Chocolate campineiro

P/1 – Bom, pra começar eu gostaria que você me dissesse o seu nome completo, o local e data de nascimento.

R – Bom, meu nome é Vera Lucia Rozene Rodrigues, eu nasci em Campinas no dia 4 de agosto de 54.

P/1 – Qual o nome dos seus pais?

R – Meu pai chama José Rozene, e minha mãe chama Eneida Terezinha.

P/1 – Qual que é a origem da sua família?

R – Ta bom, meu pai, toda a família do meu pai é daqui de Campinas, minha mãe é de Amparo. Todos eles vieram da Itália, todos os ancestrais são italianos. Os bisa, todos italianos.

P/1 – Você já falou da origem deles, você se lembra dos seus avós?

R – Claro! Sem dúvida.

P/1 – Como eles eram? Qual lembrança que você tem deles?

R – Doce, são gente muito simples, meu avô, por exemplo, pai do meu pai, tinha aquele olhinho azul, assim da cor do céu, um azul profundo, era uma pessoa calma, tranqüila, dava segurança pra gente, sabe? Era assim. Minha avó, descendente de portugueses, meu bisavô era português também, agora já na parte. Era uma pessoa muito especial a minha avó, fazia um bolo delicioso, um bolinho de abóbora como ninguém [risos]. Então as lembranças que a gente tem dos avós são muito legais.

P/1 – E qual a atividade deles?

R – Bom, o meu avô, ele era chacareiro. Quando a gente era criança, ele era chacareiro. Ele tinha chácara, ele plantava verduras, e tinha gado, tinha vaquinha, vendia leite, e tinha porquinho também. Então ele tinha uma chácara e nela ele trabalhava, então não era um sitio, não era nada, era uma coisa pequena, mas ele sobreviveu e subsistiu a vida dele fazendo isso. Plantava um agrião delicioso, um almeirão fantástico, uma couve maravilhosa; e a gente cresceu e viveu comendo assim, né, se alimentando daquilo que ele plantava.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Tenho. Tenho uma irmã.

P/1 – Dá pra sentir que você fala com muito carinho dos seus avós, dessas lembranças mais antigas, como é que foi a sua infância?

R – Então, a minha infância foi super assim, eu acho, pros padrões de hoje, eu acho q a minha infância foi uma infância! Porque a gente brincava na rua, a gente brincava na terra, a gente tinha a liberdade de brincar, né, brinquei muito na minha vida, muito assim. Na minha infância ate os 12 anos eu me lembro de brincar muito, né, então como a gente morava num lugar tranqüilo, era uma chácara, então a gente fazia de tudo, né, brincava com terra, com água. Então tinha muito essa coisa da mão, essa coisa de brincar com as coisas naturais, né, então a gente às vezes não tinha nem muito brinquedo. Brinquedo de comprado na loja não tinha, mas a gente tinha [maxuxo] pra fazer animais, a gente tinha água e areia a vontade pra construir, fazer casinha, fazia isso, fazia aquilo. E a gente brincava muito, então foi uma infância. Olha, eu achei que, acho que a minha infância foi uma infância muito feliz, foi uma infância muito, tenho excelentes lembranças. Adorava por exemplo, você quer ver, o que eu fazia muito quando era criança? Porque eu sempre fui a única menina no local, porque eu tinha 2 tios que eram mais velhos do que eu uns 7 anos, então eram as pessoas com quem eu brincava. Então eu adorava soltar pipa, eu fazia pipa, eu era a melhor pipeira do bairro. [risos] Eu jogava futebol, então foi uma infância legal, foi uma infância que pra mim foi muito boa. Eu acho que isso tudo contribuiu pra eu ser como eu sou hoje, eu acho. Lá atrás.

P/1 – Essa sua família sempre foi toda aqui de Campinas mesmo?

R – É. Sempre aqui.

P/1 – Toda a sua formação familiar.

R – É daqui. A raiz nossa é aqui, aqui em Campinas, a gente obviamente tem parentes, parte da família que moram em São Paulo, outras partes que moram aqui em Amparo, a família da minha mãe, mas o grande foco da nossa família ficou e se estabeleceu aqui em Campinas.

P/1 – Você falou que o seu avô era chacareiro, você tem alguma lembrança de acompanhar seus pais a fazer compras, em Campinas. Porque tem muito disso, a criança acompanhar os pais quando os pais fazem compra.

R – Ah sim!

P/1 –Tem lembrança disso?

R – Claro! Eu tenho lembrança sim, porque quando a gente era criança a gente vinha com os pais, principalmente na época do Natal. Porque na minha idade a gente comprava as coisas, vinha pra cidade com os pais na época do Natal, porque tava a cidade enfeitada, vinha ver o Papai Noel, então a gente vinha com eles pra fazer as compras de Natal. E eu me lembro de uma vez que nos andamos a 13 de Maio, eu e a minha mãe, eu acho que eu devia ter quanto? Cinco, seis anos. Eu me lembro desse fato perfeita e nitidamente. A minha irmã havia ganhado um carrinho de bebê, sabe carrinho de bebê De criança, de empurrar com um bebê dentro, da madrinha dela. E eu queria um igual.[risos] não tinha mais, era véspera de natal. Então isso ficou marcado porque era uma coisa que marcou. Mas a gente vinha sempre. Treze de Maio era o centro do comércio de Campinas. Era ali que a gente fazia todas as compras; não havia shoppings, não havia outros locais então a gente, eu também quando criança, a gente sempre tinha costume de comprar na venda.

P/1 – Como era comprar na venda?

R – Comprar na venda era muito interessante. A gente comprava de caderneta. Marcava na venda do seu Cirilo. Seu Cirilo também foi uma pessoa famosíssima na Vila Industrial, ele era da Vila Industrial, ele tinha o comércio dele ali, e ele sempre sobreviveu, criou os filhos e faleceu não faz muito tempo, já, mas com a venda dele. Ele tinha a vendinha, a casa dele atrás e a venda na frente e a gente comprava, ali na venda do seu Cirilo. A gente comprava arroz, comprava feijão, comprava tudo ali porque não tinha supermercado também ali, era a venda, não tinha essa história de comprar no supermercado. Então a gente comprava lá. Como era mais ou menos umas cinco ou seis quadras da minha casa, eu me lembro de pequenininha ainda comprar na venda do seu Cirilo. E aí toda vez que eu ia na venda eu comprava um chocolate. Sabe qual chocolate eu adorava? Ai meu Deus do céu, comia aquele chocolate – eu vinha pra casa delirando – Galak, [risos] da Nestlé. E era bom, né?

P/1 – É chocolate branco?

R – Chocolate branco. Eu vinha comendo Galak e eu gostava muito também do Prestígio, nossa! Já tinha naquela época Prestígio e Galak. Eu me lembro disso.

P/1 – A sua relação com o chocolate então é muito

R – É de eternidade. Agora pensando, agora falando isso que eu to lembrando, que eu não me lembrava desse fato. Você me fez recordar desse fato, [risos] da vendinha do seu Cirilo e dos chocolates que eu comprava lá e vinha comendo. Marcava na caderneta, e depois no fim do mês o meu pai ficava bravo comigo porque eu gastava muito em doce, mas ele mandava eu comprar lá, né?

P/1 – E seguindo um pouco mais na sua trajetória de vida, como foi essa fase de escola. Que escolas você freqüentou?

R – Olha, a escola em Campinas na minha época, era um problema sério e grave, eu estudei numa escola que chamava Núcleo Municipal Leopoldo Amaral, era uma escola que tinha seis salas de aula, e ali eu fiz do primeiro até o quarto ano de grupo, que a gente chamava. Naquela ocasião era do primeiro ao quarto ano de grupo. Era Grupo Escolar Leopoldo Amaral. Então a gente faz primeiro, segundo, terceiro e quarto, depois na minha, quando eu fui entrar para o Ginásio tinha uma tal de admissão ao Ginásio, porque justamente na minha época houve aquela transição da matemática antiga para a matemática Mother’sa. Então começaram a introduzir no ensino a matemática Mother’sa, que era conjunto, era toda aquela parte da matemática que o grupo, as crianças, não aprendiam, não era ensinado daquela forma. Então o que que aconteceu? Nós tivemos todo mundo que estudava e que ia entrar para o Ginásio, fazer um ano de admissão ao ginásio. Era como se fosse um cursinho para entrar no ginásio. Então eu fiz um ano de admissão ao ginásio que basicamente se tratava de matemática e português, porque historia, geografia era mais ou menos a mesma coisa pra você dar continuidade no ginásio. Agora, a matemática que mudou totalmente. Então eu tive que fazer, nós todos alunos, daquela época, tivemos que fazer um ano de admissão ao ginásio.

P/1 – E você falou que seu avo era chacareiro,ele vendia e sobreviveu muitos anos disso, né? Do que ele produzia.

R – É.

P/1 – Você acha que ele, você falou depois que o Galak era o seu chocolate predileto. Você acha que essas pequenas coisas, essa junção te deu uma inclinação já nessa idade a trabalhar no comércio?

R – Olha na verdade, eu não saberia te dizer se realmente isso já nasceu lá ou não. Eu não saberia te explicar isso não. Mas o fato de eu começar a trabalhar com chocolate se deveu a algumas coisas que ocorreram depois dessa época. Então não foi bem nessa época. Nessa época eu não...

P/1 – Tudo bem. A gente vai chegar lá.

R – É.

P/1 – Um pouco depois você falou que fez o grupo escolar, depois fez essa fase de admissão, e quando vai chegando a sua adolescência, juventude, como é que era a vida aqui em Campinas? Você saia pra se divertir, aliás, antes dessa pergunta, vou perguntar uma coisa que me ocorreu antes, e eu esqueci. Vocês iam pra São Paulo, comprar coisas? Eu perguntei como era aqui, mas vocês chegaram a ir a São Paulo?

R – Não. A gente ia pra São Paulo pra visitar a vó. Ela morava em São Caetano, nem era São Paulo, morava em São Caetano, então a gente ia pra São Paulo, pra visitar a vó,e só.

P/1 – E como ia?

R – De trem.

P/1 – De trem?

R – Ah, de trem, ai que delicia!

P/1 – Como era ir de trem pra São Paulo nessa época?

R – Fantástico, porque a gente era criança, meu pai era ferroviário, a gente ia de trem de graça porque tinha passe. A gente tinha o passe, então a gente ia de trem pra São Paulo, a gente tinha um avô que morava em Avaré, por exemplo, a gente ia de trem a Avaré, levava um dia inteiro eram 11 horas pra ir de trem, porque a gente saia daqui, fazia baldeação em Sorocaba, e de Sorocaba era um negocio! [risos], mas era uma delicia, eu adoro trem acho que trem é uma coisa que faz parte da minha infância.

P/1 – Agora, caindo no ponto da juventude, como era Campinas nessa época pra você, jovenzinha, sair, se divertir, como era a cidade?

R – Ah, era boa, né? Era boa... Era muito boa! A gente assim, até os, como a gente era de família humilde, até os 14 anos mais ou menos a gente não era muito autorizado a sair , né, a gente não tinha esse costume, até bem pouco tempo era assim, a gente não tinha assim, muita liberdade, né, a gente tinha que sair,e as dez horas tinha que tá em casa, não tinha essa historia de balada, de meia noite, de seis da manhã, isso não existia. O horário de entrar em casa era às dez da noite. Então a gente saia assim, a gente ia no cinema, a gente, por exemplo, de domingo, a gente ia na matinê, todo domingo ia na matinê, então a gente sempre andava em grupinho, ia na matinê, por que? Porque não dava pra ir no cinema a noite, o pai não deixava. Por exemplo, meu pai era uma pessoa que nunca me deixou participar de um baile de Carnaval. Eu nunca participei de baile de Carnaval. E era o que a gente, no Carnaval, por exemplo, todo mundo freqüentava baile de Carnaval. A gente ia ver com ele, Carnaval de rua, com ele. Quando era criança, tinha 12, 13, 14. Depois quando eu já fui para o colegial, para o colégio técnico, eu fiz colégio técnico, ai já mudou um pouquinho, ai a gente já saía, chegava um pouquinho mais tarde, mas nunca depois da meia noite. Mas ai nessa época era uma coisa fantástica, porque a gente sempre foi, ahn.. A gente nunca teve muito dinheiro, né, a juventude nossa, o grupo todo que a gente freqüentava das escolas que a gente, todo mundo era uma vidinha meio normal assim, não tinha assim, dinheiro pra gastar, muito nas coisas, a gente fazia festas, nas casas, a gente se reunia todo final de semana, a gente tinha um grupo que tocava, então a gente tinha naquela, na minha época de 17, 18, 19 anos, tava muito em moda sambão, não sei se vocês já ouviram falar isso, sambão. Sambão era o que? De primeiro era de bailinho da Sonata, tinha o bailinho da Sonata, [risos], era muito engraçado, tinha Sonata, a gente se reunia normalmente, com as pessoas da minha idade você vai tranqüilamente, estudantes, universitários, todos nós nos reuníamos na garagem da casa de alguém, né, punha a Sonata e os discos lá, Jhonny Rivers, Bee Gees, Beatles, e outras coisas assim, não é, e os nacionais também, né, Incríveis, essas coisas assim, e a gente dançava e conversava, fazia cuba libre, as meninas levavam salgado, os meninos levavam a coca cola e o rum e agente fazia cuba libre, e tomava cuba libre e comia salgadinhos que nós mesmos preparávamos. Então não tinha muito, a gente tem os clubes, que a gente tem Cultura, o Tênis Clube, aqui em Campinas, o Concórdia, e o Andorinhas, que é um clube um pouco mais de bairro, que quem não tinha pra onde ir, ia pros clubes, ou seja, quem não tinha, quem era sócio do clube ia nas festinhas, tinha a Fonte São Paulo, tinha um baile na Fonte São Paulo, todo final de semana, então o pessoal era muito assim, de ir nesses lugares. Depois quando estava um porquinho mais lá pelos meus 20 anos, tinha os footings, que a gente chama de footing, que chamava na época, que era a Lagoa do Taquaral, aqui em Campinas, vocês conhecem a Lagoa do Taquaral? Então, a Lagoa do Taquaral. Ali a gente já passeava de carro, nesse então eu já tinha o meu carro e a gente já passeava ali de carro. Então tinha um bar ali grande chamado Chopão. Então os meninos, as meninas, todo mundo fazia ali a sua diversão. Mas isso já foram épocas, então tinha dos 13, 14 aos 16, é a época do bailinho da Sonata, depois já passou para o sambão, e depois já foi para o Chopão. [risos] agora hoje é só bar, né, é só bar...

P/1 – E quando você começou a trabalhar?

R – Eu comecei a trabalhar?

P/1 – Isso.

R – Olha, foi assim, a gente tinha sempre uma vida, né, a minha primeira calça jeans, você já ouviu dizer isso? A minha primeira calça jeans? Pois então, naquela época eu tinha quanto? 16, 17 anos, todo mundo tinha calça jeans, eu não tinha calça jeans, porque a calça jeans vinha dos Estados Unidos, era importada, eu queria uma calça jeans, então que que eu fazia? Isso eu tava no primeiro ano de colégio técnico. Normalmente eu terminava o meu ano letivo um pouco antes, porque fechava todas as notas, nunca tive problema de ficar de exame e tal, novembro eu tava liberada, ah meu filho, não tive dúvida, ai fui no comércio procurar emprego, fui ser vendedora de calçados. Eu tinha 16, esse foi o meu primeiro emprego registrado em carteira, eu trabalhei na Baby Calçados.

P/1 – Nossa, muito legal, porque no projeto a gente tá buscando entrevistar alguém da Baby.

R – Da baby?

P/1 – Sim.

R – Poxa! Então, eu trabalhei lá.

P/1 – Ta, porque queria uma calça Lee?

R – E ai porque eu queria uma calça Lee, então eu trabalhei lá o mês de novembro, o mês de dezembro, ganhei meu salário ai eu comprei minha calça Lee.

P/1 – Então o seu primeiro trabalho mesmo já foi dentro do comércio?

R – Dentro do comércio, foi.

P/1 – Você falou que fez colegial técnico?

R – Isso.

P/1 – Era técnico em que?

R – Alimentos.

P/1 – Alimentos?

R – Isso, então eu fiz tecnologia de alimentos numa escola que é da UNICAMP, chama COTUCA, Colégio Técnico da UNICAMP. Então fiz o curso técnico em alimentos ali no COTUCA.

P/1 – E como era a sua rotina nesse primeiro emprego, garota, já visualizando comprar sua calça Lee, assim?

R – [risos] Olha, foi jóia, foi fantástico. Tudo que é experiência na vida da gente, eu achei o máximo trabalhar, porque eu queria ter um trabalho pra mim. Eu sempre fui muito de ir buscar, então eu queria ter um trabalho. Eu precisava ter a minha calça Lee, todo mundo tinha, e como é que eu ia conseguir? Minha mãe não ia conseguir ter dinheiro nem meu pai pra me dar uma calça Lee, que era caro. Era caro, levou praticamente 90% do meu primeiro salário. A minha calça Lee. É como se você hoje estivesse comprando em termos comparativos, um salário mínimo, não sei nem quanto era, se eu ganhava um salário mínimo, o salário do comércio que é um pouco diferente, mas digamos assim, o que seria praticamente o valor do salário do comércio hoje, que é 600 reais, ou sei lá. Sei que levou quase todo meu dinheiro nessa história. E uma máquina fotográfica.

P/1 – Uma kodak instamatic?

R – Isso. Como é que você sabe? [risos]. É uma kodak instamatic. Comprei uma, foi muito interessante, ai eu sai tirando foto.

P/1 – Esses produtos assim, são meio que ícones de uma época.

R – É. Uma época, uma calça Lee, uma kodak instamatic, era o nosso sonho de consumo. Hoje é o ipod, né, é o não sei das quantas, o nosso sonho de consumo era mais básico.

P/1 –Na sua visão de garota daquela época, como era o comércio de Campinas, naquela época?

R – Era simples, mas era muito interessante. Naquela época tinha Mesbla, tinha Ezequiel, tinha Constança, tinha Elite Modas, que era onde a gente comprava, tinha, depois um pouquinho mais tarde, veio a Sears,

A Sears era uma loja de departamento, já era um pouquinho mais pra frente um pouquinho. Mas era muito, era a 13 de Maio basicamente. 13 de Maio, a Costa Aguiar, que era alí que se concentrava toda a parte de comércio e a gente adorava vir pra cidade porque além de vir na cidade, né, que a gente era do bairro e vinha na cidade, ah, vamos na cidade. Vinha passear,de sábado de manhã na cidade,que é que a gente coma? Pizza na loja Americana. A pizza da loja Americana era uma delícia. Até hoje eu tenho saudade da pizza da loja Americana. Engraçado, né, o que que era. Era pizza de mussarela, uma fatia de pizza de mussarela ta ótimo, e era isso. Às vezes tomava caldo de cana e comia um pastel. Que ficavam as pastelarias as melhores, ficavam na Campos Sales. Ali.

P/1 – Você lembra o nome de alguma pastelaria?

R – Puxa, eu não lembro. Agora, não. Só se que era assim : a gente descia do ponto do ônibus em frente da pastelaria. E a gente descia e comia um pastel ali.

P/1 – Nessa sua fala você disse assim: “Quando a gente vinha pra cidade”, morava no bairro, naquela época morar no bairro era muito distante do centro? Tinha essa perspectiva de distancia, assim?

R – Era, ô era longe, pra gente era longe. A gente morava, hoje nós estamos praticamente, no grande centro de Campinas, Vila Teixeira, a Vila Industrial era bairro, né, a gente quase que morava na periferia, né, porque lá já terminava a cidade, praticamente. O bairro onde eu morava já terminava a cidade, passava a linha do trem assim, e dali pra lá não tinha mais nada. Depois é que com o tempo que foi. Agora eu já não sei mais onde termina a cidade, eu já não conheço mais.

P/1 – E depois dessa fase, depois da calça Lee comprada, você vai à faculdade, né?

R – Isso, nessa época eu estava fazendo colégio técnico, foi uma época maravilhosa.

P/1 – E como é que foi a ida pra faculdade?

R – Olha, a saída pra faculdade foi um pouco traumática assim, pelo seguinte: eu queria fazer engenharia de alimentos, né, eu tinha feito um curso técnico em alimentos, então eu tava [intuída] nessa historia. Eu queria fazer engenharia de alimentos, e engenharia de alimentos só tinha na UNICAMP . Só tinha período integral, ai eu tive que decidir, e eu, porque curso técnico é assim, quando você faz curso técnico você tem que fazer um estagio, são 420 horas de estágio complementares ao curso técnico, ou seja, você aprende a parte técnica teórica, depois você vai pra parte prática. E eu comecei, eu sai do colégio técnico e fui fazer o tal do estágio. E já fui contratada. Entendeu? Eu não tinha terminado o estágio ainda e já havia sido contratada.

P/1 – Pra trabalhar aonde?

R – Pra trabalhar no instituto de tecnologia de alimentos. Então eu já comecei trabalhando lá. Foi o meu primeiro emprego assim, porque todas as férias eu trabalhava no comércio pra ganhar um dinheirinho, tinha que ter dinheiro pra alguma coisa, então tinha que ganhar um dinheirinho. A gente ia ficar em casa dois meses, três, sem fazer nada? Num dava, então eu ia trabalhar no comércio, sempre no final do ano, o comercio sempre precisa de mais mão-de-obra, então eu já participava dessa fase, do que hoje tanta gente fala do “olha, tão abrindo vagas pro comércio temporário” eu já fazia parte desse grupo de trabalhadores que trabalhava só pra essa ocasião, e eu todo final de ano eu vinha trabalhar. Depois quando eu comecei a fazer o estagio, eu fiz o estagio era um estágio mal remunerado, a gente, eu tinha que pegar duas conduções pra ir, porque era muito fora de mão, mas logo em seguida eu consegui uma bolsa, e depois fui contratada lá, e lá eu trabalhei cinco anos, eu fiz toda a minha faculdade lá, mas como eu estava trabalhando, ganhando dinheiro, falei: “bom, agora não vai dar pra fazer uma UNICAMP”, infelizmente, ai eu optei por fazer biologia, que era a coisa mais próxima na ocasião, que a gente tinha de alimentos, então porque? Porque a minha intenção era fazer biologia e depois fazer pos graduação em ciência de alimentos, então a minha trajetória já estava mais ou menos traçada, quando eu comecei a fazer biologia era isso que eu queria fazer. Mas a sua vida vai caminhando. Então eu fiz biologia, gostei muito de fazer biologia, foi muito bom. Valeu, né, pra o que eu queria, mas não era exatamente o que eu queria, era um [paleativo], mas bem, e no meio da biologia eu já dava aulas, porque biologia, a licença que eu tinha na época, era licenciatura curta, e licenciatura plena, então eu trabalhava a semana inteira no instituto de tecnologia de alimentos como técnica em alimentos, a noite fazia faculdade e de sábado dava aulas em São Paulo no Oswaldo Cruz, eu era monitora lá. Então de sábado de manhã, eu fiz isso por dois anos, eu ia pra São Paulo , pra faculdade Oswaldo Cruz, eu era monitora, eu dava aula pro pessoal de engenharia química. Dava aula lá de laboratório e microbiologia.

P/1 – Era puxado ir pra São Paulo e voltar?

R – Ah, era, mas a gente naquela ocasião era jovem, tinha energia. Eu ia só, eu saía de manhã de casa, saia cinco horas da manhã, chegava lá em São Paulo, era mais fácil, não tinha tanto transito, pegava um táxi, ficava ali na Barra Funda, num instantinho, chegava, ficava o dia inteiro. Cinco horas da tarde eu vinha embora, chegava em, casa sete e meia, oito horas da noite e tranqüilo.

P/1 – Você estudou aqui na UNICAMP mesmo, ne?

R – Não, eu estudei na PUC. Sou filha da PUC [risos].

P/1 – Eu também.

R – A gente costuma falar. Não, estudei na PUC.

P/1 – Eu também estudei na PUC.

R – Você também é filho da PUC?

P/1 – E como foi a vivência universitária, assim, porque querendo ou não, Campinas tem muito a marca dessas duas grandes universidades, né? Tanto a UNICAMP quanto a PUC-CAMP, elas meio que são emblemáticas na historia da cidade, né?

R – Eram as duas que existiam, na ocasião, quando eu fiz universidade, ou era UNICAMP, ou era PUC.

P/1 – E como era a vivência universitária, a relação dessa vivência com as pessoas da cidade?

R – Olha, a gente como era, por exemplo, eu tinha, como eu trabalhava no instituto de tecnologia de alimentos e fazia PUC, então a gente, quando você estuda à noite, a convivência dentro da sala de aula é muito pequena, porque o tempo de convivência com os colegas é muito pequeno. Mas mesmo assim eu tinha ali dentro da minha sala de aula, eu tinha uns quatro ou cinco amigos, né, que nós estudávamos juntos desde COTUCA. Então a gente fez o colegial junto, depois foi fazer biologia junto, então tinha essa coisa, mas a gente não tinha muito tempo de convivência, dentro da PUC-CAMP, era na época a PUC Campinas, a gente não tinha assim, muita convivência universitária, porque a gente trabalhava, não dava muito tempo, essa história de DCE, que é isso? Não tinha muito disso, mas a gente tinha, eu, por exemplo, como trabalhava e tal, eu tinha muita convivência com o pessoal da UNICAMP. Por que? Porque eles, a UNICAMP, a tecnologia de alimentos da UNICAMP, o instituto de tecnologia de alimentos, eles tinham a, eles eram mais ou menos, o laboratório, da UNICAMP, naquela ocasião, então todo mundo ia fazer estágio. Então eu tinha muito conhecimento, eu tinha muita relação com esse pessoal.

P/1 – E como era, agora indo pro seu comércio, especificamente, quando surgiu a Mother’s?

R – A Mother’s surgiu quando eu estava terminando a oitava série, eu vou contar pra você como é que surgiu a Mother’s. A Mother’s surgiu, eu não sabia que ela surgiu ai, mas foi ali que ela surgiu. Eu vim a descobrir isso muito tempo depois, mas é mais ou menos isso. A Mother’s nasceu, na verdade nessa época, eu tinha terminado de fazer o curso ginasial no Vitor Meireles, eu tinha um amigo, na minha sala de aula que era uma pessoa fantástica e que queria, precisava dos meus cadernos porque tinha ficado de segunda época em três matérias, ele precisava das minhas anotações e falou assim pra mim, e eu falei assim: “mas Mauro...” porque naquela ocasião eu tinha que prestar exame também pra entrar. Eu só prestei exame! Prestei exame pra entrar o ginásio, prestei exame pra entrar no colegial e pra faculdade, então eu tinha que prestar um exame seletivo, também, pra entrar no colegial do Vitor Meireles. Ai ele queria os meus cadernos pra estudar. E eu também queria, porque eu também ia prestar o exame. Ai ele falou: “Não, Vera, vai lá no COTUCA, você vai fazer tecnologia de alimentos que é um curso pra mulher!” [risos] E eu não sabia nem do que se tratava, entendeu? E ai eu concorri a, mas como, eu não tenho dinheiro pra pagar cursinho, e todo mundo que faz COTUCA tinha que fazer cursinho. “Não, Vera, você vai que você vai conseguir vaga prêmio”. Ai eu falei, “mas como vaga prêmio”, né? Naquela ocasião o COTUCA é mais ou menos... vaga prêmio, o que que é vaga prêmio? Vaga prêmio, senão é hoje, seria aquela vaga que destinada aos alunos de escola pública que mais se destaca nas escolas públicas nos anos todos. Então eu ganhei a tal da vaga prêmio. Muito bem. E foi ai que eu comecei a fazer o que? Tecnologia de alimentos, e por causa disso, que eu fiz tecnologia de alimentos, depois eu fiz, trabalhei no setor de tecnologia de alimentos, depois no instituto de tecnologia de alimentos eu conheci o meu marido, né, conheci o meu marido lá, muito bem, ele depois, nós fomos, ele foi através das Nações Unidas, foi dar uma consulta em El Salvador, América Central, e foi lá que eu comecei a Mother’s, trabalhar com chocolate, basicamente. Que até então trabalhava com alimentos, ta?

P/1 – Sim.

R – Mas com chocolate mesmo foi na América Central.

P/1 – Foi em El Salvador?

R –El Salvador, mas por que eu comecei a fazer chocolate lá, como foi, né? Foi assim, quando eu terminei a faculdade, fui morar em Ribeirão Preto, meu marido foi morar lá e eu fui atrás, aquele sonho de fazer ciência de alimentos e tudo mais. Ai eu fui pra lá, fazer nutrição, na faculdade de medicina. E ai de lá eu fui pra, mudou de novo e eu fui pra El Salvador, na América Central. Chegando lá eu não tinha o que fazer, porque eu era esposa de consultor internacional, não pode trabalhar. Então o que que eu fui fazer? Fui ter meu segundo filho. Eu já tinha um fui ter o outro. Não podia trabalhar, não podia estudar, não podia nada, bom, fui lá. Quando ele nasceu, que que eu fiz? Fiz um monte de docinhos. Docinhos brasileiros, que lá não tem. Então eu fiz beijinho, olho de sogra, brigadeiro, quindim, e deixei tudo lá congelado e conforme as pessoas iam visitar eu tirava uma bandejinha e servia como uma novidade naquele país. E não é que foi lá me visitar uma senhora que tinha uma rede de padarias, panaderias, e que adorou os petifours, eu chamava de petifour, não, isso é docinho brasileiro, e ai ela ficou, até que eu fui, montamos e treinei um grupo de funcionarias dela pra fazer os docinhos, porque ela fazia bolos pra casamento, aqueles bolos que hoje ta em moda, de andar, todo enfeitado lá, naquela época já era muito comum. E ela queria incrementar aquele comércio dela com os doces brasileiros, porque ela achou muito interessante. Então a gente começou a fazer os docinhos brasileiros lá. E um dia ela chegou pra mim: “Mas Vera, não da pra fazer chocolate?” Eu falei: “dá!”. Então ai fomos na Guatemala.

P/1 – Saíram do pais?

R – É, porque fomos a Guatemala, porque na Guatemala tinha uma fabrica da Nestlé que fazia chocolate, barras de chocolate. Nos fomos ate lá pra comprar as barras de chocolate, pra produzir chocolate dentro da...

P/1 – Isso foi em que ano, mais ou menos?

R – Foi ano de 82,83, 84, não foi não, minto, não foi 82, foi 83, 84, 85, 86. 87 eu já tava aqui, eu voltei de El Salvador em 22 de dezembro de 86, em janeiro de 87, a gente começou a fazer chocolate, ta lá registrado, no livrinho.

P/1 – Então a idéia, a práxis, do chocolate veio de El Salvador pro Brasil?

R – É, veio meio que importada. Não é bem assim, importada, foi porque eu não sabia. Quando eu voltei pro Brasil, em dezembro de 2006, eu voltei tinha deixado lá em El Salvador todo um esquema montado, receitas feitas, pessoal treinado, pra fazer o produto lá naquele país, né, praquela pessoa. Além disso, eu ainda ensinei o pessoal a fazer compotas, a fazer doces, extrair leite de coco, porque lá eles não tinham. Não tem esse produto, eles não tinham leite de coco. Eles não tinham nem o costume de usar o coco seco, como nos temos aqui. Eles usam a água de coco, muito, mas não usavam o coco seco. Então a gente, então teve uma porção de coisas que eu treinei, como eu era técnica em alimentos e tinha aprendido, então eu treinei muito o pessoal lá, também. Aí vim pra cá meio que sem saber o que fazer, porque você volta, tem dois filhos e tal, você deixa todo um contexto, volta pro seu país, mas eu não sabia bem o que eu ia fazer, né?

P/1 – Não foi meio que um baque voltar ao Brasil?

R – Olha, eu sai daqui, do Brasil, em julho de 1982. Eu tinha m filhinho de dois anos. E fui pra uma região que todo mundo achava que eu era louca de ir para lá, porque era um país que estava em guerrilha, era um país perigoso. E realmente era um país perigos, era um país que estava em guerrilha, mas em muitos aspectos ele estava muito melhor que o Brasil.

P/1 – O que você vivenciou de marcante nesse período lá?

R – Tudo. Primeiro que são outros costumes, a qualidade de vida que a gente tinha lá, nunca a gente teve aqui no Brasil, apesar da guerrilha. A gente não podia ir em qualquer lugar, por exemplo, eu saí de El Salvador sem conhecer a segunda maior cidade de El Salvador que era San Miguel. San Miguel era uma cidade que estava tomada. Porque El Salvador se dividiu ao meio, metade estava tomada pela guerrilha e metade com exército salvadorenho altamente subsidiado pelo exército americano, pelos Estados Unidos. Então a capital El Salvador e mais uma parte que ia de El Salvador até Guatemala, fronteira com Guatemala estava totalmente protegida pelo exército. E a parte que ia mais ao sul, que dava mais pra Nicarágua, que fazia fronteira com a Nicarágua e tudo mais, era totalmente tomada pela guerrilha. Mas em muitos aspectos a gente viveu muito bem em El Salvador. Por que? Primeiro porque a gente tinha uma condição meio que privilegiada realmente. A gente tava lá, morava num bairro exelente apesar de ter muita pobreza em El Salvador. É um país muito pobre; além da pobreza a gente tinha todo o flagelo da guerrilha. Muita criança, criança sem pai nem mãe; criança mutilada. Enfim, muita gente saindo de El Salvador e indo morar em qualquer outro país menos lá. Mas foi uma experiência de vida porque lá eu vivenciei tudo isso. Você via claramente as pessoas sofrendo com os filhos longe. Enfim, era um sofrimento. Mas aprendi muita coisa lá também, acho que lá eu me enriqueci muito; foi um enriquecimento pessoal, de vida, humano. Aprendi; aprendi com outras culturas proque lá você convivia com várias pessoas de outros países, não só salvadorenhos. Deixei amigos lá em El Salvador. Até hoje a gente tem amigos lá. Com outros brasileiros que também moravam lá; com salvadorenhos que estudaram aqui no Brasil e que regressaram pra lá. Casaram com brasileiras e estão lá, entendeu? Então, foi muito bom. Foi muito fantástico. Tanto que eu tive um filho salvadorenho; eu tenho um filho salvadorenho. Nasceu lá.

P/1 – Fomos de toda a sua experiência na guerrilha e durante a troca de fita você falou que passou por um terremoto lá.

R – É. Terremoto de dez de outubro de 1996. foi o último maior terremoto de El Salvador foi ele. Morreram acho que umas mil e 500 pessoas nesse terremoto. Foi terrível. Assustador. É uma coisa interessante acho que depois que você passa por um terremoto na vida nada mais é capaz de derrubar.

P/1 – E saindo do Brasil, conhecendo uma cultura diferente, pessoas totalmente diferentes, um país crivado pela guerrilha, a guerra, todos os seus frutos. Passou por um terremoto e volta para o Brasil. Como é esta situação pra você nesse momento?

R – Bom. Quando eu voltei pro Brasil foi assim. Foi uma mistura. Meio que alivio, meio que dúvida. Porque a gente voltou para o Brasil primeiro porque o tempo. Toda vez que a gente vai fazer um trabalho a gente tem um prazo; a gente foi pra ficar um ano. Nós ficamos quatro. Ou a gente ia pra outros países ou voltava para o Brasil. Mas como eu tinha as crianças pequenas eu falei: “não, vamos voltar para o Brasil porque nós precisamos que as crianças tenham raízes; que convivam com a família; que convivam com os tios, com os primos, com a terra deles”. Então a gente resolveu montar por esse motivo, para dar para as crianças aquela força. Porque se não a gente fica meio solto no mundo. As pessoas que vivem muito nessa. Mas foi uma época boa, porque a gente tava voltando, mas também uma época de dúvidas; porque a gente não sabia o que fazer, nem nada. Então a gente voltou meio pra ver o que vai acontecer.

P/1 – Você falou que saindo de lá você treinou o pessoal lá; desenvolveu receitas. Tinha toda uma bagagem e quando você resolve aplicar todo esse know how que você aprendeu aqui?

R – Então, assim. Quando eu cheguei em dezembro de 1986, a minha cunhada que é irmã do meu marido estava saindo do trabalho dela; pediu demissão pra se dedicar um pouco mais as crianças. Porque nós duas tínhamos crianças pequenas. Mais ou menos todos os quatro tinha a mesma faixa de idade. E ela tava saindo. Ela não pode sair na ocasião, que era janeiro, porque ela precisava treinar uma pessoa pra ficar no lugar dela. Então ela ia sair só em fevereiro. Então ela falou que já tinha feito uma inscrição pra fazer um curso de chocolate. Vai vendo. É redondo esse mundo. Mas ela não podia ir porque ela tinha que trabalhar. E ela já tinha pago a matrícula. E ela falou assim: “Vera, você não quer ir no meu lugar, só pra eu não perder?” “Ah, tá bom, não to fazendo nada mesmo, eu vou”. Fui, acho que no dia – sei lá – cinco, seis, sete de janeiro – a mulher tava dando curso de como fazer chocolate caseiro. Aí eu fui fazer o curso, ver o que era. Fiz o curso. Aí olhei. Não, isso não é chocolate. Aí eu comecei a fazer algumas perguntas pra ela sobre chocolate, como é que era. Porque ela não temperava o chocolate. Porque chocolate realmente. Existem duas formas, duas coisas na área artesanal que é o chocolate realmente e o chocolate que não é tão real assim porque não é feito com manteiga de cacau. É um chocolate feito com outras gorduras e que não requer aquele cuidado que o chocolate. E eu tinha feito, já tinha feito muito chocolate, mas chocolate. A gente sabia como trabalhar. Aí eu conversei, fiz o curso, terminei o curso, tudo o mais. Cheguei pra minha cunhada e falei: “pôxa vida, porque a gente não monta então alguma coisa de chocolate?”. “Ah, uma boa idéia!” Ela falou pra mim. Bom, então vamos ver o que é que a gente tem em Campinas na área de chocolate. Eu já tinha visto que o pessoal artesanal sabia fazer aquele tipo de chocolate que eu tinha visto no curso. Aí eu comecei a visitar as lojas que vendiam chocolate, na ocasião a gente tinha a ______e a _____ que eram os dois fabricantes de chocolate na cidade. E eu comecei a verificar que só existia a Kopenhagen como comercio de chocolate e essas duas empresas que faziam chocolate, mas faziam chocolate mais popular. E essa não era a minha visão. Eu queria fazer um chocolate que estivesse no meio termo ali. Porque também foi nessa época, 1986, 1987, que a gente teve, começamos aquele grave problema econômico do Brasil. Que o pessoal começou a perder o poder aquisitivo de comprar um bom produto por um preço melhor. Então a Kopenhagen começou para uma faixa econômica a ficar muito cara. Então as pessoas sabiam que o chocolate era bom, mas não conseguiam comprar o chocolate da Kopenhagen. Então foi aí que eu entrei. Então eu vou fazer um chocolate que não seja tão popular quanto os chocolates das outras empresas, mas que também não seja tão caro. E vou dar a oportunidade para as pessoas que realmente gostam de um produto, consumir um produto bom. Foi aí que eu entrei. Aí foi a primeira páscoa que eu fiz. Isso foi janeiro de 1987.

P/1 – O chocolate, páscoa,

R – é sinônimo.

P/1 – E como foi essa primeira páscoa de vocês?

R – Fantástica. Porque eu em janeiro – a páscoa foi final de março, começo de abril – quanto tinha? Janeiro, fevereiro e março. Não tinha nada, né? A primeira coisa que eu fiz foram uns pirulitinhos assim, tem até naquele meu histórico lá. Porque eu comecei a fazer uns pirulitinhos de chocolate e tal e tal. Aí um dia eu fiz um pezinho. Eu tinha umas formas, comprei umas formas, eu trouxe muitas formas dos Estados Unidos. Porque pra gente vir de El Salvador a gente tinha sempre que passar por Miami. Miami era mais ou menos o caminho: ou vinha por Panamá ou vinha por Miami. E a gente sempre vinha por Miami que é mais rápido. Então eu sempre tinha muito material americano pra trabalhar. Então eu fiz o tal do pezinho. A minha cunhada olhou assim o pezinho: “não dá’ pra passar um esmalte nesse pé?”. Eu falei: “Dá”. Ela falou assim: “Dá!?”. Falei: “Dá”. Foi aí que eu fiz o primeiro chocolate decorado. Porque a gente decora muito o chocolate, a gente põe cor no chocolate. Foi pintando o esmalte do pezinho de chocolate. Aí a gente já começou. A gente começou vendendo. A minha cunhada que era mais área comercial na verdade. Ela começou vendendo o chocolate na empresa que ela trabalhava. Então aí começou, né? Um pede, outro pede. Na primeira páscoa, quando a gente começou a fazer a gente já estava com as encomendas prontas. Nós produzimos 500 quilos na primeira páscoa.

P/1 – Quinhentos quilos de chocolate.

R – Bastante, né? É, 500 quilos é uma,

P/1 – Meia tonelada, né?

R – Então!

P/1 – Tinha muita variedade neste primeiro momento? Você falou que tinha os pirulitinhos, os pezinhos com esmalte.

R – Não, não tinha não. Tinha pouca coisa. A gente fazia palhacinho de chocolate, todo decoradinho, com cor, tal. E isso agradava e chamava a atenção porque era uma coisa diferente, não tinha isso. Não existia até então nada disso. Então as pessoas comiam e achavam que não ia ser muito bom. Porque colorido, comia assim meio. Aí quando eles comiam e viam que era bom, então aí pronto. Aí ficava tudo certo. Mas o primeiro instante as pessoas acham bonito, mas não acham que podem comer aquilo lá. Aí quando comem, gostam. É mais ou menos um caminho meio diferente aí.

P/1 – E nesse momento quem trabalhava fazendo isso era você e a sua cunhada?

R – Eu fazia e a minha cunhada vendia. E eu tinha junto, ali perto, uma tia minha que começou a me ajudar. Então eu fazia, ela ajudava a embalar. Enfim, a gente começou assim. Depois já começamos a contratar gente, já contratamos mais duas. E depois foi. Aí nós fizemos aquela primeira exposição lá na Bosch, que foi um fracasso. Nós também tivemos fracassos. Mas aí nós tínhamos uma amiga nossa que trabalhava na CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz). Por isso que eu digo, networking, né? Então ela trabalhava na CPFL e a CPFL precisava de uns brindes de chocolate pra uma festa de 50 anos de CPFL eu acho, 55 uma coisa assim, para oferecer para as esposas dos funcionários. E tinha lá uma seleção, tinham várias pessoas oferecendo e tinha uma concorrência. Nós ganhamos a concorrência. A gente soube disso, mandamos os produtos pra eles degustarem, para eles verem; mandamos as embalagens etc e tal. Ganhamos a concorrência, mas aí a gente não podia fazer porque a gente não tinha empresa aberta, precisávamos dar uma nota fiscal pra CPFL.

P/1 – E foi aí que surgiu a figura jurídica da

R – Foi aí. Tanto, você pode ver aí, a nossa primeira nota fiscal, a nota fiscal número um foi emitida para a CPFL.

P/1 – Você falou que teve seu primeiro fracasso. Puxando essa questão do fracasso, etc e tal, das falhas, dos momentos. Qual foi o momento mais difícil, o maior deságio que vocês tiveram que enfrentar nessa história toda?

R – Fernando Collor.

P/1 – Plano Collor.

R – Plano Collor. Esse foi o maior, acho, a gente naquele ano, a gente achava que a gente ia fracassar de vez, a gente ia desistir, porque chega, né? Então foi assim, nós estávamos, mas na verdade o plano Collor pra nós nem foi tão ruim. Foi ruim porque assim que ele – a páscoa ia ser em, sei lá? Porque sempre cai em páscoa, você já reparou? Podia ser em setembro, agosto, que não tem muita importância, mas não, era perto da páscoa. E a gente estava com – porque a gente sempre fazia a nossa produção por encomenda, as pessoas ligavam, encomendava, a gente produzia e entregava – as pessoas começaram a ligar cancelando. Bah, isso foi terrível! Comemos chocolate o ano inteiro, aqui dentro. Nossa senhora! Muita gente devolveu porque não tinha como pagar. Elas não tinham dinheiro pra pagar. A gente só tinha 50, né? Então, mas, por outro lado foi bom porque a gente tinha todo o nosso dinheiro, que não era muito, investido em chocolate, investido em embalagem, investido em produto. Então a partir da páscoa a gente começou a girar o dinheiro novo. A gente não tinha dinheiro no banco que ficou retido. A gente tinha, tava tudo lá e pago. Já estava lá, e pago. Porque essa é uma das premissa da Mother’s, a Mother’s faz a páscoa dela já ta tudo pago. A gente nunca deixa pra pagar depois porque a gente nunca sabe o que vai acontecer. Mas esse foi um plano ruim.

P/1 – Quando a gente pensa chocolate a gente pensa na páscoa, especificamente. Como é desdobrar essa produção para outras datas que podem ser interessantes ao chocolate? Pra quem vende chocolate.

R – Olha, todas as datas a gente tem um produto específico, a Mother’s sempre tem. A gente tem um produto para o dia das mães, para o dia dos namorados, para o dia dos pais, para o dia da secretária, para o dia da criança, para o dia do médico, para o dia do dentista, para halloween, para ação de graças, para o natal. Então gente sempre tem um produto pensado para cada ocasião e fora os que a gente inventa no meio do caminho. Porque a gente também tem muito disso, a gente inventa muito mas também muita invenção de cliente. Então o cliente vem, solicita; aí você vai e faz porque houve uma solicitação do cliente. Então é uma interação muito grande.

P/1 – Houve algo assim que o cliente sugeriu que ficou, pegou a idéia?

R – Oh, um monte! Não é um, um monte! [risos]

P/1 – Qual?

R – Deixa eu ver qual deles, agora que. Deixa eu me lembrar algumas coisas, embalagens principalmente, né? Produto em si? Produto em si você quer? Tem algumas trufas que as pessoas vieram pra mim e falaram: “comi uma trufa em Paris que tinha uma, que era uma delícia! Será que você não é capaz de fazer?”. Falava: “Sou”. Olha, você quer ver? Trufa de maracujá, quando ninguém fazia a gente já fazia. Quando nem maracujá era usado no chocolate a gente já fazia. Trufa toffe. Uma cliente veio e falou assim: “ai, que trufa!” E a gente acaba fazendo. Então, alguns produtos dessa maneira. Barrinhas, coisas pra ocasião, ou então pra, pro exemplo: teve uma ocasião que a gente fez – a primeira vez que nós fizemos – foi um tablete que parece um cartão de visitas. E nesse cartão de visitas, a gente embala o cartão de visitas, e põe em cima um cartão, um outro cartão, sobrepõe, com o evento, pro exemplo. Um evento, você vai promover um evento; esse seu evento pra lançamento do livro do museu da Pessoa, a exposição do Museu da Pessoa, por exemplo. Então a gente faz um carãozinho com o logo do Museu da Pessoa, com um dizer qualquer: agradecemos a sua presença na primeira exposição anual, bla bla bla”. E aí você disitribui como brinde pra cada pessoa que for visitar. Isso foi uma solicitação de um cliente e isso hoje é normal. A gente faz pra todos os clientes que querem. Então tem um porção de coisas, agora nomear tudo eu não saberia. Mas é muita coisa.

P/1 – E qual é a estrela da casa? Tipo “o” produto. Ou o produto que si mais.

R – Olha, a gente tem alguns produtos. Não tem “o”, tem vários produtos que saem conforme a situação. Mas assim, pro exemplo, na páscoa, eu vou te dizer da páscoa. Na páscoa faz muitos anos que a coelhinha grávida é o tchan da páscoa. Antes. Agora todo mundo tem a coelha grávida, mas a gente foi quem lançou a coelha grávida, ninguém tinha naquela ocasião. Ninguém fazia, ninguém tinha muito esse negócio de fazer peça. Era mais ovo de páscoa mesmo. Até hoje, ainda, o forte é o ovo de páscoa, é o ovo de chocolate. Mas a gente fez esse aí. A gente fazia muita decoração. Depois você vai ver lá nas revistas – que nós temos algumas lá – você vai ver que a gente fazia muito trabalho pra editora Abril. Então eu saia daqui de Campinas – o pessoal da editora ligava: “Vera a gente tem que fazer fotografia!”. Então a gente ia, fazia muito trabalho e no fim acabava um rolo vendendo esses produtos também porque a editora Abril solicitava. Muito bem. Mas daí cada ocasião tem um. Por exemplo: na páscoa é a coelha grávida, no dia das mães tem um coração; no dia dos namorados também, mas a gente já tem uns outros produtos pra os dia dos namorados. No dia dos pais tem ferramentas de chocolate, no dia da criança então é uma farra, porque a gente tem kits, tem várias coisas que a gente faz pro dia da criança. Halloween tem __. Mas o dia a dia nosso mesmo é o bombom a granel, que é o que a gente mais vende. O bombom que é um, nós temos assim 50 sabores diferentes de bombom. Então a gente tem toda trufa, recheado de vários estilos e sabores e a gente procura sempre fazer. Mas esse, é, o bombom é o que chama a atenção realmente, no dia a dia.

P/1 – Da fundação jurídica da Mother’s, vamos dizer assim, de 1987 pra cá são 20 anos. Do eu ponto de vista quais os maiores segredos para um estabelecimento se firmar, ser bem sucedido? Perseverança. Perseverança. E trabalho duro. Se você parar na primeira dificuldade, você para. Então você tem que perseverar. As pessoas olham, “nossa, você tem 20 anos de mercado!”. Até eu mesma olho, 20 anos de mercado num segmento que não é fácil. Não é vestuário, é um produto que é supérfluo, é 100% supérfluo. Porque eu trabalho com o lúdico, eu trabalho com, por exemplo, vai nascer o bebê? Então a gente tem as lembrancinhas em chocolate pro bebê; vai fazer o batizado, tem a lembrancinha em chocolate; vai casar. Entendeu? Vai fazer 15 anos. Então tem. Mas é uma coisa assim. Não é um mercadão, gigante. É um mercado restrito, é uma faixa daquele mercado que tem esse poder aquisitivo, que te essa iniciativa, e tem essa coisa. Não é uma coisa que você faz barrinha, põe no supermercado e todo mundo que entra tem a oportunidade de ver e comprar. Não é assim. É uma coisa um pouco mais restrita. A gente tem que perseverar muito, tem que trabalhar muito. Eu trabalho normalmente catorze horas por dia, das sete da manhã às oito, nove da noite, eu trabalho.

R – E, partindo dessa idéia quantos funcionários você tem hoje?

P/1 – Na fábrica nós temos vinte funcionárias e três na administração. E nas lojas nós temos catorze.

R – Quantas lojas são?

R – Cinco.

P/1 – Ou seja, de um negócio que começou com você e a sua cunhada, já expandiu. Muito legal ver isso, assim. Você é cidadã campineira mesmo? Você nasceu aqui.

R – Sou, da gema. [risos]

R – Dessa história tão bonita que você contou, de toda a sua trajetória, dessa vivencia no sitio, brincando na terra; aí a El Salvador, voltar pra cá. Como você vê Campinas? Como era Campinas naquela época e como é Campinas hoje pra você?

P/1 – Olha, eu acho que Campinas perdeu a identidade dela como cidade que era, de cidade pequena. Hoje Campinas é uma metrópole. Já não tem mais aquela carinha que ela tinha de cidade pequena, que o pessoal do bairro se conhecia, e tudo o mais. Entendeu? Ela cresceu demais, eu acho, Campinas cresceu muito, muito mesmo. Nós éramos 200 mil agora somos um milhão e duzentos. Agora tem mais um milhão de pessoas vivendo aqui, dessa época até agora. Então isso tudo tem suas conseqüências. Eu acho que a gente perdeu realmente muita coisa nessa trajetória toda, mas ganhou também. Nós ganhamos um comércio forte, nós ganhamos universidades muito boas. Acho que até por causa das universidades que a gente tem essa pujança que nós temos. A gente tem uma economia que é maior que a do Chile. A nossa região de Campinas tem uma economia per capita maior que a do Chile. Não é? Então a gente tem uma pujança. Tem aqui grande, a parte tecnológica é muito boa. Então acho que nós ganhamos coisas também, mas perdemos por outro lado aquela parte mais de cidade pequena, de todo mundo se conhece; aquela parte da segurança e tudo o mais. Acho que essa foi parte que nós perdemos, que realmente.

R – E a relação da Mother’s, nesses 20 anos ela também, ela foi dando pequenos saltos de crescimento até chegar o que ela é. Como se deu a relação com o cliente nesse tempo? Ela se transformou também?

R – Olha, eu acho que a nossa relação com o cliente se transformou a partir do momento que a gente foi para os shoppings. Porque antes era assim. A Mother’s é uma empresa cresceu naquele famoso boca a boca. A gente não tinha propaganda, nunca teve dinheiro pra isso na verdade, porque a gente preferia investir na qualidade do produto do que na propaganda. E no final a gente sempre foi uma empresa que funcionou nisso, no boca a boca. Então um comprava, presenteava e o outro: olha! Então vem. E foi assim que a gente funcionou. Hoje já é um pouco diferente porque como a gente está em shopping, e os shoppings você tem um público muito diversificado e tem a compra de impulso e tudo o mais. Mas porque a gente está em shopping a gente se tornou mais visível. Então agora, por exemplo. Tem pessoas que vem do Rio de Janeiro. Embora a gente também, por um período da vida da Mother’s, a gente vendeu no Rio. A gente vendia na Sears; a gente tinha um quiosque dentro da Sears, de cada Sears. Então a gente tinha quiosque dentro da Sears de Botafogo, dentro da Sears de Niterói, dentro da Sears da Barra, a gente tinha em Belo Horizonte, a gente tinha em Porto Alegre. A gente tinha em São Paulo em todas elas; eu ia entregar chocolate toda semana na Sears. Depois a Sears vendeu, foi pra Sandiz, depois a gente começou a trabalhar com a rede Express. Lembra da rede Express 24 horas, na Moreira Guimarães? Começou ali a primeira. A gente tinha chocolate nosso lá, na Moreira Guimarães. E tinha aqui em Campinas também. Depois foi crescendo, foi crescendo aí a Express foi vendida pra Select, para o Pão de Açúcar, do Pão de Açúcar pra Shell. E depois a gente acabou desfazendo o acordo e acabou não vendendo mais pra eles. Mas a gente tem uma trajetória assim.

P/1 – Uma vivência que ela se desdobra.

R – De comércio. Se desdobra de várias formas. Fecha uma porta

R – Em várias dinâmicas.

P/1 – Fecha uma porta abre a outra. Termina aqui começa ali. entendeu? É uma coisa meio louca assim Não é só, ah eu tenho minha portinha aqui. Não, a gente tem.

R – Muito dinâmico. Agora mudando um pouco o eixo da pergunta: da onde veio o nome?

R – Ah. É o seguinte: eram duas mães, eu e a minha cunhada. [risos] com quatro pirralhos. Então a gente começou assim: como vai chamar? A gente fazia chocolate não tinha nome. A Mother’s não tinha nome. A gente falava: mas como vai chamar? Todo mundo perguntava: como chama o seu chocolate? Não sabemos. E eu tava vindo de quatro anos de El Salvador que é muito próximo dos Estados Unidos e que tinha muita influência da linguagem, do inglês. Então a primeira idéia foi: vamos por chocolate da Mãe? Ixe, vai ficar feio chocolate da mãe. A gente pensou em outros nomes, pensou em muita coisa. Aí foi assim, foi começando. Aí eum dia eu falei assim: porque a gente não chama Mother’s Chocolate. Eu falei, porque eu tava com aquela coisa do inglês na cabeça. Hoje eu já acho que foi péssima idéia porque ninguém consegue pronunciar direito o nome. Chamam a Mother’s de Modess, de Mater, de qualquer coisa. [risos]. É muito difícil, às vezes é difícil, você tem que soletrar. Então é um nome bonito por causa do sentido; o que foi que a gente quis dar a idéia quando nós colocamos Mother’s chocolate. Era chocolate feito por mães. Chocolate feito por mães, com carinho da mãe, com cuidado da mãe; com aquilo que a sua mãe faz de melhor pra te dar. Esse foi, essa é o sentido da palavra Mother’s chocolate e do nome que a gente queria passar todo ali englobadinho. Entendeu? E a Mother’s chocolate tem uma tradição, nós só trabalhamos com mulheres. Desde o primeiro dia.

P/1 – Não tem homem. Clube da Luluzinha.

R – Clube da Luluzinha. Então a gente tem essa tradição. Antes de qualquer coisa a gente só trabalha. É muito difícil trabalhar só com mulheres, sabia? Parece fácil, mas não é não. Então a gente procura trabalhar, procurou desde o primeiro instante de vida da Mother’s, sempre trabalhar com mulheres, voltada pra mulher. Um trabalho realizado por mulher. Por mães. E a gente sempre procurou contratar pessoas, mulheres que estavam em duas faixas de vida no mercado. Porque você sabe que a mulher tem um período que ela está apta pro mercado de trabalho. Passou daquele período dos 40 anos, 45, ela está fora do mercado. E antes dos 20, 22, ela também está fora do mercado. Então a gente começou sempre usando aquelas pontas. E a gente sempre procurou dar oportunidade praquela mulher que realmente estava fora do mercado. A gente teve até bem pouco tempo na empresa – agora já não tem mais isso – mas a gente tinha, por exemplo, gente que era analfabeta. E que nós alfabetizamos. A Márcia alfabetizou. Porque a Márcia, a base dela de escola, ela fez escola normal. Escola normal é professora. Escola normal aqui em Campinas, normalista é aquela pessoa que é professora. Então ela, nós contratávamos, as pessoas vinham procurar emprego conosco, mas não sabiam ler nem escrever. Então a gente, além de contratar, a gente alfabetizava.

FIM DE CD

P/1 – Agora a gente vai entrar na parte final da entrevista. Aliás, retomando um pouco dessa história que eu achei interessante, como foi desenvolver a pedido das Nações Unidas, essa fábrica de chocolate no Equador?

R – Foi uma experiência e tanto. Foi.

R – Como é que surgiu esse pedido? E por que o Equador?

P/1 – Foi assim. Você sabe que as Nações Unidas têm um trabalho constante nos países subdesenvolvidos, em desenvolvimento. E sempre tem, outros países mais ricos interessados em investir em algumas políticas de desenvolvimento. Nessa ocasião as Nações Unidas estavam tratando de desenvolver políticas de desenvolvimento no Equador. Para mulheres. Porque, eu não sei se você sabe, mas a mulher equatoriana, como todo bom latino, né? E a mulher equatoriana é arrimo de família, quase sempre. Porque é assim: elas normalmente não se casam. Mulher, eu digo assim, vamos deixar claro que é uma determinada classe social. Elas têm os filhos – a salvadorenha também – cada filho com um pai e nenhum se responsabiliza pela filharada. Então a mulher tem que dar duro. Já é uma pessoa que vive num país pobre, que não tem com quem contar normalmente pra sustento dos filhos. E tem que desenvolver, tem que crescer, tem que fazer alguma coisa. Então o intuito das Nações Unidas naquela ocasião era poder capacitar mulheres de uma fundação, __ mujer. Que era uma fundação que capacita mulheres para o trabalho – para poder desenvolver um produto de qualidade, mas que pudesse ser feito artesanalmente pra ocupar a mão de obra feminina. Pra ter um comércio e um retorno pra continuar capacitando essa fundação, para formar mais mulheres. Olha, esse ano eu recebi um e-mail, de uma filha de uma das mulheres que eu capacitei, e que montou uma fábrica de chocolate. Então a gente troca correspondência. Então, eu não sei como anda todo o desenvolvimento, porque quando a gente é um consultor – eu fui como consultora das Nações Unidas pra montar uma fábrica estilo similar ao que eu tinha aqui. E veio um consultor visitar a nossa fábrica, nosso estilo de trabalho, visitou as nossas lojas e achou que a gente tinha, como era uma fábrica só de mulheres, tocada por mulheres, dirigida por mulheres, montada por mulheres. E que tinha alguma coisa a acrescentar. Porque a maioria não é assim. Então eu tinha alguma coisa a acrescentar. Então fui convidada, fui lá como técnica. Montei a fábrica, treinei o pessoal, ensinei a vender, etc e tal.

R – Ser mulher no comércio. Você passou por alguma dificuldade justamente por essa questão de gênero?

R – Não, viu. Eu acho que eu não tenho problemas com gênero não. Eu não. Eu acho que tem lugar pra todo mundo. Tanto pro homem como pra mulher. ___, a gente procura batalhar, mas eu acho que no meu ramo, não.

P/1 – E porque essa opção de ser uma fábrica, um negócio, tocado especificamente por mulheres.

R – Então, primeiro porque a gente tem uma característica que requer muito a mão de obra feminina, que é uma mão de obra um pouco mais delicada e tal. Eu poderia até na produção – existem confeiteiros fantásticos, existem chocolateiros. A maioria do mundo trabalha com chocolatier, que são homens. Mas na verdade o que a gente procurou. A gente quando estava começando trabalhava num ambiente que não era muito grande, um ambiente pequeno. A gente tinha o nome, Mother’s; a gente queria dar uma característica especifica pra nossa produção. Então a gente não cogitou, nunca cogitamos em contratar homem. Nunca pensamos na possibilidade de contratar um homem pra trabalhar conosco. Porque não sei. Acho que foi meio, se formou assim a Mother’s e a gente acabou só trabalhando com mulheres.

R – O que você acha desse projeto de memória do Sesc de resgatar a memória co comércio de Campinas?

P/1 – Olha, eu acho fantástico porque assim, não especificamente pela Mother’s estar sendo entrevistada. Não é por isso. Eu acho interessante porque tem muita coisa no comércio de Campinas que é história, e que se perde, que vai embora, que ninguém mais lembra. Só os antigos. A gente vai morrer mesmo, né? Qualquer hora dessas, aí vai perder de vez essa história. Eu acho que isso estando num livro é legal, é super interessante. Não só o comércio de Campinas, mas o comércio em geral.

R – Quem você recomendaria pra uma entrevista, do comércio de Campinas?

R – Do comércio de Campinas?

P/1 – Pôxa tem um monte de gente. Qual a área que você quer?

R – Não, você pode falar do que você quiser. O comércio é amplo, né?

R – Tem o Cleso, o Cleso também é um restaurante antigo de Campinas. Você já entrevistou alguém do? Eu tô falando de comida porque comida é mais ou menos o meu ramo. Mas o pessoal do Éden Bar? Porque o Éden bar existe há, antes deles existiram outros, mas Éden bar é uma coisa assim que é meio tradição em Campinas. Onde ele está, como ele é. O Armorial também era um, mas também fechou, era fantástico. Mas agora de comércio mesmo: a Ezequiel, a Camisaria, roupas masculinas, é uma coisa que tem história pra contar aqui em Campinas porque ela existe há muitos anos, nossa, há muito tempo. Quando eu era criança ainda. A Baby, né? A Baby é daqui. Tinha a Líder que também era daqui, mas agora fechou, foi comprada pela Marisa. Não é mais. Foi. Mas a Líder também foi fortíssima em Campinas, na área de eletrodoméstico, comércio, nessa área. Agora há uns cinco anos atrás ela foi comprada pelo Magazine Luiza. Ela fechou então já acabou, não tem mais.

P/1 – A sua história de vida tem um pedaço muito grande da trajetória da própria Mother’s. Quais as maiores lições que você tirou dessa vivência dentro do comércio, quais as maiores lições que você tirou pra você, assim, como pessoa?

R – Olha, lição. Com isso a gente aprende todos os dias. Eu acho que uma das lições que a gente tem que aprender no comércio é ouvir. Ouvir a gente precisa ouvir muito, as pessoas, o que as pessoas querem, o que as pessoas tão buscando, quais os anseios das pessoas, dos clientes; dos funcionários. Porque quando a gente ouve a gente aprende. E agente tira muitas conclusões, porque às vezes a gente está tão atarantada no serviço, no trabalho que às vezes esquece de ouvir o que o outro está dizendo ali.

R – E o relacionamento com as pessoas. Eu acho que você tem que ter jogo de cintura, isso você tem que ter mesmo. No comércio você precisa ter, jogo de cintura, você tem que aprender a lidar com o imprevisto; tem que lidar com o cliente; tem que lidar com o fornecedor. Então tudo isso são coisas que você vai aprendendo e tirando lições disso. Tira lições disso. Mas é muita coisa, além disso, é aquela convivência que você tem. Porque você mais ou menos é o elo de ligação entre, eu, por exemplo, que fabrico, eu tenho a parte da produção e a parte comercial. Você tem que fazer um elo de ligação entre a parte comercial e a parte produtiva. Que nem sempre eles andam na mesma sintonia. Então você tem que aprender a fazer essa união, essa ligação entre uma coisa e a outra.

P/1 – E o que você achou dessa entrevista?

R – Achei jóia, muito boa. Tirei coisas do fundo do baú aqui. [risos] Do fundo do baú porque tem coisas que nossa, eu já nem lembrava mais. Muito bom.

R – Então, era isso.

P/1 – Era isso que você queria?

R – Era isso. Muito obrigado.

R – Então tá bom, então estamos contentes.