Plano Anual de Atividades 2013 – PRONAC 128976 - WHIRLPOLL
Depoimento de Izilda Correa de Macedo Custódio
Entrevistada por Márcia Trezza
Joinville, 08 de Maio de 2014.
Realização Museu da Pessoa.
WHLP_HV024_Izilda Correa de Macedo Custódio
Transcrito por Iara Gobbo.
P/1 – Izilda, nós vamos começar a entrevista. Fala seu nome completo.
R – Meu nome é Izilda Correia de Macedo Custódio.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Eu nasci em Bom Conselho, estado de Pernambuco.
P/1 – Em que data?
R – Ah, dez do seis do 55.
P/1 – Izilda, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai já é falecido, era Euclides Correa de Macedo e minha mãe ainda continua, é Maria Eliza de Menezes.
P/1 – Continua viva?
R – Sim, viva, graças a Deus.
P/1 – Qual a atividade do seu pai?
R – Olha, meu pai, vamos dizer assim, meu pai tinha uma série, meu pai era quase médico, foi quase dentista. Mas vamos dizer assim, vamos colocar como agricultor mesmo, porque ele não exercia essa função, ele trabalhava mais com o pessoal na roça. Nós tínhamos uma fazenda nos Caibros, que foi herança dos meus pais, passou pra ele e ele então assumiu isso aí. Trabalhava muito com os caseiros agricultores.
P/1 – Onde é Caibro?
R – Caibro é um bairro, um município de Bom Conselho.
P/1 – E você disse que ele trabalhava na própria fazenda?
R – Sim, daí nós tínhamos caseiros e ele ia pra roça com os caseiros, assim, plantação, essas coisas.
P/1 – Plantação de que que tinha?
R – De feijão, arroz, algodão. Não, arroz não, minto! Então, com feijão, milho, algodão, essas coisas.
P/1 – Izilda, pra produção, assim, vocês plantavam só pra sobrevivência ou tinha alguma produção assim que vendia?
R – Ele tinha na época ele tinha sim, porque eu lembro perfeitamente que ele vendia muito algodão. Agora não sei te dizer a origem, pra onde ia isso que ele vendia, mais algodão, né?
P/1 – E você falou que ele foi quase médico? Como foi isso?
R – Porque é assim, ele chegou a estudar só que não se formou. Quando ele era jovem, até nós ganhamos uma casa em Bom Conselho, na Rua Otávio Corrêa, onde eu nasci, que ele ganhou em um combate de uma doença da febre amarela, não sei quantos anos atrás.
P/1 – Izilda, como foi essa história?
R – É, ele combateu na época, tava assim uma epidemia na cidade, desse negócio de febre que chamava febre amarela, na época. E ele, com a experiência dele, não sei te dizer porquê isso, eu soube depois que ele ainda era solteiro na época, e ele combateu essa doença com um determinado tipo de remédio que ele sabia lá, e por ele combater essa doença, teve esse medicamento que combateu e nós ganhamos essas casas em Bom Conselho.
P/1 – Essa casa?
R – Que é onde eu falei pra ti.
P/1 – E sua mãe? A atividade, o que ela fazia?
R – Minha mãe era como eu te falei, ela se casou muito novinha. Aos 16 anos ela só estudava em um colégio interno.
P/1 – E como foi esse casamento dela com seu pai?
R – Olha, conforme ela nos contou, ela conheceu o meu pai, ela era filha adotiva de um homem bem assim, como é que eu posso te dizer? Influente na cidade e ela foi criada por eles, e ele era um homem muito rico e tudo, não sei o que, aquela coisarada toda, e ele tinha uma fazenda. Tinha uma fazenda perto de Bom Conselho e eles moravam dentro de Bom Conselho mesmo. Só que minha mãe estudava e meu pai conheceu minha mãe eu acho que foi entre essas idas e vindas do colégio pra casa dela, daí ele conheceu a minha mãe. Só que meus avós não queriam, porque a minha mãe era muito novinha e eles não admitiam. Aí meu pai, um determinado dia ele combinou tudo direitinho com a minha mãe que ele ia roubar ela, ia fazer um vestido e noiva e fez, levou pra igreja, mandou fazer um vestido de noiva, roubou ela. E aí já tirou ela de casa, se passou pelo leiteiro que entregava leite na casa dos meus avós. Olha só! E daí mentira, não era o leiteiro, era o meu pai. Aí minha mãe entrou na carroça que era naquela época era aquelas como chama? Que hoje a gente chama... que é os bois que puxam.
P/1 – Carro de boi?
R – Não, que não era o boi que puxava, que é os cavalo que puxa?
P/2 – Charrete.
R – Charrete. Aí minha mãe quando meu pai já tinha tudo combinado direitinho, minha mãe já tinha arrumado as coisas dela, meu pai se fez como leiteiro, entregou o leite, pegou a minha mãe e foi embora. Só que ele já tirou minha mãe dali, levou pra uma casa que ele já tinha esquematizado tudo e dali já levou pra igreja pra casar e aí já trouxe a minha mãe pra dar as bênçãos pros meus avós, já casada. Na época, só na igreja.
P/1 – E ele deu o vestido pra ela de noiva e já levou ela pra igreja?
R – É, eles combinaram. Ele já tirou as medidas da mãe, tudo direitinho. Eu não te falei que o pai era muito esperto? Aí ele pegou e já fez isso.
P/1 – E tinha alguém na igreja, no casamento ou só os dois?
R – Daí provavelmente deveria ter a família dele, porque todo mundo deveria tá sabendo. Dela eu tenho certeza que não tinha, porque foi um casamento escondido, assim roubado, né?
P/1 – Quantos filhos ela teve com seu pai?
R – Dezesseis filhos.
P/1 – Você sabe, lembra ainda o nome desses 16?
R – Dai era a Hildete, Zeilda, Zenilda, era o nome do meu primeiro irmão era... Ai, agora já deu um branco, mas daí depois tinha a Hildete, tinha o Marcio Luiz, tinha o Clenio, que todos esses já faleceram e ficamos em nove, ficamos em oito, né, que é Ilzete, Elzenice, Izilda, Zilvaci, o Ederle, o Jeferson, o Etelmir e o Flaine.
P/1 – Izilda, e as brincadeiras suas de criança?
R – Olha, de criança eu brinquei muito, porque meu pai era um homem muito querido assim, ele queria que a gente aproveitasse o máximo. Então eu brinquei muito de roda, eu brinquei muito de boneca, nossa, eu tive uma infância, eu posso te dizer, maravilhosa!
P/1 – Na fazenda?
R – Sim, na fazenda. Dentro de Bom Conselho também, até os meus sete, oito anos acho que foi em Bom Conselho e depois foi pra fazenda. Aí foi pra fazenda, eu me esbaldei, porque daí era correndo atrás de cavalo, e andava a cavalo, ia recolher os bezerros pra colocar pra tirar leite. Meu Deus, foi muito bom, foi muito gostoso!
P/1 – E você brincava com seus irmãos?
R – Também brincava com meus irmãos, brincava com minhas irmãs.
P/1 – Mais alguém?
R – Não, aí eu não lembro. Depois, quando eu tava no sítio, e lá no Caibros não tinha escola pra nós, aí o pai colocou nós em uma cidadezinha, é um povoadozinho dos Caibro, chamado Barra do Brejo e ali meu pai alugou uma casa e colocou nós ali pra estudar. Ali eu tinha minhas amiguinhas que eu brincava de boneca. Ali eu só brincava de boneca.
P/1 – Izilda, e você lembra de alguma história assim, engraçada, marcante, ou muito diferente, que aconteceu nessa época que você brincava muito?
R – Não, não tenho assim muito marcante, que eu podia marcar. Não, acho que eu lembro muito assim do... É até muito triste isso, eu lembro da época do nascimento do meu último irmão, do Flaine, que eu fiquei muito feliz que a minha mãe foi pra maternidade e trouxe aquele menino e até hoje eu marquei a data que foi cinco de maio. Isso eu lembro, assim que foi uma coisa muito marcante. Independente disso, não, nada assim.
P/1 – E por que foi triste?
R – O que? Ah, foi triste porque (riso)... Lá vem uma história meio cabreira aí, que meu pai não esteja ouvindo, se estiver, misericórdia!
P/1 – Se você não quiser contar, não conta.
R – Eu tava no sítio com meu pai e daí ele saiu, foi dar um rolê, daqui a pouco ele trouxe uma moça pra dormir com ele (risos). É meio... E eu peguei e contei pra minha mãe. Aí meu pai pegou e me surrou.
P/1 – Surrou?
R – Surrou. Aí foi onde eu marquei, entendeu? Então isso daí.
P/1 – Porque sua mãe tava na maternidade?
R – Porque minha mãe tava na maternidade e eu achei aquele ato, a atitude do meu pai eu achei que não era correta. Aí eu peguei inocentemente e contei pra minha mãe. Até agora eu não sei se ele me bateu porque eu contei da mulher, ou se ele me bateu porque a minha mãe tava de resguardo e eu não podia contar pra ela. Eu não sei porquê eu apanhei, só sei que eu apanhei por causa disso.
P/1 – Izilda, e você estudou em que época, assim, com que idade você foi pra escola? Você lembra?
R – Olha, eu fui pra escola desde nove anos. Eu fiz Jardim da Infância.
P/1 – Nesse lugar? Nesse povoado?
R – Em Bom Conselho. Em Bom Conselho eu fiz o Jardim da Infância. Quando nós mudamos pros Caibros, eu já tava na primeira, segunda série, se eu não me engano. Eu já estava nessa série, porque quando eu fui pra Maceió conforme eu te falei, na historinha que nós estávamos contando, eu já tava na terceira série, entendeu?
P/1 – E você na escola como era essa escola?
R – Ah, era muito boa. A gente gostava, porque é coisa de criança. Eu lembro que eu tenho uma história marcante, porque eu sou canhoteira. Meu pai era canhoteiro. E eu, entre todos os filhos, eu fui a única que sou canhoteira e meu pai não aceitava o fato de eu ser canhoteira. E na escola a professora me repreendia muito, ela me dava aquela, lembra da palmatória? Não sei se vocês lembram.
P/1 – Sim.
R – Mas ela usava aquelas palmatórias, porque ela queria que eu escrevesse a todo custo com a mão direita. Aí meu pai, inclusive também até contratou uma professora particular pra ir em casa, pra me dar aula, tudo, porque como eu sofria isso na escola, ele tentava me ajudar em casa, pra que eu não sofresse na escola. Aí eu lembro dessa professora, lembro até o nome da dita cuja, Dalva (risos). Lembro até dessa disgramada!
P/1 – E você com essas aulas em casa, deu pra escrever com a direita?
R – Eu aprendi escrever com as duas mãos, só que a que predominou foi a esquerda, porque eu nasci esquerda. Aquilo que Deus faz, ninguém desmancha. Eu nasci canhoteira, canhoteira eu sou até hoje. Mas só que eu escrevo com as duas mãos.
P/1 – Izilda, e depois você disse que foi pra Maceió?
R – É, fui pra Maceió.
P/1 – Como que foi esse dia?
R – Ah, foi muito bom.
P/1 – Por que é que você foi mesmo?
R – Eu fui pra conhecer porque chega naquela época que surge a curiosidade da gente querer saber quem é o pai, quem é os meus pais, quem são irmãos. A origem dos pais da gente, né? Aí nessas e outras meu pai falou que tinha uma irmã que morava em Maceió e daí eu tive a curiosidade de conhecê-la. Daí ele disse: “Se você for bem na escola, eu vou te levar” e por incrível que pareça, nesse ano eu fui bem. Eu foi, prometeu, cumpriu, e daí eu fui pra Maceió conhecer, mas foi um período de férias, logo eu tava de volta, pronto.
P/1 – E, assim, praia, essas coisas?
R – Praias eu conheci, fui na praia lá sim, na praia de Sete Coqueiros, na época.
P/1 – Nessa vez que você foi viajar com seu pai
R – Sim, eu fui na praia.
P/1 – Foi a primeira vez?
R – Sim, foi a primeira vez que eu fui na praia, praia de Sete Coqueiros.
P/1 – E você lembra assim do dia, do momento?
R – Não.
P/1 – Não da data, mas a sensação.
R – Ah, foi muito bom. Nossa Senhora, pense, conhecer a praia, coisa maravilhosa, coisa que a gente nunca viu, só conhecia rio, barreiro, lá dos Caibros. Você ver uma praia, pra mim foi emocionante! Foi muito bacana, foi um marco na minha vida.
P/1 – Izilda, e vocês mudaram depois pra onde? Migraram? Que você chegou aqui em Joinville, você tá aqui hoje.
R – Não, aí foi assim ó...
P/1 – Como foi essa mudança de lugar?
R – Espera aí, aí é que vai começar a verdadeira história! Como eu tava te falando, enquanto meu pai era vivo, nós tínhamos, ele era um homem muito cuidadoso com nós mulheres. Ele gostava, que como só tinha nós mulher, as quatro meninas, então ele era um homem que gostava da gente bem, de cabelinho curto, unha pintadinha, sabe? Mas ele ensinava bons modos pra nós. Não era porque ele queria nós assim que a gente fosse toda, né? Ele levava nós pras festas, ele dançava com nós. Ele explicava que quando a gente tivesse numa festa, se alguém fosse tirar pra dançar a gente nunca dissesse que não, a gente tinha que ser uma verdadeira dama e dançar, contanto que tivesse respeito. Um homem que soube explicar pra nós tudo direitinho, sabe, como que era a vida, como que era assim. Deu todas as coordenadas, até um dia se lá na frente a gente conhecesse alguém, casasse, essas coisarada toda. Ajudar marido, essas coisa meu pai foi um homem assim.
P/1 – Como ajudar marido?
R – Assim, ele dizia assim no sentido de como nós tínhamos fazenda, na nossa fazenda tinha madeira de lei, essas coisa, então ele falasse assim: “Ó, quando você casarem com o marido de vocês, vocês ajudem ele com isso. Vocês têm forma de tá ajudando ele a entrar com alguma coisa, pra nunca deixar ele sozinho. Se vocês, amanhã ou depois vocês começarem a trabalhar, cada uma de vocês, dividam o orçamento com o esposo, isso não danifica. Não é porque ele seja o homem, que seja obrigado a fazer de tudo, mas que é conveniente, é importante que vocês estejam sempre a par. Prestem atenção com quem vocês vão casar também”, apesar que ninguém vem com letreiro, né, pra dizer que é bom nem que é ruim (risos). Mas mesmo assim ele nos alertava, sabe? Ele era um homem muito assim. Meu Deus, eu não consigo esquecer de como que meu pai, como que ele podia fazer isso, ensinar essas coisas pra nós. Coisa que geralmente mãe ensina, mas no caso isso aí foi o meu pai que ensinou.
P/1 – E você disse que aí que começou a história.
R – Sim. Aí aos 14 anos... Não, antes disso, meu pai ele acreditava tanto em mim, ele tinha assim uma credibilidade em mim.
P/1 – Pode contar o que você tiver vontade de contar.
R – Então, aí eu tava falando pra você que meu pai acreditava muito em mim assim, eu acho que ele tinha, né? E na época, eu ainda era criança, tinha o que? Uns 13 anos, 12 pra 13 anos, houve um concurso lá em Bom Conselho, pra ensinar o Mobral. Aí meu pai perguntou se eu queria fazer esse concurso e aí eu disse que sim. Que seria no caso em Bom Conselho, eu tava nos Caibros. Aí eu fui pra Bom Conselho, eu fiz esse concurso, tirei em primeiro lugar e consegui, ganhei uma casa com todos os móveis, toda a classe completa e eu dava aula de Mobral, à noite, no sítio. Olha como eu era corajosa, né? E eu tinha um, o maior carinho de alfabetizar todos aqueles que era tudo velhinhos, não eram pessoas novinhas, meninas. Era tudo pessoas de idade, Mobral. E eu fiz isso também, foi uma coisa muito bacana.
P/1 – Você morava nesse lugar?
R – É, porque isso era lá nos Caibros, na nossa fazenda.
P/1 – É distante?
R – É. Dos Caibros pra Bom Conselho era bem distante.
P/1 – Aí você ficava morando em Bom Conselho?
R – É, eu fiquei na casa dos meus avós pra fazer o curso, pra prestar o concurso lá. Aí eu ensinava e eu lembro que pra receber eu nem podia, porque eu era menor, não podia receber. Quem ia era a minha mãe, pra assinar. Ok, passando essa etapa...
P/1 – O Mobral era na fazenda do seu pai?
R – Era na fazenda do seu pai.
P/1 – Ah, você voltou pra dar aula pra eles?
R – Sim, eu prestei o concurso lá, passei e vim pros Caibros pra dar aula. Aí eles me deram uma sala, uma casa com todos os móveis, tudo direitinho. Ainda uma criança, né? Aí você tem que me perguntar, né?
P/1 – Não, pode contar.
R – Pode falar?
P/1 – Pode! Eu tou esperando o que mudou. Lembra, você falou: “A minha história mudou”? Eu tou esperando.
R – A minha história mudou aí porque aos 14 anos, aí já não éramos só nós quatro mulheres, daí nós tínhamos mais cinco irmãos, que era o Ederle, Jefferson, o Etelmir e o Flaine, que era o mais novo. E daí meu pai faleceu, foi triste, aí minha vida mudou. Era como se eu vivesse em um jardim e passei a viver num espinho, pisar no espinho, sabe assim? Aí foi dolorido demais! Por que? Ai, me dá até vontade de chorar (chora).
P/1 – Fica a vontade.
R – Então, daí ficou eu e minha mãe, nós ficamos no sítio depois que meu pai faleceu. Eu tenho duas irmãs mais velhas do que eu, só que essa minha irmã, uma delas namorava um caseiro nosso do qual meu pai não aceitava, porque ele era caseiro. Não falei que vocês iam ver eu chorar? Ai Jesus! Aí ele não queria, mas a minha irmã persistiu, quis. Aí meu pai tirou esse rapaz de lá e mandou embora aqui pra São Paulo, pra ele cortar aquela ligação que ele tinha com a minha irmã, mas mesmo assim eles continuavam se correspondendo, ali na ativa, por correspondência. Ok! Meu pai faleceu, minha irmã falou: ”Mãe, vou-me embora” e veio embora pra São Paulo, ainda menor, pra encontrar com ele. Aí encontraram, daí ela pediu, escreveu pra lá pra pegar uma cartinha de autorização pra eles casarem aqui, porque ela era menor. Ok. Aí ficou minha irmã mais velha, só que minha irmã mais velha não quis ficar nos Caibros junto com nós, no sítio. Ela queria ficar na cidade, que daí no caso tudo era mais fácil pra ela. Nessas e outras, ela conheceu um rapaz de São Paulo, ficaram noivos, ele veio embora aqui pra São Paulo, ela ficou lá. Seis meses depois ele mandou buscar ela pra casar, e eu vim pra São Paulo pra assistir o casamento da minha irmã. Eu fiquei lá com minha mãe e meus cinco irmãos. Aí eu digo pra você aonde minha história começou, porque nós tínhamos fazenda, nós tínhamos gado, nós tínhamos madeira de lei, nós tínhamos tudo. Mas nós tínhamos também um calinho no meu sapato, que era o meu tio, irmão do meu pai, que daí queria roubar tudo o que a gente tinha, queria levar tudo. Por minha mãe ser uma mulher que não tinha aquela experiência, que era bem pacatinha, então ele ia lá e passava a lábia na minha mãe, e minha mãe deixava passar, até que um determinado dia eu falei: “Não, mas isso tá errado. Não pode, isso não pode. Eu tenho que lutar com isso, pois eu tenho meus irmãos pra cuidar”. Olha, eu peguei em enxada, eu trabalhei de enxada na roça, eu trocava dia de trabalho com as minhas primas, pra poder dar conta do roçado, pra trazer coisas pra casa, pra os meus irmãos comer, se alimentar. Ai, foi muito difícil!
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Tinha 14. Aí eu falei: “Meu deus, isso não tá certo, meus deus, isso não é correto”. O pai deixou o meu tio que chamava-se Odir, como nosso tutor. Aí eu falei: “Não, isso não tá certo, ele tá tirando nossas coisas, ele tá tirando tudo que é nosso, deixando nós sem nada,como que vai ser isso?”, aí eu falei: “alguém tem que me orientar”. E eu lembrava que todas as vezes que eu ia a Bom Conselho, na casa dos meus avós, meus avós tinham um advogado que chamava-se Abelardo. E eu falei: “Acho que eu vou conversar com esse homem, esse homem deve me esclarecer e me dizer como é que eu tenho que lutar contra o meu tio”, porque o meu tio só queria saber de me bater, me chamava de cabrita, que eu não sabia nada, que eu era órfã, então ele queria tomar conta. Aí então eu fui, fui pra cidade, cheguei lá, me orientei, eu falei: “Como que eu faço pra conversar com Doutor Abelardo?” Aí meu avô falou: “Não minha filha, ele vem jantar hoje à noite aqui em casa, e se você quiser você pode conversar com ele”. Só que eu não queria passar isso pra os meus avós, na frente do meu avô, porque meu avô já era contra o meu pai, entendeu? Aí eu não queria. Aí na hora que o Doutor Abelardo foi embora, eu conversei com ele e marquei com ele se ele podia me atender. Ele disse: “Na minha casa, a hora que você quiser”. Aí eu marquei pro dia seguinte e fui. E fui conversar com ele. Eu lembro como se fosse hoje. Eu tava com um vestidinho rosa, de cetim, curtinho. Morria de vergonha, porque minhas pernas apareciam tudo e eu toda assim sem jeito contando pra ele, aí foi onde ele me orientou: “Minha filha, você está certíssima. O que seu tio tá fazendo, isso é um crime, ele não pode fazer isso. Se você quiser, amanhã mesmo nós vamos na delegacia e nós vamos prender o seu tio, porque ele não pode fazer uma coisa dessa. Além de você ser menor, você é órfã e é menor, e você tá lutando não só pra você, como pra seus irmãos também. Então você precisa fazer isso”. Aí eu falei: “Vou, vamos”. Aí fomos, marcamos uma audiência com o juiz, o juiz intimou ele, ele veio, e dali mesmo ele já ia preso. Ele só não foi preso, porque...
P/1 – E aí Izilda, você falou que o advogado orientou de levar, de chamar ele pra uma audiência.
R – Sim, perante o juiz.
P/1 – E aí?
R – E ele veio. Só que o juiz ouvindo a minha história, ele disse que o que ele estava fazendo não era correto, mesmo porque além de eu ser órfã, tinha ficado órfã fazia pouco tempo, eu era menor. Então ele assinou um papel lá, que ele não podia mais nem sequer tocar o dedo no que nos pertencia, pra que eu pudesse ter segurança também. Daí foi feito isso e ele ficou. Eu comecei a organizar a minha vida junto com minha mãe, junto com meus irmãos, que até então eu fiquei como mais velha, né? Aí depois disso, passando isso, aí minha irmã escreveu marcando a data do casamento e eu vim pra assistir o casamento dela. Mas eu vim pra assistir e voltar. Mas chegando aqui, quem disse que eu quis voltar? Achei lindo, divino, maravilhoso, as meninas levantando de manhã e ir trabalhar, chegando em casa. Falei: “A mãe do guarda que vai voltar pra lá. Eu vou trabalhar”.
P/1 – Mas isso não era aqui em Joinville?
R – Não, em São Paulo.
P/1 – E sua mãe ficou lá no sítio com seus irmãos?
R – Eu deixei minha mãe lá com meus irmãos, mas eu deixei minha mãe em segurança. Eu não deixei ela em vão, eu deixei em segurança. Aí chegando aqui eu achei lindo, maravilhoso.
P/1 – Em São Paulo.
R – Em São Paulo, o pessoal trabalhando, chegando em casa, eu falei: “Eu também vou entrar nessa, por que não?”. Aí comecei a trabalhar, arrumei um serviço, comecei trabalhar e mandava dinheiro pra minha mãe, pra minha mãe ir se mantendo junto com os meus meninos, meus irmãos. Meus meninos? Eu digo meus meninos, porque como mãe, quase que criei. Criei, né?
P/1 – E você trabalhou em que na primeira vez?
R – Olha, a primeira vez, o meu primeiro trabalho aqui em São Paulo, foi vendendo os carnês do Baú, do Silvio Santos. Eu achei lindo, lindo, aquelas moças saírem, conversando. Eu achei aquilo fantástico. Só que depois aí surgiu um outro serviço que era exatamente esse que eu falei pra ti, que foi a Saci Plast, que eu trabalhava com estantes moduladas.
P/1 – Conta como que era esse trabalho que você começou a me contar, quando você ia nas casas.
R – Sim, a gente ia de casa em casa, mostrava. Nós tínhamos uma pasta com todas as fotos das estantes. Essa empresa, nessa época, estava lá no Guarujá. Guarujá não, na Rua Jaraguá, lá perto do Museu do Ipiranga. A gente ganhava uma pasta com todas as estantes, os módulos, tudo direitinho, a gente vendia, depois vinha o montador e instalava na casa do cliente.
P/1 – Você batia na porta das pessoas?
R – É, a gente batia na porta das mulheres, se identificava: “Eu sou da Saci Plast, trabalho nessa empresa, estou fazendo esse trabalho’ e abria a pasta e mostrava e dizia a utilidade das peças, poderia ser pra cozinha, pro quarto e a vantagem dela ser suspensa e pra economizar espaço, problema de espaço. E daí eu trabalhei bastante ano ali, ia trabalhando e ia juntando dinheiro e ia mandando pra minha mãe. Depois de um ano, nessas e outras, eu comecei a fazer um enxoval. Comprei jogos de panela, pratos.
P/1 – Mas você já tinha o marido?
R – Não, que nada! Isso pra trazer minha mãe de lá pra cá, com meus irmãos. Aí comecei montando uma casa. Todo dinheiro que sobrava, eu mandava pra minha mãe e me sobrava uma quantia “x”, aí eu ia lá e comprava um jogo de panela, comprava talheres, comprava lençóis de cama, comprava jogos de toalha, enfim, fiz um enxoval. Depois que eu fiz o enxoval, eu fui numa loja de móveis usados, aluguei uma casa. Aí nessa casa eu não tinha condições de comprar móveis novos, aí eu fui numa casa de móveis usados e comprei tudo usado. Guarda roupa, cozinha, tudo. Montei a casa e mandei buscar minha mãe, com os meus irmãos.
P/1 – Eles vieram todos?
R – Eles vieram todos.
P/1 – E a fazenda e as coisas da fazenda?
R – Nós arrendamos, deixamos arrendado lá porque daí vinha um dinheirinho que ajudava na renda da casa, né? E daí eu passei a trabalhar, coloquei meus irmãos na escola pra eles estudarem, fazer primeira comunhão.
P/1 – Como é que você veio pra Joinville?
R – Aí depois de muito tempo, quando meu irmão mais velho já tava com seus 18 anos, aí eu já namorava meu marido, há uns quatro ou cinco anos eu já tava namorando ele.
P/1 – Todo esse tempo? Você conheceu ele onde?
R – Eu conheci ele em São Paulo, no CMTC. Ele saiu daqui, foi trabalhar lá e eu fui no baile e ali a gente se conheceu.
P/1 – No baile?
R – No baile, é.
P/1 – Que baile foi?
R – Foi no CMTC, lá em São Paulo. Eu não lembro...
P/1 – Mas alguém trabalhava na CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos)?
R – Não, era o nome do clube, CMTC.
P/1 – E aí se conheceram lá no baile.
R – A gente se conheceu lá, daí a gente ficou namorando. Depois a gente resolveu casar. Aí quando nós casamos, eu tive que deixar a casa da minha mãe. Mas daí quando eu deixei minha mãe, já deixei meu irmão mais velho já com carrinho na porta. Então já tava com a vidinha já estabilizada.
P/1 – Ele trabalhava?
R – Quem trabalhava?
P/1 – Seu irmão.
R – Meu irmão já trabalhava. Ah, depois disso eu ainda vendi jazigo. Nossa, túmulo, sabe o que é jazigo, né? Vendi jazigo já. Eu tinha que vender, porque eu tinha uma responsabilidade grande.
P/1 – E como que era isso de vender túmulo?
R – Nossa, era tão legal (risos), Jesus amado! Menina, era tão bom. A gente ia nas casas. Eu saí da Saci Plast, porque eu tinha que ir pra onde eu ganhava bem. Minha responsabilidade era pesada, então eu tinha que tá procurando algo de bom, né? E uma das minhas amigas que também trabalhava lá na Saci Plast comigo saiu. De lá ela encontrou esse serviço. E ela me convidou. Aí eu fui lá, achei muito bacana a proposta lá, a forma de trabalho, gostei, falei: “Eu vou fazer uma experiência”. E fui e deu certo.
P/1 – O pessoal comprava.
R – Eu ganhei muito dinheiro, ganhei muito bem! Eu entrava nas casas era pra vender um jazigozinho de duas gavetas, eu vendia de seis. Vendia pro homem, pra mulher, pros parentes, pros aderentes, pra todo mundo. E daí foi indo e depois eu fui praquela outra loja, depois o tempo foi passando, eu saí de lá, né, como nada nessa vida é eterno, aí eu trabalhei também nessa loja que eu tirei a foto, da Pinguim, que era uma loja de...
P/1 – Eletrodoméstico?
R – Não, não, de fios de lã. Trabalhei lá por três anos, mas daí já tava casada, o marido não queria que eu trabalhasse mais, queria que eu saísse do meu trabalho.
P/1 – Você teve filhos com ele?
R – Tive! Tive meus quatro filhos.
P/1 – Você tá com ele até hoje?
R – Sim, até hoje, graças a deus.
P/1 – Como chama o seu marido?
R – Luiz Roberto Custódio. E ele é daqui de Joinville. Aí eu conheci ele, que é daqui de Joinville, e vim pra cá. Faz 20 anos que eu tô em Joinville. Não queria vir, porque eu não gostava de Joinville.
P/1 – Você conheceu o seu marido em São Paulo?
R – Em São Paulo.
P/1 – E por que essa mudança pra cá?
R – Ah, porque na época nós tínhamos uma empresa em São José dos Campos e ele era sócio. O meu marido descobriu que esse nosso sócio tava nos passando a perna. Aí ele resolveu abrir a sociedade, só que ele ficou muito arrasado, porque ele tinha uma grande confiança nesse grande amigo dele, que inclusive é padrinho de um dos nossos filhos. Ele tinha, né? Então ele entrou numa depressão muito grande e ele não queria mais ficar ali. Aí ele falou assim: “Eu tenho duas opções. Ou eu acabo com a vida dele ou eu vou embora”. Eu falei: “Então vamo embora, não vamo acabar com a vida do homem”, porque aí ele ia pra cadeia, quem tava ferrada era eu. Aí eu falei assim: “Não, então vamos embora”.
P/1 – E vocês moravam em São José?
R – Morávamos em São José dos Campos. Aí a gente veio embora aqui pra Joinville. Eu não queria, mas toda a família dele era daqui. Aí eu terminei ficando por aqui mesmo. E até hoje eu tô aqui.
P/1 – E conta pra gente, Izilda, como você começou o trabalho de bordado, de crochê. Até hoje, conta aquela história pra gente.
R – Ah, o trabalho de crochê, que eu era muito assim, adorava ver o crochê e me enfeitiçava, extremamente apaixonada e tinha curiosidade de saber por que, como que se faz isso. De que forma que de um novelo de lã você consegue formar uma peça. Aquilo era o que, sabe? Aí eu peguei e comecei e queria fazer e tudo quanto era fiozinho que eu via, eu ficava mexendo com a mão, mas nada adiantava. E meu pai vendo aquilo, ele foi, comprou uma agulha e uma lã, novelinho de lã e me deu, mas aí eu não sabia como e nem ele também, como que saía, como que era. E a curiosidade que me fazia pegar aquele ganchinho que tem na agulha, puxar o ponto, fazer. E aconteceu nessas e outras, através daquilo, eu fui formando uma correntinha, e dessa correntinha eu terminei fazendo uma rodinha. E dessa rodinha eu ia colocando os pontinhos ali, só que ele ia virando uma cumbuquinha e daí meu pai: “Não, filha, não é assim, é assim. Coloque mais ponto, vamos dar o nome de ponto”, né, porque agente não sabia o que que era, vamos dar o nome de ponto. mas isso eu era garotinha, menina pequena assim, garotinha mesmo, de sentar no colo do pai. Aí depois disso, foi quando eu fui pra Maceió, chegando lá tinha o tricô, aí eu falei: “Meu deus, outra coisa maravilhosa”. Eu queria fazer, aí minha tia, irmã do meu pai pegou e mandou subir no pé de coqueiro, de fazer duas agulhas do cabo da folha do coqueiro. Ela mandou fazer, mandou fazer a pontinha assim, sabe, como se tivesse fazendo uma pontinha e ali foi me ensinando fazer o tricô e eu consegui fazer uma bolsa quando eu tava lá. Aí o tempo passou. Através desse trabalho da Saci Plast, batendo de porta em porta, fui pegando curiosidade nas casas que eu entrava, que as mulheres faziam crochê, eu me interessava, as mulheres me davam explicação, só que em casa eu que colocava em prática. E nisso eu fui me desenvolvendo, já sabia fazer colcha, já sabia fazer trilho, já sabia fazer tudo. Que quando eu mudei de São Paulo pra Joinville, que daí eu descobri que tinha um curso de tricô, crochê e bordados, eu me interessei e fui.
P/1 – E onde foi esse curso?
R – Foi aqui na Rua São Paulo, ali na Floresta, da professora Leni
P/1 – Era uma pessoa de alguma organização, não?
R – Não, ela era uma professorinha particular, nós pagávamos pra ela. E assim, eu aprendi. Foi onde eu aprendi a bordar e me aperfeiçoar no crochê. O tricô eu faço, mas não tenho aquela afinidade, porque demora muito. Mas o bordado e o crochê, eu me interessei muito e desenvolvi, graças a deus, cheguei a ponto até de formar um grupo, dar curso, tudo direitinho.
P/1 – E como foi formar? Como você formou esse grupo?
R – Assim, primeiro eu coloquei uma placa na porta: “Dá-se curso de tricô e crochê”. O pessoal se interessou e veio. Nessas e outras, aí eu morava de aluguel, aí eu formei um grupo bem bacana mesmo, sabe, grande de mulheres. Eu dava aula de manhã, meio-dia e à tarde e à noite. De manhã, à tarde e à noite. Só que à noite se tornou perigoso, aí eu fecho as portas à noite. Aí só fiquei com o período da manhã pras crianças e à tarde pras mulheres. Aí tava continuando tudo direitinho. Nessa casa que eu morava de aluguel tinha espaço, só que quando eu mudei, aí eu construí. Quando eu construí, minha casa é um cubiculozinho, é pequenininha, eu não tinha espaço, mas mesmo assim elas quiseram me seguir.
P/1 – No mesmo bairro?
R – É, aí é Floresta, daí eu mudei pra Petrópolis.
P/1 – Mesmo assim elas foram?
R – Foram, foram! Aí ali a gente começou, eu já desmanchei aquele negócio de professora e me tornei uma amiga. Aí ali a gente discutia ideias, a gente começava a fazer as coisas tudo junto: “O que que você acha?”. Daí não tinha mais aquela de professora. Sim, ensinava quando havia necessidade: “Ai Izilda, eu tenho isso, eu tenho dúvida nisso”. Eu ia lá e, né? Nós começamos a trabalhar, mas nós não tínhamos como comercializar. De que forma? Quando foi um dia, eu vim comprar fios e vi a placa lá do Consulado da Mulher: aí vou, mas não vou, fiquei naquela indecisão. Andei ainda duas quadras pra frente, depois voltei, fui lá, me interessei, ela me explicou direitinho.
P/1 – Você sabia, já tinha ouvido falar do Consulado da Mulher?
R – Não.
P/1 – Mas o que que te chamou atenção?
R – A placa. Eu passei lá e vi lá “Consulado da Mulher” e falei: “Eu viu ali ver o que que significa isso”. E fui. Chegando lá eu vi porque tinha assim uma lousa. Não era uma lousa, assim, era bem grande tipo uma pedra bem grande assim, na frente, escrito todos os tipos de curso, do que eles faziam e tudo. Eu achei aquilo muito bacana: “Tá dentro do que eu gosto de fazer, vou lá”. E fui, fiz até uma bonequinha, até me inscrevi no curso, fiz uma bonequinha. Aí ela falou: “Nós temos mais”. Eu falei pra ela: “Como eu faço pra comercializar o meu trabalho?”. Aí ela disse: “olha, nós vamos ter uma feira, vai ser no mês de Maio, assim, assado”, me deu todas as coordenadas, “Só que você não pode ser sozinha, você tem que ter mais uma ou duas mulheres”, e eu tinha as meninas. “E você tem que dar um nome pro seu trabalho”, aí nós colocamos Expresso Bordados, o nome.
P/1 – E por que Expresso?
R – Não sei, não me pergunte por que. Colocamos o nome Expresso Bordados.
P/1 – Quanta eram, Izilda?
R – Nós éramos em cinco mulheres e uma delas com 80 e poucos aninhos, que até hoje continua no grupo. Coisinha mais linda!
P/1 – E essas mulheres, como é o nome delas?
R – É Tia Minguinha, que é Maria o nome dela.
P/1 – Essa de oitenta e poucos anos.
R – É. Tem a Renilde, tinha a Vilma, tinha uma outra Maria também, que é mais novinha, tinha a Sandra. Eu acho que é isso aí mesmo.
P/1 – Essas continuam até hoje?
R – Continuam. Nós temos até um pontinho de encontro, todas as quartas feiras a gente se reúne, fazemos um chazinho bem gostoso, passamos uma tarde bem gostosa e descontraída.
P/1 – Mas isso e que ano foi, ou época que você entrou no Consulado?
R – Há seis anos atrás.
P/1 – Que você viu essa placa?
R – Isso, há seis anos atrás, seis, sete anos, que é o tempo que eu tenho aqui no Consulado. Aí quando eu conheci o Consulado, porque até então eu era uma artesãzinha de fundo de quintal. Fazia o meu trabalho, se alguém via, tudo bem, comprava, sabe? Só que daí depois que eu consegui o Consulado, aí as portas se abriram, porque daí a gente fez um curso na Univille por eles. Na época era a Lúcia que coordenava, a Lúcia hoje já saiu. Daí eles foram abrindo portas, oportunidades pra nós. Abriu um espaço aqui também na Whirlpoll, onde a gente podia vim também comercializar nossos trabalhos e nessas e outras a gente ficou conhecida. Aí através mesmo do Consulado, nós formamos uma associação, tudo assessorado por eles, que chama-se a Univille.
P/1 – O que que é a Univille?
R – A Univille é uma faculdade aqui de Joinville, uma universidade.
P/1 – E nesse curso vocês tiveram curso de que?
R – De Design pra gente aprimorar cada vez mais nossos trabalhos, cores.
P/1 – E você acha que ajudou esse curso?
R – Muito.
P/1 – No quê? Vocês já trabalhavam muito tempo, no que que ajudou esse curso de Design?
R – Em formas de qualidade de trabalho. O trabalho ficou com mais qualidade, com mais perfeição.
P/1 – Fala assim, não sei se dá pra falar, mas no seu trabalho, o que que foi melhorar a qualidade? Por exemplo:, ah, eu fazia assim e agora eu faço assim. Dá pra falar, Izilda? Uma coisa assim que mudou de verdade no trabalho?
R – Olha, mudou em termos de cores. O que que eu posso te dizer no que mudou?
P/1 – Cores.
R – É, aperfeiçoamento que até então a gente não sabia fazer um trabalho, verdadeiramente assim um trabalho de qualidade e eles nos ensinaram. Como a gente distribui a peça quando a gente ia fazer uma decoração em uma feira que a gente então não sabia, formava aquela poluição visual e as coisas não são bem por aí, tem que ser a coisa bem harmoniosa. Forma de atendimento, tudo isso foi muito bacana. A forma de como você conversar com o cliente, abordar. Eu já tenho assim mais ou menos uma forma de como chegar, como me apresentar, mas mediante esse curso, tudo ficou muito mais claro, muito mais fácil, entende? Você tem condições de se abrir melhor, de ser mais expansiva, sem contar a segurança no que você está fazendo, que você pode passar pro cliente.
P/1 – Izilda, e você que hoje passou por toda essa formação. E as outras mulheres do grupo também ou foi mais você?
R – Não. Tem outras meninas também que aproveitaram bastante e tem outras e tem umas que não, mas isso é muito questão de gosto, né? Mas eu tenho meninas, temos artesãs que melhoraram muito mesmo, com o acompanhamento delas no nosso trabalho.
P/1 – E você viu algum trabalho das meninas que mudou o desenho?
R – Sim.
P/1 – Se você puder dar um exemplo, na estética, no desenho. Você lembra de algum assim pra dar exemplo pra gente?
R – Não.
P/1 – No ponto, no formato, algum desses, você lembra?
R – Não.
P/1 – Foi mais mesmo nessas outras coisas que você falou?
R – Nessas outras coisas, exato.
P/1 – E aí, você disse que formaram uma associação?
R – Aí nós formamos. O próprio Consulado nos assessorou, aí nós abrimos uma associação. Nessa associação, nós abrimos uma lojinha com o Consulado, lá no centro de Joinville, ali pertinho onde vocês estão no hotel. Ai, agora fugiu o nome do hotel.
P/1 – Izilda, você tava dizendo que o nome da associação qual é?
R – É Articuli.
P/1 – Articuli?
R – Articuli é o nome da nossa associação.
P/1 – E tem a ver esse nome com a associação?
R – Articuli, porque quando abriu, quando o Consulado resolveu abrir isso aí, nós éramos uma turma em artesã e outra turma com culinária, com as meninas. E eles queriam um lugar que fizesse essa junção de arte com alimentação. Aí ficou Articuli, entendeu? Ali na loja, naquele ponto, nós tínhamos a Arte do Café, que as meninas atendiam, era muito lindo, muito chique, precisava ver, e tinha paralelamente a nossa loja de artesanato. Então no caso você ia, você tomava um belo de um café e ainda comprava o presentinho pra quem você quisesse, pra você, pra sua família, era muito legal.
P/1 – E vocês mudaram desse lugar?
R – Mudamos. Dali e fomos para esse outro lugar, que é no Círculo Operário que é na Rua São Paulo, porque ali nós tavamos pagando um aluguel e ali no Círculo Operário a gente não vai pagar o aluguel.
P/1 – E é um lugar bom também?
R – É. Não é tão bom quanto no centro, mas no centro nós não tínhamos condições de arcar com um aluguel muito alto, então, mas a gente que faz o cliente, né? A gente que faz a freguesia, a gente que faz o negócio acontecer! Seja lá onde for, não é?
P/1 – E pra divulgar essa loja, tem algum esquema? Ou lá tem bastante movimento, não precisa?
R – Não, lá tem bastante movimento, inclusive tem o Jassi que tá agora abrindo ao lado, aonde vai nos ajudar bastante. Ali é um lugar que tem escolas, que nos favorece. Tem a igreja, que também nos favorece. Enfim, eu acho que nós estamos num lugarzinho bem... Agora tudo depende de nós pra fazer a coisa acontecer.
P/1 – Izilda, assim, na sua vida, depois que você entrou nesse dia no Consulado, você já falou no que abriu as portas pra você. Mas e pra sua vida pessoal?
R – Foi muito bom.
P/1 – No que que foi bom?
R – Em tudo, porque antes, como eu tava te falando, eu passei, eu saí de uma vida ativa que trabalhava, pra ser dona de casa e passei a ser mãe e me dedicar à vida pra casa, filhos e marido. Aí chegou uma época que eu tava me sentindo, assim, no fundo do poço, apesar de eu ter essa turminha, da gente tá fazendo isso, mas isso aí era mais uma forma de fugir daquela vidinha pacata que eu tava levando, só de cuidar de filhos e dessas coisarada toda, né? Não dizendo que um filho não nos traz prazer e alegria, claro, mas é um trabalho que é bastante cansativo. E o Consulado não, através desses, assim, depois que eu parei de trabalhar, que eu me tornei verdadeiramente uma dona de casa, eu perdi aquela coisa de Izilda resolver isso, Izilda fazer aquilo, Izilda ser expansiva. Aí eu passei, entreguei minha vida pro meu marido. Aí fiquei dominada por ele. Tudo que eu ia fazer: “Meu bem, o que que tu acha, meu bem?”, não era mais dona de mim mesma. Fiquei na dependência dele. Não sei se pelo fator de eu viver uma vida ativa depois que meu pai faleceu, ser a dona da casa que resolve, que corre e leva irmão pra médico, o que que faz e que acontece. Quer dizer, ser o homem da casa. Aí quando eu casei, eu me encostei. Aí eu falei: “Agora eu sou uma mulher, e agora vou ser mãe, vou me dedicar pros meus filhos”, e praticamente entreguei a minha vida pro meu marido, onde eu fiquei muito dependente dele, não fazia nada se não fosse com ele. E evidentemente ele não ia dar asas pra mim voar, porque se ele desse, ele sabia que ia ficar sem mim. Aí depois de um tempo, que eu vi que meus filhos já tava crescido, que minha vida tava se tornando verdadeiramente uma vida sem sentido, foi quando eu conheci o Consulado. E por tudo que o Consulado me apresentou e que lutava por nós, eu resolvi pegar isso com unhas e dentes e voltar a ser aquela Izilda de antes, entendeu? Viver, e a mudança foi tão visível que todos da minha casa perceberam: “Mãe, como você é uma outra mulher, você mudou, você tem brilho nos olhos, você tem isso”, sabe assim? Elas viram como foi bom essa minha mudança e é por isso que eu não me entrego. Apesar do meu marido ser doente, eu sei que é muito delicado, é negócio de coração, ele não manda recado quando ele vem, ele vem ou vem pra valer mesmo, né, então eu tenho muita preocupação com ele. Mas eu não posso me isolar do lado dele. Alguém tem que tocar a vida. Amanhã, depois, eu vou ficar sem ele, eu vou ficar uma pessoa como a minha mãe, sem alternativa, tipo uma marionete onde podem me colocar onde quiser, e eu vou. E a vida não é assim, mesmo porque eu tenho que dar mais exemplo pros meus filhos, mostrar pra eles que a vida não é assim. Eu ainda tenho o meu menino mais novo com 18 anos, que precisa muito de mim e não quero que ele veja em mim uma mãe sem alternativa, uma mãe dominada pelo pai. Não, eu quero que ele mostre que ele tem orgulho de mim. E acho que deu, né? Deu comigo!
P/1 – E Izilda, financeiramente tem retorno?
R – Sim, com certeza, porque até então, como eu falei, eu era dependente dele. Tudo o que eu queria, eu pedia pro meu marido. Pra comprar uma tinta pro cabelo, pra comprar um esmalte, pra tudo, enfim, eu tinha que depender do meu marido. E é triste você passar a ser assim. E depois que eu entrei no Consulado não, aí eu tinha minha renda, eu compro o que eu quero, eu faço o que eu quero. Evidentemente que ele me me poda, ele não me deixa ir, ele de vez em quando ele me puxa as rédeas, e também assim, ele não me pede dinheiro, ele não cobra de mim assim: “Não, você tá saindo, você tem que trazer dinheiro”, não existe isso lá em casa. Mas eu também não peço nada pra ele, eu compro tudo o que eu quero, com as minhas condições, com o meu trabalho.
P/1 – Muito bom. E qual o seu sonho agora, Izilda? Daqui pra frente
R – Ai, que nossa loja dê certo e que eu faça muito ainda pela frente, que eu tenho muito mais pra aprender, que afinal de contas aprender nunca é tarde.
P/1 – E você diz que tem orgulho, né, você tava falando dos seus irmãos.
R – Sim, tenho orgulho dos meus irmãos por ser todos pais de família, exemplos de pai, de marido, graças a deus. Hoje meus filhos também super bem encaminhados, onde eu também não me preocupo com eles. E vivendo a minha vidinha, como eu te falei. A minha vida foi realmente assim, como eu falei, antes do meu pai eu tinha uma vida. Eu pisava, eu vivia num jardim de flores. Depois que eu perdi meu pai, foi onde eu acordei e vi que a vida não era bem por ali. Passei das flores pros espinhos, mas lhe confesso que não foi ruim, lhe confesso que foi um aprendizado na minha vida, que se talvez eu não passasse por tudo o que eu passei, eu não seria no caso a mulher que sou hoje. Eu não sou lá grande coisa, mas que me considero uma grande pessoa (risos). E corta isso, amigo (risos).
P/1 – Izilda, o que você achou de contar sua história pra gente?
R – Olha, eu achei bacana, porque eu sentia necessidade de um dia poder passar isso, por incrível que pareça. Eu não sei se isso ajuda, se isso não ajuda, se isso é gratificante, se é uma história, assim, meio que não dá pra passar. Mas já que teve essa oportunidade, taí, essa é a minha história. Se vocês acharem que for conveniente passar, ok. Se não, mas pelo menos eu realizei um sonho, que foi de contar. O que que você acha?
R – E pronto, e passou o medo.
P/1 – Parabéns.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada você.
FINAL DA ENTREVISTA
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