P/1 – Oi senhor Paulo, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro eu gostaria de agradecer a sua vinda aqui ao Museu, de ter aceitado o nosso convite e para começar eu queria pedir para o senhor falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Paulo Rivera Ferreira, eu nasci em Piraju, Estado de São Paulo.
P/1 – Certo. Em que dia?
R – 25 de outubro de 1951.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava Maurício Costa Ferreira, já falecido. A minha mãe, viva, Irma Costa Ferreira.
P/1 – E você sabe a origem deles, eles também são lá de Piraju?
R – Não. Meu pai é cearense de lá de Fortaleza. Minha mãe é mato-grossense de Corumbá.
P/1 – E você sabe como é que eles se conheceram, sendo um cearense e outro de Corumbá?
R – Então, a gente teve algumas conversas sobre isso e foi uma... Ele trabalhava numa hidroelétrica então ele foi para Corumbá e conheceu a minha mãe lá e se casou.
P/1 – Ele trabalhava em hidroelétrica e foi para Corumbá?
R – Ele mexia com a parte elétrica de empresa de energia, ele acabou conhecendo a minha mãe lá.
P/1 – E aí de Corumbá eles vieram para São Paulo?
R – Vieram para São Paulo, vieram para Piraju, cidade da alta sorocabana. Meu pai foi trabalhar com um cunhado dele. Ele era administrador de fazenda e, praticamente, a nossa vida de criança foi mais em fazenda mesmo.
P/1 – O senhor sabe o que o trouxe a Piraju?
R – Como eu disse meu pai foi morar lá, porque a fazenda era em Piraju.
P/1 – E como é que era essa fazenda, como é que foi a infância na fazenda?
R – Foi muito boa. Hoje até eu tenho um netinho. Eu penso muito nele porque a gente era muito bem... Porque a minha família, nós éramos oito irmãos, era uma família grande, então a gente conviveu praticamente a infância em fazenda mesmo.
P/1 – E de oito irmãos o senhor está onde na escadinha?
R – Primeiro.
P/1 – Primeiro?
R – É.
P/1 – E como é que era ser o mais velho de oito, de sete irmãos?
R – Sempre a gente tinha um pouco mais de responsabilidade, tudo o que o meu pai pedia, para a gente olhar os menores... Mesmo quando ele faleceu, antes de falecer ele me pediu para que eu ajudasse os mais novos.
P/1 – E como é que era, o que você fazia para ajudá-lo?
R – Meu pai na época, depois que ele trabalhou na fazenda, ele abriu um pequeno comércio de secos e molhados, na cidade mesmo. E aí a gente trabalhava com ele até uns oito, dez anos. Nós trabalhávamos juntos no comércio que era secos e molhados. Aí meus irmãos também, fomos aos poucos trazendo também para dentro do comércio. Porque a gente é praticamente formado de comércio desde pequeno, vamos dizer assim.
P/1 – E como é que era essa loja do seu pai de secos e molhados? O que vendia, onde ela ficava?
R – Secos e molhados é nada mais do que um supermercado hoje. Secos e molhados a gente vendia basicamente uma coisa muito simples não era uma coisa sofisticada como é um supermercado, informatizado, tal e tal. Então a gente trabalhou muito tempo com meu pai nesse ramo. Minha mãe tinha cantina no colégio, quer dizer, praticamente a gente foi formado no comércio mesmo, sabe? Uma formação que nós tivemos desde pequeno. O meu pai sempre colocou a gente para ajudá-lo, a gente dentro de um horário e tal. Ele sempre foi muito bacana com a gente sobre isso.
P/1 – E como é que era, quais eram as atividades dos filhos? Quando você ia para lá o que você fazia?
R – Meu pai ensinou a gente a trabalhar mesmo no balcão, tratar com as pessoas. Porque hoje às vezes você vai num comércio qualquer e você não tem a mesma coisa que antigamente era. Você conversa com as pessoas, tem uma amizade muito próxima. Isso hoje eu faço! Porque eu acho que é uma forma de você fidelizar o cliente. Então a gente faz muito isso, meu pai já fazia isso.
P/1 – Você se lembra da sua primeira venda ali atrás do balcão?
R – A gente fazia, vendia de tudo. A gente vendia arroz, feijão, batata. É um supermercado pequeno, então a gente vendia... Tinha, enfim, todo tipo de mercadoria de supermercado.
P/1 – E como é que era a venda desse arroz? Era a granel?
R – Granel. Naquela época a gente tinha uma balança, que até mostrei, era uma balança em que a gente colocava um peso e aí se colocava a mercadoria.
P/1 – E onde que ficava essa loja, em Piraju?
R – Essa loja em Piraju ficava dentro de um supermercado. De um mercado, quer dizer. Um mercado. Chamava Mercado Municipal. O meu pai tinha dois boxes. Inclusive eu era sempre o que mais se preocupava com a parte de aparência. Eu fazia aquelas pilhas bonitas de óleo, eu sempre me preocupei de estar bem orientado no sentido de o cliente ver e se sentir bem. Isso é uma coisa muito interessante.
P/1 – E o que é que tinha em volta nos outros boxes? Vocês ficavam mais...
R – Como é um mercado, ele tinha outras como um mercado que você vai, Mercado Municipal onde tem a pessoa que vende tomate, outra que vende batata, outro que vende e alface, banca de revista. Era uma coisa muito mercado mesmo.
P/1 – E tinha algum lugar nessa loja do seu pai que você gostava mais de ficar, que você se sentia melhor?
R – Eu gostava muito da parte de visual. Sabe? Eu sempre fui assim. Acho que o visual é uma coisa que atrai as pessoas. Eu me preocupava muito com isso. E também ajudava meu pai porque naquela época com os sacos de feijão, arroz, era tudo 60 quilos, eu era um pouquinho mais forte da turma do meu pai, dos filhos, eu que trazia para eles, porque meu pai fez uns caixões, e a gente despejava no caixão de manhã, todo dia.
P/1 – Como é que... Você trabalhava no seu pai, ajudava lá o comércio dele, mas também ia para a escola. Qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – A gente teve duas fases. Teve uma fase em que meu pai era administrador de fazenda e eu ficava na cidade, porque a fazenda ficava a 18 quilômetros da cidade. Então eu fui para a casa de um amigo do meu pai para eu estudar e que ficava perto do colégio. Entendeu? Então antes, bem antes a gente tinha uma escola rural lá perto da fazenda e a gente ia, eu e meus irmãos com a bola a gente ia jogando. Porque era uns oito ou dez quilômetros de proximidade de uma fazenda para a outra, então eu ia brincando com bola com meu irmão. E lá a gente praticamente fez quase o primeiro grau nessa fazenda, depois é que nós fomos para a cidade. Meu pai comprou uma casa e nós fomos para a cidade para estudar.
P/1 – E dessas suas primeiras lembranças da escola, da escola rural, como é que era essa escola? Contou já como era o caminho, que iam brincado.
R – Sei. Na realidade a escola mudou muito, você sabe disso. A escola antigamente era um lugar que dava prazer de a gente ir estudar, pelo menos na minha época era assim. Então era bem diferente, era uma escola rural, mas que tinha toda a infraestrutura como a escola de hoje tem, essas escolas de lata aí que têm. Mas era muito, muito interessante porque era bem, as professoras eram pessoas muito bem preparadas, entende?
P/1 – E o que é que vocês faziam na hora do recreio, brincavam?
R – Jogar bola, coisa de moleque mesmo.
P/1 – Você se lembra de algumas outras brincadeiras que você fazia com seus amigos?
R – Brincadeira de pique, esconder um negócio qualquer, brincadeira de principalmente futebol.
P/1 – E nesse período dessa primeira escola já tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Tinha. Eu sempre gostei de matemática. Acho que sempre fui bem, porque eu sempre fui um aluno que eu lia muito e eu tinha que fazer muito exercício, até pra eu aprender. A professora dava uma lição, por exemplo, de uma somatória ou qualquer coisa, eu sempre procurava mudar os números para fazer mais, para aprender mais. Porque daí se você mudar o número, você acaba uma hora como se fosse outro exercício. Então eu tinha essa visão.
P/1 – E como é que foi a mudança dessa escola rural e tal que ficava mais longe para a cidade, para um centro urbano já diferenciado? Como é que foi? Como é que você sentiu essa mudança?
R – Foi tranquilo porque você sabe que a escola é uma coisa que você se acostuma muito fácil com as pessoas, com os amigos. E lá eu fiz praticamente o ginásio nessa escola, na escola já na cidade. Então eu fiz colégio, depois fiz o colegial, depois eu vim para São Paulo para continuar estudando. Praticamente depois que eu vim para São Paulo, depois de 18, 20 anos por aí, aí eu fiquei, nunca mais voltei. Só ia para fazer visitas lá.
P/1 – E como é que você conciliava estar de manhã na escola, no colégio e ajudar o seu pai?
R – A gente sempre tinha horário. No horário da escola a gente ia à escola. No horário de folga a gente trabalhava. É isso o que todo mundo faz hoje.
P/1 – E você falou que a sua mãe trabalhou na cantina de escola, em que escola que ela trabalhava?
R – Na mesma escola que eu estudava. Minha mãe era a cantineira, fazia os salgadinhos para os alunos. A minha mãe adorava, a gente sempre foi muito bem feliz nesse aspecto do comércio de uma forma geral. Isso vem muito do sangue da minha mãe principalmente.
P/1 – E o que você pode dizer que tinha nos traços dela, no modo dela agir que veio para você, que estava no sangue?
R – Praticamente tudo, viu? Minha mãe é muito ativa. Minha mãe tem 78 anos, mas ela é uma pessoa super bem de vida, bem de feliz, entendeu?
P/1 – Ela mesma que preparava os lanches, os salgadinhos?
R – Exatamente. Ela que fazia tudo e por sinal o pessoal adorava. Minha mãe fazia muito bem feito.
P/1 – E como é que era na casa de vocês, vocês a ajudavam a preparar?
R – Teve alguns irmãos meus que ajudavam, eu também ajudava ela na cantina, também uma época. Porque meu pai tinha um armazém, armazém pequeno, mas a gente a ajudava também.
P/1 – E como é que era para vocês estudarem na escola e ter o lanche da cantineira ali separado? Como é que era isso para vocês?
R – Era tranquilo porque saía e já ia lanchar, porque a minha mãe sempre cuidou muito bem da gente. Teve uma época que a gente, quando ela não tinha cantina, minha mãe sempre foi muito comercial. Minha mãe comprava caminhão de banana e a gente vendia. Como nós éramos muitos filhos, cada um tinha uma cesta. Então a gente só podia jogar futebol depois que vendesse as bananas, depois teve uma época de mexerica, teve uma época de amendoim, tomate. Então a gente foi criado quase continuamente no comércio, seja ele qual for. O produto é que mudava.
P/1 – E como era para vocês quando ela comprava esse caminhão e trazia a mercadoria para vocês venderem? Vocês dividiam, como é que funcionava isso?
R – Funcionava bem. A minha mãe comprava essa quantidade de banana, ela dividia em vários montes, colocando mais facilidade de amadurecer, outras... Sempre para ter sempre banana madura. Então a gente tinha uma coisa que cada um tinha a sua cesta. Então você tinha aquela obrigação, vamos dizer assim, de fazer aquela venda e eu era muito esperto porque eu tinha meus clientes certos, sabe? Eu já tinha um pessoal que era do Banco do Brasil, um pessoal já escolhido. Eu ia lá já vendia e rapidamente eu já voltava. Nesse aspecto eu sempre fui muito rápido.
P/1 – E você sabe como é que ela fazia o contato, de quando em quando que chegava o caminhão, ou era esporádico?
R – Não. Era esporádico. Essas coisas no interior são muito tranquilas, não tem muita técnica, não. Entendeu? Minha mãe comprava na época de... A gente até catou café, porque lá é uma zona cafeeira, alto da sorocabana, a minha mãe catava os cafés. Então as empresas de café deixavam aqueles sacos grandes de café para você catar. O café, não sei se você sabe, tem alguns grãos eles são ruins, são defeituosos. É igual feijão, arroz. Então deixava porque justamente a empresa tinha que entregar o café limpinho. Então também teve essa época, quer dizer, teve várias épocas. Minha mãe era muito, sempre foi muito... Uma visão muito boa.
P/1 – E por onde mais que o senhor andava assim por Piraju? Tinha um lugar que você costuma frequentar?
R – A gente tinha muito lá... Antigamente no interior, lá é uma cidade pequena de 15, 25 mil habitantes, tem um jardim, sabe? Onde o pessoal se reúne, vão ao cinema, tem os barzinhos. Isso até hoje é assim, cidade pequena mesmo, cidade do interior mesmo. Tinha o clube, eu morava perto do clube, a gente ia jogar futebol. Então era uma coisa quase que diariamente.
P/1 – E aonde é que você ia comprar as suas coisinhas, a roupa, o material?
R – A minha mãe comprava sempre. Isso é uma coisa que a gente não era muito de sair para comprar. A minha mãe que comprava. Já comprava para os oito de uma vez. Sempre foi uma família grande.
P/1 – E como é que foram os seus primeiros namoros, ou como era o grupo de amigos seu dessa época do ginásio?
R – Foi mesmo porque a minha esposa atual, que a gente casou, a gente namorou dez anos, porque isso é muito comum no interior, você namorava uma quantidade. Isso hoje não, mas antigamente você tinha... A primeira namorada minha praticamente foi ela e a gente acabou casando. Ela morava na mesma rua, ela estudava na mesma escola, então tudo isso ajudou.
P/1 – O senhor falou que veio para São Paulo, como é que foi o seu prosseguimento, sua formação? Você terminou a escola lá em Piraju?
R – Lá eu terminei a escola e vim também, porque naquela época antes de 70, 73 por aí, qual o objetivo das pessoas que moravam no interior? É sempre ir para a cidade maior para estudar. Primeira coisa para estudar, mas também para trabalhar. Então eu vim para São Paulo em 70, 70 e pouco, e foi através de uma amiga da minha mãe que morava lá em Piraju e que morava em São Paulo no Largo do Arouche, e que a gente ficou... Viemos eu e meu irmão, só que meu irmão ficou um mês e foi embora, não aguentou porque, saudade, enfim. Eu persisti. Eu fiquei, trabalhei, eu trabalhava no... Comecei a trabalhar... Primeiro vim de lá, quando eu vim, vim chorando, aquela coisa de adolescente. Aí eu chegando a São Paulo no outro dia eu já fui procurar emprego, sabe? Eu sou muito assim meio curto mesmo, já vou em cima. Aí fui trabalhar no supermercado. Só que eu não gostava de trabalhar no supermercado porque era parte de escriturário. Para um pessoa igual a mim, que sou muito irrequieto, gosto de conversar, isso era uma coisa muito difícil. Então nos intervalos do almoço eu ia para dentro do supermercado para falar com as pessoas, porque tinha uns repositores que são os promotores de vendas que chama, e eu fui procurar ver com eles se tinha na empresa deles, qual a possibilidade de trabalho. Eu fui a várias. Não consegui em nenhuma. Depois eu saí do supermercado e fui trabalhar num laboratório, ser propagandista de remédio. Também fiquei pouco tempo. Aí eu fui trabalhar, fui uma vez na Olivetti para fazer uma entrevista e tanto hoje como antigamente sempre foi muito concorrido e sempre foi muito bem... Foi afunilado essas coisas de você ter bastante, saber bem o que você vai fazer. Eu me lembro muito bem que eu comprei um paletó naquela época, um paletó bonito tal e fui fazer a entrevista. Então eles chegaram e falaram: “Olha, vocês seis aí, entrem aqui na sala”. Era uma sala igual a essa. A primeira coisa, aquele monte de gente, então eu entrei e foi uma coisa muito interessante que eu hoje até hoje eu não esqueço. Era para vender máquina de escrever e eu sempre fui procurar vendas mesmo. O entrevistador perguntou: “Quem de vocês leu o jornal hoje de manhã?”. Eu sempre fui muito honesto comigo mesmo, falei: “Eu não li”. Ele falou: “Então o senhor pode ir embora”. E isso marcou muito para mim. Daquele dia em diante eu lia tudo quanto é jornal. Porque depois eu fui saber que realmente tinha razão. Como é que eu ia vender uma máquina de escrever, uma máquina de somar, que antigamente tinha, se eu não falasse nada do que está acontecendo no Brasil, o que aconteceu no futebol? Eu fui honesto comigo e isso também foi muito interessante. Até hoje eu não me esqueço mais. Eu acho que isso é uma coisa que sempre se fala hoje para a juventude, a molecada. Lê o jornal, isso é importante. Às vezes uma roda de moleque, mas não entende nada. Por quê? Falta de informação. Então isso me marcou muito. E depois eu fui para outros empregos, fui vender Barsa, fui vender um monte de coisa. Já fui vender relógio, Barsa. Depois que surgiu uma época, eu trabalhava na Santa Casa São Paulo, Santa Casa de São Paulo, e tinha uma livraria em frente, uma editora. Aí que começou a segunda fase da minha vida que foi a fase de livros. Eu fui pedir um emprego lá porque eu achava muito bonito, eu sempre fui do comércio, mas o comércio de livros para mim era um negócio interessante. Eu não consegui nos primeiros anos uma vaga lá, mas chegou uma época que o cara, o dono me chamou: “Olha, eu tenho uma vaga lá em Mogi das Cruzes. Interessa?”. Eu falei: “Vamos olhar. Qual é o problema? Vamos fazer uma visita”. Eu fui até Mogi. Lá tem a Universidade de Mogi das Cruzes e era bastante aluno, então com isso eu acabei ficando lá. Tive uma condição melhor, porque eu trabalhava na Santa Casa e no HC, no Hospital das Clínicas, como técnico de laboratório de análise clínica, porque eu fiz o curso. E aí eu acabei vendo uma possibilidade deste tipo de comércio de livros. Aí eu fui para lá em 75, em outubro de 75 e estou até hoje lá e aqui em São Paulo também.
P/1 – Então antes da gente falar dessa sua segunda fase vendendo livros, eu queria falar, voltar assim para a sua primeira impressão da cidade, vindo menino e tal. O que você esperava quando chegasse aqui? Você já conhecia a cidade? Como é que foi chegar?
R – Normalmente o pessoal que vêm do interior fica muito maravilhado e tal, mas normalmente ele tem um pouco de dificuldade, porque como a cidade não tem o mesmo, teus amigos de todo dia e de toda hora, normalmente você fica um pouquinho meio amedrontado, vamos dizer assim. E naquela época não tinha tanta violência como tem hoje. Hoje é tudo muito pior, mas eu me acostumei fácil.
P/1 – Aonde que você foi morar?
R – Morei ali no Arouche. Morei um tempo bom lá no Arouche, em pensão, eu mesmo lavava as minhas roupas, eu mesmo tinha praticamente duas calças. Aquela vida de quem chega do interior que vem para São Paulo.
P/1 – E como é que foram as suas primeiras andanças, suas primeiras andanças pela cidade? Você disse que foi procurar emprego, para onde é que você foi?
R – Eu sempre pegava o jornal, aí eu já pegava, olhava o jornal, mas nos classificados. E com isso eu procurava os empregos. Evidentemente que nunca era... A gente sempre procura o melhor, mas nem sempre se consegue. Mas eu sempre fui muito insistente, fui muito batalhador. Eu trabalhava ali na Santa Casa como técnico de laboratório, porque quando eu fiz o curso técnico de laboratório eu fiz no Imaculada Conceição ali perto da Brigadeiro. Quando eu estava no segundo ano eu já trabalhava como técnico porque havia sempre falta desse curso técnico de laboratório de análise clínica. Exame de sangue, essas coisas de laboratório de análises clínicas.
P/1 – E como é que você decidiu fazer esse curso técnico?
R – Porque eu tinha sempre na minha cabeça eu queria ter um laboratório de análises clínicas. Mas isso não foi possível, porque as coisas mudaram muito, antigamente se fazia exames, você fazia contagem de plaquetas tudo manualmente. Hoje você põe numa máquina e ele faz automático. Hoje você vai ao Fleury, eles fazem tudo, nem põe a mão. Eles põem o sangue lá ele já faz tudo. Fotometria, enfim, toda parte de exame de laboratório era feita manualmente antigamente. Depois mudou.
P/1 – E aí ao mesmo tempo então que você falou que trabalhava na Santa Casa você ia fazer as vendas de relógios, de Barsa, como é que foi?
R – Não. Na realidade é assim: eu trabalhei na Santa Casa como técnico de laboratório. Eu ia em frente que tinha uma livraria, uma editora, para justamente procurar saber se havia emprego para que eu pudesse entrar no ramo de livro. Com isso se passaram os anos e eu consegui terminar o curso de laboratório de análises clínicas e fui trabalhar no HC também, Hospital das Clínicas. Então de manhã eu trabalhava na Santa Casa e à tarde eu trabalhava no HC do Hospital das Clínicas.
P/1 – Então esse período que você falou de vendas do relógio, das Barsas, foi antes?
R – Foi antes porque como a gente passa por vários empregos... Eu passei por vários empregos, inclusive na própria Santa Casa eu trabalhei no almoxarifado que também eu não me dei muito bem porque eu sempre fui muito inquieto, falador, converso e essa coisa de ficar sentado não é o meu forte.
P/2 – O senhor falou que tinha um sonho de abrir um laboratório?
R – Tinha.
P/2 – De onde o senhor... O senhor se lembra de onde o senhor tinha visto alguém tomando conta de um laboratório, de onde veio esse sonho?
R – Na realidade quando criança eu tinha um amigo meu e a gente montava um laboratório de molecagem no porão da minha casa. Então se você botar vinagre... Como é que era? Vinagre num produto lá estourava a tampa. Sabe aquela coisa? Então a gente tinha esse tipo de laboratório. Esse amigo meu o pai dele tinha uma indústria. Indústria não. Era uma empresa de arrumar televisão e tinha uma válvula que ele arrumava, ele arrumou de uma forma que eu não sei como é que ele fazia, aquilo subia como foguete. Então aí que a gente começou a fazer um laboratório no fundo da minha casa. Aí que começou o negócio do laboratório.
P/2 – Talvez daí que tenha começado o seu interesse por ciências em geral.
R – Em geral. Possivelmente.
P/2 – Depois o senhor chegou a fazer uma faculdade também depois do curso técnico?
R – Eu fiz o curso técnico, depois entrei na Universidade Mackenzie, fiz o curso primeiro de Biologia, aí eu fui chamado para fazer a... Para trabalhar em Mogi. Eu abandonei o curso e naquela época eu queria fazer odontologia. Por sinal eu seria um péssimo dentista. É. Seria um péssimo dentista, porque era bonito tudo, mas eu com certeza seria um péssimo dentista. Talvez eu vender alguma coisa para o cliente seria mais fácil do que fazer um tratamento de dente, aquela coisa toda.
P/1 – E aí então o senhor finalmente conseguiu a vaga para trabalhar com livros em Mogi. Como é que foi esse processo de mudança depois de anos em São Paulo?
R – Eu fui convidado porque antes de eu ir para Mogi, teve uma época em que tinha uns horários que eu podia trabalhar. Eu peguei na época, o cara da editora, a pessoa da editora passou para mim, era para eu fazer cobranças. Eram umas cobranças muito difíceis. Então eu fazia cobrança de final de semana, chegava lá batia. Imaginou hoje você cobrar o cara final de semana? Então eu cobrava, fazia cobranças. E aí o cara gostou de mim, do meu jeito de ser, ele achou que eu poderia ser um bom vendedor de livros. Aí ele me deu essa oportunidade lá para Mogi para que eu pudesse representá-los. Eu fiquei, trabalhei com ele sete anos. Teve uma época de... Porque a gente passou por muitos períodos. Períodos de Collor, Bresser, imagine todos esses períodos a gente passou. Isso sempre atrapalha muito o comércio de uma forma geral. E numa dessas eles deram a loja para mim. Deram-me o ponto, vamos dizer assim, de vendas de livros. Eu me lembro, na época nós tínhamos cinco ou seis concorrentes. A gente acabou ficando só com dois. A gente se uniu, tinha uma editora chamada Guanabara Koogan, que existe até hoje, esse cara veio trabalhar comigo, nós fundamos a Mogi Book. Aí a gente ficou uns oito anos trabalhando juntos. Depois a gente se separou ele ficou com uma loja e eu fiquei com outra e depois ele desistiu. Mas a gente trabalhou um tempo, uma sociedade. E depois eu fui aos poucos também com a mudança lá da faculdade, teve uma mudança, eu tive que sair da faculdade, eu fiquei sem o ponto lá de dentro. Eu fui para fora. Aí eu comecei a abrir a loja e fui também para São Paulo, vim para São Paulo também, onde eu abri a livraria. Antes eu tinha aberto a livraria em Alfenas, Juiz de Fora, Volta Redonda e em São Paulo. Mas depois eu fui mudando, fui modificando e continuei trabalhando aqui em São Paulo no HC no Hospital das Clínicas, mas já é como livreiro, e depois ali na Unifesp que é a escola federal de Medicina. Hoje nós temos duas lojas aqui na USP. Uma lá dentro da faculdade no HC e uma fora.
P/1 – Então queria que o senhor contasse mais um pouquinho para a gente como foi a chegada a Mogi. Depois de trabalhar cobrando, o que as experiências de comércios anteriores o ajudaram a essa volta para o comércio?
R – Para mim foi tranquilo porque na realidade eu sempre trabalhei com comércio. O comércio só muda de produto. Na realidade você tem que... Quem trabalha no comércio pode mudar de produto, mas o tino, a visão dele não muda. A gente sempre se preocupou, eu me preocupo até hoje, de ter o cliente muito próximo da gente. Isso é uma coisa de fidelização. Fidelizar a pessoa porque hoje a concorrência é muito grande, principalmente com o advento da internet hoje você está em casa, você entra no computador, você pede o que você quiser ali. Uma pizza, um refrigerante, você pode pedir o que você quiser. Mercadoria de supermercado. Livro então nem se fala. Então também a gente depois com isso a gente montou uma loja virtual.
P/1 – E como é que era essa loja em Mogi, onde que ela ficava?
R – Era em São Paulo, pequena como todo mundo começa pequeno. A gente tem fotos aí que vai mostrar para você, era uma loja um terço disso aqui. Um terço. Era bem pequena, onde tinha poucos livros e naquela época a gente tinha uma concorrência muito forte, que era uma editora que praticamente dominava o mercado e eu não tinha acesso a esses livros, eu tinha que pegar de outro ou de terceiro. Quer dizer, foi uma época muito difícil, uma época boa para desistir do negócio. Mas eu insisti. Então eu trabalho com isso desde 75.
P/1 – E como é que se deu esse processo até o senhor conseguir ficar com a loja, o ponto?
R – É como eu disse, a editora mudou o foco dela, sabe? Antigamente ela tinha as lojas em faculdades, depois ela achou melhor é vender mesmo para que eu pudesse abrir uma empresa e vender direto e nós representarmos. E com isso abriu o mercado para mim! Acabou sendo muito favorável, porque aí eu pude comprar de todas as editoras. Eu não precisava mais ser um... Eu não precisava usar o atravessador, eu pegava direto da editora. Não precisava ter isso mais e assim melhorou muito. Lá em Mogi a gente ficou muito ligado aos alunos, sabe, uma coisa que isso me... Eu gosto muito de estar junto com o aluno, conversar com o professor, ver as dificuldades, e isso acaba tendo uma coisa boa que é a fidelização, é uma coisa que a gente se preocupa muito.
P/1 – E como é que se deu essa vontade de voltar a São Paulo e montar uma loja aqui, de ser livreiro?
R – Pela própria mudança de mercado. O mercado você tem que estar mudando com ele também. De qualquer forma a faculdade, antigamente lá Mogi era uma Universidade, na Zona Leste era a única que tinha. Então muita gente ia daqui para lá estudar. Hoje é o contrário, vem gente de lá para cá. Então antigamente tinha essa facilidade porque tinha muita gente, hoje é ao contrário. Hoje muita gente vem para São Paulo. O aluno vem fazer uma faculdade melhor. Com isso eu também vi isso como uma coisa muito interessante, para que eu pudesse crescer eu teria que também mudar. (troca de fita)
P/2 – Senhor Paulo, o senhor abriu o seu primeiro comércio ali em Mogi, você falou para gente, com um sócio, e depois pelo que a gente entendeu o senhor teve uma ruptura com esse sócio. A que se deveu essa ruptura? Como é que foi esse período após a ruptura?
R – Você sabe que até casamento hoje é difícil, imagine sociedade. Evidentemente a gente não brigou, nada disso. É que como eu tinha um jeito de ser e a pessoa não tinha o mesmo jeito, é difícil você casar essas coisas, mas a gente foi muito leal, eu fui muito leal com ele. A gente tinha duas lojas, o mandei escolher uma loja. Mandei escolher uma loja para ele. Não foi na força, nada disso. E aí ele escolheu a loja que ele queria e eu fiquei com a outra. E com isso abriu muitas portas, a minha família me ajudou muito, minha esposa, minha filha sempre foi muito dedicada desde os oito anos, trabalha comigo, essa que fez administração no Mackenzie. Então com isso houve uma união na família para que a coisa fosse dando cada dia melhor.
P/2 – E você ficou com uma loja em Mogi nesse período?
R – Nesse período eu fiquei com uma loja em Mogi e a outra pessoa ficou com a outra loja em Mogi também.
P/2 – O senhor mencionou que depois o senhor foi para Alfenas, foi para outros Estados. Quanto tempo durou essa loja em Mogi?
R – Então, na realidade... Isso aí foi um período de três a quatro anos porque como mudou a faculdade, mudou a direção, com isso as pessoas, a pessoa procurou colocar outra livraria lá dentro. Então eu tive que ir para fora, arrumar um ponto lá fora. Então eu percebi que na vida é assim, às vezes fecha uma porta e abre outra ou janela que seja. Então eu percebi que na época eu fiquei triste, mas em compensação foi muito bom, eu procurei outras formas de ampliar o meu negócio. Aí eu fiz a loja em Volta Redonda, Alfenas e Juiz de Fora. Aí eu trabalhava com várias pessoas, mas eu percebi também que dá muito trabalho. Com isso eu diminui a quantidade de livrarias e eu fiquei como era. Antigamente eram sete lojas, imagina. Não dava nem para dormir direito. Com isso a minha família me forçou a diminuir essa coisa de ter muitas lojas e de pouco. A gente não conseguia tocar todas as lojas.
P/2 – E como o senhor se livrou dessas lojas? O senhor vendeu as lojas?
R – Eu vendi para os próprios funcionários. Eu fiz um acordo com eles e vendi para eles mesmos. Eles mesmos continuaram tocando as lojas e continuam até hoje.
P/1 – E como é que foi a escolha das cidades, dos pontos? Como é que é esse processo?
R – Na realidade o processo de escolha é muito em função da universidade. Onde tem uma faculdade de medicina, de uma forma geral os alunos têm um poder aquisitivo melhor. Isso é tranquilo. Então com isso a gente procurou pegar faculdades com muitos alunos, com facilidade de entrar nessas faculdades. E com isso eu consegui colocar todas essas lojas em pé. Então basicamente é em cima disso. É oportunidade.
P/1 – E nesse período a loja já tinha mudado de nome?
R – Não. Nunca mudou. Depois que houve uma ruptura com a sociedade, a gente colocou outro nome porque era Mogi Book, inclusive fui eu mesmo que escolhi o nome porque aí ficou muito regional. E aí o que é que eu fiz? Tinha um amigo meu em São Paulo, eu contei para ele que tinha duas filhas, uma chamada Daiane e outra chamada Thaise, por isso que ficou Dathabook, Daiane e Thaise. Isso é muito do pessoal do Ceará. Fazem muito disso. Coloca nome até às vezes do filho, coloca a mãe com o pai, o pai com a mãe. É muito comum isso no nordeste. Eu não fugi da regra.
P/1 – Certo. E aí então você estava contando que deu uma diminuída nas lojas, focou aqui em São Paulo. Como é que era o ponto aqui de São Paulo, mesmo perto...
R – Na realidade eu sempre tive essa vontade de voltar para a Universidade de São Paulo, porque eu já tinha trabalhado lá. Então eu sempre tive essa vontade. Houve uma forma de a gente pegar e fazer uma... Como é que se fala? Deus!
P/2 – Filial?
R – Não. Houve uma forma de várias pessoas entrarem. Como é que é? É uma... Eu lembro. Já, já eu lembro.
P/2 – Consórcio?
P/1 – Concorrência?
R – Concorrência para quem quisesse entrar. Uma licitação. Então houve a licitação e eu acabei ganhando. Então eu fiquei lá e estou lá até hoje. Com isso eu acabei abrindo outra próxima, lá fora. Porque hoje o problema maior é o aluno de outras faculdades entrar na Universidade de São Paulo. É muita, muita dificuldade. Então a gente abriu outra ali na Arthur de Azevedo.
P/2 – E por que a escolha do ponto na Arthur de Azevedo? O que é que tem lá?
R – Porque é na boca do pessoal. Ali sai todo mundo. Ali é o local melhor porque como loja, padaria, essas coisas, o local é uma coisa muito importante. Principalmente qualquer tipo de mercado que você vai. Por que todo mundo hoje escolhe o shopping? Por quê? Por causa do público. Aonde se vende é o público, quanto mais público mais sua opção de compra. Então é isso.
P/1 – Como é que é essa loja? Como é que ela está distribuída? Qual que é o espaço dela?
R – Ela deve ter uns 100 m2 aproximadamente. Ela é dividida por área, na de medicina ela tem anatomia, fisiologia, histologia, tem a parte básica, tem a parte de cirurgia, tem a parte de gastro, oftalmo, otorrino, toda parte de livros, porque a gente se especializou mesmo nessa área.
P/1 – E como é que foi surgindo essa necessidade de especialização, qual que foi esse caminho?
R – O próprio mercado. O próprio mercado que leva você a ficar numa determinada especialidade, entendeu? Até pela facilidade como eu tinha e tenho ainda nas editoras. Evidente que a gente sempre tentou vender outros produtos, mas isso nunca deu certo. A pessoa vai lá para comprar o livro, ele vai comprar o livro de gastro. Ele vai focado no livro de gastro. Então é diferente.
P/1 – E como é que são escolhidos os livros para se expor?
R – Lançamentos. Lançamentos. Basicamente são os lançamentos que diariamente saem. Agora mesmo deve estar saindo um monte de livros novos. Então quando sai as editoras já colocam para a gente. E aí a gente mostra para as pessoas certas. Por isso que hoje é preciso informatizar, você precisa pegar o médico, se ele é oftalmologista, você tem que mostrar o livro de oftalmologia para ele. Mas a internet hoje tem também que fazer isso. Você tem que mandar o e-mail para ele e dizendo: “Saiu esse livro novo”. A pessoa vem pegar. Às vezes ele nem vem pegar, ele manda você levar. Então com isso o mercado... Porque o mercado mudou muito da época do meu pai que a gente vendia no quilo. Hoje é totalmente diferente. Isso serve para o livro também.
P/1 – E quais são essas diferenças? Onde que o senhor as percebe?
R – Na própria rapidez hoje que a informática traz. Na própria necessidade da pessoa pegar mais rápido. As pessoas assim, se você puder ficar em casa e receber uma mercadoria, melhor do que você sair, pegar carro, não é verdade? Isso a internet ajudou muito nisso. Então as pessoas têm isso por necessidade, quanto mais próximo dela melhor.
P/1 – E antes então de a gente falar dessa parte da sua loja lá online, das vendas pela internet, queria que você falasse mais assim da sua relação com as editoras. Então eles apresentam uns livros e como é que faz? Eles que mandam entregar? Como é que são feitas essas entregas?
R – Normalmente a editora hoje trabalha com consignações, às vezes com... Porque às vezes o produto... A gente também vende livro importado, tá? O médico hoje, de uma forma geral, é um médico que precisa da medicina de ponta. Então nem sempre tem o livro, hoje o livro às vezes vem dos Estados Unidos, vem da Holanda, vem de um monte de lugar. Então, com isso a importação de livro é muito grande, principalmente na USP e na Unifesp que são escolas de ponta. Mas normalmente a editora quando sai um livro, ou vai sair um livro, eles mandam e-mail, mandam a capa para a gente: “Já prepara a pré-venda” vamos dizer assim. Porque quando eu recebo uma informação de que vai sair um livro tal, eu já procuro saber para quem eu vou vender, quantos eu vou vender. Então isso é uma coisa... Hoje você tem que estar muito linkado, muito focado nisso, porque existe concorrência. Quanto mais cedo você mostrar, porque o médico é assim, ele olha o livro e é aquilo que ele quer, ele compra na hora. O médico tem essa vantagem. Já as outras profissões não. As outras profissões é mais difícil. Eu percebo isso em Direito, em outros cursos mesmo, até a Enfermagem, também é interessante, mas outros cursos tipo Economia, o cara não lê. Essa que é a dificuldade hoje. Tanto é que você vê cada coisa absurda escrita. Você fala a faculdade, você... Às vezes despreparada mesmo.
P/1 – Você falou que vende muitos livros importados. Como é que você chega a conhecer esses livros? Como é que foi estabelecido o contato com essas editoras de fora?
R – Normalmente no Brasil tem as distribuidoras de livros importados. A editora às vezes tem o livro em português, mas ela também é importadora. Então com isso eles trazem os livros, entendeu? Existe uma grande editora que praticamente... A editora Elsevier que é uma editora que tem 500 anos e que eles praticamente têm um mercado de livro importado, tudo é deles. Então com isso fica mais fácil para mim, eu não preciso importar, eles trazem para mim. Tem muita gente que importa, mas eu prefiro ainda pegar de terceiro.
P/1 – E quais são os livros mais vendidos assim na sua loja, tem algum? Uma área que vende mais?
R – Livros de uma forma geral. Livro que vende mais é o livro que chegou agora, entendeu? Principalmente o livro de interesse geral, livro de clínica médica, livro de emergências médicas, de terapêutica, porque terapêutica é como trata o paciente, como é que você medica o paciente. Os DEFs que é o dicionário de especialidades farmacêuticas, é o Bulário da farmácia. É como se você fosse na farmácia e pegasse todas as bulas dos remédios e colocasse num livro. Então aquilo é uma forma porque o médico é impossível ele saber tudo, não é verdade? Às vezes você vai ao médico e ele olha lá, por quê? Porque ele quer conferir, porque tem doenças que todo dia você sabe o que é, então você sabe tratar rapidinho, mas tem doenças que não são comuns. Então, com isso os livros mais vendidos são os livros de terapêutica, o de clínica médica, enfim, esses outros que já falei.
P/1 – Certo. E o senhor chega a folhear esses livros, dar uma lida?
R – Folheio. Isso é fundamental. Isso é fundamental até porque para você vender bem você precisa pelo menos ter uma noção daquilo que você está vendendo. Eu tenho isso como exemplo, eu faço isso quase diariamente, até porque é interessante que você veja o livro até para você saber vender. Os livros hoje, os livros de medicina são muito bonitos, são muito bem caprichados, hoje tem interação com a internet, você baixa algumas fotos da internet, tem livro em 3D hoje. Tem livros em 3D. Anatomia em 3D. Então são livros muito bacanas. E cada dia o mercado de livro, principalmente da área de saúde, ele cresceu muito nesse sentido de melhorar a qualidade do livro. Com isso a venda fica mais fácil também. Porque uma coisa é você pegar uma televisão preto-e-branco, uma coisa é você pegar uma televisão LCD ou LED. Então é diferente. Isso ajuda a vender também.
P/1 – Quais são assim as exigências dos seus clientes? Quando eles vão à sua loja o que é que eles buscam além do livro em si?
R – Buscam atualização. Normalmente a gente já tem o livro que ele vai buscar porque é uma coisa que a gente já fica preparado para isso. Evidente que eu não tenho todos os livros, mas a gente procura ter. É uma coisa que a gente busca sempre ter a pronta entrega, porque não é igual a um sapato, que você vai à sapataria, você põe no pé, serviu você vai embora. O livro não. Ele quer aquele livro. Não é igual a padaria que você vai lá e compra o pãozinho quentinho no dia. Às vezes o livro tem que vir lá dos Estados Unidos, lá da Inglaterra. Então a visão é um pouco mais difícil.
P/1 – E esses livros de medicina são livros caros. Como é que é feito o pagamento? Como é que...
R – Então, os livros de medicina sempre foram muito caro até porque uma coisa é você comprar um livro de literatura, onde o pessoal faz 50000 tiragens, 50000. Livro de medicina você tira 2000, 3000 exemplares. Quanto maior o número de exemplares, menor o custo por unidade. Então normalmente os livros são caros. Não adianta falar porque o livro de medicina sempre foi caro. Sempre foi caro. Podia ser mais barato. Eu acho que podia ser mais barato, mas sempre foi muito caro. A gente sempre parcela em dez vezes, 12 vezes, sempre foi parcelado. Mas de uma forma geral essas duas escolas compram muito à vista, viu? Porque o poder aquisitivo também. Pessoal que faz medicina geralmente vem de família mais abastada, pessoal de uma condição melhor, o pai já é médico, às vezes a mãe é médica. Então é isso.
P/1 – Já aconteceu algum problema de cheques, por exemplo?
R – Ah isso é normal, faz parte do dia-a-dia. Isso é normal em qualquer comércio.
P/1 – E como é que funciona com cartão?
R – A gente trabalha com cheque, com cartão, mas hoje praticamente todo mundo trabalha com cartão.
P/1 – E como é que foi a entrada dos pagamentos com cartão?
R – Foi tranquilo porque antigamente eles faziam duplicatas. Então o cliente comprava, você fazia uma duplicata e a editora pegava as duplicatas do cliente, porque como eu trabalhava para terceiro... Mas logo depois que eu entrei e abri a empresa eu trabalhava muito com cheque. Sempre teve problema de cheque sem fundo, cheque clonado, sustado, roubado, isso no comércio de uma forma geral. E o cartão nesse aspecto veio a melhorar muito essa dificuldade que a gente tinha de pegar um cheque sem fundo etc. e tal.
P/1 – E aí que você deu uma comentada assim, de uma forma geral em relação às mudanças de governo e de moeda que a gente teve, e a gente teve a parte da inflação que foi muito difícil. Queria que você contasse desse período se o senhor se lembra.
R – Eu lembro, lógico. Teve uma época em que a inflação era muito alta, sei lá, ela mudava de um dia para o outro. O livro custava 100, no outro dia era 110, no outro dia era 120. Teve época dessa forma que todo mundo ficava no mercado financeiro onde as cadernetas de poupança, ninguém queria trabalhar mais, porque se colocava tudo na poupança, porque era um grande negócio, negócio melhor do que trabalhar, sem risco. Então nessa época foi bastante difícil, inflação muito alta. Hoje é tranquila essa inflação nesses patamares de 4, 5, 6, 8%. Tranquilo. Mas teve uma inflação de 1000%.
P/1 – E aí como era para você vendedor? Vendia livros com essa...
R – Você torcia para não vender porque você comprava por 100 e ia comprar depois por 120. Entendeu? Você torcia para não vender. E para a editora também era difícil. Ela comprava o papel mais caro. Os salários também eram, todo mês tinha. Depois que veio o advento da tablita, não sei se você... Não é dessa época, mas houve uma tablita. Era uma tábua, uma deflação. Então isso de lá para cá, depois do governo Collor para cá a inflação, principalmente depois do Collor mesmo, a inflação deu uma bela parada. E com isso o Brasil cresceu muito.
P/1 – E também há 30 anos no negócio, há mais de 30 anos nos negócios de vendas de livros, também sentiu a parte da abertura aos produtos internacionais e esse acesso aos livros. Isso também o senhor sentiu ou?
R – Não entendi.
P/1 – Então, um pouco antes, que há 30 anos trabalhando o senhor passou pelo processo de abertura comercial, de facilitação das importações. Isso também facilitou o seu comércio?
R – Com certeza. Com certeza. Antigamente o livro importado ele era muito caro por causa da disparidade do dólar. Antigamente o dólar era três por um. Hoje praticamente está um e meio, metade. Mas antigamente os livros importados eram de pouca venda. Depois que a inflação caiu e como o nosso dinheiro valorizou muito, o dólar inverteu, quer dizer, com isso as pessoas compram livros. Hoje o livro importado é mais barato do que o nacional. Livro, principalmente um livro de, porque existe o livro de tradução. Tem muitos livros traduzidos. Então, por exemplo, um livro de clínica médica do Harrison que é um livro famoso, ele é mais barato, metade do preço do nacional. Por quê? Porque o dólar caiu muito. E com isso diminuiu o valor.
P/1 – E qual que é hoje a dimensão da sua loja? Elas são três unidades físicas?
R – Na verdade são quatro e mais o site. Então a gente tem um depósito em Mogi, a gente trabalha com aproximadamente uns 25 funcionários, tem a minha filha que me ajuda, tem algumas pessoas que já trabalham comigo há muitos anos. Eu sempre fui muito leal com os meus ajudantes, vamos dizer assim, meus companheiros vamos dizer.
P/1 – E como é que funciona esse depósito em Mogi? Ele atende todas as lojas?
R – Todas as lojas.
P/1 – O que é que ele tem de depósito? Como é que é o processo de...
R – Hoje é informatizado. Na realidade a gente tem uma coisa que, nas lojas como é informatizada, se o cliente pede um livro e nós temos no depósito no outro dia a gente traz para todas as lojas. Então essa parte de abastecimento é feita tudo por lá.
P/1 – E como é que é feito esse abastecimento? Como é que se traz esse livro para São Paulo?
R – Na realidade sempre no início das aulas a gente compra uma quantidade de livro que já mais ou menos sabe que vai vender. Então com isso você tem o livro a pronta entrega. É aquela coisa de o cliente chegou, quer o livro, e o livro é uma coisa que se você não acha aqui você vai achar em outro lugar. Então a gente sempre teve essa visão de ter os livros a pronta entrega.
P/1 – Eu queria perguntar agora é sobre a atuação da internet da sua loja virtual. Como é que surgiu a necessidade de se implantar? Quais foram os primeiros obstáculos de se ter uma loja virtual?
R – Na realidade foi muito em função da necessidade da loja. Foi em função do aumento das vendas pela internet. Então a gente fez uma loja virtual, a gente consegue vender uma quantia razoável na internet. Foi a própria concorrência.
P/1 – E como é que... Quais foram os primeiros desafios de se ter uma loja pela internet?
R – Na realidade você precisa ter uma boa visualização na loja e o que é muito importante para mim. No meu caso, como eu tenho lojas físicas, isso ajuda muito. Porque hoje as pessoas têm um pouco de medo também de compra pela internet. Muita gente tem. As pessoas de uma forma geral que são mais idosas elas não compram pela internet. Então como a gente tem as lojas físicas isso ajuda muito. Dá credibilidade. Uma coisa que a gente se preocupa muito é dar credibilidade.
P/1 – E aí então o cidadão está lá fazendo uma pesquisa e tal, ele encontrou o livro, pediu, como é que funciona? Como é que vocês entregam esse livro?
R – Na realidade a loja virtual é uma loja que vende 24 horas. Você pode às vezes três, quatro horas da manhã, chegar lá e comprar. Isso todo dia de manhã você pega as vendas que foram feitas, que foram já confirmadas e você passa para o depósito, para o depósito separar, embalar e para mandar pelo Sedex, ou pelo outro tipo de Sedex ou pelo PAC, que é outro sistema mais barato de mandar o livro. Então é feito dessa forma. Todo dia a gente vai, faz a captura na internet e passa para o pessoal que faz a nota fiscal, empacota e envia. Todo dia. Isso é todo dia.
P/1 – E como é que esses livros são embalados?
R – A gente tem uma caixa especial, a gente criou, isso já há muitos anos a gente já vem fazendo. Na internet mesmo a gente já vende há dez anos. Então, se você clicar Dathabook você vai ver que a gente é bem conhecido, principalmente na área da saúde.
P/1 – E como é que é essa caixa especial que vocês falaram que têm?
R – Caixa com nome, com endereço, é uma caixa personalizada. É igual a pizza. A pizza quando recebe você tem aquela... Então é a mesma coisa.
P/1 – E qual é que é a vantagem de se ter uma loja virtual?
R – É a atual procura, porque o cliente hoje quer facilidade. Ele quer mais tranquilidade. Apesar de o livro ser técnico, ele já sabe o que é que ele precisa comprar. A gente vende bem na internet. Quase igual a uma loja de rua.
P/1 – Era o que eu ia perguntar agora com relação às vendas, o que é que vende mais? Continua sendo as lojas de rua?
R – Ainda a loja de rua vende mais, sabe? Porque principalmente a gente que está dentro de uma faculdade, uma estadual e outra federal, as pessoas querem olhar o livro, querem verificar. O livro não é igual, o livro médico não é tão igual, não é igual a você comprar um romance. Você vai lá, compra um romance, é aquilo lá. O livro médico às vezes o médico quer dar uma olhada naquilo que tem, se tem aquilo que ele precisa. Normalmente ele verifica porque às vezes é uma técnica nova, um remédio novo, por isso que o médico tem que estar sempre se atualizando.
P/2 – Senhor Paulo, o senhor mencionou quatro unidades da sua loja física. A de Mogi, as duas que ficam perto, próximas ao HC, a quarta unidade é aonde?
R – Na Avenida Clementino, na Unifesp.
P/2 – E por que o senhor acha importante instalar uma loja ali naquela região?
R – Por causa da faculdade. A gente sempre ficou próximo da faculdade porque os alunos são os nossos clientes. Os alunos, os professores, médicos, residentes, plantonistas, enfim, toda a conjuntura ali do complexo da Universidade de São Paulo ou na universidade da Unifesp, todos são clientes da gente.
P/2 – Onde o senhor diria que se concentra a maior parte desse comércio voltado a área de saúde hoje em dia na cidade?
R – Nessas duas faculdades.
P/2 – Em torno dessas faculdades?
R – É. Em torno das faculdades.
P/2 – E próximo a hospitais também?
R – Hospitais de grande porte, tipo Servidor Público, Hospital do Servidor Estadual, ali na Beneficência Portuguesa, o HCOR, são unidades grandes, que concentram muitos médicos, no Einstein. Enfim, nesses hospitais de ponta de uma forma geral. Até porque ali tem o pessoal de ponta também. Esse pessoal nada mais é do que todo pessoal da USP, da Unifesp, entendeu? Nada mais é do que eles mesmos.
P/2 – O senhor diria que a sua livraria hoje em dia é conhecida de que forma? O pessoal quer ver a sua loja, ou é pelo site, ou é pela tradição?
R – Eu acho que é uma somatória, mas principalmente é a tradição que a gente já tem, que trabalha com isso. E a divulgação via internet. Isso ajuda muito.
P/2 – O senhor trabalha com publicidade também?
R – Não. Eu trabalho. Eu sou um divulgador por natureza. A minha formação não é nem de publicitário, mas a gente no dia-a-dia você acaba aprendendo muita coisa, porque a venda nada mais é do que um bom relacionamento, um bom marketing. A venda ela vem sozinha desde que você mostre direitinho o produto. Eu acho que ela automaticamente vem sozinha.
P/2 – E essa publicidade é feita por meio de anúncios em revistas especializadas?
R – A gente tem via Google, via Buscapé, via folhetos, panfletos, e-mails, e-mail marketing. Enfim, todo esse tipo de publicidade que hoje existe.
P/2 – Qual das lojas físicas é a que dá mais lucro hoje em dia?
R – Eu gosto mais da Unifesp porque lá é um público maior. Mas eu não posso negar que essas outras lojas também são interessantes.
P/1 – O senhor falou dos seus funcionários, que tem alguns que estão há bastante tempo com o senhor, como é que é a relação com eles? Como é que eles são treinados?
R – Na realidade o treinamento, a gente sempre procura pegar gente nova para treinar, porque cada pessoa tem um jeito de trabalhar, para treinar um funcionário. A gente sempre pega um menino de 16 anos, 18 anos porque o governo tem um sistema de primeiro emprego e a gente sempre procura trazer esse pessoal. Sabe, a gente tem uma parceria já com o primeiro emprego, porque a molecada ainda vem, às vezes não sabem nem contar direito, não sabem tabuada. É um negócio de louco. Não é fácil, mas a gente sempre tem já, eu trabalho há muitos anos. Tenho a minha filha, o pessoal que já trabalha comigo há muitos anos e a gente sempre procura trazer mais. Hoje está mais difícil arrumar pessoas gabaritadas para aquele tipo de coisa. Para qualquer comércio.
P/2 – O senhor mencionou que gosta muito de ler esses livros, esse tipo de literatura que o senhor comercializa. Para os seus funcionários é uma orientação que o senhor passa também?
R – A gente passa, sabe por quê? Eu costumo, sim. Eu tenho uma filosofia assim, que as pessoas quando vão a uma loja você tem que deixá-las à vontade. Com isso não tem coisa melhor do que você conversar com a pessoa. É uma coisa que eu aprendi no dia-a-dia e isso dá resultado. Quando você conversa com as pessoas, você se aproxima mais dela. Você quebra aquele gelo, aquela divisória entre você e o cliente. Com isso você consegue ficar mais à vontade e ele também, porque às vezes tem coisa, às vezes a pessoa chega lá e conversando comigo tomam um café e tal e aí eu faço um monte de venda, por quê? É o dia-a-dia, isso é muito importante. Eu acho que hoje o profissional de uma forma geral tem que estar muito antenado nisso, focado nisso.
P/1 – E indo assim para uma parte sua pessoal das atividades, como é que é o seu cotidiano hoje?
R – Eu venho praticamente quase todo dia de Mogi. De segunda, terça e quarta. Quinta e sexta eu fico em Mogi porque eu tenho a outra loja também e aqui a minha filha é que toma conta das outras lojas. Tem gerentes, tem outras pessoas que nos ajudam, mas basicamente assim.
P/1 – E o que o senhor gosta de fazer, assim, nas suas horas de lazer?
R – Olha, eu gosto de televisão. Tinha uma época que eu jogava futebol, eu ia de segunda, quarta e sexta. Não. Quarta e sexta eu tinha o futebol que eu jogava. Hoje não jogo mais porque a própria idade não ajuda, as pernas não são as mesmas. Eu sempre fui muito, gostava muito, sempre fui um bom artilheiro, vamos dizer assim, então eu gostava muito e gosto até hoje. Mas não dá mais.
P/1 – E o senhor gosta de sair para fazer compras?
R – Não.
P/1 – Nem supermercado, nada?
R – Não.
P/1 – E o senhor falou que é casado e tem as duas filhas, que uma ajuda o senhor. E qual que é a atividade da outra? Qual é essa sua filha que te ajuda primeiro, qual que é a atividade...
R – A Daiane, ela fez administração de empresa no Mackenzie e a outra não tem nada a ver com o meu comércio, porque ela é estilista. Ela fez estilista no Santa Marcelina e hoje ela tem uma pequena empresa de lingerie.
P/1 – E como é que era para o senhor quando as suas meninas eram pequenas, delas te acompanharem, o senhor fazia questão de levá-las à loja, mostrar o seu trabalho? Como é que era?
R – Eu sempre fiz isso. Isso é uma coisa do meu pai, já fazia isso, até porque no caso do meu pai ele tinha muitos filhos, alguém tinha que ajudá-lo. Mas eu fiz sempre isso. Essa que foi ser estilista, realmente nunca gostou. A outra não. A outra sempre trabalhou junto comigo, desde os oito anos.
P/1 – E como é que era isso de ter uma filha companheira ao lado?
R – Isso é muito bacana, viu? Isso é uma coisa muito admirável até porque a gente sempre faz de tudo para deixar para os filhos, para dar continuidade àquilo que a gente faz. Tanto é que a Daiane me ajuda muito nisso aí até hoje.
P/1 – E falando assim das mudanças do comércio e dos bairros, daquela primeira vez quando o senhor trabalhava na Santa Casa e estava namorando a possibilidade de trabalhar com livro, hoje a sua loja lá na Vila Clementino, o que o senhor percebeu de mudança na região?
R – Não teve tantas mudanças. Quando eu fui para a Vila Clementino foi porque teve a necessidade e a oportunidade de ter uma loja numa faculdade de renome. Na realidade foi isso, tanto lá como na USP também. Porque a gente precisa sempre estar do lado do pessoal de ponta. Principalmente medicina que é uma atividade que exige muito do aluno. Então, a gente vê essa possibilidade de se estabelecer próximo ali do hospital.
P/1 – E assim, o crescimento da cidade, trânsito, essas coisas afetaram assim o seu...
R – Afeta. Sempre afeta com essa mudança de que todo mundo pode comprar um carro hoje, isso ficou um inferno. Principalmente para Mogi. Quando eu vou para Mogi normalmente demorava 40 minutos, hoje já leva uma hora e meia, duas horas, três horas às vezes. Isso é cansativo.
P/1 – Mas o senhor sentiu algum impacto desse fluxo assim no seu comércio?
R – Não. Não tem nada a ver uma coisa com outra, na realidade é mais o deslocamento mesmo, mas o comércio continua o mesmo. No caso de Mogi sim. Lá houve uma mudança muito grande. Porque muitos alunos vieram para São Paulo. (troca de fita)
P/1 – A gente estava agora conversando, eu queria que o senhor contasse se tem alguma coisa que acontece especificamente assim em uma livraria de livros para medicina. Se tem alguma coisa é peculiar.
R – Primeiro eu acho que a aproximação que a gente tem com o aluno é muito mais fácil do que outro tipo de comércio. O aluno está ali, seis anos ele vai passar ali. Seis ou mais. Tem aluno que fica dez anos em uma faculdade porque ele faz residência, faz um monte de coisa. Então com isso você cria um vínculo muito forte com amizade. Tem pessoas que se tornam realmente amigas de verdade. Eu tenho um amigo, até hoje, eu conheci ele desde quando ele era estudante. Hoje ele é um amigo, sempre foi um amigo muito próximo. A gente consegue fazer muita amizade. Isso é uma coisa que eu adoro. Eu acho que isso é uma coisa fundamental para qualquer tipo de comércio, você ter uma amizade grande, um reconhecimento, vamos dizer assim, das pessoas. Lá em Mogi principalmente eu conheço muita gente.
P/1 – O senhor tem assim alguma história marcante para contar de coisas que acontecem assim no cotidiano da livraria?
R – Normalmente é muito comum, principalmente no início quando eu comecei a vender livros, a gente percebia que o aluno trazia o pai, a mãe, o avô, o tio. Tudo isso era basicamente uma festa, uma coisa muito bacana, é uma coisa que eu não posso me esquecer disso. Era realmente uma festa. Hoje não. Hoje o aluno vem particularmente sozinho, às vezes vem comprar um livro. Antigamente você vendia muitos livros porque o pai vinha, quer dizer, era uma festa mesmo. Era uma coisa muito tradicional. O aluno trazia o pai, mãe, namorada, imagina todo mundo vinha para compra os livros. O pai fazia questão de ter todos os livros para o aluno. Aí a gente sempre tinha um folheto que a gente já passava para ele, quais são os livros que ele vai usar durante o primeiro ano, durante o segundo ano, durante o terceiro ano. Eu procuro sempre estar junto com o aluno e tentar fidelizá-lo. Uma coisa que me marca muito é que antigamente quando eu era moleque eu me lembro que a gente tinha um dia que a gente plastificava os livros. Isso antigamente. Hoje não tem mais. Mas eu ainda acho que isso é uma coisa muito importante. Quando um aluno vai comprar um livro conosco, o que nós fazemos? Eu tenho uma capinha plástica que eu coloco para não sujar o livro, para não desgastar o livro. Isso é uma coisa que marca muito para o aluno. O aluno que compra conosco uma vez, ele compra sempre. A ponto de ele me dizer: “No lugar X tem um livro que custa dez por cento mais barato do que o do senhor. Dá para fazer?”. A gente acaba fazendo e dá a capinha. Isso é uma coisa super interessante viu. Isso fideliza muito o cliente.
P/1 – E acontece de, assim, pelos livros serem caros um grupo comprar para tentar dividir?
R – Existe sim a compra comunitária, vamos dizer assim, a compra em grupo. Então tem um aluno sempre que às vezes é coordenador. Coordenador não. Ele é representante de sala, ele vai lá negociar com a gente. Isso é comum. É comum.
P/1 – E a gente estava falando também sobre o xerox, acontecia de tirarem...
R – Não agora, mas num passado não muito distante acontecia que o concorrente mais forte para nós sempre foi o xerox. Então com isso o aluno pega um livro vai lá na xerox e tira a xerox e fica um quinto do preço. Por isso que eu sempre busco, sempre falei que o livro é um livro muito caro. Ele deveria ser mais barato. Como o CD, tem a pirataria do CD, o livro não fica muito atrás, não. Mas não é tão igual. O profissional ainda prefere comprar o livro. Agora, o aluno, tem aluno de todo o tipo, tem aluno de condição financeira boa, outros não. Então com isso o xerox atrapalhou muito. Hoje não muito. Mas atrapalhou.
P/1 – E quais foram as lições que o senhor tirou do comércio, ao longo da sua vida, do período trabalhando com seu pai e atualmente?
R – Fazer amigos, ter amizade, eu gosto daquilo que eu faço. Acho que basicamente as pessoas têm que procurar trabalhar naquilo que gostam. Então isso foi uma coisa que eu tirei do meu dia-a-dia, na minha caminhada. As pessoas, a gente lida com todas as pessoas. Isso é muito legal. Você aprende muito. Uns mais, outros menos, principalmente a classe médica é um pessoal de uma condição financeira melhor, geralmente eles vêm de uma escola boa. Então a gente percebe essa diferença de público de uma forma geral, do comércio de uma forma geral. O público na área de saúde, medicina, ele é um pessoal de uma condição melhor, de um QI melhor.
P/1 – Qual que é o seu sonho atual? O que o senhor tem de perspectiva?
R – Meu sonho é que a minha filha continue a trilhar o meu negócio, continuar trabalhando naquilo que eu já construí, e que ela seja feliz como eu fui.
P/1 – E o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista, contando um pouco da sua experiência no comércio?
R – Achei muito interessante. Eu acho que é uma coisa que a gente precisa às vezes ser perguntado, porque isso pode ser um exemplo para outras pessoas. Isso é uma coisa que deve ser, poderá ser de exemplo para muita gente.
P/1 – E tem alguma coisa que ficou faltando que o senhor gostaria de contar?
R – Eu acho que não. Eu acho que foi bem contado. Foi bem contado.
P/1 – Então está certo, obrigada.
R – Muito obrigado vocês.
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