Leila Ferreira Farias nasceu no Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1952. Neta de imigrantes, espanhóis pelo lado materno e portugueses pelo lado paterno. Esses últimos ela não teve contato, no entanto narra as memórias herdadas do pai sobre a morte precoce da avó, junto com quatros dos seus filhos, vítimas de Tifo. Seu pai tinha apenas seis anos. As memórias da mãe não foram muito diferentes quando se trata do luto materno. A febre espanhola dizimou parte da sua família e, assim com o pai, a mãe de Leila foi criada dependendo da solidariedade alheia. Vítimas do desamparo cresceram exercitando a resiliência e quando se encontraram, ambos desejosos de construir uma família que era apenas um desejo e uma lembrança do que foi. A mãe nunca se separou de uma irmã e juntas criaram seus filhos sempre unidos.
Assim, Leila se lembra de uma infância compartilhada entre primos. A princípio moravam as duas famílias em um sobrado e mais tarde se mudaram para apartamentos em um mesmo prédio. Leila narra uma infância com relações coletivas muito fortes, no entanto estabeleceu um vínculo afetivo com seu único irmão de forma diferenciada dos demais. Hoje, ela ainda encontra com as primas, viajam e festejam juntas e sente emocionada que depois que perdeu a sua mãe, os contatos com o irmão, que mora em Brasília, podem se tornar esporádicos, mas não menos intensos.
Ela lembra de uma vida coletiva, as duas irmãs compartilharam a criação dos filhos, a mãe trabalhava no Laboratório Bayer e a tia cuidava da estrutura doméstica e das crianças. Leila demarca várias situações em que esses cuidados eram muito diferentes do tempo atual. As crianças eram submetidas a autoridade arbitrária dos adultos, mas ela diz que nunca foi traumático. Ao contrário, não questionavam e entendiam que era “assim mesmo”. Caçula entre um grupo de crianças, aprendeu desde cedo a se defender e se colocar entre os demais. Ganhou o rótulo de...
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Leila Ferreira Farias nasceu no Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1952. Neta de imigrantes, espanhóis pelo lado materno e portugueses pelo lado paterno. Esses últimos ela não teve contato, no entanto narra as memórias herdadas do pai sobre a morte precoce da avó, junto com quatros dos seus filhos, vítimas de Tifo. Seu pai tinha apenas seis anos. As memórias da mãe não foram muito diferentes quando se trata do luto materno. A febre espanhola dizimou parte da sua família e, assim com o pai, a mãe de Leila foi criada dependendo da solidariedade alheia. Vítimas do desamparo cresceram exercitando a resiliência e quando se encontraram, ambos desejosos de construir uma família que era apenas um desejo e uma lembrança do que foi. A mãe nunca se separou de uma irmã e juntas criaram seus filhos sempre unidos.
Assim, Leila se lembra de uma infância compartilhada entre primos. A princípio moravam as duas famílias em um sobrado e mais tarde se mudaram para apartamentos em um mesmo prédio. Leila narra uma infância com relações coletivas muito fortes, no entanto estabeleceu um vínculo afetivo com seu único irmão de forma diferenciada dos demais. Hoje, ela ainda encontra com as primas, viajam e festejam juntas e sente emocionada que depois que perdeu a sua mãe, os contatos com o irmão, que mora em Brasília, podem se tornar esporádicos, mas não menos intensos.
Ela lembra de uma vida coletiva, as duas irmãs compartilharam a criação dos filhos, a mãe trabalhava no Laboratório Bayer e a tia cuidava da estrutura doméstica e das crianças. Leila demarca várias situações em que esses cuidados eram muito diferentes do tempo atual. As crianças eram submetidas a autoridade arbitrária dos adultos, mas ela diz que nunca foi traumático. Ao contrário, não questionavam e entendiam que era “assim mesmo”. Caçula entre um grupo de crianças, aprendeu desde cedo a se defender e se colocar entre os demais. Ganhou o rótulo de “briguenta” e o carrega ainda hoje, ela se narra uma criança e uma jovem inquieta. Na efervescência política das décadas de 1960 e 1970, participou do grupo de jovens da igreja, dos festivais musicais, viu a Jovem Guarda, os Novos Baianos e a Roda Viva. Quando ainda estava no Ensino Médio, saiu as ruas na Passeata dos 100 mil, experimentou ficar acuada em um comércio enquanto a cavalaria espalhava a multidão e ela e a prima esperavam pelo pai busca-las.
Leila narra sua relação com os namorados, alguns com mais emoção, outros com menos emoção. Estudante, interessada pelas leituras e literatura, em uma viagem de férias, conheceu um rapaz da marinha, que veio a ser namorado, marido e pai dos quatro filhos. Formada em Biologia, se dedicou a maternidade, mas nunca parou de estudar. Voltou a universidade para fazer Direito, enquanto ainda tinha os filhos pequenos e se desdobrava nas tarefas domésticas e nos estudos. Transitava pela cidade em um carro conhecido pelos vizinhos como “trem da alegria”, onde levava as crianças e seus amigos para a natação, o inglês, a escola, além das atividades como faxina, alimentação e todas as rotinas do lar.
Leila se narra muito ativa e, assim como na infância diante das arbitrariedades dos adultos, ela se conforma com a condição da vida e só questionou a intensidade das suas tarefas, anos mais tarde. Acompanhou o marido em suas mudanças profissionais, morou em São Francisco do Sul e depois Joinville, onde mora ainda hoje. A leitura sempre fez parte da vida de Leila, ela lembra do seu pai lendo para as crianças e, antes de dormir, lia também em voz alta para a mãe. Seu marido, formado em Letras, veio a ser escritor e hoje, Leila lê e opina nos trabalhos dele. Sempre ativa, lendo e estudando, prestou concurso público para a docência na prefeitura municipal de Joinville e lecionou a disciplina Ciências para o Ensino Fundamental. Ela se narra uma professora querida, brincalhona com os adolescentes, especialmente os meninos. A sua presença na vida dos filhos é bastante marcante, se desdobrou nos cuidados com a neta mais velha, depois da gravidez na adolescencia da filha. Além dos quatro filhos, a neta ocupou o lugar de uma quinta filha. O filho mais velho também foi pai muito jovem e lá estava Leila na função de apoio. Essa dedicação maternal também foi intensa quando um dos filhos sofreu um acidente e ganhou uma prótese na perna. Nesse momento ela esteve, durante todo o tempo, ao lado do filho no Hospital da Marinha no Rio de Janeiro. E foi lá que começou a sentir os primeiros sintomas da Esclerose Múltipla. Ela soube usar as vantagens de estar “morando” em um hospital e fez todos os exames e investigações indicadas até que foi diagnosticada com Esclerose Múltipla.
A mãe dela foi uma constante em sua narrativa. Desde o cotidiano que dividia com a tia no Rio de Janeiro, passando pelo apoio no tempo das crianças pequenas, até a presença cuidadosa depois da Esclerose Múltipla. A professora de Ciências, na época em licença por conta da internação do filho, voltou a Joinville e depois que ouviu sobre sua doença, por um momento sentiu pena de si mesma e chateada pela possibilidade de não ter mais a relação com os alunos. A médica que o acompanha preferiu aposenta-la considerando as sequelas que a doença havia deixado e os constrangimentos sociais causados pelas quedas e a bexiga neurogênica.
Sua história, também foi marcada pela dependência alcóolica do marido e Leila foi buscar serenidade em grupos de apoio aos familiares. Frequentou o grupo por cinco anos, mudou de comportamentos, refletiu sobre sua própria vida, compartilhou dores e se tornou ‘madrinha’ de crianças filhas de alcóolicos. Mesmo diante das adversidades Leila se narra ativa, buscando apoio e se reinventando. Estuda línguas, fez italiano e espanhol e não cansa de ler. Nos momentos difíceis, com sua mãe hospitalizada, ela conta que convidava o filho para dançar no quarto que estava vazio sem uma cama, porque acredita que a alegria e as brincadeiras fazem parte da vida e esse é o jeito da sua família. As memórias da resiliência dos pais são inspiradoras para a Leila. Ela lembra do luto pelas avós e irmãos e a vida difícil que os pais tiveram e especialmente a imagem ativa da mãe, falecida recentemente, que mesmo com 89 anos se mantinha ágil e animada. Soma as suas lembranças de momentos difíceis, os quatro filhos pequenos, sem empregada doméstica, a gravidez da filha e a paternidade do filho, ambos adolescentes, os problemas e dramas vividos pelos filhos que ela participou ativamente, o acidente do filho que o fez perder uma perna, a adaptação da prótese e em meio a tudo isso, o diagnóstico da Esclerose Múltipla e seus desdobramentos: a medicação injetável diária, a aposentadoria, os espasmos, as adaptações necessárias, além do enfrentamento da dependência alcoólica do marido. E com essa síntese, Leila diz que quer ser como sua mãe que “não se deixava abater”.
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