim: “Ah, eu acho melhor assim, eu acho melhor assado”, o outro já não entende, mas a gente vai levando.
P/1 – Se você tivesse que resumir, como é que você se vê hoje em relação ao que foi? Você batalhou muito, toda essa história que você contou, que é incrível, mas hoje como é que você se vê nesse empreendimento, você sonha nesse trabalho?
R – Como eu me vejo?
P/1 – Como é, o que mudou? Além de tudo o que você já falou, enquanto pessoa, pra você pessoalmente?
R – Eu me vejo hoje uma pessoa mais capaz, muito mais capaz, porque eu aprendi muitas coisas, né?
P/1 – Fala, você já falou que tá aprendendo bastante na cozinha, mas coisas importantes que você aprendeu.
R – De convivência, de vida?
P/1 – Não, nesse empreendimento num todo, você falou que se sente mais capaz, em quê?
R – Mais segura. Mais segura de ser uma pessoa, a segurança de você aprender, de você se adaptar. Hoje eu sei que se eu for trabalhar eu sou capaz de trabalhar em outra coisa, me dedicar, deu mais segurança pra mim de eu fazer, sabe, de conseguir mesmo. Toda essa batalha de vida me deu essa esperança, que eu sou capaz, porque tem vezes que a gente não se acha, capaz de mudar, capaz de fazer uma história, mas hoje eu sei que eu sou capaz.
P/1 – Em relação às reuniões que vocês têm aqui, você disse que ajudou muito na sua autoestima. Em relação ao empreendimento, o que você acha importante mesmo pra você nesse projeto todo do Consulado?
R – A importância do Espaço Solidário?
P/1 – Do Espaço Solidário, das reuniões que vocês têm.
R – Então, é que nem eu falei pra você, eu cheguei aqui numa época mesmo que eu tava precisando, então eu dei valor a tudo que eu poderia pegar aqui, valor ao aprendizado, o valor a respeitar as pessoas, a conviver com elas, o cliente, a saber as necessidades dele, de entender também. Que não é fácil, tem dias que as pessoas tão boas, tem dias que as pessoas tão coisa, mas eu aprendi tudo isso, a viver, a conviver. E nas reuniões eu aprendi que... Um dia a Daniele virou e falou, assim, que as pessoas só fazem com a gente o que a gente permite que as pessoas façam. E eu era assim, eu tive numa fase que eu fazia muitas coisas boas pros outros e esperava por isso às vezes, e eu me decepcionei muito. Então hoje eu sei que eu tenho que fazer, mas não esperar, eu faço pelas pessoas o que é possível fazer, sem esperar, porque eu me decepcionava muito com isso, hoje eu sou mais firme. Eu faço tudo o que é possível, porque eu também tive mãos que me ajudou, então eu faço, eu não nego ajuda, mas hoje eu já não espero, e isso ela ensinou pra gente, que me deixou, foi uma frase que me marcou muito na reunião. E antes eu deixava as pessoas fazerem coisas que me magoavam muito, hoje eu já tenho mais o pé no chão e ter a capacidade de dizer não quando eu não quiser aceitar o que os outros me impõem. Isso eu acho que me deu uma certeza que eu sou capaz de dizer um não, e antes eu não era, hoje eu sou (risos).
P/1 – E pra sua família, o que significou você trabalhar nesse empreendimento?
R – Pra minha família foi um pouco mais de tranquilidade, porque hoje eles sabem que quando chega o dia a gente tem a tranquilidade de poder pagar as coisas que a gente tem que pagar, um pouco mais de tranquilidade pro meu filho poder estudar, a tranquilidade de eu saber que eu vou levar o que o meu neto precisa pra dentro da minha casa. A segurança de eu ta mais tranquila pra conviver com eles, porque quando você tá com muito problema às vezes você deixa de ver fases neles, de acompanhar crescimento, você se preocupa muito com os bens, o que tá faltando, então você às vezes não se dedica o tanto que você quer se dedicar a eles. E agora eu tenho um pouco mais de tranquilidade pra isso, pra curtir o meu neto às vezes, de sorrir com eles, porque quando você tem muitos problemas até o seu sorriso, as suas preocupações calam isso, né? Hoje eu consigo mais, pela tranquilidade, pelo bem estar que eu posso levar pra dentro da minha casa, de eu estar mais tranquila com eles, isso deu tranquilidade pro meu filho estudar, pra minha filha trabalhar melhor e curtir o meu neto, sorrir com ele.
P/1 – Parece que ele gosta da sua comida, como é que ele fala?
R – Ah, é, o meu neto, ele é assim, ele é um pouquinho enjoado, ele não gosta muito, ele não come comida, assim, muito dos outros. E quando eu to com ele, ele olha pra mim assim e fala assim: “Vó, seu papá é o melhor do mundo” (risos). Ali pra mim eu ganhei o meu dia, né, porque o meu neto pra mim é tudo, ele veio numa época muito difícil, conturbada pra gente, que nem eu falei, o meu marido tava doente, só que hoje eu entendo que ele veio naquela época foi porque era o único neto que o meu marido ia conhecer e ia ser o xodó da vida dele. Deus não permitiu que ele fosse embora sem conhecer um neto, e eu me lembro que ele levava meu neto pra todo lado, todo lado, ele ia num pesqueiro, era o neto; ele ia, jogava bola, era o neto. O neto foi, no final da vida dele, o neto foi a alegria de vida dele, e ele falava assim, que quando ele fosse era pra gente cuidar bem do neto dele, e é o que a gente faz, porque ele não tem pai presente, meu neto é só a gente que cuida, nem, o pai nem no registro ele não nome. A gente respeitou bem o que o meu marido falou, ele, antes dele morrer, ele tinha muita preocupação com o Cauã, que a minha filha voltasse com o pai, e ele falou pra cuidar bem, então todos os momentos de luta minha, a minha maior preocupação é que a gente não cuidasse bem dele, mas a gente cuida, graças a Deus.
P/1 – O seu sonho principal daqui pra frente?
R – Nossa, meu sonho, o primeiro de todos é ver os meus filhos formados, feito uma faculdade, isso aí é o meu maior sonho. Com o meu maior sonho, do meu filho formado, tudo, é a qualidade de vida que ele vai poder dar mais pra frente, que a família dele, do meu filho ou da minha filha, não precisem passar pelas fases que eu passei pra tá hoje um filho na faculdade. Eu quero que ele tenha com a família, condições de vida melhor que a gente, eu quero que essa fase, essa etapa nossa de batalha de vida, assim, que pra ele não tenha necessidade de acontecer, os meus futuros netos ter tranquilidade de vida, isso que eu queria. Quero muito que ele possa formar uma família, sendo pessoa boa como ele é, que ele se preocupa, porque ele quer passar pros outros que, os outros que às vezes fala assim: “Ai, Ti, mas como é que você consegue fazer uma faculdade, tudo?”, ele fala assim: “Eu quero passar pros outros que falam que não pode, que não vai conseguir, que tenha fé que consegue”. E ele ajuda, ele dá aula, por exemplo, tem uns amigos que fazem faculdade de Engenharia, às vezes precisa de aula de Física dele, de Matemática, vai em casa, ele transmite, nunca, ele: “Não, vocês não pagam por aula”, nunca cobrou, ele passa pros outros a sabedoria dele. Ele fala assim: “Mãe, porque Deus tá me recompensando, a gente tá vencendo, então o que eu sei eu quero transmitir, então não precisa pagar por isso”, essa é a lição dele.
P/1 – A gente tá terminando. O que você achou de fazer essa entrevista?
R – Ah, falar da vida é sempre bom, né, é muito bom falar da vida, eu gosto muito! Eu gosto, porque eu quero que eles dêem valor a tudo o que eles têm, que eles possam conseguir, mas que eles nunca percam a raiz da onde eles vêm, que eles continuem na simplicidade. Embora mais tarde eles possam ter um futuro melhor, que eles não percam aquilo que a gente ensina, a simplicidade de vida, ajudar os outros, isso eu não quero que eles percam, né, eles não podem perder essa, saber da onde eles vieram, da raiz que eles vieram, isso é que eu prezo muito. Porque a cada ensinamento que o meu pai deu de vida, porque ele foi uma pessoa simples, não pode dar luxo, mas a educação pra ele era a base de tudo, a educação leva a vários lugares e abre portas. Era sempre isso que ele falava, e esse ensinamento eu passo pros meus filhos, a educação é a base de tudo, ela abre portas, eu quero que eles aprendam isso, lição de vida.
P/1 – Muito bom, a sua história vai ajudar nisso, tenha certeza.
R – Tomara.
P/1 – Obrigada, Sônia.
R – De nada, imagina, é sempre bom falar.
FINAL DA ENTREVISTA
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