Projeto Correios 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Guilherme Salgado Rocha
Entrevistado por Stela Tredice
São Paulo, 22/07/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC047_Guilherme Salgado Rocha
Transcrito por Jackeline Stefanski
MW Transcrições
P/1 – Então, eu queria que você começasse com seu nome completo, local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Guilherme Salgado Rocha, sou mineiro de Juiz de Fora, nasci no dia 03 de fevereiro de 1959, dia de São Brás, protetor da garganta.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai se chamava Diógenes Matos Rocha, farmacêutico, de Juiz de Fora também, e minha mãe, viva, Maria da Conceição Salgado Rocha, contabilista, trabalhou na prefeitura de Juiz de Fora muitos anos e hoje mora em Juiz de Fora.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Sei, eles se conheceram na Rua Espírito Santo, que é uma rua central de Juiz de Fora e ela morava com uma tia, ela é do interior do estado de Minas, mais do interior ainda, parece que falando, que Juiz de Fora é interior... mais do interior, de uma cidade pequenininha e ela foi pra Juiz de Fora estudar. E ela ficava na janela, né, normal e ele era vizinho, ele passava pra ir trabalhar e começaram a conversar, a conversar e ela relutou um pouco, porque ele era 11 anos mais velho do que ela, né? Mas, acabou sucumbindo aos encantos do meu pai e acabaram se casando, se casaram lá mesmo, não, se casaram, em Urucanha que é uma outra cidade, exatamente, a cidade onde ela nasceu.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Não. Eu tive, depois de mim veio a Miriam, pequenininha, mas ela faleceu bem novinha, sabe? É uma dor que minha mãe e meu pai carregaram, minha mãe carrega até hoje, né? Ela... De causa desconhecida, ela definhou, de repente ela morreu, com sete meses, né? Então, fiquei sozinho, né? Infelizmente, porque sempre quis ter irmãos e tal, mas fui criado só, né?
P/1 – E seus avós, você conheceu?
R – Conheci só... Conheci só os homens, as avós... A avó paterna morreu antes, morreu antes do casamento, inclusive, nem a minha mãe a conheceu, o avô paterno eu conheci, Mágino, chamava-se Mágino, assim mesmo: M, A, G, I, N, O, proparoxítona, Mágino Rocha, era um kardecista muito conservador, uma figura muito querida, muito querida, apesar de tudo. Morou no Rio de Janeiro muitos anos, né? Eu freqüentei a casa dele, durante muito tempo, esse é o avô paterno, né? E o avô, os avós maternos, a avó morreu cedo, eu tinha cinco anos, tenho pouquíssimas lembranças, mas com quem eu convivi mais foi o meu avô materno, Raimundo Henrique da Silva, uma figuraça, descolado, adorava futebol, caminhadas, sabe? Uma figura, muito, muito querida e, por uma dessas coinci... Curiosidades assim, ele se dava muito bem com o meu pai, o genro dele, eram amicíssimos, sabe? Genro e sogro, né? Andavam juntos e iam pra futebol juntos, me levavam, né? Então, era uma... Aprendi muito com o meu avô, meu avô era uma figura... Agora, os quatro já morreram, era uma figura muito, muito querida, sabe?
P/1 – E a origem da sua família qual é?
R – Olha, é... Você diz nacionalmente? É, nacionalmente do interior de Minas, os dois ramos, né? Um ali perto de Juiz de Fora mesmo e outro um pouquinho mais, na Zona da Mata também, cuja cidade sede é Ponte nova, sabe? Em torno de Ponte Nova, tem alguma cidades, Urucanha, Santo Antônio do Grama, cidades, Piedade de Ponte Nova, essas cidades de Minas, que subsistem, e tão lá até hoje e acabaram virando pra nós cidades cult, né? Ir pra Urucanha e tal, é uma delícia hoje em dia você, você vai lá os amigos, tudo porta aberta, casa todas abertas e tal, então, é de lá, ainda tem parentes lá e tal, um pessoal muito querido, né?
P/1 – Mas, o seu sobrenome? A origem dele?
R – Não sei, eu nunca me vi assim... Dizem que por parte de pai é português, né? Que também, né, mas, é bisavô, tataravô e tal, mas eu nunca... Uns parentes lá de Juiz de Fora fizeram a árvore genealógica, nunca quis, me interessei em ver, nunca...
P/1 – E como foi sua infância? Onde você morou na sua infância?
R – Sempre Juiz de Fora, a vida inteira Juiz de Fora, até depois de formado e tal, a vida inteira, foi uma infância nota dez, sabe? Nunca tive falta de nada, pais maravilhosos, sabe, companheiros, meu pai era companheiro de futebol, de sinuca, de alegria, sabe? Tenho gratíssimas recordações dele, né? Então, não tenho nada, né? O pessoal fala: “Ah, mas...”, nada! Não tive problema nenhum. Estudei em bons colégios, boa família, bons amigos, sabe? Sem luxo, mas nada, nada nunca me faltou. E foi uma infância muito, muito agradável, muito agradável. E, curiosamente, apesar de ser filho único, eu nunca tive uma educação de filho único, sabe? Sempre ia pra rua com a molecada, muitos amigos, sempre fiz questão da minha casa tá cheia de amigos, de gostar de... Eu tinha muita inveja dos amigos que tinham irmãos, porque eles dividiam as coisas com os irmãos, né? Um irmão usar uma blusa do outro, usar a meia do outro, eu ficava: “Gente, mas eu não... Você não quer suar minha roupa”, né, pra ficar fingindo que era meu irmão, né? “Toma essa blusa que é minha, usa ela hoje” e tal, não sei o quê. Então, sempre fui assim, né, sempre gostei de tá na rua com as pessoas, então foi uma infância perfeita, sem nada, nada, nada e comecei a trabalhar cedo, por iniciativa própria. Meu pai era farmacêutico, né? Tinha uma farmácia em Juiz de Fora, ele fez Farmácia em Juiz de Fora, meu avô também, o pai dele, era farmacêutico e eu, aos 13 anos, falei: “Ah, pai eu quero trabalhar, não quero ficar só estudando”, então, a minha carteira de trabalho, tem duas carteiras de trabalho, a primeira foi aos 13 anos, assinada por ele, né, pelo pai, com 13 anos eu já era funcionário da farmácia, né e estudando, né, no colégio lá em Juiz de Fora, fazendo ginásio, naquela época. E trabalhava com ele metade do dia, metade eu estudava, então foi assim, fui até a faculdade, eu parei de trabalhar quando eu entrei na faculdade, porque aí, não dava mesmo, né?
P/1 – Só voltando ali um pouquinho na sua infância, como era a casa onde você cresceu?
R – Foram três, ou quatro casas, né, apartamentos, inclusive, mas o mais marcante era um apartamento numa rua chamada Rua Pasteur que é lá em Juiz de Fora, que era um pouco, um centro de, agregador ali da meninada da rua, sabe? Era uma casa comum, apartamento simples, dois quartos, cozinha, sala e banheiro, mas no entorno tinha muita coisa legal, tinha muito terreno abandonado. Perdão. Não abandonado, baldio, lote que ainda não... E a gente, com árvores e tal, a gente fazia dali campo de futebol, né? Então, foi, era uma casa normal, não tinha nada de extraordinário, não tinha quintal, não tinha nada, era um apartamento simples, mas de uma efervescência fraterna muito grande, sabe? Sempre cheia, casa sempre cheia, ou parentes, né? que era uma família muito grande, ou amigos, ou às vezes, as duas coisas, né, parentes e amigos. Então, era, foi uma infância perfeita, né?
P/1- E vocês tinham o costume de fazer festas na sua casa?
R – Tinha, mais de aniversário, ou, ou não. E festa religiosa, que a família, muito católica, né? Mãe, mãe, o lado materno, né? Mãe, tias e tal, então se reuniam pra rezar terço, sabe? Então, tinha essa tradição, esse costume, né? Festa era mais festa, essas festas normais de aniversário mesmo, nada excepcional, né? E eles... Que eu sempre fui muito caxias no colégio, sabe? Muito Caxias, estudar pra mim sempre foi uma coisa... Podia não ter nada, não ter nada que eu digo assim, não fazer mais nada, mas estudar pra mim e ter boas notas e tal pra mim era coisa... Então, quando eu obtinha lá alguma coisa no colégio, aí tinha sempre uma festinha em casa, né, uma coisa pros amigos e tal pra comemorar. E também um pouco dos pais pra mostrar pros vizinhos: “Ó, tá vendo meu filho como é”, né, não sei o quê. Então, é isso mas nada muito, aniversário mesmo, né, da meninada.
P/1 – E você participava dessas rezas na sua casa?
R – Eu era muito pequeno, né? Mas, eu sempre, eu sempre me admirava, eu ficava meio fascinado pelo mistério daquilo, né, das pessoas se reunindo e tal. E lá em Urucanha, essa cidade pra qual a gente ia, muitas vezes durante as férias, porque moravam lá outros parentes, lá era mais intenso ainda, porque era uma cidade menor, né? E a religiosidade lá era mais marcante porque uma festa qualquer de igreja enchia, e tem um detalhe, nesta cidade, em Urucanha, viveu, durante muitos anos, um padre, padre Antônio Ribeiro Pinto, que é uma espécie de guru da família, porque ele tinha fama de fazer milagres, sabe? E esse meu avô materno, Raimundo, ele era secretário do padre, uma espécie de sacristão do padre, sabe? Espécie não, era um sacristão do padre. Então, meu avô contava pra gente os milagres do padre; ah, mas aquilo era, cada história que ele contava no fim da tarde, no início da noite. Uma mulher, por exemplo, que - me lembro dessa perfeitamente -, uma mulher que chegou de caminhão, né? Toda amarrada, toda amarrada, sabe? Jogada na traseira do caminhão ali, sabe? Aí, ela amarrada e amarrada no caminhão, né? E, correram pro padre, né, “Padre Antônio, Padre Antônio! Tá chegando uma mulher, uma louca, possuída pelo demônio, possuída pelo demônio”. Eu não vi, o avô que contou, né? Aí, ele foi lá, ele olhou pra mulher e ele disse: “Desamarrem-na!”, sabe? “Não, pa...”, “Desamarrem-na!”, sabe, impositivamente assim, né? E eles desamarraram a mulher, a mulher pulou em cima dele, em cima do padre, cuspiu no padre, aí, disse que ele pegou a saliva dela, sabe, fez o sinal da cruz nela, ela caiu, chorando já tava curada. Então, você imagina um menino de oito, nove anos ouvindo essa história, né? Nossa, aquilo pra nós era uma, sabe? Aí, ficava assim: “Gente, mas meu Deus do céu!”. Eu não conheci o padre, o padre celebrou o casamento dos meus pais, mas não me lembro dele assim, não tenho... Então, imagina uma cidade como essa, até hoje, passados tantos anos, padre Antônio é venerado na cidade, tem livro sobre ele e tal, então, esse lado da religiosidade sempre foi muito marcante, sabe? Em mim também, né, quer dizer, na família e em mim também, né? Aí, eu fui coroinha, fui grupo jovem, né? Essas... Segui nessa, nessa linha, aí, nessa vida.
P/1 – E suas brincadeiras de criança? Quais eram?
R – Futebol, claro, né?! Futebol é hors concour, né? Pra menino não tem jeito é o futebol, era mais fácil de tudo, que você arruma duas trave em qualquer lugar, né? E a gente tinha uma brincadeira muito curiosa, que eu falo para os meus filhos hoje, que a gente brincava de ladrão. Brincar de ladrão, eles acham que é polícia e ladrão, mas não é, era outra coisa. Quando, quando chovia, vinham essas, não tinhas essas facilidades, brinquedos, né? Eram brincadeiras que a gente criava, então, quando chovia, era uma rua de morro, então, que que as meninada fazia, a gente pegava terra desses terrenos baldios e cercava na rua, vinha a enxurrada, que a gente falava, né, ali beirando o passeio, então, a gente cercava com terra, mas muita, fazia como se fosse uma barragem de hidrelétrica hoje alta, a água enchia ali, e a gente nadava ali, a meninada nadava ali, sabe? Ficava uns quatro palmos e agente pulava ali, sabe? E sem a mãe ver, né? As mães, né? A gente nadava, ficava nadando, tudo meio possível, tirava a roupa, só de shorts, ficava nadando no meio da rua, sabe? Fazia aquela barragem assim e colocava, isso que eu falo, colocava o ladrão, o ladrão era uma folha de figo, dessa árvore, a gente chama figos, que, pra água descer, pra não derramar, cê coloca em cima, no final aqui, no... Como tem em barragem hoje, essas coisas, pra, pra força da água não derrubar aqui, né? Ela vai, quando chega aqui, ela sai por aqui, né? Sai por um buraquinho e vai embora, mas o grosso da água continua pra gente poder nadar, né? Então, era essa a brincadeira e tal, e bola, bola e essas coisas, muito alegres, muito tranqüilas, muitos primos, né? Família muito grande. Então, os primos, a gente saía juntos pra brincar, mas foi uma infância, engraçado isso, porque como terminou, como eu comecei a trabalhar cedo e tal, eu com 12, 13 anos, meu filho mais velho tem 11, eu com 13 anos, eu já não tinha mais essas brincadeiras, né, de menino, já; acho que eu já tava vendo mais pra frente um pouco, né? Então, essas brincadeiras mais, intensamente, feitas assim, foi até os dez, 11, por aí, né? Depois foi parando e tal, não tinha mais brincadeiras, né? E nadar, nadar, também, nadava nessas barragens e nadava no clube, sempre gostei muito de nadar, então, era isso, basicamente. Mas, muito feliz, muuuito feliz, muito feliz, muito feliz, nada, nada a reclamar, sabe?
P/1 – E você tinha algum sonho de ser alguma coisa quando você crescesse?
R – De, profissionalmente? Tinha, por conta da influência paterna, porque meu avô, farmacêutico, meu pai, farmacêutico, eu trabalhando na farmácia, né? Sempre gostei, até hoje gosto muito de farmácia, mas sempre gostei muito de ler e escrever, então ele queria que eu fosse farmacêutico, porque a farmácia já estava pronta, montada pra mim, né? E eu não sei se eu tomei a decisão certa de ser jornalista, sabe? Mas, naquela, naquela... Ou médico, porque ele, pai, tinha feito vestibular pra medicina e não tinha passado, sabe? É uma mágoa que ele tinha, porque foi um décimo que ele não passou, aí, foi fazer farmácia. Ele falava: “Meu filho, faça farmácia, ou medicina” e tal, e eu falava: “Mas, pai eu gosto de escrever, gosto de ler”, então, mas eu fiquei com a possibilidade de fazer medicina também. Naquela época, a gente fazia no terceiro ano científico, o que eles chamavam de pré-vestibular, né? Fazia, perdão, não era pré-vestibular, era, você fazia um mini-vestibular, você fazia a cada mês, no, no terceiro ano, um mini-vestibular, como será o vestibular, né? Ou como aconteceria o vestibular, era treinar o vestibular. Eu me lembro que os primeiros meses, eu fiz pra medicina, né? Mas, eu falei, “Ah, não, pai, não é isso que eu quero. Eu não quero ser médico, eu não quero ser farmacêutico, eu quero ser jornalista”, “É mesmo? É mesmo?” e tal. E ele também era advogado, sabe? Ele era farmacêutico e advogado, né? Então, ele falou: “Ó, pra te satisfazer um pouco, eu também acho que eu podia fazer direito”, sempre gostei muito de direito, sabe? E a única coisa que eu me arrependo na vida, é de não ter feito direito, sabe? Passei em jornalismo, passei em direito numa particular em Juiz de Fora, mas abandonei, sabe? Então, é isso, aí, o jornalismo, falei: “Ah, é isso que eu vou fazer mesmo” e segui, né? Na faculdade, aí, não me arrependi mais, né? Acho que talvez do direito, eu pudesse ter feito e ser hoje advogado também, mas tudo bem, né?
P/1 – Você tinha algum hobby na sua infância, na sua juventude?
R – Tinha, tinha, eu tinha. Gostei sempre de colecionar as coisas, sempre, sempre. Eu colecionava, eu colecionava chaveiro, colecionava flâmula, tinha uma coleção grande de, sabe? Flâmula? Sabe, né? Chaveiro, flâmula e o que, e o que na juventude, a gente chamava de plástico, colecionar plástico é o que hoje se chama, mais ou menos, o que se chama adesivo, só que o plástico, você só passava água nele, sabe? Era um desenho, imagina uma imagem qualquer, só, né? Você passava água e pregava no vidro, sabe? Quando, também não tem vidro suficiente, aí, você guardava o plástico, dentro de embalagens assim, dentro de cadernos e tal e porta-retrato, você guardava em porta-retrato, ou plástico e você trocava plástico, né?
P/1 – Tipo aquele decalque, né? Como chamavam antigamente.
R – É, só que ele, só que ele não é assim, ele não... Você colava, mas você podia tirar, você tirava, sem rasgar nada e tal, e só em superfície lisa assim, geladeira, vidro, praticamente isso, né? Então, eram essas três coleções, chaveiro...
P/1 – Explica um pouquinho o que é flâmula.
R – Flâmula? É uma, uma peça triangular, geralmente, geralmente triangular, há outros formatos também, mas geralmente, triangular, feita, a peça feita em comemoração a alguma coisa, né? Ah, um aniversário de uma cidade, um time de futebol, até hoje quando tem jogo internacional, os jogadores - aquilo a gente chamava de flâmula -, eles trocam uma flâmula, tem CBF, tem Seleção Brasileira e tal, os capitães trocam flâmulas, né? Então, você pegava a flâmula, era assim, né, triangular, com uma alcinha que você pregava na parede, pregava com um preguinho e ficava pendurada, agora você imagina a mãe vendo, de um lado da parede um monte de chaveiros, mais de mil, eu tinha, flâmula espalhada na casa inteira, né? E eu comecei a colecionar compacto, LP, LP não, disco compacto, como é que chama? É compacto, né? Como não tinha lugar, que que eu fazia, com 13, 12, 14 anos, pregava no teto. Pegava a escada, subia, botava o disco ali e pregava a tachinha, então, de um lado chaveiro, de outro lado flâmula e em cima, LP, compacto, né? De vez em quando caía um na cabeça, quando você tava dormindo. Então, eu adorava, porque eu acho o colecionismo, uma forma maravilhosa de contato, de comunicação, sabe, de troca, de saber, de conhecimento, de curiosidade, de amizade, sempre, desde que eu comecei a colecionar, né? Então gibis, que a gente chamava de revistinha, naquela época era revistinha, então você colecionava revistinha, tinha um monte, aí, você trocava com os amigos, então isso criava laços de amizade, né? Então, você criava laços de afeição pela pessoa, a pessoa por você, então acho que o colecionismo, cura boas doenças, eu acho, sabe?
P/1 – E de onde você acha que veio o ‘gostar de colecionar’?
R – Olha, sinceramente, eu não sei, porque assim, não tenho, não tenho, não me lembro, de pessoas próximas da família assim, que tenham colecionado alguma coisa, não me recordo disso, eu acho que foi de ver algum amigo, fazendo coleção de alguma coisa, né, de bola, ou flâmula mesmo, eu sei que eu comecei a tomar gosto e tenho tristeza de não ter guardado, disso ter se perdido, sabe? As três: a de flâmula, flâmulas, a de chaveiros e a de, de plástico, as três sumiram, já tentei achar, mas nunca mais soube pra onde foram, né? Certamente, foram jogadas, o pessoal jogou fora, né? Mas, eu acho que é isso, eu acho que é de eu ver alguém, né? De eu ver em jornal, de eu ver em algum lugar, que tenha despertado isso.
P/1 – E você se lembra da escola? Das primeiras vezes que foi à escola?
R – Claro, claro, eu estudei em Juiz de Fora, fiz lá o pré-primário que a gente chamava, né, depois o primário, o ginásio, o antigo ginásio, científico, né? Então, escola pra mim sempre foi motivo de muita alegria, eu não tinha nada, se a aula começava sete horas da manhã, seis e meia eu já tava pronto. Sempre adorei escola, também por estudar em colégios bons, né, que isso motiva muito. E por gostar muito de Português, muito, desde menino, eu tinha uma proximidade muito grande, com os professores de Português, né, porque não era comum, né? Então, eu me lembro de ficar depois da aula, lendo, sabe? Junto com os professores, a gente sentava... O professor sentava, a professora nesse caso, dona Ilka, que foi minha primeira professora de Português, dona Ilka sentava, “Leia”, né? E ela ficava comigo ali, um tempo lendo e eu lendo em voz alta pra ela, ou em voz baixa, né? Então, isso vai despertando nela, né, na professora uma alegria por ter um aluno, que, né? Porque era mais fácil talvez gostar de outras coisas, né, mas, Português não era tão comum, né? Então, a paixão pela língua veio, a maior imagem... E de verbo também, eu sempre adorei verbo, sabe? Então, eu conto pros meninos que a gente fazia Concurso de Verbos, o colégio promovia Concurso de Verbos, entre as turmas, né? Você selecionava, a turma selecionava, cinco ou seis de um lado, cinco ou seis do outro, né, de turmas diferentes e às vezes até do mesmo ano, ou de anos distintos, né? Então, os professores de Português do colégio, iam e apontavam pra você: “Verbo ‘fazer’ pretérito, futuro do pretérito da terceira pessoa do singular”. Você tinha dez segundos, “pá, pá, pá, pá, pá, pá”, sabe? Se você não soubesse, tava eliminado, aí, ia pro outro, né? E a gente sempre ganhava, né, porque eu sempre gostei muito, outros amigos também, né? Então, a imagem mais marcante que eu tenho do colégio, dos colégios, é isso: sempre gostar da Língua Portuguesa, sabe? Gostar de estudar, né? Ter também muitos amigos, amigos até hoje, né? A minha mulher acha curiosíssimo, eu lembrar o nome completo de vários amigos meus do primário, sabe? Eu sei o nome todo deles, o nome, sobrenome, de alguns eu sou amigo até hoje, né? Isso foi em 19..., sei lá, eu sou de 1959; 1970, por aí, né? Um pouco antes. Então, as imagens são essas, né? Colégios bons, professores maravilhosos, sabe, então, e a Língua, né?
P/1 – E o primeiro namoro, Guilherme?
R – Ó, Stela, pra lhe ser muito sincero, eu tive uma vida assim meio, meio, não foi... Esse é um lado meio ruim, porque... Ruim, não sei se o adjetivo é ruim, assim, porque como eu tinha já aos 13 anos, 14 anos, uma compleição, já tinha barba, já entrava, com 13 anos eu entrava em filme de 18, sabe? Então, eu não tinha aquele negócio de namorinho, aquelas coisas, a minha infância foi pequena, sabe? Eu acho que a adolescência também, eu já entrei muito depressa, não to falando que tenha sido bom não, não foi bom, não, eu não tive aquele romantismo, sabe? Eu com 16, a minha primeira namorada, eu tinha 16 e ela tinha 22, sabe? E ela não sabia, ela não podia imaginar, ela ficou sabendo quando a gente tava terminando o namoro, sabe? Que eu era seis anos mais novo do que ela, seis anos! E não parecia, e não parecia. Porque eu já era barbudo, né? Grandão, entrava em boate, em filme e tal, então não parecia, né? Ah, eu acho que foi um dos motivos do término, porque ela, qual menina vai querer namorar um menino seis anos mais novo, né? E aí, terminou, então, foi esse assim, o primeiro que eu lembro mais significativo, sabe? Aí, depois eu já entrei na faculdade, com ela eu fiquei até entrar na faculdade, foi, 16, eu entrei com 18, né? Então, mas nada muito agradável, não, sabe? Meio a ser esquecido, né?
P/1 – O que você gostava de fazer, já na sua juventude? Você falou da boate, o que você curtia fazer, em Juiz de Fora?
R – Em Juiz de Fora, havia muitas opções e eu tinha muitos amigos, a gente saía pra bar, né, pra, pra ir pros bares com os amigos, né? Carnaval, sempre fui apaixonado por Carnaval, sabe? Até hoje, né? Adoro carnaval, adoro. É a única festa que eu, sabe, não ligo pra aniversário meu, pra natal pra Ano Novo, nada, nada, eu gosto é do Carnaval. Festa Junina, não ligo, mas Carnaval eu fico, se eu puder eu vou sempre com eles, né, com os filhos agora e tal, a gente vai sempre em um bloco, aí, um bloco e tal. Então, Carnaval era, as lembranças marcantes de adolescência e juventude, são do Carnaval, sabe? Tem até um caso famoso, que todo mundo me pede pra contar do carnaval, eu posso contar? Em Juiz de Fora tinha uma banda, chamada Banda Bandida, que saía no final de semana, no sábado anterior ao carnaval, né? Pois bem, estávamos nós, eu e mais cinco amigos, na casa de um deles, tomando cerveja, pra ir pra Banda Bandida, isso eu devia ter 19 anos, acho que já tava na faculdade. Aí, aí, “E tá na hora”, a banda saía 13 horas, 15 horas, três da tarde, falei: “Olha, gente, duas e meia, vamo?”. A minha mãe, sempre muito querida deles, muito amiga dos meus amigos, tal, já havia nos oferecido os vestidos dela pra gente ir de mulher, porque o barato era ir de mulher. Saímos da casa desse amigo e fomos, os cinco rapazes, pra minha casa, né? Quando eu entro em casa, nós entramos, a empregada, falei: “Nilza, cadê a chave do armário?” “Ah, Guilherme sua mãe levou”,“Ah, meu Deus, não é possível, são 15 pras três! Como é que ela levou?!”, e tal, “Levou, ela tá no salão de cabelereiro”. Aí, eu ligo pra lá, né? Falo, “Mãe, cadê a chave do armário” “Ah, eu trouxe a chave”, então, eu tava de carro, falei: “Espere aí, que eu vou aí buscar”, em Juiz de Fora, tudo perto. Três minutos eu tava no salão, peguei a chave, voltei pra casa, abri o armário, cada um pegou seu vestido, batom, brinco, não sei o quê, e o meu pai estava na casa do pai dele, que morava perto de onde sairia a banda, os detalhes são interessantes, aí, eu ligo pra, meu avô, muito conservador, falei “Não, não vou aparecer assim perto do meu avô”. Falei, “Pai, espere aí, que eu passo aí, pego o senhor, boto no carro, o senhor nos deixa na banda, e volta pra casa de carro. Tudo bem?” “Tudo bem”. E dito e feito, nos deixou na banda, aí começa, né? Aquela função, a banda ainda parada, cerveja e tal. Daí a cinco minutos, um outro amigo que não era desses, vira: “Guilherme, seu pai tá te procurando!”, aí eu falei, “China, como me procurando?!” “Teu pai tá te procurando”, aí, no meio do povo assim, com a mão levantada, você imagina o susto, ele tinha acabado de nos deixar, né? “Pai, o que que houve?”, ele falou, “Guilherme, pelo amor de Deus! São três e meia, são três e meia, Guilherme, sua mãe vai ser madrinha de casamento, às quatro horas com esse vestido, que você tá com ele”, sabe? Falei, “Pai, não é possível!”, era um vestido verde e rosa, sabe, com uma flor, lindo o vestido, quando eu abri o armário, foi o primeiro que eu peguei, o mais bonito, né? Peguei esse e ela... Aí, ele tinha ido em casa e ela contando que ela tava naquele secador de cabelo, compridão assim, e ela raciocinou, depois que eu já tinha buscado a chave, aí ela fala, “Não, agora eles vão lá, vão colocar o vestido, abrir o armário e... AH! Meu vestido de casamento! “Bete!” – que era a dona do salão – “Bete, desliga esse secador!”, aí ela corre, “Nilza!” “Eles já foram, dona Conceição”, quer dizer, a gente já tinha ido. E ela, “Ah, meu Deus do céu!”, aí ela dá um jeito, chama meu pai, ele já estava na mão dele, ele já tava com outro vestido, então eu troquei ali na rua, sabe? Troquei o vestido, eu lembro, era um vestido assim marrom, né, simples o vestido, aí, ele corre pra casa, né? “E sua mãe vestiu?” “Passou uma água debaixo do braço”, né? É o que ela tinha pra ir no casamento e o casamento começava às quatro, num bairro distante, né? Chegaram a tempo e tal, não sei o quê. Então, lembrança de Carnaval, todas são boas, sabe? Lembranças, todas elas de Carnaval, muita alegria, muita, escola de samba, então, essas coisas, né, era um, era um... Foi uma época boa, né? Época de faculdade e Movimento Estudantil, né? Na época de faculdade, naquela época, Comunicação eram três anos, os três anos no Movimento Estudantil, né? E o Movimento Estudantil me trouxe algumas ótimas lembranças, mas me trouxe algumas, alguns problemas, porque quando, eles queriam, naquela época o restante da Ditadura, 1978, 1979, 1980, eu me formei em 1980, né? 1980. Quando eu me formei, antes de me formar - eu to passando pra fase seguinte -, quando eu me formei, eu, antes de me formar, um pouco antes, eu comecei a trabalhar num jornal, em Juiz de Fora, Diário da Tarde, que era do Chateaubriand, e aí, eu escrevi uma matéria, a Polícia Federal prendeu três rapazes e desceu a lenha nos três meninos porque eles estavam, a polícia pegou os três fumando maconha. E aí, eu fiz uma matéria, denunciando a tortura da Polícia Federal. Eles pegaram, uma materiazinha de um quarto de página e tal, eles pegaram essa matéria, pra se vingar, pra eles se vingarem da época do Movimento Estudantil, eles me enquadraram na Lei de Segurança Nacional, por causa dessa matéria, ah Stella, mas foi horrível, porque eu fui demitido do jornal, né? Uma demissão escabrosa, horrorosa, né? E em Juiz de Fora, só tinha esse jornal. Aí, eu fui, eu já tinha me formado, né, aí, eu fui pro Rio de Janeiro, fui morar no Rio, aí que eu comecei a gostar da revisão, sabe? Mas, tinha que sair da editora Record, trabalhava na Editora Record, no Rio, tinha que sair da revisão da editora, ir a Juiz de Fora, no meio da semana, acompanhar depoimento, sabe? E voltava pro Rio, era uma vida horrorosa, sabe, uma vida horrorosa, e eu morando no Rio na casa de parentes e a polícia ligando lá pra casa, em Juiz de Fora, três horas da manhã, né? Aí, minha mãe toda coisa, atendia, “Ah, é da casa do Guilherme, ah pode deixar que a gente pega, a gente sabe que ele tá no Rio”, pá, desligava. Ela ficava louca, né? “A gente pega ele no Rio”, sabe? Não sei o quê, “Então, dessa vez a gente pega aquele cara”. Até que eu fui julgado, fui julgado em 1982, né, pela chamada Justiça Militar, né? Eram quatro oficiais do Exército e um chamado Juiz Togado, né, um juiz normal da justiça comum, sabe? Por causa de uma matéria, e se eu bobeasse, eu tomava quatro ano de cana! Pelo amor de Deus, eu tava apavorado, né, apavorado, isso, cê imagina. E foi um julgamento muito demorado, sabe? Porque assim, as partes acabaram de se pronunciar, advogado de defesa e a promotoria, às oito da noite, o escrivão da Justiça Militar, Luiz, era amigo do meu pai, então, se aproxima dali onde ficava o pessoal e fala assim: “Olha, eu tenho 20 anos de Justiça Militar, são oito da noite, eles entraram agora, se eles saírem até às dez da noite, duas horas, tranqüilo absolvição, são só os trâmites, se passar um pouquinho das dez, até dez e meia por aí, já pode ter alguma, sabe? É bom tomar cuidado. Onze horas, se passar de 23 horas, é bom você já ir se prevenindo que é condenação”. Eles entraram às oito e saíram de lá, meia noite e 40! Eu já tava com as algema na mão, né? Falei, “Pô!”, sabe? Aí, fui absolvido por unanimidade, isso em junho. No Carnaval do ano seguinte, to eu lá numa quadra de escola de samba, em Juiz de Fora, um homem que eu nunca tinha visto na minha vida, um cara todo suado e tal, me segura pelo braço, no meio da, assim... Segura pelo braço e fala: “Posso pagar uma cerveja pra você?”, aí, eu, “Pode, uai. Mas, como assim? Quem é você?”, ele, “Eu vou pagar uma cerveja e a gente vai conversar um pouquinho, você tá acompanhado?”, falei, “Tô acompanhado”, e tal, não sei o quê, aí ele falou assim, “Mas, podemos ir lá?”, bom, resumo da história, ele falou, “Você não tá me reconhecendo?”, falei, “Não, não to”, “Eu fui o...”, tinha um nome, não vou me lembrar agora, como se fosse o chefe dos quatro militares, sabe, do grupo ali, dos quatro que estavam me julgando, né? Uma espécie de coordenador dos quatro, alguma coisa assim, não me lembro, não. Ele falou alguma coisa assim, “e demorou seu julgamento por minha causa, porque eles estavam querendo te condenar e eu já te conhecia, do Movimento Estudantil e eu sei que você é legal, tal, não sei o quê, então eu pedi pra ler o depoimento todo, tudo ali, o processo todo” - eram quatro volumes, uma matéria, pra você ver como é que era! -, “então, por isso que demorou, e tal, e agora eu to de férias, não sei o quê e tal” e foi embora e também nunca mais vi. Mas, isso, então é isso. Aí, eu já como jornalista e a vida, sabe? Mas, isso me encheu a paciência dois anos depois de formado, eu me formei em dezembro de 1980 e isso foi até junho de 1982, um ano e sete meses depois que teve o julgamento no Tribunal Militar em Brasília, também absolvido, né, porque a promotoria recorre, então, são as duas coisas mais marcantes assim, dessa fase de adolescência e juventude, né?
P/1 – E você onde você fez faculdade?
R – Fiz lá, na Universidade Federal de Juiz de Fora, que eram três anos, 1979 eu entrei, exato; 1980, perdão, 1977, 1978, 1979. Eu terminei em dezembro de 1979, exatamente, eu entrei em 1977, 1977, 1978, 1979.
P/1 – Além do jornal e da farmácia do seu pai, você teve outras experiências profissionais, nesse meio tempo?
R – Não, não, não, não. Porque eu fiquei com ele até entrar na faculdade, né? Na farmácia, até 1977, aí, eu tive que largar porque tinha aula de manhã e a tarde, né? Então, eu falei, “Pai, não dá mais, porque como é que eu vou...”, “Não, não, não sei o quê” e tal, aí eu saía da faculdade cinco horas, às vezes tinha aula até cinco horas e ia pra farmácia, ficava com ele. Naquela época tinha, tem até hoje, Rodízio de Plantão, cada final de semana, era uma farmácia de plantão, aí eu ficava, né, no plantão, às vezes dobrava até meia noite, uma hora da manhã, pra ele descansar, pra ele passear e tal. Então, eu ficava na farmácia, às vezes, só nesse período, né? De final de semana. Então, mas não, aí depois da farmácia veio o trabalho no jornal, nesse jornal.
P/1 – Em que momento que você começou a gostar de cartões?
R – Ah, foi bem depois, foi bem depois, foi, porque aí, antes dos cartões, tem uma coisa, eu sempre gostei de cartas, tanto de escrever como de receber, né? Então, a minha ligação com os Correios, ela precede os cartões. Bem, mas muito, isso eu escrevia desde menino, desde menino eu gostava de mandar carta, sabe, pros outros, pra amigos, pra parentes e tal, pros pais, né? Às vezes mandava carta. Então, sempre adorei, sempre adorei, sempre, a vida inteira. E os cartões propriamente dito, tem pouco tempo, relativamente, tem pouquíssimos, mas é uma coleção de, talvez uns, quatro anos, sabe? Quer dizer, eu to com 54, né? Então, de 50 pra traz, não havia cartão postal. Mas, havia carta, sabe?
P/1 – E essa cartas de quando você era menino, pra quem você escrevia?
R – Escrevia, indistintamente, né, escrevia pra primos, né? Tinha primos que moravam em Belo Horizonte, primos que moravam em Urucanha, né? Eu acho que talvez também, pra incentivá-los a escrever, que eles apesar de serem muito queridos, todos, mas não gostavam do livro, da leitura, sabe, a gente se identificava, se juntava nas brincadeiras, né, ou pra ir pra rua pra tomar uma cerveja e tal, mas na leitura era difícil, sabe? Por causa talvez de educação, né, de não incentivo, então eu acho que eu... Outro dia eu tava pensando nisso, eu acho que eu escrevia pra eles, pra eles me responderem, sabe, como, me responderem e isso, acho que inconscientemente, eu queria que eles tivessem gosto pela escrita, né, por escrever e tal, aí como eu sempre gostei muito, eles falavam: “Ah, eu tenho medo de escrever pro Guiu” – que era meu apelido – “tenho medo de escrever pro Guiu, que como ele gosta de Português, ele vai ficar criticando erro da gente”, e é uma coisa que eu nunca faço, sabe? Apesar de gostar muito, eu nunca critico o jeito da pessoa escrever, ou de falar, imagina, que coisa absurda, né? Então, eu falava: “Gente, pelo amor de Deus, pode escrever, não tem nada disso”, sabe? “Não tem nada”, aí falavam, “Bom, se tiver, você pode me dizer que eu gosto de aprender, tal não sei o quê”. Então, era isso, basicamente, era assim, até pros pais eu escrevia dentro de casa, escrevia cartas e deixava, né, sobre... E eu lembro que não eram cartas muito pequenas, porque eu gostava muito de escrever, então eram coisas, por exemplo, carta pra Papai Noel, né? Eu descrevia tudo o que eu fazia: “Em Português, eu tirei tanto, em Matemática, eu tirei isso, fiz isso, olha em tal, essa aula não foi boa, Papai Noel, porque não sei o quê”, né? E deixava, “Pai, só entrega pra ele, mas tá tudo explicadinho, tá tudo aí”. Aí, era isso, então, sempre tinha esse lado de gostar de escrever e receber cartas sempre foi uma festa, né? Sempre, sempre, sempre, eu me lembro, quando chegava uma carta de algum parente, dizendo qualquer coisa, né? Eu tenho um tio muito simples, muito querido, muito querido, que mora em Ponte Nova, chama-se, Luiz Henrique, que tem pouco estudo, mas ele adora escrever, sabe? Eu gosto tanto dele que o meu filho menor, chama-se Luiz Henrique, em homenagem a ele, né, e ele escrevia sempre pra mim, escrevia cartas, eu lembro da letra dele, escrevendo e tal, cartas de folha de caderno, contando como estavam os filhos, né? Eu me lembro de uma carta - pena que a gente não... Ah, eu escrevia sabe pra quem também? Pra escritores, eu gostava de escrever pra escritores, então eu via um escritor, né, ou lia um livro, por exemplo, Dom Hélder Câmara, que tinha publicado um livro, eu pegava o nome da editora e escrevia: “Por favor, entregar...”, mas aí um pouco mais , já com faculdade e tal, e escrevia pra algumas pessoas, né, pra alguns escritores e, de vez em quando, um me respondia, respondia! Tem um gramático, um professor, chamava-se Celso Pedro Luft, era gaúcho, foi padre e ele saiu, ele era professor da Lia Luft, uma escritora e, ele deixou o sacerdócio pra se casar com a Lia, aí eles se casaram, aí ela conheceu o Hélio Pellegrino, deixou o Celso Pedro Luft, casou-se com Hélio Pellegrino, ficou viúva do Hélio Pellegrino, volta ela pro Rio Grande do Sul, e recasou com Celso Pedro Luft, até ele morrer, então ela é viúva duas vezes. Eu escrevi pra esse Celso Pedro Luft, sabe? Uma carta grande, sabe, sobre a minha paixão pela língua, inesperadamente, pra minha surpresa, ele me manda - eu perdi essa carta! -, mas, dez páginas manuscritas sobre a paixão pela Língua, dizendo pra eu continuar gostando do Português e tal, parará, pra eu não me importar com rigor, né? Então, o Correio tem essa... Nessa época eu morava no interior do Espírito Santo, sabe? Nessa, quando ele escreveu, né? Tem outro escritor também, que chama Alberto Manguel, pronuncia Manguel, que é um argentino, isso, que ele escreveu um livro sobre o prazer de ler, né? Saiu pela Cia das Letras, aí eu pego, sai uma, pra você ver como Correio é fascinante, saiu uma foto no Estadão, de um funcionário da SABESP, em cima dum caminhão, lendo um livro num intervalo do trabalho. Ele tava lá, o fotógrafo do Estadão, sacou e saiu essa foto. Eu recorto essa foto, mando, escrevo uma carta, pra ele, pro escritor, que nessa época morava no Canadá, escrevo pra ele, boto dentro do envelope, mando uma outra carta, para a Cia das Letras e falo: “Olha, aconteceu isso, isso, isso”, aí, dentro botei o envelope aberto, pra eles verem o que eu tava mandando, né? “Se você puder me fazer o favor, a gentileza de mandar pra ele, né? Porque é sobre o prazer da leitura”, daí tal, parará, parará. Daí a um mês, me chega um livro, do Canadá, mandaram a carta e ele de presente, me mandou um livro, sabe? Com fotos de pessoas, lendo, né? Então, isso eu sempre gostei de fazer, né, de escrever pra... Eu vejo assim e escrevo, se me responder ou não... E não, não me prendo a e-mail, sabe? Gosto, acho maravilhoso, mas nada substitui uma carta, pra mim nada substitui, sabe? Nada, nada, nada, de verdade, se eu quero me comunicar com alguém. Eu vou ao Correio, no mínimo, duas vezes por semana, independentemente de postal, vou mandar carta, vou tudo, sabe? Tenho caixa postal etc., etc. Então, eu acho e como o hábito decresce, tem decrescido, né, o hábito de escrever cartas e de colocar cartas, eu ainda sou da moda antiga, sabe? Eu gosto de mandar carta, acho que a pessoa que recebe se sente acarinhada, se sente bem, né? Tanto é que muita gente fala: “Esse me escreve carta, esse me escreve carta, esse me escreve carta”, sabe? Adoram, né? Então, voltando aos cartãos postais, aos cartões. Eu tinha um amigo que trabalhava comigo, que é filatelista, né? E trabalhávamos juntos e ele mostrava as coleções, eu falei pra ele: “Junior, engraçado, assim selo, eu acho bonito, mas não é, selo eu não posso escrever no selo, e tal”, ele falou, “Mas, Guilherme e cartão postal?”, eu falei, “Uai, mas por quê?”, ele, “É, cartão postal é uma coisa...”, foi ele quem me, né, me deu uma... “Quer ver?”, aí eu me lembro direitinho dele abrindo o site dos Correios, e os Correios, não sei atualmente, eu não sei, mas o Correio vendia, os Correios vendiam alguns postais, sabe? Uma série de postais, imagens, por exemplo, sei lá: Rio Grande do Sul, dez imagens do Rio Grande do Sul, postais feitos pelos Correios, né? Então, as primeiras aquisições minhas, que eu fiz foram via site dos Correios, ele mesmo entrava pra mim, esse Junior, “Ó, vou comprar aqui”, três reais, mais frete um real, pronto, ia pra minha casa. E assim, eu comecei, né? Eu sou um colecionador amador, né, assim, não tenho... Nesse tempo, eu conheci via e-mail e via postal, colecionadores que são rigorosos, as pessoas têm, sabe, um rigor na coleção que é uma coisa fantástica. Tudo organizado, tudo certinho, sabe onde tá cada postal, sabe onde tá cada coisa, não é a minha bagunça. Mas, eu acho isso muito interessante, sabe? E aí, entram não sei se posso, os vários tipos de coleções, né? Ou os vários tipos de... As várias vertentes dos cartões postais.
P/1 – O que você tem propriamente e o te que atrai, pra fazer esse tipo de coleção.
R – Tá, me atrai, basicamente, o conhecimento, seja o conhecimento cultural, de conhecer, por exemplo, uma bela imagem da Islândia, sabe, pra um cartão postal, né, do Sri Lanka, sabe, da Etiópia, né? Ou, esse é um lado, né? E um outro lado, é o lado de você criar laços fraternos, sabe? Eu acho que a coleção, o colecionismo, não só de cartão postal, o colecionismo, ele vai na contramão do individualismo, né, exacerbado, da coisa que você fica dentro da sua casa, fechado, sabe, isolado do resto do mundo, então, o colecionali... Colecionismo faz você se abrir pro mundo, né, receber afeto das outras pessoas, né, dar esse afeto em forma de cartão, ou em forma de moeda, tem gente que coleciona moeda, menu de navio, porque nessas... É muito interessante, nesses intercâmbios que a gente faz, vez em quando um pela internet fala: “Ó, eu tenho um amigo que mora no interior do Amazonas, que coleciona cardápio de navio” – o cara coleciona cardápio de navio! – “Quem tiver manda pra ele”. “Tem outro que mora não sei onde, que coleciona caixa de fósforo, quem tiver manda...” e assim vai, né, outro coleciona guardanapo, né, cartão telefônico, é muito também, né, agora tem menos, né, porque não usa mais, mas então, são vários os tipos de, de... E o cartão postal me fascina mais, porque vai uma mensagem escrita, né, nele; ele é um veículo da mensagem, eu não preciso de mais nada, eu escrevo ali, boto o selo, boto na caixinha do correio, não preciso de mais nada, né, não preciso de envelope, não preciso de fila, não preciso de nada, né, preciso de um selo, né, que cabe ali no postal, coloco ali, pronto, na caixinha do correio, ele chega lá, sabe, tranquilamente. E curiosamente, nesses anos todos, nenhum postal deixou de chegar, sabe? Então, esse é um Aldo, o outro lado, não, eu falei do conhecimento, né, de você dividir conhecimento, e uma coisa que me fascina muito também, é ver o interesse que as pessoas tem pelo Brasil, sabe? Isso é uma coisa que me deixa feliz, né, porque por essa multiplicidade de paisagens e de sotaques etc., etc., às vezes eu recebo alguém: “Mas, não é possível! Eu recebi um cartão postal do Rio Grande do Sul, aquele frio, não sei o quê e do Rio de Janeiro, tal, no mesmo país”, eu falei: “É, porque o país grande...”. Então, às vezes as pessoas querem postar esse das diversas, né, regiões do país. Seja das cidades históricas de Minas, das mulheres do Rio de Janeiro etc, etc, né? Então, pedem tudo, pedem tudo, tudo. “Ah, você tem postal do Mercado Ver o Peso?”, que é muito famoso e tal, então, você tem a possibilidade de agradar uma pessoa, né, e o cartão postal, produzido no Brasil é muito bonito, diversificado, você tem a possibilidade de agradar, de trocar informação, né, e de receber um postal, quer dizer, não há grandes, eu acho assim, no colecionismo não há grandes expectativas, sabe coisa de mudar.. É aquilo, é a simplicidade que faz a troca, a simplicidade que faz bonita a troca, sabe, que sustenta a troca, é isso, você manda uma coisa simples num envelope, né, ou sem envelope e recebe uma coisa simples no envelope, ou sem envelope, não tem nada, sabe, não tem nada por trááás, é aquilo, é aquela simplicidade, um retângulo de cartolina com uma imagem e uma mensagem, sabe? Eu acho que isso ajuda muito a vida a ser melhor.
P/1 – Você tem idéia de quantos, você tem hoje?
R – Eu acho que eu devo ter uns oito mil, sabe?
P/1 – Cartões postais.
R - Cartões postais, é uma coleção desorganizada, né, eu comentava que um dos maiores do Brasil hoje tem cerca de 200 mil e agente vê aí o cara na internet, o cara: “Ah, cheguei ao meu cartão 50 mil”, “Cheguei ao meu 30 mil”, eu nunca parei pra contar, sabe, é uma coisa que até eu gostaria de fazer, pra ter uma idéia e dar uma organizada, porque isso faz você... E também, por causa dos filhos, aí entram os filhos, sabe? Eu faço questão que eles me acompanhem, às vezes, pra eles tomarem gosto, pra eles verem como que funciona, sabe? Eles já têm essa noção de como é bonito, você ter contato com as pessoas, né, ou eles pegam um cartão: “Papai, que cartão bonito” – a gente passa em banca de jornal – “Papai que cartão bonito” e tal, sabe? Então, é isso, né, é uma coleção pequena, não é nada...
P/1 – E tem alguns especiais pra você? Com uma história que te emocionou? Uma imagem particular que você queira compartilhar.
R – Tem, eu mostro já? Esse daqui, ah, não, antes disso eu só vou dizer uma coisa, porque como cartão postal não é muito valorizado, o que que acontece, as pessoas juntam o cartão, guardam o cartão, até determinada época, no dia de faxina, joga fora, porque não tem... aquilo ali, como que a gente diz, factual, né, é daquele momento: “Olha, estou aqui numa viagem, em Paris, mando uma mensagem, tchau”. Então, a pessoa manda, nós estamo em 2013, manda em 2009, né, ou já morreu, ou não é mais amigo, ou sumiu, então, a pessoa pega e joga fora, né? Pra nós colecionadores não tem data, né, não tem data, pode ser de meia hora, ou pode ser de cem anos, né, o importante é o papel. E, além disso, o valor histórico barra sentimental, que ele carrega, porque esse daqui, por exemplo, me foi dado, né, me foi doado, não veio pra mim, mas me foi doado por um frei, frei Beto, que ele recebeu, quando estava na cadeia, né, ele foi preso político durante quatro anos, é frei dominicano, foi preso, foi preso, ficou preso aqui no presídio Tiradentes, na avenida Tiradentes, que não existe mais o presídio, era em frente ao Museu de Arte sacra, depois ele ficou preso como preso comum em Presidente Venceslau, Presidente Prudente. Entçao, esse daqui foi enviado a ele, no dia 14 de agosto de 1971, por uma pessoa em Roma, um cartão postal de Roma, né: “No lugar onde Paulo foi decapitado, pedi ao senhor que nos dê a força da sua fidelidade para segui-lo até o fim, com afeto...”. Então, ele me disse, quando ele me deu, ele disse: “Olha, receber isso na cadeia pra nós é uma, sabe, é uma benção, é uma... Você fica com aquilo ali, vê que a pessoa tava lá em Roma, lembrou de você, né...”. E ele me deu outros cartões também, enviados para a mãe dele, para a mãe dele que era - morreu há pouco tempo -, que era uma das melhores cozinheiras de Minas Gerais, Maria Stella Libanio Christo, que era... A família enviava pra ela, era uma senhora de muito, de muito carinho e tal. E tem uma outra, um outro caminho que são, que também tem a ver com os Correios, que são esses envelopes, esses envelopes é o seguinte: há uma troca mundial de envelopes, né, quando se chama, fala envelope, inclui envelope, aí inclui os selos, não é trocar o envelope que você compra na papelaria, você diz: “Ah, vou pegar dez envelopes e mandar”, não, você manda, vai ao correio, né, você preenche o envelope direitinho e você manda com o selo comemorativo, que são esses selos produzidos pelo correio e que você só usa com cola, né? Há uma diferença entre o selo comemorativo e o selo adesivo de uma carta que a gente, uma carta comum, aí, né? Então, você tem que mandar o selo comemorativo, não vale o selo adesivo.
P/1 – Essa primeira carta que você me mostro, é de onde?
R – Essa daqui é da Rússia, não, perdão, essa é da Síria, essa é da Síria, né, essa é que é da Rússia, essa é da Rússia, essa é de Cuba, mas só uma... Não é carta, dentro não vem carta, sabe? Existe, por exemplo, o meu coordenador, o coordenador do meu grupo é um polonês, do interior, interior da Polônia, então que que ele faz, ele manda pras pessoas que são do grupo uma lista de um, dois três, quatro, cinco nomes, né? Então, tá lá o meu nome, em algum lugar, né, quando ele me manda diretamente, ele me manda cinco listas, o primeiro nome em cada lista é o meu, aí eu pego aquela lista e vejo na primeira lista, eu vou mandar pro cara da Índia, aí eu escrevo, né, pego o envelope, selo, bonitinho, mando pra pessoa da Índia, dentro eu mando a listinha, né? Pra preservar o envelope e evitar que ele amasse, a gente sempre manda, ou um papel quadrado, uma cartolina quadrada, ou um cartão postal, eu mando cartão postal. Então, ele chega lá, chega a carta na Índia, ele pega abre, a terceira pessoa é um cara do Japão, aí o cara da Índia manda pro Japão, do Japão manda pra França, por hipótese, o último devolve pra Polônia, pro da Polônia saber que todos estão participando, sabe? E só vai receber outra carta, aquele que realmente participou e ele sabe onde parou, né? Então, isso é muito legal, então isso eu também faço há muitos anos, né, esses...
P/1 – Fala um pouquinho desses selos comemorativos, quais são as características deles?
R – O selo comemorativo, eu assim, eu acho muito bonitos, eles são muito bonitos, mas eu não sou um filatelista, né, o filatelista, eles, o próprio nome já diz, eles comemoram uma data, né, um personagem, então tem Jorge Amado, tem natação, tem vôlei, tem selo do Lula, tem Juscelino Kubitschek, ou entidades, né, e os Correios agora já fazem selos personalizados, se você quiser fazer um selo com a sua cara, você faz, né, você vai lá e faz e paga um tanto e manda e tal. Mas, é isso aí você vai na agência central dos Correios no Anhangabaú, e lá você tem... Lá, pra quem gosta de selo, também pra isso, lá é o paraíso, né, você tem todos os tipos e um atendimento de primeira, que eu acho maravilhoso, que elas, os e as, hoje os funcionários, entendem de selos, eles gostam, sabe, eles gostam do que eles fazem, né? Então, é maravilhoso você chegar num lugar desses, te chamar pelo nome, né, chamam pelo nome, que muitos conhecem pelo nome, né, e você conhece as pessoas pelo nome, fala: “Rita”, por exemplo, é a minha... “Rita, que que tem aí de legal de 27 centavo?”, né, que como eu mando pro exterior, não pode ser um valor muito alto, né, porque o selo comemorativo, tem nele, o valor facial, que a gente chama, o valor tá aqui escrito, você não pode mandar um selo comemorativo, um selo, pra essa turma, o valor tem que tá aqui, sabe, você tem que... e ele ser, assim, ele é colado, né, ele não é adesivado, a pessoa sabe, né, então você vai lá, você compra o tanto de selos, né, o mais barato hoje, envelope mais barato pra você mandar, porque aí tem os grupos: grupo um, grupo dois, grupo três, grupo quatro, grupo cinco. Grupo cinco, por exemplo, é Rússia, China, então os países mais distantes, que se paga mais, acho que é três e cinco hoje, o envelope mais barato, que vai até 20 gramas. E os mais em conta, aqui, Argentina, Chile e tal, né, pro exterior, selo, envelope prioritário, que você manda, que você paga mais, né? Então, você manda, depois vem grupo um, grupo dois, o grupo quatro é o da Europa, que é o que concentra mais, né, Itália, frança, Alemanha, Alemanha te muito, Suécia, Dinamarca, Noruega, então, esse você paga, hoje a dois e 55, né, pelo envelope mais barato, né, até 20 gramas. Então, mais ou menos você sabe, você pesa na mão já, a mão sua já, quase que Sab: “Não, esse envelope aqui tá passando de 20 gramas”.
P/1 – E você tem muitos amigos? Você já fez amizades?
R – Muitos, muitos, muitos, muitos, virtuais, né, virtuais, porque um mora na Bahia, outro mora, esse, Martinópolis, outro mora, Portugal, né, muitos em Portugal, muitos, muitos, que aí começa vir uma troca epistolar, também, você acaba escrevendo mais coisas, fora da troca de postais e recebendo, né, jornalista e tal, então você acaba criando esses vínculos mais, mas virtuais só, né? Cartões postais, né, de ter... Não de amigos presenciais, então lá no Rio de Janeiro e por aí vai, né? Então, não tem, mas tem grupos que se encontram pra trocas, por exemplo, grupo que coleciona cartões postais de estádios, eu leio na internet que eles se encontram, “Ah, vai ter um encontro de colecionadores de cartões postais de estádios” - quer dizer -, “em” - sei lá -, “Campinas!”, né, então, as pessoas se organizam, ou, “Colecionadores de cartões postais de estádios de São Paulo, Rio e Minas”, então se encontram em Campinas pra trocar postais, pra se falar das novidades, e tal, né? “Colecionadores de cartões postais de pontes e viadutos”, tal, tal, tal, de igrejas, de praias, de animais, tem, o pessoal vai se, se, é... Tem outro tipo de cartão postal também, que vale a pena falar, que são os cartões postais, de publicitários, perdi o nome agora, cartões postais que a gente fala, que são os gratuitos, que a gente encontra em stands, não me lembro dele, não me lembro o nome, perdi o nome, puxa vida! Você pega os cartões postais, os cartões postais que você não precisa comprar, sabe?
P/1 – Promocionais?
R – É, mas tem um nome específico, daqui a pouco eu me lembro, faltou. E esses cartões, você pega Spoletto, geralmente são firmas, né, empresas que fazem, você pega nos stands, você troca, sabe, você troca, são gratuitos, né, então, você troca dez por dez, né, cinco por cinco, cartões postais dessa, dessa, dessa linha. Não são muito porque, às vezes a qualidade deles não é boa, umas coisas meio, meio feinhas e tal, não bem... Eles querem mais divulgar a marca, né, a empresa e não tem, por exemplo, a qualidade da imagem, é meio bobinha e tal, mas tem quem colecione, então, tem o “Encontro de colecionadores de cartões postais...”, sabe? Esses, né, gratuitos.
P/1 – Você tinha comentado que o seu pai gostava muito dos Correios...
R – Meu pai sempre gostou muito, é verdade, ele sempre gostou muito, eu tive muita influência familiar, pra Língua Portuguesa, né, meu pai sempre gostou, meu pai sempre elogiou, sempre elogiava os Correios. Ah, quase que eu ia me esquecendo, o irmão dele era funcionário dos Correios, lá em Juiz de Fora, sabe? Tinha um tio meu, que já morreu, que foi funcionário dos Correios muitos anos em Juiz de Fora, né, então ele, esse tio também fazia muita questão de divulgar os Correios, de dizer como que era lá dentro dos Correios, né, eu tive uma amiga do colégio, cujo pai era diretor dos Correios, ela morava nos Correios, o prédio dos Correios tinha um apartamento atrás, então a gente passava, pra ir à casa dela, passava, às vezes pelo lado, numa entrada lateral assim, né, então aquele prédio de noite era bonito, né, a arquitetura dos Correios sempre é muito bonita, nos prédios próprios, então, isso tudo vai criando uma aura bonita em torno da instituição, né, de gostar muito. E ele gostava muito de escrever cartas, né, meu pai, minha mãe também, mas o pai, e ele incentivava e, é isso que eu falo com os meninos, tem que gostar porque as pessoas, tal, tal, tal, tal, tal, tal. Então tinha essa, ele não colecionava nada, né, mas era só a influência e o, né, me aconselhando a usar, utilizar os Correios, né?
P/1 – Existe algum carteiro que tenha sido marcante de alguma forma? Que você conheça?
R – Não, não tenho não, não tenho não. Curiosamente, fui ter agora com essa troca de postais, que um dos colecionadores mais próximos é baiano e carteiro, né, chama-se Jobson, que é uma pessoa que eu também conheço só por carta, né, que é uma pessoa muito querida e tal, ele tá sempre divulgando que ele pode trocar e tal, mas que eu me lembre assim não tinha um específico, não, não me lembro de nenhum que tenha marcado, não, sabe?
P/1 – Você comentou do Frei Beto e como é importante para quem está preso receber uma carta e nós entrevistamos detentos e eu gostaria de saber se você tem alguma história que envolva detentos, de repente uma troca de cartas, ou cartões com algum...
R – Não, claro porque aconteceu um fato muito curioso na minha vida que foi assim, eu sempre, sempre não, trabalhei alguns anos em, como jornalista da igreja, sabe, e eu fui certa vez com um padre, né, padre Júlio Lancelotti, eu fui com ele à uma cadeia, um presídio feminino do Tatuapé, eu fui com ele pra eu, era Campanha da Fraternidade, e era uma época em que tinha... Nós fizemos no jornal uma série de matérias sobre presídios. Então, eu fui lá, fui ao Carandiru, né, a outros presídios, porque o tema da Campanha da Fraternidade era esse, o tema da Campanha da Fraternidade era a situação carcerária. Então, eu fui lá e acabei ficando amigo de várias detentas, ali naquele momento, né, porque me viam como um amigo, né, então eu escrevi sobre a missa como foi e acabei ficando amigo e eu me correspondi com umas três ou quatro, né, e aí, curiosamente um dia, morava num outro apartamento, eu estava sozinho, não tinha namorada, nem nada, tava com a mala pra ir pro Rio de Janeiro, eu ia descer pro elevador pra entrar no carro e ir pro Rio de Janeiro, na hora, eu tava saindo de casa, toca o interfone, batendo, era uma voz diferente, sabe, uma voz estrangeira, né, de mulher, eu falei: “Quem tá falando?”, achei que era engano, né? “Quem tá falando?”, era uma presidiária que eu havia conhecido lá, que tinha sido solta, com o endereço meu, bateu lá em casa pra poder ficar, até receber o visto, ela era Suíça, pra receber o visto pra voltar, pro país dela. “Eu não sei, eu to perdida, eu tinha uma carta sua com endereço, vim bater aqui” (risos). Aí, eu falei assim: “Suba!” e ela subiu, aí ela entrou era uma senhora já, tinha sido presa por tráfico e aí, eu falei: “Ó, você tá vendo a mala, eu to indo pro Rio de Janeiro”, era feriado de Corpus Christi, “Eu to indo pro Rio de Janeiro” “Não, mas...”. Aí, ela achou que eu não ia, aí eu falei: “Não, mas você pode ficar” “Posso ficar sozinha?” “Claro, você pode ficar na minha casa, não tem nenhum problema”, né, ali tem uma padaria, supermercado não é longe e tal, devo ter dado um dinheiro pra ela, porque tava sem grana, “Mas, eu vou, porque não vou levar você” “Mas quando o senhor” – senhor, né? -, “mas quando o senhor volta?” “No domingo a noite ou na segunda-feira de manhã, porque eu trabalho segunda-feira a tarde” “Eu posso?” “Claro que pode, não tem nenhum problema, pode ficar à vontade”. Então, ficou lá, aí voltei – foi muito curiosa essa... tudo pela carta -, aí, eu volto e ela falando que tinha sido presa injustamente e que tal e que parará, e que não sei mais o quê, aí eu falei assim: “Então, tá bom, eu vou trabalhar, a volta a gente conversa”, isso na segunda-feira. Aí, eu voltei, né, aí eu comprei uma garrafa de vinho, botei em cima da mesa assim, e falei, “Agora você vai me contar a sua história, a verdade, não vem contar conversa que foi presa injustamente, porque é conversa fiada, não vem com esse papo”, sabe? Aí, ela ficou assim, “É, eu tava envolvida mesmo e tal, mas eu tava envolvida com a luta armada” “Que luta armada você tava envolvida? A sua não era luta aramada, a sua era cocaína, para com essa bobagem pra cima de mim!” Aí, ela ria né, falei, “Toma o vinho aí e me conta a sua história”, então, ela contou a vida dela toda, sabe, foi muito legal, ficou lá em casa mais uns cinco dias, depois recebeu o visto e foi embora, nunca mais vi, nunca mais ouvi falar. Então, teve esse tipo de aproximação, né, ela pegou pelo envelope, tava o endereço, ela guardou o envelope, certamente, não me lembro, mas devo ter escrito pra ela alguma coisa, ela guardou, ela disse que entrou num táxi e falou assim: “Ó, me leva pra esse lugar”, ou ônibus, não sei, aí ela bateu lá em casa, ficou amiga e tal, Simone, chamava Simone. Então, tem essa lembrança interessante de Correio, né? E tem uma também do Carandiru. O Carandiru, também nessa época, né, Ubirajara, não me esqueço o nome, eu fiquei amigo desse Ubirajara, era um senhor, sabe, fiquei amigo? Conheci ali, né, mas como eles sempre disseram que as pessoas vão, prometem e não fazem, né, eles sempre ficam receosos, né, com um pé atrás, falam: “Ah, esse cara ficou de escrever” e eu faço, fiz questão de quem eu falava, anotava e tal. Então, anotei o nome dele e mandei pra ele, mandei jornal, mandei revista, mandei livro, mandei carta e a gente se correspondeu assim, uns seis meses, eu acho, de repente ele parou, de repente ele parou de escrever, sabe, de uma hora pra outra. Ele já tinhas seus 60, 65 anos, tinha morrido, morreu, mas morreu dentro da cadeia, né? Eu não me lembro agora, isso foi em 1996, quase 20 anos, né? Mas, não me lembro como, acho que foi um amigo, que pegou o endereço e me escreveu uma carta, “Olha, tenho a lhe dizer que o seu Ubirajara morreu e tal, parará, parará, do coração, não sei o quê, não sei o quê, não sei o quê”. Aí, eu também não tinha o endereço da família, nem nada, aí né? Senti muito né, você acaba ficando muito perto da pessoa, né, aí, e é isso que você falou, a felicidade que tem, uma pessoa dessa pra receber, quando recebe uma correspondência, é a nossa elevada a enésima potência, porque eu tenho esse prazer, essa alegria, agora uma pessoa que tá encarcerada, que não tem contato nenhum com o mundo, né, recebe por intermédio de uma carta notícias lá de fora, né, de uma pessoa estranha, se sente valorizado, né, sente querido, né, abraçado, na verdade é isso, então são as duas lembranças mais fortes assim de contato, com... Também tem uma outra, você falou e eu to me lembrando agora, eu participei de um Grupo Jovem, participei de um Grupo Jovem, em Juiz de Fora, na igreja católica, né, quando você tinha 13, 14 anos, nós tínhamos um Grupo Jovem lá, era muito interessante isso, meus domingos de manhã, era ir pra cadeia jogar bola com os presos, sabe, que era, chamava-se Penitenciária de Linhares, Linhares é um bairro de Juiz de Fora, que era depois o lugar que eu ia se eu tivesse sido condenado, na Lei de Segurança Nacional, que é o presídio que abrigou vários presos políticos, sabe? A Comissão da Verdade que existe hoje já ouviu gente, ex-detento de Linhares, em Juiz de Fora, né, você imagina eu ia lá pra jogar bola, cinco anos depois eu ia lá como preso, “ah, não quero!” E a gente ia pra lá, o Grupo Jovem ia pra lá, sabe? E o pessoal se espantava, falavam pra família, né, pros pais: “Seu filho tem 15 anos, vai pra cadeia pra jogar bola?!” “Que que tem, deixa o menino ir jogar bola e tal”, era uma festa, sabe, nossa senhora! Então, também com eles eu me correspondia, em casa, escrevia pros presos que a gente ficava amigos lá, amigo, e eles sempre escreviam, né, então tem essa outra, tudo, tudo com os Correios, né, tudo envolvendo os Correios, tudo tendo o correio como intermediário, aí, aproximação com as pessoas, né? Acho que por valorizar muito, né, valorizar muito a carta, sabe, a proximidade epistolar, a proximidade feita pela carta, eu acho que ela é, não é só diferente das outras, mas é melhor, eu acho que é mais profunda e é mais... Um telefonema, ou e-mail vai embora, vai pra caixa de coisa e tal, a carta fica, né, a carta fica, a carta permanece, o cartão postal permanece, né, aquilo é marcante na sua vida, né? Então, eu acho que é isso.
P/1 – Você é casado?
R – Sou casado, tenho dois filhos, sou casado com a Sônia, que é advogada, é artesã, somos casados desde 2001, né, temos dois filhos: o João Vítor, de 11 anos, que estuda no Colégio Marista, e o Luiz Henrique de oito anos, que estuda numa escola aqui na Aclimação, chamada Arvoredo, duas maravilhas, né, achei que não ia ser pai, fui pai depois dos 40, fui pai com 43, aí veio o João Vítor e, em seguida, em seguida não, três anos depois, veio o Luiz Henrique, que são duas bênçãos, né? Duas coisas maravilhosas, eu achava que... A minha única, se eu tenho uma tristeza na vida, é meu pai não ter podido vê-los, não ter, né, morreu antes, porque ele era louco comigo e ele seria louco com os meninos, certamente, ele ia, sabe, morrer pelas crianças, que eles são muito carinhosos, são muito queridos, são muito estudiosos, sabe? A gente se dá muito bem, eu com os filhos, nós nos damos muito, muito bem, muito amigo, de jogar bola, faço com eles um pouco do que eu recebi, né? Basicamente, isso, tento, falo com eles, se vocês gostarem de mim, um décimo do que eu gostava, que eu gosto do meu pai, eu já to feliz, sabe, feliz, não preciso de mais nada.
P/1 – E hoje quais são as coisas mais importantes pra você, Guilherme?
R – Hoje? Criá-los num ambiente de fraternidade, sabe, nós temos uma casa num condomínio, não é nem um condomínio, é numa eco-vila, chama-se eco-Vila Clareando, que fica na cidade de Piracaia, depois de Atibaia, que é um projeto de um casal amigo, muito querido, ele é engenheiro agrônomo e ela é advogada, eles compraram uma fazenda e dividiram a fazenda, então, você tem lá você tem o seu lote, né, mas o lote é aberto, cê não pode ter muros, né, e tem uma vida comunitária, sabe? Então, nós temos nessa casa tá pronta tem uns cinco anos e um dos nossos desejos, né, meu e da Sônia, é que eles cresçam respeitando a natureza, sabe, respeitando o ser humano, mas basicamente, respeitando a natureza, então isso lá, tem muito, né, além dessa vivência, tudo é feito em comunidade, sabe, tudo é feito em mutirão, então, essa sociabilidade, nós fazemos muita questão deles, pra eles não ficarem presos a eles próprios, ou às coisas, à televisão, então a gente vai pra lá e to dando a entrevista, acabamo de chegar tem duas horas, tamo lá desde quinta-feira, né? Eles tão de férias, tamo lá, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo e, coincidentemente ou curiosamente, hoje foi a primeira vez que pegou internet na minha casa, na nossa casa lá, né, então, quer dizer, era um mundo meio aparte, né, não pega celular, não pega internet, então, você fica livre entre aspas, pra você plantar, pra você limpar o terreno, ajudar a limpar o terreno dos outros, pegar tijolo pra casa dos outros e tal, então isso é muito legal, então nós temos esse desejo concreto, né, essa ação, iniciativa concreta de fazer com que os filhos tenham esse respeito. Outra coisa que eu faço muita questão, é que eles tenham amigos, eu falo pra eles, “Olha, gente sem amigo, é gente pobre, e não a pobreza... Gente pobre é gente que não consegue viver com felicidade, porque tem que ter amigo, amigo. Amigo é isso, é isso, é isso, é isso, é isso”. Felizmente, tem coisa, né? E aí, eu tenho uma vida muito simples, né, não tenho nada, né? E a outra coisa é trabalhar, né, trabalhar pra mantê-los, né, pra criá-los num ambiente bom, tranqüilo, né, que eles tenham muita alegria com as coisas, eu acho que a gente não consegue fazer muita coisa sem alegria, né, nessa linha que você tá falando, ou profissionalmente, de maneira geral?
P/1 – O que for importante pra você.
R – Não, profissionalmente, eu nunca fui um jornalista! Eu gosto do jornalismo, sabe, também é a única coisa que eu sei fazer, mas eu nunca fui um jornalista como eu vejo outros jornalistas, 24 horas por dia, a pessoa tem que tá, não. Eu gosto do jornalismo, mas se eu tiver que deixar o jornalismo hoje, pra ser motorista de táxi amanhã, não tem nenhum problema, nenhum problema. Se eu tiver que deixar de ser motorista de táxi amanhã, pra ser gari, porque não acho... Não tem problema, sabe? Vou trabalhar, não gosto de não trabalhar, porque tem que trabalhar pra cuidar dos filho. Então, mas há uns dois anos - eu sempre gostei de revisão -, sempre, a vida inteira eu gostei de revisão, sabe, e tem uns dois anos e meio que eu sustento a turma só com revisão né? Às vezes faço edição de algum livro e tal, sinalizo alguns textos, pro Museu da Pessoa, e... Mas, a revisão, ela sustenta a casa, sabe? Ela sustenta a casa porque não falta, felizmente, nada, então, fazer isso, estar sempre atualizado, né, com a Língua e tal, então, é isso, não tenho grandes coisas, é continuar vivendo assim, porque tá bom, nesse caso, não dá pra mexer no time, porque o time tá indo bem, tá jogando bem, tá tranqüilo com a casa lá, fazendo essas coisas boas que, hoje até, um dos assuntos na vinda, foi se não daria pra morarmos lá, sabe? Porque exatamente um dos empecilhos era a inexistência, não ter acesso à internet, hoje quando veio o acesso, que eu escrevi pro Zé Santos, né, sobre a ausência de grande parte da coleção, então um dos empecilhos foi extinguido, né, foi extinto, que é a ausência de internet, então, já tem, o celular pegou, não é, então, mas aí implica outras coisas e tal, talvez daqui um ano, mas seria uma experiência boa, sabe, ter uma vida menos, menos dependente do dinheiro, sabe? Isso pra mim é muito, porque eu nunca tive uma relação com dinheiro muito boa, sabe? Nunca foi meu dom, sabe? Nunca me subjuguei a ele, pelo amor de Deus, sabe, falo pros meninos: “A gente tem que ser dono do dinheiro, ele tem que tá embaixo, a gente tem que pisar nele, sabe? Pra ele saber que nós mandamos, ele não pode mandar na gente!”. Sabe, isso, Stella, faço questão absoluta, porque tive isso dos pais, sabe, dinheiro a gente tem pisar e estraçalhar o dinheiro, né, no bom sentido, também não precisa, né, mas pra ele saber onde é o lugar dele, sabe? Que ele tem que nos servir, a gente não pode ser submisso e servil ao dinheiro, então lá, teria isso, teria uma vida menos presa ao dinheiro, né? Não pagar condomínio, não pagar isso, não pagar aquilo, não pagar escola cara, não pagar, né? Então, você vai diminuindo um pouco o que algumas pessoas tem chamado agora de decrescimento de expectativas, né? Quer dizer, você diminui um pouco as suas expectativas, os seus gastos, então você não precisa trabalhar tanto, você não precisa ficar 24 horas, né, onde eu posso fazer propaganda da revisão? Onde eu posso isso? Ficar dependendo, às vezes, né... Você tem a sua renda, você tem algumas coisas que você faz mensalmente, que dão um trocado, pra dar garantia e você consegue ter uma vida menos isso, menos ligada a essa dependência que você tem que ter pra pagar suas contas, né?
P/1 – Guilherme, pra gente encerrar, como foi contar aqui a sua história e a sua história ajudar a contar a história dos 350 anos de Correios?
R – Olha, eu agradeço demais, porque eu não esperava que fosse... Eu tava meio tenso, lhe confesso, porque eu achava que seria uma coisa, mais técnica sobre o cartão postal, sabe, que é um domínio que eu não tenho, assim também não tenho muita coisa, essas pessoas que colecionam com mais, tem um deles que fala, por exemplo, no cartão postal, você tem que ser obsessivo e não ser obcecado; obsessivo assim, você quer uma coisa que você não tem um cartão postal feito na Malásia, você tem que achar um jeito de alguém na Malásia, não sei o quê. Então, mas quem faz por diletantismo e por prazer, não tem muita, isso, não tem muita pretensão, né? É isso, é colecionar, gostar de fazer, então, eu tava meio tenso, né? Mas, eu fiquei tranqüilo, primeiro porque quando começou o jogo, vocês aqui em casa, tão agradáveis, tão simpáticos, eu já relaxei, né, e falar de uma coisa que eu gosto muito que é o Correio, sabe? Adoro, adoro, sempre gostei, né, sou usuário, freqüento os Correios, normalmente, fiquei feliz porque mudamos pra cá agora, tem uma agência que dá pra eu ir a pé, né, tranqüila, pertinho aqui, a agência da Aclimação, então, conheço, as funcionárias pelo nome, né, então, falar dos Correios é, pra mim é muito simpático, porque me acompanha, eles, né, o assunto me acompanha, tranquilamente, desde os oito anos, desde os sete anos, né, tem mais de 40, 50 anos, que eu acompanho de várias vertentes, de várias maneiras, então, posso contar mais uma história dos Correios? Esse tio, é uma história bem humorada, esse tio que trabalhava nos Correios, tinha o peculiar nome, meu avô dava pros filhos o nome, cada nome... Meu pai era o menos complicado, era Diógenes, mas o irmão dele funcionário dos Correios tinha um nome de Iambá, I, A, M de moça, B, A com acento no A, Iambá. Era o tio gambá, né, aí funcionário dos Correios, aí a gente tá falando de 31 de dezembro, lá pra trás, acabado o serviço, terminado o serviço, eles iam passar meia noite trabalhando.
P/1 – Que ano isso?
R – Ah, isso deve ter sido 1964, 1965, 1966, eles me contam isso, porque eu não me lembro. Então, terminado o serviço, os amigos, cada um levou ali um champanhe, um salgadinho, pra eles comemorarem o ano novo, né, e começam a tomar, já tinha terminado o serviço, mas tinham que ficar lá pra cumprir o horário. Toma champanhe, toma champanhe, toma champanhe, só homem, né, uns dez, 15 homens, toma champanhe, toma champanhe, toma champanhe, eu imagino a cena, e meu tio era a timidez em pessoa, sabe aquela coisa, aquele homem reservado, sabe, fechado, calado, e tal e aí, já meio alto de champanhe, ele começa a fingir que estava fazendo strip tease, e os amigos o incentivam e ele tira a gravata, tira o paletó, ou o uniforme dos Correios não me lembro e fica só de cueca e sobe, na mesa ali e fica como se tivesse fazendo um strip tease, dançando, todo mundo batendo palma, abre a porta, o chefão dos Correios que estava em casa, não que tenha ouvido nada, foi lá cumprimentar os funcionários pelo Ano Novo, falou pra mulher, “Vou lá cumprimentar os meninos pelo Ano Novo”, né? Imagina, quando ele abre a porta aquela cena, né, 14 homens batendo palma e meu tio de cueca, aí disse que ele fica parado na porta assim e todo mundo: “Iambá, Iambá, Iambá”, todo mundo apontando pra porta, imagina, né? Então, ainda tem essa cena hilária dos Correios, né? E a figura, né, uma figura muito reservada deve ter passado maus momentos. Eu adoro os Correios e foi ótimo, contar um pouquinho aí da história dos cartões, né?
P/1 – Que bom, pra gente também foi ótimo e muito divertido.
R – Legal? Bom, Caio, ou não?
P/2 – excelente!
R – Ah, que bom porque eu achei, “nossa, será que eu corresponderei?”. Falar que é do Museu da pessoa, não é não, você é doido?
P/1 – Quer mais alguma coisa?
R – Não, não da minha parte não, eu acho que era isso mesmo, não tem muita, não falei tudo.
P/1 – Eu acho que sim.
R – Não é? Nossa senhora.
P/1 – Foi suficiente, tá muito legal, Guilherme. Muito obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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