Plano Anual de Atividades 2013 - Pronac 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Geronisse Luciano dos Santos
Entrevistada por Márcia Trezza e Eliete Pereira
Biritinga, 20 de maio de 2014
WHLP_HV032_Geronisse Luciano dos Santos
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Geronisse, a gente vai começar a entrevista, pra começar fala o seu nome completo.
R – Meu nome é Geronisse Luciano dos Santos.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Nasci na Fazenda Urubu, que hoje é Povoado Vila Nova.
P/1 – Qual cidade?
R – Biritinga.
P/1 – Fica aonde essa cidade, que estado?
R – Bahia.
P/1 – Qual a data do seu nascimento?
R – Trinta de março de 1966.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai era Olegário Luciano dos Santos e minha mãe era Maria dos Reis Luciano dos Santos.
P/1 – Qual a atividade do seu pai, Geri?
R – Ele era lavrador, ele trabalhava na roça, plantando feijão, manaíba, milho e amendoim.
P/1 – Ele foi lavrador sempre, a vida toda?
R – Toda vida foi lavrador.
P/1 – E sua mãe?
R – Também.
P/1 – Também a vida toda?
R – É. Minha mãe era lavradora, também ela era fateira, ela tratava fato de boi, ela saía daqui de madrugada, ia pra Pataíba tratar fato de boi pra poder sobreviver, porque ela não pegava o dinheiro, mas pegava o fato pra ela trazer pra gente comer, que não tinha comida muito. Ela tratava o fato mais outras amigas e trazia quilo de fato pra gente no domingo.
P/1 – O que era tratar boi dessa forma?
R – Era: o povo matava o boi e o fato ela pegava, tirava as sujeiras de dentro, virava com alguma talisca e botava pra ferver, aí depois de fervido lavava, depois recortava e ia pra o mercado vender. O que sobrava ela trazia pra casa pra gente comer assado ou cozido (risos).
P/1 – Do boi era mais essa parte que ela cuidava?
R – É.
P/1 – Tinha um nome para as mulheres que faziam isso?
R – Chamava fateira.
P/1 – Você disse que ela ia que horas fazer isso?
dr
R – Ela saía três horas da manhã de casa pra ir pra Pataíba de pé, pra poder pegar o fato pra tratar.
P/1 – Quanto tempo ela caminhava?
R – Era uma hora de relógio daqui pra Pataíba de pé, só que era bom que era a noitinha, era de madrugadinha, fresco, mas se tivesse chovendo ou fazendo sol tinha que ir, né, com o calor que tinha.
P/1 – Ela ia sozinha?
R – Não, ela ia mais outra amiga, era.
P/1 – Sempre assim?
R – Sempre, depois ela foi ficando mais velha e desistiu, deixou de fazer esse trabalho, entraram outras mais nova, trabalha de lá mesmo, era muito puxado, de lá mesmo de Pataíba.
P/1 – Agora, Geri, quando eu falo sempre, assim, todo dia ela ia, não?
R – Não, ela ia de em oito em oito, era de sábado pra domingo, matava o boi no domingo, aí ela ia no domingo de madrugada, três horas da manhã.
P/1 – Você teve irmãos?
R – Tive, eu tive sete irmãos.
P/1 – Vocês chegaram a trabalhar com o seu pai e com a sua mãe?
R – Trabalhamos muito! Era muito trabalho, a gente trabalhava na mandioca, raspando mandioca, arrancando, plantando, feijão também plantava, era muito trabalho, na molhada de fumo também.
P/1 – De fumo?
R – De fumo.
P/1 – Como é isso?
R – Plantava fumo, porque plantava o fumo; depois, quando tava bom de capar, tinha que capar o fumo, depois cortar e botar na cerva, a gente carregava o fumo pra botar no pé da cerva; ia pendurar ele pra secar, pra depois levar pra casa, tirar, destalava todinho, fazer a manoca do fumo. Era um trabalho terrível (risos).
P/1 – A família inteira participava?
R – Participava a família em peso, ficava com aquela roupa toda cheia de cerol de fumo, aquelas coisas horrível, mas tinha que fazer aquilo, era sobrevivência, né?
P/1 – Você disse que deixava secar porque você molhava antes?
R – Não, secava, porque cortava verde, botava na cerva pra secar. Depois de secar, tirava da cerva, levava pra casa e depois tirava, destalava, fazia a manoca de fumo. Aí depois botava tudo num volume, pra chegar o peso, pra no tempo certo vender.
P/1 – A sua família, o seu pai, sua mãe, eles vendiam toda essa produção.
R – Vendiam.
P/1 – Fumo.
R – Fumo.
P/1 – Feijão.
R – Feijão, era, milho.
P/1 – Vendiam?
R – Vendia metade, a metade ficava pra comer e pra dar aos bichos, né, pra sobrevivência da gente.
P/1 – Quando vendia era um bom retorno, não?
R – Não era bom retorno (risos), não, que não valia, não dava nem pra gente. O trabalho era muito trabalho e quando vendia não valia a pena, mas tinha que sobreviver daquilo mesmo, né?
P/1 – Vendia pra quem?
R – Era pros outros fazendeiros que tinha mais coisa, vendia pra Lagoinha, pra essas coisas, o pessoal vinha buscar de carro, aí vendia as pesadas.
P/1 – E eles iam revender?
R – Era.
P/1 – Não vendia direto assim?
R – Não vendia direto, não, vendia pro atravessador, ganhava o atravessador, né? O atravessador que ganha mais, aí era difícil. Mas depois as coisas foram mudando e...
P/1 – Geri, quem te deu esse nome, Geri, esse apelido?
R – Ó, o meu pai... Que o meu nome é muito complicado, todo mundo, até hoje o povo fala que o meu nome é complicado, ele me chamava de Juriti. Só que eu fui entender, quando eu era mais tolinha, não ligava, pra mim era um nome bonito. Eu fui crescendo: “Juriti é um pássaro, por que ele me chama de Juriti?”, aí eu fui e disse: “Ó, se o senhor não me chamar pelo meu nome, eu não vou lhe responder mais”, “Ah, mas eu não sei seu nome”, “Aprenda”. Aí ele me chamava: “Juriti, ô, Juriti”, eu não respondia até ele falar por meu nome certo, ele não conseguia, ele botou o nome de Geri, que era mais fácil do que Geronisse, aí ele começou a me chamar de Geri. Eu aceitei e por isso ficou, porque se eu soubesse hoje também não queria, que não gosto desse apelido, Geri.
P/1 – Não gosta, Geri?
R – Não gosto.
P/1 – Então vou te chamar de Geronisse.
R – Mas eu acostumei.
P/1 – Quem deu esse nome pra você, você sabe?
R – Não sei, não, acho que deve ser minha mãe mesmo.
P/1 – Que lembranças, além dessa, você tem do seu pai?
R – Ah, o meu pai, quer dizer, ele era muito bravo, que pai antigamente era muito severo, né. E ele trabalhava mais longe, trabalhava distante, ficava mais tempo lá no Capitão, uma roça chamada Capitão, eu ficava mais embaixo, que eu era mais pequena, não subia, eu não aguentava subir a ladeira, que era muito longe, passava o dia todo lá. Mas depois eu fui ficando mais velha, eu fui trabalhar, eu saí pra trabalhar com 14 anos numa firma chamada Celulosa. Eu cortava sisal, porque a vivência era muito pouco, não tinha mais, não tinha nada pra sobreviver, não tinha como comprar roupa nem nada, minha mãe, eram muitos filhos. Aí eu comecei: “Ah, eu vou sair pra trabalhar”, é um trabalho de escravidão também, né, porque cortar sisal, a mulher corta sisal, tinha que ganhar pelo que fazer, aí eu fiquei trabalhando no sisal, eu fui cortando, depois passei oito meses lá no corte de sisal. Depois eu fui pra Salvador.
P/1 – Ganhava o que, ganhava alguma coisa de dinheiro?
R – Ganhava. Era o que fazia, se você fosse boa na faca, ganhava, até hoje, eu cortei meu dedo, até hoje tem um sinal (risos) do sisal, e se não fosse era só cansar.
P/1 – Você tinha 14 anos?
R – Catorze anos, aí com 15 anos eu fui pra Salvador.
P/1 – E no começo, como foi, Geronisse, cortar sisal?
R – Ah, foi horrível, tinha que ter a faca muito afiada, muito amolada, às vezes furava, era muito estrepe dos espinhos do sisal, que até hoje tem o sisal aqui também, que o sisal, era muito, muito trabalho mesmo, como eu queria ganhar um dinheirinho, né, que o dinheiro, aí eu tive que trabalhar, depois saí da firma.
P/1 – Você disse que o seu pai, o seu pai que trabalhava numa fazenda de outra pessoa?
R – Não, ele trabalhava na roça dele mesmo.
P/1 – Você trabalhou na fazenda de outra pessoa?
R – É, eu trabalhei numa firma chamada Celulosa.
P/1 – Não, antes.
R – Era, com 14 anos, que eu saí, deixei meus pais e fui trabalhar, achei que a roça dos meus pais era ruim, que trabalhava o dia todo (risos) na areia quente, essa agonia, e carregava água, também era muito longe pra carregar água. Eu achei ruim: “Ah, vou pra tentar ganhar um dinheirinho”, aí fui, cheguei lá não era bom, não, né? Mas eu fiquei lá oito meses, na firma, cortando sisal, depois eu fui pra Salvador.
P/1 – Antes disso, depois a gente vem pra essa época, antes disso, e da sua mãe, Geronisse, que lembranças você tem dela?
R – Minha mãe era uma mulher muito batalhadora, trabalhava muito! E naquele tempo era muito fraco de coisa, ela saía, porque na nossa roça tinha bastante pinha, ela pegava pinha, ia vender só outro dia, na cabeça, com o balaio na cabeça, saía por dentro, ia vender só no outro dia. Vendia pra comprar as coisas pra gente comer, carne, café, essas coisas, porque farinha tinha, mas as outras coisas não tinha, aí foi uma pessoa bem sofrida, sofreu muito, ela trabalhava pra dar comida a gente, que não tinha trabalho.
P/1 – Eles são vivos ainda?
R – Não, eles faleceram, minha mãe, eu nem sei quantos anos tem. Eu sei que é falecida, eu nem gosto de falar, porque ela sofreu muito, ela morreu de câncer, foi muito sofrimento. Essa história eu não guardei, não quis guardar a data que ela faleceu, não.
P/1 – E brincadeiras, tinha alguma, Geronisse, apesar de tanto trabalho?
R – Antigamente tinha, eu gostava muito de brincar com boneca, até hoje eu tenho uma boneca (risos), até hoje eu gosto de boneca, só que ou bem brincava com boneca ou bem trabalhava, né, mas eu aproveitava as duas coisas, brincar com boneca. Às vezes minha mãe não tinha como dar a boneca, fazia a boneca de “capuco”, de melancia, um bocado de coisa, fazia, pegava um pano, enrolava, amarrava no meio, fazia a boneca. Era bom, fazia a boneca, era muito bom.
P/1 – Que horas você brincava?
R – Brincava bastante. As meninas brincavam muito, hoje que as meninas não quer mais brincar de boneca, mas nesse tempo a gente brincava de boneca.
P/1 – Que horas vocês brincavam do dia?
R – Os domingos, as meio dia, de tarde, os homens iam almoçar, a gente ia brincar com boneca, era, os domingos era só pra gente, né, pra gente brincar de boneca, aquelas horas que eles tavam mais trabalhando, que a gente era menor, que não podia trabalhar com faca, aí a gente ia brincar com boneca, mas foi bom.
P/1 – Na roça também você mexia com faca?
R – Na roça a gente mexia com tudo.
P/1 – E você era pequena ainda?
R – Era pequena, porque aqui começava cedo. Antigamente, hoje não, que hoje a chuva é mais fraca, mas antigamente chovia muito e tinha muita mandioca. O resultado da mandioca era bom, mas só que era um tipo de um rodete.
P/1 – Como assim? Explica.
R – O rodete a gente tinha que pegar, tinha duas pessoas, ele era no meio, pegava um num lado, outro de outro, aí ralava. Só que era muito pesado, e tinhas as meninas que eram pequenas, que nem eu mesmo, subia numa gamela pra ralar aquele negócio, ruim pra caramba. A gente tinha que fazer isso, porque não tinha ninguém pra puxar, só a gente mesmo. Às vezes escapulia, e se apertasse a mandioca dava bola, a carne não conseguia coisar (risos), mas foi muito sofrimento, mas passou, foi bom.
P/1 – Eram meninos e meninas, irmãos?
R – Era menino e menina, só que os meninos foram ficando maior, foram embora, trabalhar pra sobreviver. E ficaram mais as filhas, as pequeninhas ficaram, tinham que pegar no pesado.
P/1 – Os meninos eram mais velhos?
R – Era mais velho, foi se saindo.
P/1 – E você e suas irmãs, as irmãs também faziam?
R – É porque as mulher sempre fica mais dentro de casa, né, do que os homens, aí quem pegava no pesado mais era a gente.
P/1 – E o serviço de casa?
R – A casa ficava sempre, quer dizer, os mais velhos ia pra roça e as mais novas ficavam, tomar conta dos mais velho, das menor, das menina menor e fazer comida pra quando chegava o pessoal da roça ter o que comer.
P/1 – Você lembra que idade, que tamanho você tinha, não precisa ser idade, mas o tamanho, quando você começou a cozinhar, por exemplo?
R – Eu não tinha ainda, não, porque eu era muito pequenininha, que até hoje eu sou (risos). Até hoje eu sou pequenininha, mas que não era aquela, essa comida, coisa pra fazer, era só botar feijão no fogo, pronto. Se não tivesse carne, fazia uma ralada de pimenta ou um molho e aí comia e era bom.
P/1 – Ralada de quê?
R – Ralada de pimenta, pimenta com sal.
P/1 – Olha, como é que faz isso?
R – Pega a pimenta, bota no prato e machuca com sal e vai comendo, pegando um bolo de feijão, botando na pimenta e comia.
P/1 – Era um tempero pro feijão?
R – Era a carne. E aquilo ali a gente gostava e era bom.
P/1 – E a farinha, né?
R – E a farinha, era.
P/1 – Vocês preparavam a farinha toda?
R – Preparava, fazia farinha.
P/1 – Vendia também?
R – Não dava pra vender, não, só mesmo pra comer, porque era rodete, não dava pra fazer muito, era muito puxado, não tinha como pra fazer pra vender.
P/1 – Esse jeito de fazer a farinha só pra família?
R – Era pra comer mesmo, e foi muito difícil.
P/1 – Você disse que veio pra Salvador, enquanto você tava lá você foi à escola?
R – Não, eu saí, deixei de estudar eu tava novinha, eu tava com 12 anos.
P/1 – Mas até 12 você chegou a ir na escola?
R – Cheguei.
P/1 – Ou não, era em casa?
R – Cheguei a ir pra escola. Depois eu desisti, porque às vezes não tinha nem caneta nem lápis pra estudar, aí eu desisti.
P/1 – Era longe da sua casa?
R – Não. Era ali na roça, dentro, mas o sol era de matar.
P/1 – E eus pais?
R – Meus pais ficavam mais na roça.
P/1 – Sim, mas em relação à escola, o que eles falavam?
R – Eles deixavam, deixavam eu ir pra escola, só que chegou um tempo que eu, chegando 12 anos, aí a gente vai querendo coisa melhor, né? Os pais não tinham pra dar, tenta desistir da escola e ir pra, que hoje eu me arrependo, né, me arrependo (risos).
P/1 – Era muito sol pra ir até a escola?
R – Muito sol e chegava no caminho lá a gente sangrava muito pelo nariz, que o sol quente... Às vezes a gente trabalhava na roça, a gente saía, ia pra roça de manhã, saía 11 horas, sair correndo pra poder ir tomar banho pra poder ir pra escola de tarde, e o sol terrível, a areia, misericórdia, que dava no joelho.
P/1 – A areia?
R – Aqui hoje que não tem areia, mas antes tinha muita areia.
P/1 – Você tava falando que era muito difícil, mas vocês eram felizes. Fala um pouco disso, como você era feliz com tanta dificuldade, como você falou.
R – Porque, assim, a gente trabalhava e também brincava. Os nossos pais deixavam a gente brincar e às vezes, quando a gente não queria trabalhar no pesado, eles deixavam a gente brincar, tempo de lua bonita a gente brincava bastante de cantar roda, brincar. Então a gente aproveitou o máximo, a gente não aproveitou o máximo, porque tinha que sair pra trabalhar. Mas que até com 19 anos eu brincava com boneca e até hoje eu gosto de boneca (risos). E hoje não, hoje as meninas não sabe aproveitar a juventude, não sabe brincar, não querem mais brincar com boneca, aí puxado.
P/1 – Você se divertia também.
R – É, me divertia bastante.
P/1 – Você tava dizendo da escola, que você não continuou.
R – É.
P/1 – E lá na escola, aconteceu alguma coisa que você lembra até hoje ou alguma professora que foi marcante?
R – Não, eu gostei muito das professoras, porque antigamente na escola elas ensinavam muito e dava castigo na gente, porque hoje não tem, né? Tinha que ter respeito a professora, a gente brincava muito dia de sete de setembro, dia das mães. Tinha muitas coisas bonitas, da gente chorar bastante, que era véspera, a gente subia em cima de uma cadeira, numa banca, daí a gente fazia uma poesia, dedicava a uma professora ou a mãe, e aquilo era muito bom, muito importante, que hoje não tem isso, né? Sete de Setembro a mesma coisa também, dia das mães.
P/1 – Quem chorava?
R – E no encerramento da escola a gente chorava, todo mundo. Achava tão legal, a gente chorava quando do encerramento da escola, aí era muito, que ia fechar, ia passar um mês de férias, a gente não ia ter mais, estudar, de ter aquele estudo, tabuada, que era muito bom no fim, ao mesmo tempo era muito ruim porque tomava uma tora (risos), mas era legal. Eu achava que era um jeito da gente se distrair, contar, fazendo menos na roça. A roça era um trabalho terrível, tinha que trabalhar, e na escola não, era pra estudar, pra brincar ao mesmo tempo, tinha o recreio, que era muito bom. Aí foi importante isso, o pouco que eu aproveitei foi muito importante.
P/2 – Tinham festas?
R – Tinha festa, mas era aquelas festas boas, que não tinha briga, não tinha bagunça, era muito bom.
P/2 – Eram festas de quê?
R – Tinha festa de sanfona, tinha, como é? Serenata, era muito bom.
P/1 – Como era a serenata? Quem fazia?
R – As pessoas cantavam e escutavam violão, era muito bom, muito importante.
P/1 – Na festa?
R – É.
P/2 – Vocês tinham festa de São João?
R – Tinha. Tinha e até hoje tem, só que não é como antes, né, mas tem.
P/2 – Como era antes?
R – Que era de sanfona e hoje não tem mais sanfona, não existe mais sanfona como antes. Era muito bom, a gente dançava pra caramba, a gente dançava até o dia amanhecer. Ali era só pra dançar, porque hoje em dia as meninas vai pra festa, não querem dançar, só querem curtir, a gente ia pra festa pra dançar.
P/1 – Dançava o que, que tipo de dança?
R – Sanfona, aquelas (risos), forró.
P/1 – Forró?
R – Forró, era muito bom.
P/2 – E o carnaval, Geronisse, tinha carnaval aqui?
R – Olhe, no meu tempo eu não cheguei a ir pro carnaval, não. Tinha micareta em Pataíva, tinha micareta, mas eu não cheguei ir, porque eu era muito pequena, meus pais não deixavam.
P/1 – Desde aquela época tinha micareta?
R – Tinha micareta, micareta em Pataíva.
P/1 – Como era a micareta? Falavam pra você como era?
R – Quer dizer, era um trio elétrico, ia na frente, eles iam cantando, pulando atrás (risos).
P/1 – Não era diferente disso?
R – Não, não era diferente disso, não. Era tudo legal.
P/1 – Você tava falando das festas, mas voltando então ao seu trabalho, você disse que com 14 anos resolveu trabalhar com sisal.
R – Foi.
P/1 – E até quando você ficou lá?
R – Eu fiquei lá mesmo oito meses porque era muito pesado, eu não aguentei.
P/1 – E aí como é que foi depois disso, quando você saiu de lá?
R – Aí eu fui pra Salvador.
P/1 – Sozinha?
R – Foi. Eu fui com uma amiga, me levou, aí cheguei lá, fui trabalhar na casa de família. Só que cheguei lá na casa de família, eu fui trabalhar, só que não me acostumei muito, era muito trabalho. Era muito trabalho, eu não fiquei nesse trabalho, depois eu fui trabalhar num condomínio.
P/1 – Você disse que foi trabalhar numa casa de família, uma amiga te levou.
R – Foi.
P/1 – E os seus pais, eles sabiam?
R – Sabiam. Porque eles não tinham o que me dar, né, eu já tava mocinha, precisava de, aqueles anos das filhas (risos). Cheguei lá, fiquei, trabalhei lá uns três anos, depois eu conheci Jacinto.
P/1 – Mas na casa de família você ficou quanto tempo?
R – Passei três anos trabalhando.
P/1 – Foi lá que você ficou três anos?
R – Foi.
P/1 – Você disse que não gostou.
R – Não gostei, não, que era muito, a gente tinha que fazer as coisas e ainda ia ser reclamada. Quando a gente sai daqui, não sabe fazer quase nada, né? Além da gente fazer, ia ser reclamada. Eu não gostei muito, não, mas tive que ficar, que eu não ia voltar pra cá (risos)! Fiquei lá três anos trabalhando, depois eu conheci ele.
P/1 – Quando você chegou em Salvador, você já tinha ido pra Salvador alguma vez?
R – Não, nunca tinha ido.
P/1 – O que você achou quando você chegou?
R – Porque quando eu fui trabalhar lá, quer dizer, eu fui com uma amiga e amiga falou assim: “Ó, vou lhe botar ela aqui, mas ela é de família, não deixa ela sair pra lugar nenhum”, aí pronto! Fiquei lá no condomínio, vigia na frente, vigia no fundo, não tinha que sair de jeito nenhum.
P/1 – Você nunca saía, três anos lá?
R – Não, aí eu passei 15 anos lá, não conheci quase nada, porque eu vivia no condomínio trancada e no fim não conheci nada. Depois eu conheci meu marido, comecei a debulhar filho (risos).
P/1 – Mas ainda lá nesse trabalho com a família, na casa de família, você chegou na casa, mas às vezes você dava uma saída pra Salvador?
R – Não, porque, assim, era um condomínio, e condomínio já sabe, né, é fechado, tinha vigia na frente e vigia no fundo, aí quem me botou lá falou: “Ela é moça de família, não pode deixar ela sair pra lugar nenhum”. Mesmo quando eu queria sair, eu chegava no portão, já tava avisado: “Ela não pode sair, que é de família”, ficava numa prisão total, 15 anos.
P/1 – E nunca saiu, nem pra visitar a família?
R – Saía, assim, quando eu saía era um mês, três meses, saía, mas ela dizia: “Olha, se comporte, mas volte logo”. Eu voltava, fiquei dois anos nessa casa, depois ela se mudou, eu saí pra outra, que era outra, não era condomínio, eu já tava mais espertinha, depois eu fiquei um ano na outra. Depois eu conheci ele aí.
P/1 – Como foi que vocês se conheceram?
R – Eu conheci numa festa, quer dizer, ele me conheceu, ele era daqui, mas só que eu não conhecia ele, ele falou pra namorar comigo, aí eu...
P/1 – Onde foi que você conheceu?
R – Lá em Salvador mesmo.
P/1 – Foi lá?
R – Foi.
P/1 – Como foi esse encontro?
R – Ah, não foi muito legal, não.
P/1 – Por quê?
R – Porque não era o objetivo, que era ficar de maior pra ir pra São Paulo. No fim não deu certo, conheci ele, aí eu, ele queria ficar comigo, eu dizendo que não queria, não queria, no fim eu acabei aceitando. Vim aqui, falei com a minha mãe, minha mãe: “Ah, mas não quero ele, não, que ele é mais velho que você e não sei o que”, “Ah, acho que eu vou ficar com ele mesmo”, no fim fiquei com ele, aí comecei a ter filho.
P/1 – Era bem mais velho?
R – É bem mais velho, um pouquinho mais velho do que eu, 15, 14 anos. Aí eu fiquei com ele.
P/1 – Fala o nome dele.
R – Jacinto Vieira Costa, aí fiquei com ele. Até hoje estou, vai fazer 30 anos já. Tive a primeira gravidez, que a menina faleceu, depois vieram gêmeos, um trabalho.
P/1 – O primeira o quê?
R – A primeira menina faleceu, a segunda foi...
P/1 – Mas ela chegou a nascer?
R – Nasceu, mas morreu com sete dias.
P/1 – Com sete dias ela morreu?
R – Foi, aí depois eu tive outra gravidez, que foi essa aí, a Joice e o Josimar, que veio gêmeos de sete meses, um trabalho desgramado (risos).
P/1 – Como foi o parto? Foi no hospital?
R – Foi no hospital, dos dois foram no hospital, só que a da primeira foi em casa, foi uma complicação terrível, né, a criança morreu, quem pegou, quem não pegou. Aí foi uma parteira daqui que pegou, só que era uma parteira formada mesmo, que sabia mesmo, não teve nada com a parteira porque não foi culpa dela, né?
P/1 – Não soube do que morreu?
R – Não, de sete meses, porque antigamente chamava “mal de sete”, porque morria muita criança de “mal de sete”, né, nascia com sete meses, morria, não tinha essa vacina como tem hoje, né? Aí depois eu engravidei logo, logo a gravidez delas, veio dois.
P/1 – E depois, veio mais algum?
R – Aí fiquei, daqui a pouco engravidei de novo (risos). Aí veio uma menina, foi essa, cadê ela?
P/1 – Como ela chama, a que veio depois?
R – Juliana, uma que está sorrindo. Depois fiquei, veio mais dois.
P/1 – Gêmeos?
R – Gêmeos, que é essa aqui e essa aqui.
P/1 – Meninas, duas meninas, qual o nome delas?
R – É Marina e Mariana. Depois eu vim pra aqui, que já tava, ela ficava muito... Que foi de sete meses, nasceu todas de sete meses, só não a do meio. Foi uma complicação, como já tinha morrido um no hospital, que eu tive em casa, eu fiquei com medo de ficar lá, porque minha ficha correu em todo hospital como eu tinha matado a criança, eu disse: “Se essa daqui morrer, pronto”.
P/1 – Como assim? Não entendi.
R – Porque, assim, ela nasceu em casa.
P/1 – A primeira de todas.
R – A primeira, foi, eles têm como foi que tinha matado, né?
P/1 – Entendi.
R – Aí aquela ficha ficou pra todo hospital, quando Joice nasceu ela passou seis meses na incubadora, que era de sete meses. Quando ela me entregou, ela me deu, me disse uma frase: “Tome, tá boa, agora mate ela como você matou a outra”, essa frase nunca saiu da minha mente.
P/1 – Nossa!
R – Aí pronto, eu fiquei.
P/1 – E você não falou nada pra pessoa?
R – Eu ia falar o quê? Ouvi calada, né?
P/1 – Porque eram conhecidos, conheciam você.
R – Não, foi a enfermeira do hospital mesmo, quando ela me entregou com seis meses que a menina nasceu, Joice nasceu, que era de sete meses, ficou seis meses na incubadora. Quando ela me entregou, ela falou assim: “Tome, tá boa, agora mate ela como você matou a outra”, que a minha ficha já tava lá. Eu cheguei, fiquei com elas aí, mas era muito doente, que era muito pequenininha, de sete meses, né, miudinha, uma desgrama. Adoeceu e foi pro hospital de novo, ficou internada, foi um trabalho da desgrama.
P/1 – Que era gêmea, né?
R – Eram gêmeos.
P/1 – O menino ficou bem?
R – Os dois nasceram, que os dois tinham problema, nasceram de sete meses, pequenininhos.
P/1 – Mas ele não ficou no hospital?
R – Ficaram, todos os dois foram no hospital. Depois, com três anos, eu tive, dois anos, eu tive a outra, que veio de nove meses.
P/1 – Aí não precisou ficar lá no hospital?
R – Não precisou. Daqui a pouco veio mais, eu engravidei, veio mais outra, duas, ficaram no hospital de novo.
P/1 – Ficaram porque gêmeas, nasce menorzinha.
R – Aí outra correria, eu disse: “Ah, agora vou parar, vou ligar”.
P/1 – Você fez ligação?
R – Graças a Deus! Parei, liguei, ela hoje tá com 22 anos, graças a Deus.
P/2 – Geronisse, vocês se encontraram, se conheceram lá em Salvador.
R – Foi.
P/2 – Vocês ficaram morando em Salvador?
R – Foi, a gente ficou morando um tempão lá, depois a gente veio pra cá.
P/1 – Os filhos você teve lá?
R – Tive todos lá.
P/1 – Agora, vocês se conheceram lá.
R – Foi.
P/1 – Mas vocês eram da mesma região ou onde você nasceu?
R – Não, é perto. Só que eu era uma pessoa que não saía de casa e ele já era, quando eu nasci, ele já tava em São Paulo, na vida (risos). Lá que eu conheci ele, depois vim pra aqui.
P/1 – Mas aí você nem sabia que ele morava na região.
R – Não, quer dizer, que os amigos dele lá falavam que ele era de fora, que era uma bela pessoa, que era isso, que era aquilo, mas eu achava ele muito velho, acabado assim pra mim, sabe? Mas através de um conselho, aí o povo: “Ah, pegue, que ele é uma bela pessoa”, aí fui, fiquei, nisso fiquei até hoje, não vai sair mais.
P/1 – Quando você casou com ele...
R – Não casei, até hoje sou...
P/1 – Sim, mas quando você passou a viver com ele, você parou de trabalhar fora?
R – Parei. Eu comecei a trabalhar, depois eu desisti, aí logo eu fiquei grávida, porque não tinha conhecimento, não tinha experiência de nada, pensei que não engravidava (risos), e engravidei.
P/1 – Você nunca soube como evitar filhos?
R – Não, não sabia. Eu era menina besta, de casa de mãe fui pra trabalhar num condomínio fechado, pronto, ninguém me explicou nada. Quando vieram me explicar, eu já tava grávida, não tinha mais jeito, fiquei nessa.
P/1 – Mas agora os filhos todos moços.
R – Tão tudo maior, graças a Deus (risos).
P/1 – Agora, Geri, aí você ficou cuidando da casa.
R – Fiquei cuidando da casa.
P/1 – Como foi essa fase de ficar trabalhando em casa, cuidando da casa?
R – Lá em Salvador é muito bom pra viver, né, quem quer, porque eu fazia geladinho e vendia. Eu achava que eu ganhava mais do que trabalhar na casa de família, porque eu vendia geladinho, depende de você fazer bom, você fazia o geladinho e tomava conta dos filhos e da casa.
P/1 – Vendia aonde?
R – Vendia em casa mesmo.
P/1 – Em que lugar de Salvador você morava?
R – Era em Itapuã, no Coqueirinho. Eu vendia bastante geladinho.
P/1 – Vendia pra quem?
R – Pros vizinhos. Eu vendia bastante, não precisava nem ir trabalhar fora, nem deixar os meus filhos com ninguém.
P/1 – O seu marido trabalhava em quê?
R – Trabalhava em pedreiro, pedreiro.
P/1 – E aí quando que vocês vieram, voltaram pra cá?
R – Eu vim porque, assim, minha sogra, ela ficava sozinha aqui. A gente resolveu, ela não queria ir pra Salvador, resolveu vir tomar conta dela aqui. A gente tomou conta dela, depois de um tempo ela veio, foi embora pra onde tá os filhos e aqui a gente ficou, porque aqui é melhor.
P/1 – Ela foi pra onde, a sua sogra?
R – Pra Pojuca, pra onde estão os filhos. E aqui eu acho que é melhor pra sobreviver.
P/1 – Agora você acha aqui melhor?
R – Porque, assim, antes era ruim, porque não tinha trabalho. Hoje, depois do artesanato, que eu fui vista pelo artesanato, né? Depois o artesanato não deu muito certo, aí veio trabalho, a doação, a gente trabalha fazendo polpa pra vender. Aí melhorou nossa vida.
P/1 – Antes, quando vocês chegaram aqui, ele veio trabalhar em que, o Seu Jacinto?
R – Ele trabalhava na roça, mas ele vivia muito em São Paulo, porque não tinha nada, aí ele ia pra São Paulo e me deixava aqui.
P/1 – Mas ele ia trabalhar em São Paulo?
R – É. E mandava dinheiro de 15 em 15, às vezes ele ficava até por lá pra mandar dinheiro pra mim e pros filhos, né?
P/1 – Como pedreiro?
R – É, pedreiro. Aí ficava difícil. Quando as meninas começaram a crescer, né, tudo fêmea, disse: “Agora chega de ficar aqui”, porque menina mulher,com os pais é melhor.
P/1 – Mas aí você que ficou cuidando da sogra.
R – Foi, ficamos.
P/1 – Morando com ela?
R – Foi, ela morava numa casinha separada, mas tudo junto, tudo junto. Ela se aposentou, aí já melhorou o lado também.
P/1 – Quem aposentou?
R – A minha sogra. Aí comia todo mundo junto, não precisou ele ir pra São Paulo mais, ficou tomando conta dela também e da gente e dos filhos.
P/1 – Aí ela foi pra casa dos filhos dela?
R – Foi, e a gente ficou aqui.
P/1 – Você disse que começou a fazer artesanato. Aqui não fazia gelinho, não vendi gelinho aqui?
R – Não, não. Gelinho é o que mesmo?
P/1 – Geladinho, a gente chama gelinho.
R – Ah é? Eu comecei a vender, só que aqui é assim, quando você começa a fazer uma coisa aqui, todo mundo quer fazer. Eu comecei a fazer o geladinho, só que muita gente fazia. Só que eu vendia, sabe, mas era pouco, eu parei, fiquei mais na roça, parei de vender geladinho pra ir pra roça, né?
P/1 – Você começou a trabalhar na roça de novo?
R – É, de enxada, fui.
P/1 – Mas na roça de vocês?
R – É, foi.
P/1 – Plantando o quê?
R – Plantando manaíba, feijão, tudo.
P/1 – Pra vender?
R – Pra comer, que pra vender não dava, que era muito pouco. Foi indo, foi indo, depois veio esse trabalho do artesanato, depois do artesanato veio o...
P/1 – Como é que você começou a fazer artesanato?
R – Ó, eu não sabia, porque, assim, quando eu era pequena a minha mãe trabalhava com trança, sabe, mas ela pegava trança, tecia e ela me ensinou. Eu pegava trança, tecia, quando chegava no meio ponto, eu jogava no mato, jogava no lixo. Era trabalho, tecia, porque muito longe, as mulheres teciam pra dar comida aos filhos, comprar roupa. achava aquilo tão ruim, ir pro mato arrancar, depois bota pra secar, lascar e tecer, eu desisti. Aí quando foi um dia veio Marília Lobo com um bocado de artesanato pra fazer, disse: “Ó, Marília, eu não vou pegar, porque eu não sei, eu não sei fazer isso”.
P/1 – Quem é essa moça? De onde ela é?
R – É de Biritinga. “Eu não sei fazer, como é que eu vou fazer?”, eu arrumei um bocado de mulher, as mulher entraram, depois desistiram tudo.
P/1 – Você que reuniu as mulheres?
R – Foi. depois ela voltou de novo, só que eu fiquei de fora, porque eu não sabia fazer nada, eu aprendi com a minha mãe, mas depois desisti. depois ela voltou de novo com um saco enorme.
P/1 – Ela trazia o que nesse saco?
R – Um bocado de bolsa, aí também nem olhei, eu disse: “Não vou olhar, não, porque”. Já tinha começado fazer a esteira, eu comecei a aprender.
P/1 – Ela trouxe essas bolsas.
R – Pra eu ver, pra fazer e disse: “Olha, isso aqui dá dinheiro”, eu disse: “Mas eu não vou fazer, não”. Eu já tinha aprendido a fazer a esteira, eu peguei... Ela foi embora, nem eu abri o saco pra ver que peças tinha lá dentro. Quando foi de noite mesmo que eu vi, um bocado de bolsa apareceu na minha mente. No outro dia de manhã cedo, eu levantei, peguei a tesoura, comecei a cortar as bolsas, fui fazendo, aí veio uma mulher de Feira de Santana e olhou as bolsas, gostou e levou.
P/1 – Você começou a fazer as bolsas?
R – Foi.
P/2 – Mas você sonhou então?
R – Sonhei e comecei a fazer as bolsas, no outro dia levantei cedo, comecei a fazer, cortar as bolsas e fazer.
P/1 – Era de palha ainda?
R – De palha, eu comecei fazer esteira, não era nem trança, porque eu aprendi a fazer esteira, meia torta, mas eu aprendi, naquela mesma cortei a coisa e fiz.
P/1 – Você cortou a esteira?
R – Foi, fiz as bolsas, a mulher gostou e levou. Depois ela tornou a voltar: “Ó, Geri, não desista, que isso dá dinheiro”, aí comecei, ela também veio.
P/1 – Quem é essa moça que trouxe essas bolsas?
R – Ela nos ajudou bastante, ela é de lá de Biritinga. Ela, que nem a gente falou que ela é, como é? Assistente social! Ela veio, ajudou a gente.
P/1 – Ela era da prefeitura, de alguma ONG?
R – Ela trabalhava na prefeitura lá, trabalhava na prefeitura.
P/1 – Eu não entendi como ela chegou até você, porque tinha outras mulheres.
R – Porque, assim, aqui as pessoas já teciam, já tavam descobrindo, como é? Porque aqui era um fugitivo de quilombola, já tinha muitas pessoas que trabalhavam de esteira, mas não vendiam, vendiam assim, baratinho. Aí ela veio, falou assim: “Vou ajudar esse povo” e veio, ajudou, começou a ajudar, começou a sair pra Biritinga, vender. Ela vendia bastante mesmo, saía de porta em porta batendo, aquele sacolão, com um vergão atrás, que ela era bem clara, aquele bocado de bolsa na mão, vendendo.
P/1 – Ela mesma?
R – Ela mesmo, ia eu atrás morrendo de vergonha (risos). Ela vendia bastante, depois, quando a gente tava bem já sabido tudo, mais ou menos, ela pegou: “Agora, aqui está o gué, agora vamos pescar”, e aí? As mulheres começaram a fazer e ficou lá num canto, começou a fazer, ficou num canto.
P/1 – Quantas eram?
R – Eram 15 mulheres.
P/1 – Quinze?
R – É. Quando tinha uma feira, a gente ia vender. Depois a gente conheceu o Arco Sertão, aí ela veio, deu um apoio pra gente. Deu bastante curso, o Arco Sertão, muito curso, eu ia pra lá, tomava curso, voltava, vinha gente pra cá ensinar.
P/1 – Quem do Arco do Sertão?
R – Gisleide, Leninha, esse pessoal. Mas só que a gente não saía pra vender, tinha vergonha, até hoje eu tenho preconceito (risos). Quando a gente ia pra feira, não vendia porque tem ter jogo de cintura pra vender, né, conversar bonito e falar bastante. Só que eu não saía de casa, eu tinha medo de sair de casa, misericórdia! Quando eu comecei sair de casa, eu fui pra feira de Salvador, as bolsas, quando eu levei, já tavam dessa cor aqui, ó! Eu dizia: “Hoje eu vou vender tudo”. Minha cunhada falou: “Tu vai vender essas bolsas?”, “Vou vender”, era lá no Jardim dos Namorados, em Salvador, cheguei lá, comecei a vender.
P/1 – Como que você fez? Como é que aconteceu essa transformação?
R – Aí comecei a botar, as mulher chegava nas bolsas: “Ai, que coisa mais linda”, as bolsas tudo amarela já! “Coisa mais linda, natural da roça, natural, isso aí que é coisa boa”. Comecei a vender, comecei a vender, oi passando.
P/1 – Você falava alguma coisa nessa hora?
R – Falava, falava. Comecei a falar, ela pegou, comprava. Quando chegou, começou chegar no fim da feira, eu fiz uma queima: “Não vou levar nem uma peça”, comecei a queimar as peças tudo. Oxe, vendi tudo, não voltei com nenhuma! Aí depois fiz mais, fui tomar um curso lá em Valente, tem uma lojinha que vende lá. Vê, tomei um curso lá, passei uma semana tomando curso, gostei, primeira vez com um carro bonito, um letreiro de artesanato, aqui, só pra nos passar a perna (risos).
P/1 – Aqui ela veio?
R – Veio, aí levou um bocado de peça, aí chegou lá, passou a perna na gente, vendeu as coisas.
P/1 – Não pagou?
R – Não pagou. Foi onde as meninas cairam, desistiram, porque eu era a frente de tudo, eu liguei pra ela.
P/1 – Você?
R – Venderam e também pra ir lá era caro, pra ir lá em Valente, elas não queriam, “também não vou”. Aí ligava pra ela: “Ah, não vendeu, não sei o que” e não devolvia. Aí desistiram, eu não desisto.
P/1 – Todas desistiram nessa época?
R – Desistiram.
P/2 – Foram muitas peças que você venderam?
R – Muitas peças.
P/2 – Pra essa moça que não pagou você?
R – Muitas peças, muitas peças. Aí ficou nessa, eu disse: “Mas não vou desistir”. Comecei a fazer, ia pra feira, via o que o Arco vendia, aquelas peças pequenas que ela vendia mais.
P/1 – Pra Salvador vocês foram, como que você conseguiu ir pra Salvador pra vender?
R – A gente foi pela Arco, ela nos ajudou. Vendeu bastante, depois a gente foi pra Feira de Santana no shopping, vendia bastante também.
P/1 – Sozinha ia ou com as mulheres ainda?
R – Não, ia muita gente de idade, iam mais de 30.
P/1 – As mulheres ainda estavam junto?
R – As mulheres não saíam, não, não saíam, não. Só ia eu e outra, eu e outras meninas, outra mulher, moça, só que lá ela, às vezes ela me deixava lá e vinha embora e eu ficava lá. Eu vendi bastante em Feira de Santana, aí a primeira vez que eu fui eu vendo bastante, eles: “Nice, como você vendeu bastante”, eu vendi porque eu tava olhando quem vendia bem, eu comecei a fazer.
P/1 – Quem falava: “Olha, como você tá vendendo”?
R – A coordenadora da Arco: “Eu não acredito”, “Pois vendi”, vendi bastante, aí comecei a fazer peça pequena, porque peça pequena é mais que vende. Essa daí tá porque é grande, e as peças pequenas vendem bastante, eu parei de fazer as peças grandes, comecei fazer as peças pequena.
P/1 – Geronisse, você disse que você sempre tava à frente. Por que você acha que foi você que eles procuraram, você que ficou à frente?
R – É porque, assim, às vezes a pessoa, quer dizer, antes eu não falava mais, às vezes a pessoa procura porque a gente fala mais, fica como um líder e ali a gente tem que ter força de vontade, falar firme, né? Que muitos não gostam porque quando eu falo (risos), eu não sou muito de falar, mas, quando eu falo, eu falo bravo mesmo. Elas dizem que eu me transformo, muitos sabem que quando eu digo: “Eu quero essa peça assim, que se fazer errado desmancha todinha”, aí desmanchava, só que não era gosto, não, se não desmanchar, não aprende. Muitos saíram também e ficou eu sozinha, tô aqui nessa, lutando, mas da palha eu não desisto! É através da palha que eu estou aqui hoje, então não desisto.
P/1 – Você gosta agora de fazer?
R – Gosto, toda vida eu gostei. Cada dia mais eu aprendo coisas melhor, só que é muito ruim porque a gente trabalha na mão e é muito, às vezes tem uma coisa pra fazer e precisa da máquina, e até hoje não consegui a máquina, mas eu vou conseguir (risos).
P/1 – Máquina?
R – Sim, pra costurar, é.
P/1 – Ah, pra costurar.
R – Porque precisa do forro precisa de um acabamento, tem que ter a máquina, não tenho ainda.
P/2 – Mas essas bolsas aí foram feitas à mão então?
R – Todas mão.
P/2 – Todas à mão.
R – É, todas à mão.
P/1 – O que você costura, o forro?
R – É, o forro.
P/1 – Só?
R – É, só.
P/1 – E a fita?
R – É, aí precisa de a máquina pra sair mais bonito, né?
P/1 – Geronisse, você, conhecendo o pessoal do Arco.
R – Foi muito importante (risos)!
P/1 – Faz quanto tempo mais ou menos que você conhece o pessoal?
R – Olha, acho que tem uns dez anos que eu conheço. Eu não sei o número, tem muito tempo, muito tempo mesmo.
P/2 – Mas como você conheceu?
R – Através das palha, das bolsa.
P/1 – Mas você que foi encontrar, buscar?
R – Não, elas vêm. Vieram umas, porque sempre sai, vem umas, depois saem, ficam outras no lugar, já deixa o caminho aberto para outras, e através das outras que vieram, me esqueci o nome da outra que veio, aí veio Gisleide.
P/1 – Antes da Leninha?
R – Antes da Leninha, antes da Gisleide, antes da Leninha, vieram outras.
P/1 – Elas vêm procurar. Assim, como é que funciona isso, pra elas acharem, agora que você faz parte?
R – É porque é pela associação, as pessoas lá indicam e elas vêm pela associação. Elas vêm procurar e encontra a gente aqui. Só que hoje é mais difícil, porque ninguém quer trabalhar, quer trabalhar individual, mas hoje eu prefiro trabalhar individual, porque com o que eu sei hoje, se eu for ensinar, já não quer, né, porque é muito trabalho pra aprender. De cada hoje fazer melhor, melhor você vende, porque quando eu comecei, evhoje, quando eu olho as peças que eu fazia antes: “Não é minha, eu não conheço essa peça”. Que nem um rapaz chegou, pegou umas peças que eu joguei fora e me mostrou: “Ó aqui tuas peças”, “É mentira, essa peça não é minha, tão feia assim” (risos), “É sua mesmo”, misericórdia! Ó pra hoje, como eu evolui, através do Arco Sertão também e de Valente também, que me passou a perna, também me ajudou bastante.
P/1 – Pra você melhorar tanto assim as peças, o seu trabalho, o que foi que?
R – Ó, aconteceu, a gente tem que ter amor pra trabalhar, porque se você não tiver amor, fazer aquelas coisas, você não consegue fazer. Primeiro você tem deixar tudo e trabalhar, confiar no seu trabalho e fazer cada vez melhor, porque você trabalhando vem coisas novas na sua mente. A sua mente é uma caixinha de surpresa, mais você trabalha, mais ela vai desenvolvendo, né?
P/1 – Você teve algum curso, Geronisse?
R – Eu tive vários cursos.
P/1 – Pra essa parte das bolsas?
R – Foi, vários cursos das bolsas.
P/1 – Quem que promoveu?
R – Gisleide com o Arco Sertão, aí teve também a Jó de lá de Valente também, tive vários cursos também lá, aprendi muito.
P/1 – Valente, o que tem lá em Valente?
R – Tem uma lojinha ali, juntinho da rodoviária, tem uma loja de artesanato.
P/1 – Quem é que ensinava você lá?
R – Vinha pessoa de Salvador pra ensinar.
P/1 – Você lembra o nome da organização?
R – Eu não lembro, não, mas Gisleide sabe, que foi ela que levou a gente lá, pro salão. E foi muito importante, muito bom porque através dessa loja tomei vários cursos. Porque antes, assim, as pessoas falavam de mim, falavam das minhas bolsas, que tavam ruim, tava mal feito e eu achava ruim e através de reunião, elas tavam falando o que significa falar a verdade, que era bom pra gente. Hoje eu aprendi, hoje eu até peço: “Tá ruim, me fala”, eu não acho ruim, eu acho bom, é riqueza pra mim mesma, aí eu gosto que as pessoas falem a verdade, foi muito importante.
P/2 – Geronisse, você tinha contado pra gente antes, mais o seu esposo, que vocês lutaram pra ter o reconhecimento dessa terra como comunidade quilombola.
R – Foi.
P/2 – Como que aconteceu isso?
R – Foi muita luta, porque, assim, se não tivesse o apoio da família, não ia conseguir, né? Porque hoje tudo tem que ter apoio da família, porque às vezes ele deixava a roça e ia atrás de ver, procurar as pessoas mais velhas pra poder encaminhar, pra falar a verdade. E não foi uma vez só, foram vários dias, várias vezes, deixava tudo pra ir. Então foi muito importante, porque através disso também hoje a vila é outra, através desse quilombola, do título que veio pra gente, muito importante.
P/2 – Mas você ouvia já histórias dos seus pais, seus familiares sobre os ex-escravos?
R – Não, não ouvia, porque antigamente a nossa vida era quase de escravo, era escravidão, porque a gente trabalhava tanto e às vezes tinha comida pouca, ou não tinha. Às vezes a gente trabalhava, às vezes não tinha comida pra comer. Às vezes quando a gente chegava em casa tinha que ir pro rio pegar peixe, até tinha tipo um tipo cascudo, que chamava caris, que era ali, ele ficava no pau, às vezes a gente ia correndo lá e pegava na mão mesmo, pegava caris no pau e vinha correndo pra casa pra comer, pra poder ir pra escola, era uma coisa que amargava.
P/1 – Vocês mesmo que pescavam?
R – Era, que amargava, mas a gente achava bom, que era a única coisa que tinha pra gente comer, era o tal caris, e foi assim, muito importante.
P/1 – O Seu Jacinto, como é que ele resolveu ir atrás disso?
R – Olha, eu nem sei. Começou pela associação e através do artesanato e Marília Lobo ajudou muito, ela falou e ele correu atrás e conseguiu. Teve muito apoio de Marília Lobo, que ela tinha também conhecimento, aí ela veio.
P/1 – A das bolsas, é a mesma pessoa.
R – É a mesma pessoa, e através de Marília Lobo, que ajudou a gente muito, deu muita força.
P/1 – Você disse que precisa ter o apoio da família, quem que precisa ter o apoio da família?
R – Assim, porque no caso ele era presidente da associação e viajava muito e às vezes tava na roça. Aí vinha chamado pra ele, ele tinha que sair pra poder ir, se a mulher não apoiasse, não ia em lugar nenhum, tinha que ter apoio, ou com fome ou sem comer, tinha que ir, ou sem dinheiro, com dinheiro, tinha que ir mesmo.
P/1 – Você achava o que disso, apesar de você dizer?
R – Eu achava, porque o conhecimento vale mais do que dinheiro, porque às vezes você tem dinheiro, mas não tem conhecimento, aí vai pra onde? Não vai pra lugar nenhum. Através de ele sair, hoje tem conhecimento, todo mundo conhece e valoriza o trabalho dele, isso foi muito importante.
P/1 – Você disse ele ter conhecimento ou ele ser reconhecido?
R – Não, ele é, ele tem conhecimento, as pessoas conhecem ele bastante e é reconhecido. E é muito importante, nem todo mundo chega lá aonde ele chegou, né, não chega, às vezes que chega, mas é muito difícil pra chegar aonde ele chegou.
P/1 – Você disse que melhorou depois dessa titulação como quilombo.
R – Melhorou.
P/1 – No que melhorou?
R – Porque, assim, vem muita visita, vem gente falar, vem dar reunião, falar sobre quilombola, falar sobre o que significa, né? Assim, melhorou sobre o atendimento das pessoas, melhorou sobre, como é? O conhecimento, conheceu mais, as pessoas conheceram, valorizaram nosso trabalho e foi muito importante. Nem todo mundo chega aonde ele chegou, então foi muito.
P/1 – Mas pra comunidade teve mudanças?
R – Teve, mesmo muitos não querem reconhecer, mas teve muita mudança.
P/1 – Você consegue lembrar de alguma agora?
R – Olha, eu não consigo, porque são várias mudanças, né? Porque tudo hoje vem através da associação e como quilombola tem mais chance de vir as coisas, porque quilombola, a gente tem primeiro lugar, e aí foi muito importante. Porque, eu não sei muito dizer.
P/1 – Você tá dizendo que já vem mais coisas pra comunidade.
R – É, mais coisas, mais conhecimento, mais coisas, porque, assim, é quilombola, tem mais direito, é importante, tem mais força de vontade de ajudar porque é quilombola.
P/2 – Geronisse, você tinha comentado com a gente que você e o seu esposo fizeram uma doação pro forro da igreja.
R – Foi.
P/2 – Vocês participam de algum grupo da igreja?
R – Antes até eu gostava muito da igreja, sabe, através da necessidade, os meus filhos pequeno e eu vendo as coisas cada vez ficando pior, e eu dizia: “Se eu não me encostar numa religião, o que será de mim?”. Pela educação, porque eu tinha que ouvir a bíblia e explicar ela em casa, né, como tinha que ser.
P/2 – Por causa dos filhos, como que foi?
R – É, eu penso, assim, por causa dos filhos, porque filha mulher, porque eu só tenho um homem. E as mulheres vão crescendo, as coisas ficando mais difíceis. Eu precisava de ter uma religião, porque na igreja tem coisas, na bíblia, tem em todas, né? Que a gente ouve e tem que botar em prática, e ensinar pros nossos filhos. E tinha a minha sobrinha, ela falava, quando ela falava mesmo, doía, tocava a gente mesmo com força e ali eu digo: “Eu preciso de ir pra igreja e levar os meus filhos junto”, tinha corrente de oração, tinha coisa muito importante, muito bom.
P/1 – Igreja Católica?
R – Igreja Católica, é.
P/2 – Qual o nome da igreja?
R – Santo Antônio. Ai só tinha, a sujeira era muita, muita sujeira por causa de pardal e morcego, aí quando a menina ia, ela vomitava bastante, que era muita sujeira que os morcegos faziam, eu dizia: “O que que eu vou fazer? Dinheiro eu não tenho, pedir eu não posso e também nós necessitamos de nossos filhos ir pra igreja”, como ia todo dia pra igreja. E assim também não dá, porque pra gente ir tem que entrar numa casa que a gente se sinta bem, não sentir mal. Então eu tinha uma casa em Salvador, tinha cinco cômodos, eu disse: “Eu vou pedir a Deus que eu possa vender essa”, combinei com o meu marido e disse: “Eu vou pedir a Deus pra eu vender essa casa, uma banda dela invisto na igreja”.
P/1 – A igreja que tinha sujeira?
R – É, porque era telha, não tinha forro. Eu cheguei, fiz meus pedidos a Deus e seis meses, não foi seis meses, eu vendi do jeito que eu pedi. Peguei e fiz a doação pra igreja, foi como ficou melhor. Só que o povo aqui, tem preconceito, porque, assim, às vezes as pessoas são mais claras, mas tem preconceito com mais moreno, e ela era bem morena.
P/1 – Quem?
R – A minha sobrinha. Ela falava bastante, falava, não importava de quem falava, porque o evangelho fala da nossa vida, e muitos não gostam. Tinha muito preconceito, porque minha sobrinha falava a verdade, ela falava, e quem elas queriam não conseguia chegar ao pé de falar a verdade, teve muito preconceito. Aí foi indo, foi indo, no fim ela se desgostou e saiu.
P/1 – Da igreja?
R – Da igreja, foi lá pra São Paulo. Aí caiu, caiu porque, assim, ela falava e o povo vinha ouvir, ela cantava, ela animava mesmo, depois que ela saiu, caiu mesmo.
P/1 – Mas se o povo vinha, quem que tinha preconceito?
R – Assim, os daqui mesmo tinham preconceito, entendeu? Porque, assim, ela era uma menina que não teve muito estudo e falava, porque quando as pessoas falam de Deus não é porque quer, é porque Deus dá o dom mesmo pra falar, né? E a verdade dói, porque tá ali na bíblia, fala mesmo, explica mesmo. Só que muitos não gostavam, queriam que outras pessoas, mais claras de cor, porque somos negros, mas tem preconceito ainda com negro, tem preconceito ainda.
P/1 – Ainda é assim?
R – Ainda é assim, acho que não vai mudar nunca.
P/1 – Os mais claros têm preconceito com os mais...
R – É. Quem elas queriam não passou no teste, só passou uma bem morena. Não aceitaram muito, ela se desgostou e saiu, foi pra Salvador, de lá foi pra São Paulo. No fim eu ia pra igreja, só que eu não achava aquelas coisas, que falavam e não tocava muito, aí eu parei também.
P/1 – Tinha padre nessa época?
R – Tinha padre, tinha padre, só que tinha a pessoa que, assim, a menina que ensinava, falava bastante, ela ensinava bastante e falava a verdade. Eu comecei a ler a bíblia, comecei falar também, só que eu, depois as meninas foi crescendo, foi crescendo, aí a igreja foi caindo, eu fui relaxando e aqui eu fiquei (risos).
P/1 – E os filhos, quando você falava da bíblia pra eles?
R – Quer dizer, eles sentavam e ouviam, né?
P/1 – Eles eram pequenos?
R – Eram pequenos, aí começaram, as meninas, a sair. Tavam começando a querer namorar, saíram. Essa mesmo foi a primeira a sair, a outra começou a sair com, ela saiu com 22 anos, só tem essas duas.
P/1 – Algum casou?
R – Não, essa aí que mora junto, mas até hoje...
P/1 – Tem neto já você?
R – Não, graças a Deus não (risos)! Eu, até hoje as meninas, as outras, as caçulas tá com 22 anos, diz ela que não quer saber de namorar, quer pegar, ficar, como ela diz, quer ficar. No fim quer andar, que nem essa aqui mesmo, miudinha, ó, danada, assim, fica pra Brasília, fica assim. E hoje, pelo conhecimento da Arco, eu quero que elas saiam, viajem. Que nem, essa Mariana, ela gosta mesmo de ficar mais dentro de casa, eu disse: “Vai pro Arco, que através da Arco tem um caminho pra seguir”, aí ela: “Não, não, vou ficar aqui ajudando”, que ela ajuda muito aqui dentro de casa também, né?
P/2 – A Mariana tá fazendo o que lá na Arco? Porque ela tá em Brasília agora, né?
R – Ela é diretora, tesoureira, acho que é uma coisa assim.
P/1 – Ela é sua filha?
R – É minha filha, a caçula.
P/1 – É essa que tá na foto?
R – É. É miudinha, mas é danada (risos).
P/2 – Ela também faz artesanato com você?
R – Não faz, porque pra fazer artesanato tem que ter amor, né? É um trabalho pra fazer e nem todo mundo quer, imagina os jovens de hoje em dia, não querem, não.
P/1 – Geronisse, você disse que hoje você prefere sozinha, fazer esse seu trabalho sozinha.
R – É, porque, assim, o trabalho tem que fazer direito, e a pessoa tem que fazer e a pessoa tem que ter uma pessoa ali pra explicar: “Eu quero assim, dessa maneira”, mas nem todo mundo gosta, que quer seguir uma pessoa, aí é melhor eu fazer individual, porque ali eu não me contrario.
P/1 – Como chama o seu empreendimento?
R – Não, hoje mesmo é Tecer do Amanhã, que toda vida foi, mesmo quando era só. Era Tecer do Amanhã, só que tem muitas que fazem em casa, vendem particular, mas nunca é como eu faço a outra, como a gente fazia bolsa, essas coisas, chapéu, essas coisas.
P/1 – Ainda tem mulheres que fazem com esse nome?
R – É individual, né?
P/1 – Mas cada um faz na sua casa?
R – É individual, mas só, assim, pra feira eu mesmo boto lá, no armazém que tem feira em Salvador, em São Paulo, em Feira. Eu mando pra vender, elas não, só mesmo pra vender no Arco.
P/1 – Mas elas ainda usam esse nome?
R – Quer dizer, não usa porque elas não fazem, elas faz assim, um chapéu, quando tem encomenda elas faz, sabe, mas quem usa é só eu mesmo, porque eu tenho minhas peças e mando para os armazém, onde ele for, onde tem feira eu levo também, eu me viro, mas tem que levar as minhas peças.
P/1 – Você disse que vai pra Salvador e pra onde mais?
R – Vai pra Salvador, Rio de Janeiro, vai pra todos lugares.
P/1 – Quem leva?
R – É a Arco, a Arco vai, vai uma pessoa vender, entendeu? Hoje, como minhas meninas tão trabalhando na Arco, elas sempre vão levar, vão vender. Ela é boa vendedeira, gostei (risos), que ela vai e vende.
P/1 – Você foi alguma vez pra São Paulo, pra Salvador ou pro Rio?
R – Fui pra Salvador, passei três dias lá vendendo no Jardim dos Namorados, fui pra Feira de Santana duas vezes, pro shopping, gostei muito, vendi bastante no shopping. Aí fui pra Santaluz, pra lá eu fui sozinha, longe, mas fui, vendi. Lá não foi muito bom, não, mas eu fui, mas vendi, mas representei meu artesanato, mesmo que não venda, mas eu tô ali mostrando, representando, é muito importante.
P/1 – É associação ou cooperativa?
R – Somos associação, agora que a gente tá querendo abrir uma cooperativa, porque associação tá caindo e hoje tudo é cooperativa, se não tiver uma cooperativa, a gente tá...
P/1 – Por que é melhor a cooperativa?
R – Olha, eu não tenho muito entendimento com a cooperativa, mas pelo o que vejo lá na reunião, a cooperativa hoje tá em todos os lugares. E associação tá caindo, porque hoje tem que ser cooperativa, então nosso objetivo é abrir cooperativa, se a gente quiser vender, né?
P/1 – Mas aí a cooperativa tem que ter mais gente, né?
R – É, mais gente. Porque já abriu, a gente tinha o grupo de polpa, que tem 15 pessoas.
P/1 – E esse grupo, como é que está? Como que começou?
R – (Esse grupo tá indo, entendeu, tá? Porque hoje eles trabalham na sede, como eu sou muito chata, eu abri meu espaço aqui pra trabalhar sozinha, porque eu sou muito exigente (risos), nem todo mundo gosta da minha exigência, né?
P/1 – Onde que é a sede?
R – É ali na frente. Eles trabalham, mas, assim, os produtores vendem tudo junto, entendeu, o dinheiro vem todo junto, recebe e divide.
P/1 – Quem que criou o grupo? Quem que criou, como que ele apareceu?
R – Quem que criou foi a Arco mesmo, que, assim, através do artesanato não tava dando, aí ela disse: “As bolsas não tão dando, então vamos abrir PA Doação para complementar as bolsas” e a Bolsa-família também, que já ajuda bastante.
P/1 – Vocês recebem Bolsa-família?
R – Recebo. E aí foi aonde veio esse projeto do PA com polpas, pra ajudar a bolsa.
P/1 – O que é PA?
R – PA Doação, é uma coisa que vende, que esse ano eles nem trabalharam, ainda não começaram ainda a trabalhar, fazer.
P/1 – É de que governo?
R – Federal. Então tá parado até hoje, não sei qual o motivo.
P/1 – Mas começou a vocês fazerem esse trabalho com a polpa por aí?
R – Foi.
P/1 – E ele continua agora?
R – Continua.
P/1 – Vocês tão levando a polpa pra algum lugar pra vender?
R – Tá. Pra Biritinga, pra escola e pro armazém, o armazém pega aqui.
P/1 – Armazém do Arco?
R – É.
P/1 – Quer dizer que pra escola a polpa tá indo?
R – Tá indo, só que esse ano foi muito ruim a vendagem, porque muita paralização, para todo dia, é aquela agonia só.
P/1 – Greve?
R – Não, sempre para o estudo, a escola, tem feriado, não sei o que... Agora vem a Copa, né, fica ruim pra gente também vender.
P/1 – Além do artesanato e da polpa, tem mais alguma coisa que vocês produzem?
R – Tem o sequilho e tem a horta, hortaliça.
P/1 – Quem faz o sequilho é o mesmo grupo da polpa?
R – É, porque lá tem um grupo que faz, eu aqui com o meu grupo, que eu tô trabalhando com cinco pessoas aqui, aí a gente faz.
P/1 – Tudo isso.
R – Tudo isso, é, mas dá pra fazer tudo.
P/1 – A hortaliça vocês plantam?
R – É, planta e vende.
P/1 – Na horta, na mesma terra que vocês...
R – É, antes a gente trabalhava em grupo na mesma horta, só que eu achei melhor eu sair. Tinha uma terra lá que era boa pra horta também, eu trabalho só, aí tem outro grupo que trabalha, trabalho só não, com a minha família, um grupo pequeno, mas trabalha.
P/1 – Onde é essa terra que vocês plantam?
R – É aqui embaixo.
P/1 – Que elas plantam?
R – É aqui na frente, aqui.
P/1 – Mas é de alguém essa terra?
R – Essa terra a gente comprou pra associação, pra trabalhar.
P/1 – Quem comprou?
R – Jacinto. Aí fez uma doação pra trabalhar com a hortaliça e antes era todo mundo trabalhava lá.
P/1 – Então foi doação?
R – Foi.
P/1 – Eu ouvi dizer que vai ter uma cisterna.
R – Sim.
P/1 – Conta essa história pra gente.
R – A cisterna, quer dizer, através da polpa, da doação que a gente fez com o terreno, a gente fez, veio uma cisterna no meu nome, que eu doei pra lá, pra horta, uma cisterna enxurrada.
P/1 – São essas cinco mulheres que vocês trabalham?
R – É, lá tem 11 mulheres que trabalham. Aí é uma cisterna enxurrada, que eu doei pra elas lá trabalharem e venderem os produtos, que elas vendem nos domingos, quando tem pra vender pra escola, porque elas só vendem pela Indaiá. Não tá tendo o trabalho pela Indaiá, então trabalha os domingos vendendo de porta em porta hortaliça.
P/1 – Porque senão vai pra merenda da escola.
R – É. Só que pra merenda da escola tem outras pessoas que fornece, a gente só vende mesmo pro PNAE, que é um projeto que vendia por semana, mas como esse ano ainda não saiu pro PNAE, elas vendem nos domingos.
P/1 – Porque PNAE é o programa da merenda, que tem que fazer por meio de edital, né?
R – É.
P/1 – Você tem ouvido falar do Consulado da Mulher?
R – Sim, já teve aqui. E ai da gente se não fosse elas, elas doaram aqui três freezers, uma geladeira, foram três freezers e uma geladeira.
P/1 – Pra onde que elas doaram?
R – Pra associação, doou pra associação.
P/1 – Pra associação de vocês?
R – Foi.
P/1 – Como chama essa associação, além do Tecendo pro Futuro?
R – É Associação Comunitária Vilas Unidas.
P/1 – Fica aonde esse freezer?
R – Ela fica lá no espaço, lá na sede.
P/1 – Sede da associação?
R – É. Também doou um fogão, o fogão está aqui, eu peguei. Porque lá eles têm um grupo que trabalha, eu também não tinha o fogão, a gente trabalhava com um fogão de lenha. Como tava muito ruim, a gente derrubou o fogão, parou o fogão de lenha e veio, a gente comprou o fogão.
P/1 – Pra fazer o sequilho mesmo?
R – É, aí o Consulado doou os freezers, geladeira e a gente, com o fundo rotativo da Arco, foi muito importante, a gente comprou o forno. A gente trabalhava com lenha, forno de lenha, só que era muito trabalho, sujava muito, parou o forno de lenha e compramos um fogão industrial.
P/1 – Pra sede?
R – Pra sede.
P/1 – Quem comprou?
R – O grupo. O grupo comprou o fogão industrial e a Yamana doou um fogão, outro fogão e um liquidificador industrial e as polpadoras.
P/1 – Quem é Ana?
R – Yamana.
P/1 – Yamana é o quê?
R – Como é? Como chama?
P/1 – É uma ONG?
R – É uma ONG, que, como é? A Yamana é de minério, que é a antiga fazenda, era Vale do Rio Doce antigamente.
P/1 – Doaram também pra vocês?
R – Foi.
P/1 – O Consulado, você falou que foi ótimo porque doou essas coisas.
R – Foi.
P/1 – Qual a mudança, Geronisse?
R – Ah, mudou em tudo, porque o que ela não pode doar, tem um fundo rotativo lá, que a gente pode comprar as coisas pelo fundo rotativo.
P/1 – Fundo rotativo?
R – Fundo rotativo da Arco, é, é um fundo que tem um dinheiro lá disponível pra gente trabalhar, entendeu? Pra comprar o que a gente queira, comprar o fogão, geladeira, freezer, essas coisas, entendeu, pra ajudar o que o Consulado deu. Como eu mesmo, hoje trabalho individual, aí eu comprei pelo fundo rotativo três freezers, tudo eu comprei, forno, depois eu mostro pra vocês, forno.
P/1 – Aqui?
R – Sim.
P/1 – Então tem lá do Consulado e tem o que você comprou aqui?
R – É, pelo fundo rotativo.
P/1 – Aí vai pagando aos poucos?
R – Vou pagando aos poucos. Eu vendo as polpas, já deixo as polpas lá pra pagar o que eu tomei, o que eu comprei lá.
P/2 – Geronisse, quais são as dificuldades que você vê de trabalhar num grupo, já que você tá caminhando pra ter o seu empreendimento sozinha, né?
R – É muito importante trabalhar em grupo, entendeu, é muito importante. E também é muito trabalho, porque às vezes as pessoas não querem trabalhar, às vezes chega uma pessoa num horário e outro chega em outro, querem receber, aí eu não concordo. Tem que chegar todo mundo num horário só e trabalhar tudo junto. Mas aqui era diferente, eu era uma pessoa, que eu trabalhava aqui, eu era uma pessoa que eu gostava de trabalhar. Porque, assim, eu trabalho em várias coisas, então eu precisava de terminar uma coisa pra poder trabalhar em outra. Aí eu trabalhava cedo, levantava cedo e fazia, quando chegava, as pessoas não trabalhavam e queriam receber e eu chamava o grupo, falava que não podia, porque antes da gente começar o trabalho a gente saiu, via os outros na comunidade, via como tinha que trabalhar. Foi até na Chapada Diamantina, ficamos por lá, deixamos casa, marido, tudo, pra gente ver, trabalhar como, pra gente aprender aqui e aqui não foi aplicado. Quando eu falava, achava ruim, eu disse: “Então não dá pra mim”.
P/1 – Você achava que todas tinham que trabalhar o mesmo período?
R – O mesmo período, é, ou trabalha certo, um grupo trabalha de manhã ao meio dia, outro do meio dia pra tarde, ou chega todo mundo junto, pegava todo mundo junto, né, que quando vem o, a gente trabalha junto, quando vinha o dinheiro, dividia igual, mas aqui era diferente. Eu disse: “Isso não dá pra mim, senão eu vou morrer já” (risos). Foi onde eu comecei, que não dá pra trabalhar, porque eu fui parar ainda no hospital, pressão alta, eu fiquei lá internada uns dias, aí tomei cinco comprimidos e uma banda, se eu fico aqui, eu vou morrer, porque se eu quero assim, aprendi assim, tem que aplicar assim, mas só que gente, né, é uma benção (risos).
P/1 – E sozinha você vai poder continuar?
R – Não, sozinha eu não estou, porque, além de eu ter Deus na minha vida, tem Jacinto também e tem meus filhos que me ajudam, tem a Mariana, tem o menino que assa. Porque não é difícil, o trabalho não é difícil, se você trabalhar com amor, pegar cedo e você fazer, trabalhar, dá tudo certo.
P/2 – Você prefere trabalhar com a família então?
R – Com a família, é, é muito importante porque, assim, eu trabalho com a família, quer dizer, todo mundo pega junto e, se não pegar: “Você trabalhou essas horas, só vai receber pelo o que você trabalhou”, é meu filho, é, agora, tem que ter, se não trabalhou, vai receber não, não vai receber, não.
P/1 – Com a família também tem que ser assim?
R – É, tem que ser assim, e aí é o que não dava certo lá; eu, pra não dá, ou é assim ou não vai.
P/1 – Com o Arco, fala o nome todo pra gente.
R – Arco Sertão, agora, o Arco Sertão Bahia que doou, que faz essas coisas, porque tem o Arco Sertão e tem o Arco Sertão Bahia, que ela que é a chefona de todas. Tem as coisas que a gente pega, que doam, que a gente pega doação pra gente trabalhar. Assim, a gente pega pelo fundo rotativo o dinheiro, compra as mercadorias, elas mesmo compram e trazem aqui pra gente trabalhar.
P/1 – Você falou que com o Consulado, quando deu esses equipamentos, foi bom.
R – Foi muito importante.
P/1 – No que ajudou, no que mudou o trabalho?
R – Porque, assim, a gente não tinha nada pra começar o trabalho. A gente não tinha nada e ela veio, ela doou e, através dessa doação que a gente começou a trabalhar. Só que a gente comprou uma freezer pequena, que não dava pra nada, e o resto foi tudo ela que doou. Então foi muito importante, se não fosse a Yamana, a gente não conseguia trabalhar, se não fosse o Consulado da Mulher, não conseguia de jeito nenhum, porque pra pegar um freezer é caro, né, esse recurso a gente não tinha, não tinha como trabalhar.
P/1 – É mais pra polpa?
R – Sim, pra polpa mesmo que é o freezer. E também o fundo rotativo, elas doam assim, a gente pega dinheiro, pega as coisas, compra, é manteiga, farinha de trigo, as coisas que precisa pra fazer o sequilho, ela compra e a gente paga por bem.
P/1 – Quem que compra?
R – O grupo, a Arco compra e a gente paga com o dinheiro depois, quando a gente faz o trabalho e aí a gente faz e paga em dinheiro, é muito bom.
P/2 – Desde o início com o artesanato, Geronisse, até com a polpa, com esses outros trabalhos, produção de sequilhos, houve uma mudança de geração de renda? Você consegue ter uma autonomia?
R – Mudou muito, porque antes não tinha uma casa bem pra morar, não tinha nada, e, através dessas coisas, eu tenho, fiz meu espaço pequeno, não tá muito bom ainda, mas já dá pra trabalhar, né? E fiz meu lugarzinho de trabalhar, que possa receber até uma pessoa, que antes não tinha. E mudou muito, mudou muito pra melhor, eu acredito que vai mudar mais.
P/2 – Vocês sempre tiveram essa casa?
R – Tinha, mas era uma casa que era muito, era chão, não era, não tinha cerâmica, não tinha nada, e era muito ruim. Através desse trabalho que a gente tem.
P/1 – E o seu marido, ele participa direto desse trabalho ou não?
R – Se não fosse ele, a gente não ia pra lugar nenhum (risos).
P/1 – No que ele contribuiu?
R – Em tudo, porque, assim, ele é uma pessoa que ele ajuda muito. Às vezes a gente não tem um dinheiro, às vezes tem um dinheiro, assim, ele tem uma coisa do banco e sempre ele toma o dinheiro lá, sabe, pra pagar depois e, se não fosse o dinheiro dele, a gente não ia pra lugar nenhum, né? Ele corre atrás das frutas, ele corre atrás da mercadoria, ele é a peça dez no projeto. Eu acredito que sem ele a gente não vai a lugar nenhum, pelo menos eu digo isso, se ele não, é muito importante a ajuda dele.
P/1 – E você, como pessoa, mudou alguma coisa, Geronisse?
R – Mudei, mudei o jeito de falar, mudou o jeito de me expressar, mudei pra melhor. A gente conhece as pessoas, vai em reunião, a gente muda mesmo pra melhor.
P/1 – O Consulado da Mulher fez algum curso pra vocês?
R – Não, até hoje não fizeram curso ainda, não.
P/1 – As reuniões que você vai são da onde?
R – Da Arco.
P/1 – E sobre economia solidária, você já ouviu alguma coisa?
R – Economia solidária? Já ouvi bastante, mas eu não sei muito contar (risos).
P/1 – Nessas reuniões que você vai, onde são?
R – Antes era em Feira de Santana, em Valente, em Exu.
P/1 – Com quem, quem que organiza a reunião?
R – É a Arco, a coordenadora Gisleide, Gisleide e Leninha, ela liga pra gente, a gente vai, ou manda uma mensagem, a gente vai. Às vezes fica três dias, uma semana. Porque antes, assim, eu não saía pra lugar nenhum e quando a pessoa falava, misericórdia, eu chegava lá na Arco, eu não falava nada, Gisleide falava: “Nice, conversa alguma coisa”, “Eu não sei falar”, ficava rouca porque eu não sabia falar, não falava nada, com uma vergonha terrível. Porque, assim, falava errado, não sabia me expressar, era melhor eu ficar quieta, de cabeça baixa (risos), aí depois fui começando, me soltar um pouquinho.
P/1 – Quer dizer que você vai em reunião que você fica uma semana fora?
R – É, às vezes, antigamente, era muito bom, eu gostava, porque antes eu não gostava, não, antes só ia de casa pro trabalho. Depois, quando eu comecei sair, quando não dá pra sair me dá um nervoso (risos), e é muito bom sair.
P/2 – Geronisse, você já saiu do Estado da Bahia?
R – Não, gostaria de sair um dia, mas eu não saí (risos), não saí ainda, não.
P/1 – Sua filha que foi por enquanto.
R – É, danadinha, tomou minha frente (risos), pois é.
P/1 – Geronisse, ela participa também das reuniões, tudo?
R – Participa, ela começou a participar. Antes Leninha: “Ah, eu quero Marina pra trabalhar aqui dois dias”, “Hum, Marina está comigo aqui, ela tá no projeto, não pode trabalhar”, “Ah, não vai empatar em nada”, eu: “Sim, tá bom”, “Você tem que deixar ela porque ela tem que sair”, eu disse assim: “Mas eu só tenho ela, só tenho duas meninas em casa e ela tá no projeto”, “Mas não vai empatar, deixa a menina se envolver”, eu disse: “Tá bom, se é pelo bem da comunidade, eu vou deixar”, oxe, daqui a pouco ela passa a semana fora, que era dois dias.
P/1 – Mas quando ela volta, ela ajuda na polpa?
R – Ajuda! São meus pés e minhas mãos, meus filhos, graças a Deus! São tudo bom pra trabalhar, obediente, graças a Deus, até aqui são dez.
P/1 – Algum dos filhos aprendeu artesanato?
R – Não, a Mariana, ela começou a fazer, ainda fez um chapéu, depois desistiu, disse que dá muito trabalho. Eu disse que não tem trabalho, não tem as coisas. O que não dá trabalho hoje? Tudo dá trabalho, né, mas depois a gente pega amor pelo trabalho.
P/1 – Alguém na comunidade continua, mais jovem?
R – Ó, o jovens, ainda mais, só os de idade, as velhas, que já tem comércio, mas o jovem hoje não quer.
P/1 – Não tem nenhuma pessoa mais jovem que faz o trabalho da palha?
R – Não, só aquelas que já se aposentou, já 50, 30.
P/1 – E aí, como é que vocês pensam em fazer em relação a isso?
R – Olha, o certo era ter uma escolinha pra ensinar os jovens, chamar as pessoas, mas cadê? Até hoje não aconteceu, o certo é passar, porque isso é uma cultura que não pode acabar. Não pode e tem que passar. Quando eu morrer e as pessoas que fazem morrerem, vai pra onde? Acaba a cultura, que não pode acabar.
P/1 – Geronisse, a gente já tá terminando.
P/2 – Eu tenho uma curiosidade, Geronisse. Quanto tempo que você demora pra produzir uma bolsa dessa grande?
R – Depende, porque, assim, eu não sento pra fazer porque eu faço várias coisas. Meu filho fala assim: “Mãe, vai dar um estresse, a senhora vai morrer, a senhora quer fazer mil coisas, mil coisas num dia só, tem que ter calma”. Porque, assim, eu sento de manhã, eu levanto, vou fazer outras coisas, vou pra roça, fazer outras coisas, sento de novo, nunca tive assim... Se eu sentar de manhã, eu faço ela num dia, de manhã até sete horas da noite eu termino. É muito trabalho e, assim, não pode mostrar, que aqui ainda tá mostrando um pontinho, e o certo não é pra mostrar ponto, nem por dentro nem por fora, só que eu não faço isso, porque eu tomei um curso que disse que não pode mostrar nem por dentro nem por fora os pontos. Eu disse: “Meu Deus do céu, vai vista pra onde, a minha já não tá boa”, aí eu peguei e inventei botar o forro, que não é...
P/1 – Quer dizer que você leva um dia todo pra fazer uma bolsa?
R – É, se sentar e fazer.
P/1 – E por quanto você vende essa bolsa?
R – Tem de 25, tem de 30, depende, essa é de 30, que não é o preço adequado, se for tirar, né, porque a gente vai pro mato pra tirar, eu não gosto nem de falar (risos), porque vai pro mato tirar, um trabalho da desgrama pra puxar aquele olho de lá de dentro, depois vem um peso da desgrama, ladeira terrível, vai, chega em casa, bota no sol pra murchar, depois lasca, depois testa, depois estala, depois pra fazer a bolsa e vai um trabalho terrível. E assim, que às vezes eu faço esteira, que eu não gosto de fazer esteira, porque é muito pouco, quando eu boto pra vender, boto assim por 20, eles reclamam: “Ah, mas fulano tá vendendo de cinco a dele”, que são, porque nunca tomou um curso, se tomasse um curso, não vendia, preferia parar, ou botar, valorizar, fazer melhor e vender pelo preço adequado. Porque não vale a pena vender uma esteira por 20 reais, não vale porque dá muito trabalho pra fazer aquele rolo, pra depois vender, é terrível, mas só que as pessoas não tem conhecimento, que isso aí é valorizado, só que não conhece, não conhece o valor que tem a palha.
P/1 – É palha da palmeira?
R – É do ariri.
P/1 – Geronisse, a gente já tá terminando, hoje qual é o seu maior sonho?
R – Ó, meu sonho... Eu tenho vários sonhos.
P/1 – Fala todos.
R – Mas será que eu vou chegar lá?
P/1 – Fala uns cinco pelo menos.
R – O meu sonho é, quer dizer, é ter uma máquina pra trabalhar melhor, né? Tomar mais curso porque eu não sei ainda, conhecer mais lugares, o pessoal dar mais curso e valorizar mais a palha.
P/1 – Você falou que é máquina pra fazer a bolsa.
R – É, porque, assim, tem um pano de dentro que precisa de ter a máquina, e eu costuro, às vezes dou até um alinhavo com linha zero, porque a linha zero, ela não quebra de jeito nenhum. Pra terminar rápido, eu dou um alinhavo, não é uma costura, ponto atrás, se for fazer ponto atrás haja tempo!
P/1 – E além da máquina?
R – Além da máquina, eu não sou muito boa na máquina, eu pego, sabe, eu costuro, mas só que eu não consigo. Eu não sou formada na máquina, mas dá pra costurar.
P/1 – Esse é um sonho, tem outro?
R – É um sonho, o meu sonho é ter uma máquina, com certeza, porque sem máquina é difícil demais.
P/1 – Tem outro, além desse?
R – Tem, mas o outro dá pra esperar, né? É um sonho, mas com o tempo a gente chega lá, trabalhando até, batalhando a gente chega lá.
P/1 – Geronisse, você gostaria de contar ou falar alguma coisa que a gente não perguntou, mas que você acha importante deixar registrado, da sua história ou do seu trabalho?
R – Não, eu acharia que (risos), se eu não falei tudo ou gaguejei, sei lá.
P/1 – Você não gaguejou, não.
P/1 – Falou coisas importantes, mas pode ser que você queira ainda falar e tá esperando a gente perguntar.
R – Não, acho que não tem nada na minha mente ainda, não tem, não, se tiver, esqueci.
P/1 – Falou tudo por enquanto. Então o que você achou de fazer essa entrevista, de contar?
R – Foi muito bom, muito importante, porque pelo menos eu tive mais conhecimento e comecei mais falar mais um pouco, sabe, sem gaguejar. Porque antes eu gaguejava, não falava, já to me expressando melhor eu acho, um pouco melhor, e com o tempo a gente vai aprendendo mais, né, as pessoas.
P/1 – Se expressou muito bem porque a gente conheceu uma história bacana, importante, obrigada.
R – De nada.
P/2 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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