P/1 – Bom, seu Luiz, primeiramente eu gostaria de agradecer a sua participação nesse projeto e pra começar eu gostaria que o senhor falasse pra mim o seu nome completo, o local e data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Luiz Augusto de Oliveira Sales, eu nasci no dia 24 de setembro de 1950. O local Juiz de Fora.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Edgard de Oliveira, minha mãe é (corte no áudio).
P/1 – E o que eles faziam? Você pode descrever um pouquinho pra gente?
R – Papai sempre foi fazendeiro, mamãe se formou professora e eles vieram realmente pra São Paulo por causa da minha mãe que queria dar aula. Lá em Juiz de Fora, meu pai vivia em fazenda, não era o que minha mãe sonhava. Aí minha mãe insistiu e eles resolveram vir pra São Paulo. Em 1950, 52, nós viemos pra cá, mais ou menos.
P/1 – E o senhor teve contato com seus avós?
R – Tive bastante contato com meus avós.
P/1 – E como eles eram?
R – Eles eram maravilhosos, apesar de serem pessoas bem simples, humildes, aquele pessoal de mato, vamos dizer assim, aquilo era um matão. Mas eram duas pessoas maravilhosas. Não chamava meu avô de avô, nem a minha avó de avó, chamava de padrinho: Padrinho Quinca e madrinha Cecília. Que o nome dele é Joaquim Carlos Quinca de Oliveira e a madrinha Cecília, que é a minha avó.
P/1 – O senhor se lembra da sua casa na sua infância?
R – Lembro mais ou menos, porque lá na fazenda, praticamente, dois anos. Eu lembro quando nós chegamos em São Paulo, que era uma casa aqui bem próxima do Brás, Bom Retiro, e tinha um quintal enorme. Normalmente as casas tinham granja, tinham plantação de fruta, essas coisas. Isso eu tenho uma lembrança razoável, inclusive quando eu cortei meu dedo, foi numa dessas casas aqui.
P/1 – E como era o Luiz criança? O que o senhor gostava de brincar?
R – Não, o Luiz criança foi um capetinha, vamos dizer assim. Eu mexia em tudo, era muito curioso e era uma criança que não parava, não tinha sossego. Tudo eu queria fazer. E comia muito até, tem essa parte também que todo mundo conta que eu comia demais.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Nós somos seis irmãos.
P/1 – E como é o Luiz nessa escadinha?
R – Eu sou o terceiro. O Paulo é o mais velho, aí vem a Regina, aí vem eu, mas a diferença de um para o outro não chega a ser um ano, é um negócio impressionante. Eu nasci em 50 em setembro, meu irmão nasceu em 51 em agosto. Praticamente dá 11 meses, não dá um ano a sequência. A história dos irmãos nós somos muito unidos, sempre os seis demasiadamente unidos. Sempre fazíamos as coisas juntos. Naquela época, não existia o que existe hoje, é obvio. A gente construía carrinho de rolimã, pregava com os pregos, uma loucura. Fazia como se fosse um ônibus, eu era o motorista, (corte no áudio) era o cobrador. Pra andar de carrinho (corte no áudio) minhas irmãs. E elas imitando as madames da época, então, punham as bolsas da minha mãe, sapato alto, tudo pequenininho. Mas foi uma felicidade. Minha infância foi espetacular, não posso falar um A dela. Foi maravilhosa, junto com meus irmãos.
P/1 – E o senhor tem lembranças do comércio da infância? Alguma loja que você e seus irmãos gostavam, de repente alguma bomboniere, alguma coisa que vocês paravam na frente e ficavam olhando?
R – Eu vou ser sincero, lembrança de loja... eu lembro era loja de roupa, que era acho que a Garbo. Eu lembro a Clipper, acho que era Clipper. De doces na época era meio... Eu não lembro, não. Não lembro. A irmã da minha mãe, que veio junto com a minha mãe, que era pra cuidar da gente, a dona Leda, que eu a chamo de mãe Leda, nem tia Leda. Ela era uma ilustre cozinheira, ela cozinhava que era um espetáculo. Então, não faltava pra gente um bolo, um sonho, um bolinho de fubá, isso não faltava. A gente não ia a algum lugar pra esse tipo de guloseima, era mãe Leda fazia tudo.
P/1 – E qual a primeira lembrança que o senhor tem da escola?
R – Professora Maria Miguel. Essa é a primeira lembrança. Como eu chamava a professora... Ela era morena, magrinha e naquela época tinha bastante passarinho na cidade. Não é hoje. Tinha um passarinho que a gente a chama de Corroída. Você já ouviu falar da Corroída? Eu chamava a professora Maria Miguel de Corroída, porque ela era magrinha, bem miudinha. E em casa, como tinha banana, a minha tia que me levava pra escola falou pra mim: “Leva lá um cachinho de banana pra sua professora”. E eu levei esse cachinho de banana pra dona Maria Miguel e no fim deu uma bagunça na sala de aula, ela pegou, deu umas reguadas em mim, correu atrás de mim. Como o cacho de banana tava na janelinha da escola, nós fomos lá pegar uma banana e comemos a banana da professora. Isso eu não esqueço nunca mais. Eu, o Wilson, eu não lembro qual era o outro meu colega, se era o Luciano ou o João Batista. Nós comemos uma dúzia de banana, escondidos, de propósito porque a professora deu bronca na gente e correu atrás da gente. Essa é uma lembrança que eu tenho da escola de primário.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma matéria que o senhor gostava mais? Alguma coisa assim?
R – Desenho. Eu peguei, na época uma parte eles chamavam de desenho geométrico, era uma coisa nesse sentido. Eu gostava muito (corte no áudio) arquitetônico, essas coisas, figuras, essas coisas de desenho. Sempre gostei muito de desenho técnico.
P/1 – E com tantos irmãos como era a compra dos materiais escolares? Você se lembra de ir com seus pais fazer esse tipo de compra?
R – Não. Não lembro muito, não, mas gastava-se muito, isso eu me lembro bem. Porque era um calhamaço de cadernos, de livros pra cada um. Seis. É um negócio impressionante. Tem uma história curiosa nessa passagem da infância, da escola. Esse meu irmão Jorge Luiz, esse que eu nasci em 50 ele veio em 51, como não teve essa fase, não deu praticamente um ano, teve uma passagem que ele tinha fraqueza nas pernas, então, ele tinha dificuldade até de andar um pouco, ele era muito magrinho. Eu tinha ido para o segundo ano de primário e como ele era fraquinho eles resolveram fazer uma rematrícula comigo junto com ele pra eu ficar com ele, tomar conta dele. Essa é uma passagem curiosa, interessante. Quase que eu esqueço (corte no áudio). Então, nós fizemos o primário juntos, até arrepia, porque eu tinha que acompanhá-lo, tudo que ele precisasse eu tinha que ajudá-lo pra ninguém mexer com ele, ninguém bater nele. Recentemente, na época, a gente puxava um pouco o R, o S, que é da parte de Minas, então, o pessoal brincava muito com a gente ainda nessa época, que a gente tinha um sotaque ainda. A gente fala “tumate”, não é tomate, é “tumate”. A gente puxava muito o S e o R, e eu tomava conta do meu irmão. Depois, inclusive, na sequência mais tarde, ele até passou por mim um ano a mais que eu, que eu fiquei um ano reprovado, não lembro direitinho, ele foi embora e eu fiquei. Ele foi embora sozinho por conta própria.
P/1 – E depois o senhor foi ficando um pouco mais velho, já adolescente, quem eram os amigos, o que o senhor gostava de fazer pra se divertir?
R – Eu sempre gostei de dançar. Pular carnaval, festa junina, essas coisas todas. Praticamente os amigos, milhões de amigos, que são incontáveis, mas a gente (corte no áudio) de festinha. Existiam uns bailinhos em casa, em residências, às vezes em garagem, no fundo do quintal. Existia bastante disso que a gente gostava muito disso aí. Eu jogava muita bola, sempre joguei bola, isso todo mundo jogou. Jogava bola na rua, fazia a trave na rua e jogava. O divertimento nosso praticamente era bolinha de gude, pião, bola e essas festinhas tradicionais, folclóricas que existiam. A gente não perdia de jeito nenhum.
P/1 – E só voltando, como o senhor ia pra escola com seus irmãos? Iam de ônibus, andando?
R – A pé. Ia a pé. A escola, na época, era bem pertinho de casa.
P/1 – E onde ficava a escola?
R – A primeira lá foi... Meu Deus do céu, não lembro.
P/1 – O senhor lembra o bairro?
R – Não. Como chama aquela escola? Meu Deus. Não lembro. Gente do céu.
P/1 – Não, tudo bem, não tem problema.
R – Vocês não ligam muito, não.
P/1 – Imagina.
R – É efeito dos meus remédios.
P/1 – E qual foi a sua primeira atividade profissional? Onde o senhor começou a trabalhar?
R – Ajudando meu pai. Não era, claro, remunerada, nem financeira. Mas eu ajudava (corte no áudio). Aonde ele ia trabalhar pedia que eu o ajudasse, aí eu ajudava o papai já no comércio. Ele trabalhou no Sesi aqui na Vila Prudente, na Mooca. Aonde mais tinha armazém? Tinha outro lugar aí que eu não lembro bem. Mas o da Mooca, da Vila Prudente eu me lembro. Isso aí eu acho que nem existe mais, esse tipo de armazém, que era um órgão criado pelo Getúlio Vargas, eles chamavam posto de abastecimento. Ele tomou conta de um posto de abastecimento, isso também não existe mais... Como chama lá, gente? O lugar é Perus. Ali, na época, tinha fábrica de cimento Portland, que era de um pessoal Abdalla lá, eram os donos. Foi colocado dentro dessa fábrica, praticamente no complexo da indústria, um posto de abastecimento. Ali foi onde papai mais trabalhou, era longe pra chuchu. Então, vinham aqueles caminhões carregados de sacarias, vinham de Santos, inclusive. As coisas eram pregadas naquelas (corte no áudio) de metais e tudo. E eu adorava ficar ali fazendo aquilo lá, carregar o saco de açúcar com dois, isso aí eu fazia sempre. Quer dizer, a primeira atividade, vamos dizer assim, profissional, foi dessa forma que eu fui aprendendo a trabalhar.
P/1 – E como você se sentia trabalhando ali com seu pai do lado?
R – Nossa, aquilo era uma delícia, aquilo era uma beleza pra mim. Não tinha coisa igual, era uma felicidade. Inclusive nessa época que eu ajudava meu pai, dentro desse complexo da indústria de cimento eles tinham uma criação de carpa. Lá tinha acho que três ou quatro tanques profundos, e uma vez eu caí dentro de um, eu morri afogado, quase que eu matei todo mundo. Tiraram-me do poço, eu me lembro que apaguei, (corte no áudio) voltei ao normal, à lucidez, tava cheio de gente em volta de mim. Eu caí dentro de um poço de criação de carpa, isso nessa fábrica lá, Portland. É isso mesmo, Cimento Portland. (corte no áudio) não existe mais, tem lá parece que um complexo que parece que eles mantiveram aquilo pra história, fica ali próximo a Caieiras, entre Perus e Caieiras. Um negócio até bonito lá, um troço, aquilo lá acho que ficou numa reserva ali.
P/1 – E dali o senhor foi pra onde? Qual foi o…?
R – Aí eu já não... Como fala? Eu tinha passado, não lembro bem, mas eu tava fazendo o curso técnico na época, e era aqui no Brás que estudava na escola técnica, naquela federal. Hoje mudou tudo pra Senai, parece.
P/1 – Isso.
R – Escola técnica. E na época era período integral, você ia das seis da manhã às seis da tarde. Então você não tinha muito tempo. As suas atividades físicas mesmo eram feitas no colégio, na escola federal.
P/1 – E qual é o curso técnico que o senhor fez?
R – Naquela época eu tava fazendo o curso técnico têxtil, acho que era isso aí, têxtil. Mas eu mudei completamente a minha área. Quando eu tava fazendo o curso técnico têxtil eu já saí dali da área, acho que eu fiz dois anos quando eu fui fazer técnico em contabilidade, seria técnica em administração. E esse eu terminei, mas na época eu fui trabalhar na Rede Ferroviária Federal, aqui na Estação da Luz. Aí eu fiquei o quê? Seis meses, quando eu entrei para o serviço público federal, que era a Receita Federal. Eu mudei minha área todinha, fui pra área administrativa. Foi assim, vamos dizer, uma ascensão até meio vulcânica, o negócio boom. Estourei. Porque mesmo na Receita Federal, acho que eu fiquei o quê? Dois anos. Só que eu queria morar em Santos e a Receita não me transferia pra Santos. Eu pedi demissão, ficou todo mundo impressionado, com um cargo público federal não se pede demissão. Mas eu saí, o pessoal apavorado (corte no áudio), falei: “Não, mas eu quero morar em Santos”. Aí eu fui pra São Vicente, morei lá na Ilha Porchat um ano, um ano e pouco, mexendo com obra, aquele negócio que eu comentei no comecinho que eu adorava desenho. Esse pessoal dessa obra na Ilha Porchat, é um prédio inclusive histórico, ele faz um S bem lá na ponta, lá em cima. Eles tinham adquirido um maquinário que fazia rosca nos canos, nas pontas, só que aquilo era tudo com desenho e não tinha pessoa pra fazer aquilo. Então, acho que era, não lembro se era o Sílvio, que era um engenheiro conhecido meu, ele pegou e falou assim: “Você não quer morar lá? Tem isso aqui pra você” “Mas eu vou fazer o quê?” “Você vai fazer rosca nos canos”. A maquininha fazia rosca, era elétrica. Falei: “Mas eu fazer rosca?” “Não. Lá tem os painéis...”. Só que vinham os desenhos onde você tem que fazer, pra fazer em série, que você tinha que fazer, vamos dizer, um encanamento tudo igual, então, você tem que cortar tudo certinho igual nas roscas. Era tudo galvanizado. Como eu gostava de desenho, já tinha um sonho daquilo, aquilo pra mim foi assim também. Cheguei lá e comecei a fazer rosca, um monte de coisa, bonitinho na maquininha. Fiquei também um ano. Quando eu voltei pra São Paulo, eu já voltei e fiz três concursos públicos, na época. Eu fiz pra visitador sanitário, acho que eu fiz pra investigador, eu fiz três concursos públicos. Eu me lembro que eu passei nesse de visitador sanitário, eles falavam. Foi quando eu entrei no estado, mas eu não entrei como visitador sanitário, porque existia uma lei na época, Lei 500, que eles falavam, você não tinha muito, como eu digo? Coisas pra você de emprego, eu não tinha férias, não existia 13º.
P/1 – Direitos.
R – Isso. Eu não tinha direito a nada, nem às férias, essa tal Lei 500. Todo mundo que passava em concurso público e era essa Lei 500 o pessoal não queria entrar. Mas eu tinha um conhecido meu, que era o... Como era o nome dele? Fernando. Não lembro bem. Ele tinha acho que um vínculo grande com o exército na época, nós estávamos naquele momento meio de tempo do exército, ele falou: “Você não vai trabalhar lá, não. Você vai trabalhar aqui”. Era onde era o palácio do governo, nos Campos Elíseos ali, que tinha um complexo todinho ali do palácio. E eu já conhecia o palácio por causa da minha mãe, não contamos essa parte. Foi onde eles pegaram, falou: “Então você vai trabalhar aqui”. Aí eu fiquei ali na região, o órgão chamava Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias, que fazia parte todinha ali naquele complexo do palácio do governo. Ali eu fiquei... A minha vida praticamente foi ali.
P/1 – Vamos voltar agora, pode contar pra gente a história da sua mãe ali no palácio, como é?
R – Pelo fato de a mamãe ter vindo pra São Paulo porque era professora, eles falavam normalista, aquelas coisas todas. O sonho dela era vir pra São Paulo de fato e dar aula. E ela vivia muito ali na região, no palácio do governo. Ela ficava, ia lá sempre visitar o... Dali era na época eu me lembro do Ademar de Barros, do Laudo Natel, eu fazia questão de ir junto com ela, porque eu ficava encantado de ver aquilo ali. Eu queria morar no palácio, a verdade era essa. E ali era muito arborizado, tinha passarinho, tinha tudo. Era um sonho. Quer dizer, criou essa coisa em mim de viver ali, essa que é a grande verdade. Agora, o que a minha mãe ia fazer lá no palácio do governo, eu sou sincero, eu não sei. Eu sei que eu ia lá com ela. Eu me lembro que tinha o Ademar de Barros, realmente o Laudo Natel, (corte no áudio) ciências e tecnologia, uma parte da cultura também, existia tudo naquela parte ali, naquela região inteirinha. Ali eu peguei o desejo de viver ali, essa era a minha intenção.
P/1 – Voltando um pouco, o senhor tava na Receita Federal, pediu demissão, de onde veio esse desejo de morar em Santos? Por que ir pra lá?
R – Esse negócio de morar em Santos eu realmente não sei. Não sei, não lembro direito o porquê que eu tinha vontade de morar aí na Ilha Porchat, até hoje eu fico: “Mas o que deu na minha cabeça de morar na praia?”. Realmente eu não sei. Cismei que eu queria morar lá, era a minha vontade nessa época. É aquilo que eu tava dizendo, eu era uma pessoa muito ativa, desassossegada, não tava satisfeito nunca com nada. Pra você ter ideia eu fiquei seis meses na Rede Ferroviária Federal, era um serviço público federal também. E olha que pra entrar na rede federal na época era algo que hoje não existe, eu fiz uma semana de bateria de testes. Eles, inclusive isso é uma passagem curiosa, me colocaram numa cadeira, parecia uma cadeira elétrica, pra eles testarem meu reflexo. Tinham trocentos mil botões, eu batia os pés nos botões, acendia... Eu ficava oito horas fazendo isso. Isso na Rede Ferroviária Federal. Quer dizer, eu fiquei o quê? Seis meses, peguei o boné e fui embora.
P/1 – E quando o senhor foi pra Santos o senhor foi sozinho?
R – Fui sozinho. Tinha esse amigo meu que era o engenheiro Sílvio, era novo até. Na época, lá em Santos, ele tinha levado acho que umas quatro, cinco pessoas pra trabalhar, até conhecia alguns deles. Mas eu fui no supetão. E deu a coincidência de eu encontrar com o Sílvio. Porque eu fui pra lá, falei: “Eu vou arrumar um negócio aqui, vou morar aqui”. Pra mim era indiferente. Eu já morava sozinho ali na região de Campos Elíseos, eu morei na Alameda Barão de Limeira, ali onde é a Folha de São Paulo, bem em frente à Folha de São Paulo, morei num quitinete ali (corte no áudio) e fiquei um ano lá, isso foi na época de 60 e pouco, 66, 67.
P/1 – O senhor deixou de morar com a sua família e foi morar nos Campos Elíseos?
R – É. Eu com 16, 17 anos já não morava mais com pai. Eu ia ao meu pai, às vezes passava um fim de semana, porque tinha conhecido da gente lá, eu jogava truco, baralho, adorava fazer essas coisas, comer galinha caipira. Eu ia no final de semana, mas às vezes eu ficava 20 dias sem ir à mamãe, ao papai. Eu fui o primeiro deles a cortar o cordão umbilical da minha mãe, dos meus irmãos, praticamente fui eu.
P/1 – E como era a região dos Campos Elíseos quando o senhor foi morar lá?
R – É aquilo que eu te falei, era um sonho. Era um negócio espetacular. Quer dizer, já tava, vamos dizer assim, eu não percebia, você tá morando e não percebe assim de cara, você tá tão encantado de morar ali, que ali tá lindo e maravilhoso. Mas quando eu fui realmente pra lá já estava iniciando essa situação de degradação em função da retirada do poder público do palácio do governo. Saíram algumas secretarias que funcionavam ali, as pessoas mais antigas de poder aquisitivo, de sociocultural maior também já estavam começando a se retirar, essa que é a grande verdade. Aqueles imóveis enormes, aqueles casarões, quer dizer, não se podia fazer nada, os próprios proprietários não sabiam nem o que fazer com o próprio imóvel, foi onde foram surgindo esses cortiços, essas moradias coletivas. E a rodoviária ali tinha o prédio da Sorocabana, que são os trens, a Estação da Luz também, que levava o pessoal para o Rio de Janeiro, pra Minas, pra Santos. O acesso de Santos para São Paulo com trem era uma beleza, demorava, mas era uma beleza. E tinha a rede da... Na época era Sorocabana, hoje, claro, mudou tudo. Vinha todo o interior de São Paulo, você ia de São Paulo até, praticamente, Minas Gerais, do lado de cá, do lado acho que sul, ou norte, desse lado de cá você ia de trem. Então, o acesso de vir e chegar drogas, esse pessoal que mexia com isso era fácil, eles paravam aonde? Na região dos Campos Elíseos, na Luz, ali Bresser aonde era a... não, Bresser, não, Júlio Prestes, aonde era a rodoviária. Ali era um miolo de tudo, era uma facilidade muito grande. E o contingente ali, às vezes você ficava bobo de ver aquilo, aquilo era uma multidão de gente. Você imagina o que tinha ali no meio.
R – Voltando um pouco pra sua vida profissional, como surgiu essa vontade de abrir um salão?
R – Isso é um negócio curioso. Esse órgão que eu fui trabalhar, que é o Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias, que infelizmente o senhor Orestes Quércia (corte no áudio) que não devia extinguir hoje, as cidades do interior, as que são estâncias estão numa situação difícil. Eu vejo prédios públicos no interior completamente abandonados, e prédios gigantes, são hotéis balneários, uma série de coisas. Quando eu fui trabalhar nesse órgão que é Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias, eu tive até uma sorte, fui abençoado, porque na hora que eu cheguei lá, as pessoas que estava trabalhando, que são engenheiros, advogados, vamos dizer, geólogos, engenheiros químicos, eles eram um grupo de pessoas muito bem formadas e técnicos. Cheguei eu, simplesmente cheguei lá com pouco conhecimento de quase nada. Necessitava de uma pessoa mais nova realmente pra correr o Estado de São Paulo inteirinho, porque nessa época existia um controle muito grande do estado, do governo federal em função do Regime Militar. Então, eles começaram a me treinar, eu fui treinado pra cuidar de posto meteorológico. Não existia hoje, que tem essa evolução grande; na época os postos meteorológicos eram cercados, eram em determinados pontos estratégicos nas cidades do interior e principalmente estâncias. E ali você tinha uma série de equipamentos, eram termômetros, você tinha as bóias, tinha os cata-ventos. Ali se media toda a situação do clima na região. Não tinha quem fizesse isso. Quem chegou a fazer? Começou por mim. A mesma coisa acontecia na região do litoral, tinha lugar na época que era reserva, locais que você não podia entrar, essas coisas todas. Coincidentemente em Peruíbe ainda existe até hoje, não sei direito como tá aquilo, tem a reserva de lama negra, tem uma reserva mineral, é um mato preservado e tudo. E na época esse órgão, especificamente, que era o Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias, tinha o setor de pesquisas, que era o meu setor, e a gente tinha que olhar e verificar se não tinha invasão naquilo, se aquilo estava cercado. Tinha lá uma guarita, ficava uma pessoa lá, um funcionário tomando conta. E eu toda semana tinha que passar lá pra ver se tava tudo ok. Então, eu ia para o hotel lá em Peruíbe e ia lá para o setor fechado. E ali tinha a tal lama negra. Eu queria saber que tanto segredo a lama negra tinha, aí eu fui descobrindo com pessoas pra que serve. E uma pessoa até do meu convívio lá de Campos Elíseos, é uma estilista, uma costureira famosa que tem uma mansão lá, um negócio bonito; na época, essa época é bem antiga, ela fazia os festejos, as reuniões dela, eu era novo ainda, tinha acho que 23 anos, 24 anos, pra você ver como é que eu fui um foguetão. E ela me chamava pra reunião, para as festinhas e eu ia lá. Aí eu comentei (corte no áudio) mulheres, pessoas bonitas, da lama negra, ela pegou e falou que aquilo era um espetáculo, aquilo é um negócio pra tratamento de pele e não sei o quê. Aí eu peguei e comecei a pensar: “Aquele mundaréu de lama negra (risos), eu vou abrir umas banheiras, fazer um balneário e colocar o povo pra tomar banho de lama negra”. Já imaginando alguma coisa nesse sentido. É um pensamento meu até antigo. Isso é da época de 70 ainda. 74 eu já conheci isso tudo, em 76 eu já tinha um conhecimento vasto sobre as águas, o tratamento das águas e da lama negra. E aquilo veio em mim, eu continuava trabalhando porque eu (corte no áudio) quis. Eu sempre continuei trabalhando, fazendo tudo que eu tinha que fazer, mas sempre imaginado realmente em ter um centro de estética, de tratamento de saúde de pele, justamente usando as águas minerais, que se todas essas cidades, estâncias hidrominerais, aqui eles têm águas minerais cada um com seu poder. Você pega Águas de Lindóia, Serra Negra são águas bicarbonatadas, sulforosas. Você vai a São Pedro, a água de São Pedro, aquilo é um espetáculo, lá você tem três tipos de água: a Almeida Sales, Gioconda, como chama a outra? Juventude. São águas com as suas classificações e especificações físico-químicas e um determinado efeito no físico humano, na gente. Aí eu fui criando isso dentro de mim de montar um centro de estética. Mas eu não tinha uma pessoa do meu lado que tinha conhecimento e tempo pra isso, e eu continuei trabalhando. Aí eu me casei com minha primeira esposa, tive dois filhos. Depois me separei da minha primeira esposa, fiquei acho que dois, três anos trabalhando, fazendo tudo que eu tinha que fazer e foi quando eu conheci a Vilma, essa que hoje tem um negócio comigo coincidentemente. Foi muita coincidência.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – (corte no áudio) Foi ali na Barão de Limeira, porque ela é de Santa Catarina, ela veio do Sul, Ibicaré. Isso em Tupi Guarani é Rio Tortuoso, fui procurar saber porque Ibicaré, o que é isso? Ela nasceu na cidadezinha de Ibicaré, ao lado de Treze Tílias, que é uma estância, lá em Santa Catarina, de austríacos. E ela já mexia com isso um pouco. E eu, pela Barão de Limeira que eu nunca saí, mesmo separado eu continuei morando na Barão de Limeira. Aí começou certa paquera dali, daqui. Ela na época tinha feito o curso de enfermagem, tinha feito o curso acho que de hidratação de pele, uma coisa assim. Ela era manicure, pedicure, tudo isso. E ela começou a fazer uns cursos mais especificamente de estética. E eu que mandava uma amiga perguntar pra ver quem é, como é. Eu era apaixonado, aqueles olhos azuis, bem gaúcho, de botas, falei: “Que bela mulher”. Aí as amigas levavam e traziam aquelas fofoquinhas: “Ela perguntou se você é casado” “Você falou o quê?” “Falei que você tem dois filhos”. Falei: “Não fala assim” “Mas ela é bom saber, Augusto”. Falei: “Então, tá bom”. Mas também foi um negócio até meio repentino, porque foi menos de um mês. Eu já tive o... Nós saímos. O mais curioso foi que quando eu fui convidá-la pra sair (corte no áudio) uma reunião política e ela não suporta política, eu não sabia disso. Aí eu falei pra uma amiga minha: “Fala pra ela que eu quero convidá-la pra um coquetel”. Mandei o recado. Aí a amiga veio, falou: “Não, ela vai ao coquetel, mas onde é?”. Falei: “Não, é um coquetel de um amigo meu, um político, ele vai sair candidato a deputado, eu faço questão que ela vá”. A moça foi lá e voltou: “Ela falou que não vai, que ela não suporta política”. Falei: “Você não sabia disso?” “Não”. Falei: “E agora?” “Ela falou que não vai, não quer nem saber disso”. O pai dela mexe com política lá em Santa Catarina, ela falou que é um monte de vagabundo, que ela não quer saber disso, se era pra eu mexer com política não era pra eu falar mais com ela. Aí eu falei pra minha amiga: “(corte no áudio) fazer nada de coquetel. Se ela quiser nós vamos em outro lugar”. Aí começou o relacionamento, até chegar aonde nós chegamos. Eu fiquei com ela, ela tinha um quitinete aqui na Frei Caneca, às vezes eu ficava lá e falava pra ela: “Eu não saio da Barão”. Eu que insisti pra ela, falei: “Meu lugar é na Barão”. Aí ela: “Por que Barão?” “Porque o meu lugar é na Barão, eu tenho que morar ali nos Campos Elíseos. Ali eu tenho tudo, a minha vida é ali”. Aí ela falou: “Então tá bom”. Aí nós compramos um apartamento na Barão Limeira e nesse apartamento nós fizemos um quarto e uma sala com todas as tomadas especificamente pra trabalhar. Ela já tinha feito até um curso de estética. Aí ela começou a fazer toda a parte de estética em casa, só que se tornou um negócio meio chato porque como é moradia as pessoas subiam, tudo com hora marcada. Não era um negócio bacana, não era um negócio, vamos dizer, legal. Os próprios vizinhos do condomínio falavam: “Isso aqui não é (corte no áudio)”. Alugamos essa loja, que era um farmacêutico amigo meu muito antigo, ele ligou pra mim, falou se eu queria a loja, falei: “Claro que eu quero. Eu vou montar um centro de estética do jeito que eu sempre quis”. A qual esse farmacêutico sabia disso, que eu queria fazer um centro de estética lá, porque ele era formado na Alemanha e eu cheguei a comentar com esse farmacêutico sobre a lama negra. Ele fez questão de ceder, falou: “O senhor vai montar?” “Vou montar um centro de estética”. Foi quando surgiu o centro de estética.
P/1 – E como foi? O senhor saiu do seu trabalho e ficou só...
R – Quando eu vim montar o centro de estética eu tive alguns problemas sérios no estado, a verdade é essa. Eu fui nomeado como coordenador dos terminais turísticos do Estado de São Paulo, inclusive é um cargo até em nível... Quase secretário. Tinham até uns concorrentes comigo na época, eu nem sabia que eles tinham me escolhido, que era o prefeito de Campos do Jordão, que talvez eles iam dar o cargo a ele e um que foi ex-prefeito de Itu, que era o Piunti, na época. Mas ligaram pra mim: “Nós precisamos de um louco pra tomar conta disso”. A verdade foi essa, um cara que toma decisão. Aí eu fui coordenar esses terminais turísticos do Estado de São Paulo onde havia as construções dessas obras: eram banheiros públicos, instalações pra receber esse pessoal que vai lá um dia. O pessoal chega lá, toma um banho, come ali na hora. Era um negócio pra aquele dia, que a gente chama turista de um dia. E eu fui tomar conta disso e me deu muito trabalho, muita dor de cabeça, que a cidade não tinha estrutura, independente de tá lá o balneário, o terminal turístico, as pessoas que desciam eram muito mais do que se previa e do que comportava. Um balneário comporta o quê? Cinco mil pessoas, nem dez mil, no máximo dez mil. Eu tive em Bertioga 30 mil pessoas num dia. Você imagina a luta. Então, aquilo foi me causando um transtorno, uma fadiga, um cansaço muito grande e eu sempre pedindo as coisas para o governo, sempre pedindo. Aí saiu um problema, eu dei uma entrevista numa emissora criticando o governo, que o que se fazia era tudo mentira, e aí realmente eu tive um processo administrativo, tive que me afastar por um bom tempo, foi até em função (corte no áudio). Eu me afastando na época, como eu tinha já tempo mais ou menos, eu fiz certa contagem de tempo de serviço, falei: “Sabe de uma coisa, eu vou montar o meu negócio e vou sair”. Pedi afastamento do estado. Aí parti pra estética realmente de fato. E mais interessante, nesse meio do caminho, esse centro de estética eu ia montar em Bertioga, é que na época houve um problema financeiro de todos nós com o governo do Collor, teve aquela... Como fala? Eles seguraram a poupança, não sei se você se lembra aquele negócio, a situação do Collor, e aquilo me prejudicou muito. Então, o que eu tava preparado, já pronto pra Bertioga, foi suspenso. Falei: “Deixe-me ficar em São Paulo mesmo na Barão de Limeira”.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, seu Luiz, o senhor tava falando do momento em que o senhor se afastou do seu trabalho, enfim, foi se dedicar ao seu próprio negócio. Como foi a montagem, a preparação dessa loja, adaptar uma farmácia pra se tornar um centro de estética, o senhor lembra?
R – Bastante. Ali a transformação da farmácia em centro de estética foi até bacana, foi gostosa porque a farmácia não fugia muito daquilo que eu pretendia. Até a própria construção nas laterais, quer dizer, eu fiz uma reforma ali de um mês. Eu calculei a reforma de um mês e a fiz num mês. A dificuldade maior era mais as instalações elétricas, a farmácia praticamente só tinha uma instalação elétrica, eu tive que fazer várias instalações. As paredes da farmácia eram aquelas prateleiras antigas de madeira, muito resistente. O que eu fiz? Eu coloquei placas de gesso nas laterais e algumas coisas eu mantive da farmácia, algumas coisas interessantes. Eu não tive dificuldade na montagem do centro de estética ali, realmente foi até fácil, foi gostoso, foi tranquilo.
P/1 – E no começo, quantas pessoas trabalhavam lá?
R – Doze pessoas. Eu tive 12 porque aquilo foi uma loucura, porque todo mundo me conhece na região, até pelo tempo longo que eu to ali. Quando eu comecei a funcionar aquilo era uma loucura, tinha 12 funcionários, eu atendia... Eu guardo isso lá, eu tenho todas as estatísticas, eu chegava a atender duas mil, duas mil e 400 pessoas no mês. Era um negócio assustador, as pessoas ficam impressionadas, mas eu atendia duas mil a duas mil e 500 pessoas por mês ali no salão. Aquilo estourou, explodiu.
P/1 – E você pode descrever pra gente a fachada , como ele é, o salão?
R – Como assim, a fachada?
P/1 – Quando eu estou na rua e olho pra dentro, como eu vejo?
R – Não, veja bem, em função até das (corte no áudio) como funcionam as regras municipais, a fachada é bem simples. Ela tem um painel fundo em azul e em relevo tá escrito Vilma Estética, só isso. Ela é toda azulejadinha, pastilhas em azuis. Antes eu tinha uma série de floreiras, jardins na frente. Com as novas leis também eu tive que tirar tudo aquilo. A fachada dele é uma fachada bem simples, tem um vidro recuado, tem algumas propagandas, tem todas as informações dos preços, que também é obrigação por lei. Mas eu a considero uma fachada simples.
P/1 – E como estão dispostos os produtos, as cadeiras, as coisas lá dentro?
R – Você olhando pra dentro do salão, do seu lado esquerdo ele é todo espelhado, são três cadeiras de cabeleireiro; do lado direito fica a parte de um balcãozinho feito em tijolinho, onde eu me instalo, que eu fico ali. Eu tenho o quê? Duas vitrines com alguns produtos, tem pessoas que inclusive expõe lá suas coisinhas, que colocam lá caixinhas, coisinhas de enfeite, eu deixou, permito que coloquem. É mais ou menos isso. Eu tenho três salas: duas de depilação, uma de manicure; e duas salas de estética, que é onde vem o carro chefe do negócio, é onde fica a minha mulher, ali ela usa todos os produtos. Tem equipamentos elétricos, eletrônicos de última geração, de ponta. E ela sempre troca, quando vê que tem algum equipamento que está superado ela vai e troca, pega um equipamento de ponta. É um negócio que realmente deu certo, valeu a pena.
P/1 – E o senhor fica na administração?
R – Eu administro tudo. Não só do salão, como do bairro inteiro, o comércio inteiro (risos). Ali é o dia inteiro ligando, não só os clientes, como as pessoas do bairro que reclamam muito.
P/1 – E com relação aos produtos, mesmo os xampus, os cremes, como é a relação com o fornecedor? Aonde vocês compram esse material, mesmo os equipamentos que são usados?
R – Equipamentos, normalmente, são empresas específicas. Aliás, são (corte no áudio) muitas internacionais, a verdade é essa, empresa inclusive da Argentina, da Alemanha. A gente compra esses equipamentos normalmente em feiras. Minha mulher vai a todas as feiras que existem aqui no Brasil, em São Paulo. Então, ali ela já sai com equipamento que precisa, o que ela vai inovar, o que ela quer fazer de novo, ela vai nessas feiras e já vem com alguma coisa. Aliás, todos os equipamentos nós compramos praticamente em feiras, são coisas de ponta. Agora, o produto lá que a gente usa, que é o produto químico, o xampu, essas coisas, a gente tem o hábito de comprar em uma casa aqui em São Paulo, que é uma coisa que vende cosméticos, grande, famosa, que é a Ikesaki. Agora, tem produtos que são só fornecedores realmente, tem cremes que a Vilma compra que têm as empresas específicas, a Payot, tem outra lá que é a (_____?), são empresas específicas. Eles ligam naquele período, que sabe que a gente tá precisando, que é o caso da cera, que é a Depil Light. A Depil Light liga pra mim quarta-feira, a cada 20 dias ela me liga: “Senhor Augusto, quanto que manda?”. Eles já sabem a quantidade certa. Então, o que a gente usa normalmente tem essas empresas especificamente pra isso. Mais comum é a Ikesaki, porque ali na Ikesaki você compra todo o material, tanto pra cabeleireiro como pra manicure. Agora estética já não, estética são empresas específicas.
P/1 – E aí, por exemplo, na Ikesaki vocês compram e eles entregam, ou vocês vão lá?
R – Eles entregam. A Ikesaki entrega. Apesar de que a gente gosta de trazer, a gente escolhe e pega, a gente costuma ir lá buscar, mas normalmente eles trazem, não tem problema nenhum.
P/1 – E o senhor trabalha com lama negra?
R – Não. Por incrível que pareça. Tudo isso por causa da lama negra (risos). A gente não mexe com lama negra. Tem alguma coisa de produto que a Vilma usa, tem um nome lá que ela faz redução localizada, então, ela usa alguns cremes, tem lá uma argila, é uma empresa que entrega. Mas a lama negra, que inclusive tive recentemente em Peruíbe, ela não é comercializada da forma que se imaginava. Mesmo a gente procurando nas empresas, vocês não tem o produto de vidro lá da lama negra, retirada dali. Eu ainda não vi, pode ser que exista por aí alguma coisa, mas a gente mesmo não teve acesso a essa lama negra.
P/1 – E quantos profissionais trabalham lá hoje em dia?
R – Hoje, são oito profissionais.
P/1 – E existe alguma preocupação com treinamento na hora de contratar, como funciona?
R – Existe. Eu particularmente, os seis profissionais que eu tenho lá que são os cabeleireiros, as manicures, todos eles têm formação técnica, formação nas áreas deles. As manicures principalmente, que isso é primordial na parte de higiene e tudo. Todos eles têm formação técnica e a prática. Ali as minhas três, quatro manicures, são manicures há... tem manicure minha lá de 20 anos de profissão. Os meus dois cabeleireiros, o Roberto tem o quê? 18 anos de profissão, o Isaac acho que é dez, 12 anos, que é mais recente. Mas os técnicos lá... normalmente, quando a gente conversa a gente faz um treinamento com eles de uma semana pra ver se realmente é a pessoa adequada pra aquilo.
P/1 – E quem são os clientes? São pessoas do bairro, ou são pessoas que vêm de fora, o senhor tem como me dizer?
R – A nossa clientela é bem...
P/1 – Variada.
R – Variada. Eu tenho lá gente que vem de Moema, do Brooklin, tem gente que vem do Rio Grande do Sul uma vez por mês pra fazer o cabelo e a mão, fazer especificamente com aquela pessoa. Tem gente que vem do interior, tem gente que vem aqui da região de São José dos Campos. Agora, eu diria pra você que 60% são do bairro, eu pego ali tanto Campos Elíseos, muito Campos Elíseos, Barra Funda e Higienópolis. Eu tenho essa clientela minha, Santa Cecília, Barra Funda ali e Campos Elíseos. Mas eu tenho ali bastante gente de fora, muita gente de fora.
P/1 – E o que o senhor acha que faz com que essas pessoas venham de tão longe pra ir ao seu salão?
R – Tem umas que vêm tomar o meu café. Não é a lama negra, mas é o café escuro (risos). Mas realmente tem muita gente que liga: “Seu Augusto, eu vou passar aí, vou tomar um cafezinho com o senhor, posso fazer o cabelo?”. Falei: “Pode fazer o cabelo, não tem problema, não”. Mas eles vão fazer o café. Esse pessoal de longe é pessoal que às vezes foi por alguma coisa lá, passou por lá e pegou amizade com a gente, porque salão de beleza a pessoa entra e tem que dar risada, é o alegre. Eu falo isso todo dia quando o pessoal chega: “Gente, o picadeiro tá pronto, é só começar o espetáculo”. Eu falo desse jeito. Aquilo ali é o dia inteiro todo mundo rindo, brincando, trabalhando sério e brincando, cantando. Eu faço isso quase que o dia inteirinho, brincando com todo mundo.
P/1 – E acontece muito de o cliente se tornar um amigo?
R – Ele se torna um amigo. Normalmente todo mundo que vai não tem como não voltar. Não to fazendo propaganda, mas é verdade, vocês estão convidados a tomar o meu café.
P/1 – E por muitas vezes esses clientes serem amigos, a maioria das vezes, existe aquela coisa de ele fazer o serviço e pagar depois, deixar pra acertar outro dia?
R – Isso existe. Até brinco. Isso aí é da época do meu pai, eu tenho cadernetas lá. Eu tenho caderneta de A a B, tenho a... Como chama? A pastinha. Eu coloco meus devedores, meus credores, eu coloco tudo direitinho. Interessante esse negócio de caderneta, eu fiz uma caderneta bonita, especificamente pra Porto Seguro, porque a Porto Seguro tem um número muito grande de funcionários. Diminuiu um pouco, mas a minha média da Porto Seguro era 300 pessoas. Você imagina, todo mundo paga quando recebe o pagamento, então, todo mundo na caderneta, no dia do pagamento tá todo mundo lá ok, tudo bonitinho. E tem muita gente ainda que marca. Tem aquelas pessoas que tem pacotes fechados de massagem, drenagem ou aquelas pessoas que tem um pacote fechado de hidratação uma vez por mês, essas pessoas eu nem ligo, eu sei que ela vem aquela semana, é tanto do mês dela. Inclusive, tem até o desconto que a gente faz. A pessoa: “Fechei um pacote de tanto”. Então, você faz o desconto e marca na caderneta. Isso é bem natural pra gente lá, isso aí funciona muito bem.
P/1 – E existem promoções?
R – Não. Não é bem promoção, eu não gosto disso, porque dá impressão que é feira. Quando você é bom, você é bom e é aquele preço, pode ser segunda a terça, ou de segunda a sábado ou domingo. Promoção às vezes... Não é bem promoção. A pessoa fechou um pacote de hidratação, uma hidratação custa um determinado valor, como ela vai fazer quatro eu vou reduzir, ela vai fazer quatro, três ela paga, uma não paga. Seria uma forma de presentear o cliente, isso a gente às vezes faz.
P/1 – E você conseguiria dividir pra mim os tipos de cliente pelo tipo de coisa que ele consome, por exemplo, os homens vão mais pra cortar o cabelo, as mulheres fazem mais um pacote, alguma coisa assim?
R – Os homens realmente vão mais pra cortar o cabelo. Mas hoje eu tenho um número grande de homens fazendo pé e mão. Eu tenho inclusive fixo, homem que naquele dia é dele, que ele vai fazer o pé e a mão. Eu tenho quatro clientes homens que fazem massagem, homens mesmo. Eles fazem as drenagens e as massagens. Tem um que faz anti-stress uma vez por mês. Ele é dono de uma empresa e uma vez por mês vai fazer a massagem dele e um anti-stress, um relaxante, são duas horas. A verdade é que eu não tenho muito espaço, porque a Vilma tá sozinha, quem faz as massagens é ela. Todo mundo a quer, eu não tenho horário. Hoje, realmente eu posso dizer pra vocês, eu praticamente não tenho horário mais, a não ser que alguém não venha por algum motivo, a pessoa me avisa com antecedência: “Olha, senhor Augusto, eu não posso ir, se quiser encaixar alguém”. Aí tenho uma lista lá de pessoas que querem fazer, alguma coisa eu comunico: “Olha, liberou um horário, se quiser vir”. Normalmente, são as massagens anti-stress, que são as relaxantes.
P/1 – O senhor poderia elencar pra gente quais são os serviços oferecidos lá no salão?
R – Todos na área de estética seja ela facial ou corporal. Mas nós temos lá serviços de cabeleireiros, de manicure e pedicure, inclusive a hidratação dos pés e das mãos, que é um negócio diferente. Nós temos a área da depilação, tem as depilações completas, também pra homem e pra mulheres. E na área de estética facial e corporal você inclui tudo que você possa imaginar. Descoloração de pelos, como a gente chama isso? Tem um nome. Banho de lua, que eles falam. Que às vezes eu brinco muito com as clientes: “Senhor Augusto, eu quero marcar um banho de lua”. Eu falei: “Que hora você chega, meia-noite ou uma hora?”. Pra tomar um banho de lua. Elas falam: “Não, senhor Augusto, não é isso” (risos). Tem o banho de lua, hoje você tem a drenagem, que é um sistema pra emagrecimento, redução, essas coisas todas. Você tem hoje uma tal de... Um maquinário novo, não sei o nome ainda, eu não peguei prática disso, que tem duas, três semanas. É um negócio feito inclusive com o vapor, sucção, um equipamento novo que tá fazendo um sucesso muito grande. Pra você ter ideia eu to com esse equipamento não tem um mês, então, eu não sei direitinho como é o nome dele, mas é um negócio que tava na feira internacional, é um equipamento fora de série. A minha mulher já tem o curso, já fez tudo direitinho, então, ela anda fazendo isso. Isso hoje trouxe uma clientela muito grande. Esse pessoal que quer perder medidas muito rápido, faz isso com uma facilidade grande. Isso tá incluído, tanto a estética facial e corporal. Você tem a limpeza de pele, que é um carro chefe também, a Vilma faz muito limpeza de pele, é uma das coisas mais pedidas. E hidratação da pele, do rosto.
P/1 – E o atendimento é todo com hora marcada?
R – Tudo com hora marcada. E manual porque o computador não conversa com a pessoa (risos).
P/1 – Senhor Luiz, qual é a principal forma de pagamento hoje em dia?
R – Ali normalmente é com cartão. São os cartões de crédito que funcionam muito e a marcação na cadernetinha. Mas ali 90% do pagamento é cartão.
P/1 – Tá certo. E como é o comércio no entorno ali do seu salão?
R – O comércio é também bem diversificado. Você tem... A verdade é a seguinte (corte no áudio) pouco mais desproporcionalmente até, eu diria, foram as casas de alimentação. Tanto o pequeno comércio, pequena casa de café, casa de chá, isso aí nós não tínhamos antes. Falando hoje em dia, você tem ali, vamos dizer assim, aumentou bastante as pequenas casas de lanches. São aquelas alimentações rápidas, você chega, come um lanchinho, toma um chazinho e sai. Isso ali em torno de nós aumentou muito. Foi essa coisa que eu percebi bem. E restaurante também, choperia. Você vê ali perto da gente nós tivemos três choperias chegando agora, recentemente, de três meses pra cá. Hoje, o comércio ali é bem diversificado, a verdade é essa. Você tem acesso a tudo, de uma farmácia a um mercado, de uma padaria a uma casa de lanche. Você tem três padarias imensas, espetaculares, excepcionais. E é um comércio que funciona muito bem. Antes foi um bairro muito residencial, a verdade é essa. Muita gente aposentada do estado ali, muitos ex-funcionários públicos. E hoje já não tanto. Hoje, tem muita gente que trabalha fora e vem pra cá. Mesmo os comerciantes. Você tem a mim, a Ingrid, os cabeleireiros todos. Hoje, também é bem diversificado, você tem tanta gente fora com comércio ali que as pessoas fecham o comércio e vão embora pra seus respectivos bairros. Antes também não era bem assim, não. Todo mundo que tinha um comércio era dali mesmo. Tinha as... Como chama esses negócios que vende aves, ovos? Tinha muito disso, essas casinhas que vendia... Aviárias. Você matava o frango na hora, isso tinha muito ali. Hoje, você não tem mais isso, isso acabou, esse é um comércio pequeno. Hoje, você vê lavanderias ali extremamente modernas. Antes era um tintureiro, você tinha aquela casa que levava a sua roupa, lavava. Hoje, você tem três lavanderias ali imensas, totalmente novas, diferentes.
P/1 – E só pra não perder, lá fora o senhor tava falando pra gente da época do cinema ali nos Campos Elíseos.
R – Ah é, o cinema.
P/1 – Conta pra gente como era.
R – O cinema a gente ia assistir o Mazzaropi no Arte Palácio. A gente ia a pé, andando ali. Na época usava suspensório, gravata borboleta e paletozinho xadrez, mas era bacana porque você não ia sozinho ao cinema, você combinava com todo mundo. Ia todo mundo, ia um grupo grande, famílias, todo mundo reunido, tudo bonitinho, fazia fila, um negócio que era uma beleza, uma coisa linda. Mas eu lembro bem dos filmes do Mazzaropi e uns filmes épicos, bíblicos, aqueles filmes. A gente ia todo mundo para o cinema e gritava, empolgava-se, batia palma. Aquele filme dos dez mandamentos, eu me lembro bem disso que o pessoal levantava e batia palma quando... Como chama lá? O santo abriu o mar para as pessoas passarem. Eu não me esqueço disso (corte no áudio) de paletozinho xadrez lá no Arte Palácio, era perto, você ia a pé pela Barão de Limeira. Tinha bonde, você pegava o bonde. O bonde passava na Barão de Limeira e ia lá na Rua Lavapés. Era um negócio espetacular.
P/1 – E dessa época pra hoje em dia, quais são as maiores transformações que o senhor percebe ali no bairro.
P/1 – Eu diria que nessa área, essa parte nossa de divertimento caiu muito. Não é que caiu muito, esse tipo de coisa não existe mais. Hoje, não é ser saudosista, se lembrar das coisas, você tem outros meios de se divertir, a verdade é essa. Antes as diversões eram mais puras, mais inocentes. Hoje, elas já são mais maliciosas, mais maldosas. Não só Campos Elíseos, eu diria que tudo mudou muito nesse sentido. Você hoje vai se divertir aonde? Numa choperia. Você não vai se divertir na rua, ou andar de patinete, ou de carrinho de rolimã, que seja, ou não vai ao cinema de gravata borboleta. Isso acabou tudo. Mas mesmo assim ali para o Campos Elíseos é maravilhoso, você tem o SESC hoje. Isso é uma coisa que inovou, chegou o SESC agora lá, nesse instante. Mas você imagina, ali nós temos o Teatro São Pedro, e pensar bem é isso aí só, não tem assim... Você tem o Teatro Macunaíma ali também, que é do meu lado. Mas se você imaginar nesse sentido é diferente, é totalmente diferente, não tem como explicar. Nós tínhamos inclusive, na época antiga, gravações de filmes na região da rodoviária antiga, ali perto do Lar Coração de Jesus. Ali nós tínhamos filmagens. Antigamente o pessoal vinha filmar lá. O David Cardoso, não sei mais quem, eles iam fazer um monte de coisa ali naquela região. E as pipas, a gente soltava pipa ali, jogava bola na rua, isso não tem mais, acabou. Hoje, o divertimento é outro negócio.
P/1 – E o senhor acha que existe uma movimentação noturna bastante forte no bairro?
R – Existe. Hoje existe. Justamente em função dessas casas que chegaram, essas casas de... Hoje, você tem ali próximo mais ou menos quatro, cinco choperias novas. Isso é bom. Eu acho particularmente que é bom pra trazer gente nova para o bairro e conhecer o bairro. O bairro ali é muito bem servido, a verdade é essa. Você tem redes ferroviárias, a Estação da Luz, a outra da Fepasa lá, da Júlio Prestes; e você tem o metrô. E você tem ali a Praça Marechal que tem linha de ônibus pra onde você quiser imaginar. É um lugar bem servido nesse sentido.
P/1 – E o senhor fundou a Associação dos Moradores e Comerciantes ali da região. Como foi? Conta pra gente essa história.
R – Até pelo fato de eu estar no estado, funcionando, trabalhando bem próximo, eu sempre tive muita amizade com muita gente, sempre vivi ali. Então, todas as reclamações que vinham das pessoas, principalmente dos comerciantes, eles vinham reclamar pra mim. Eu sempre estava com cargo oficial, alguma coisa nesse sentido, eu sempre to ali, todo mundo sabia. Tem problema? Fala com o Augusto. Tem problema? Fala com o Augusto. Todo mundo tem que falar comigo. E eu realmente pegava essas situações, esses problemas, comunicava o órgão competente, alguma coisa eu tava resolvendo. Quando eu não resolvia eu ia pra imprensa, eu ia para o rádio, reclamava e brigava. Então, todo mundo sabia. Tem um problema? Fala com o Augusto. Então, o pessoal começou a me conhecer, (corte no áudio) vínculos e me chamar de prefeito: “Olha o prefeito (corte no áudio)”. Quer dizer, um negócio bacana, o negócio era interessante, era curioso e cômico. Tá com problema de lixo? Chama o prefeito Augusto. E sempre foi assim, foi crescendo isso, essas coisas. E nos governos anteriores, da Marta, do Serra, eu briguei muito com esse pessoal na imprensa pra resolver problemas lá seriíssimos. Eu tive sucesso no comecinho do governo do Serra, essa que foi a verdade, conhecia algumas pessoas lá, então o bairro deu uma melhoradinha, era cuidado, recolhido o lixo, plantaram árvores. Essas coisas inclusive simples, nada de excepcional. Plantar uma árvore, limpar a rua é um negócio que é obrigação mesmo. Só que me chamaram pra uma reunião, um grupo grande de pessoas, foi aqui feita no Centro de São Paulo, não lembro aonde direitinho, ali foi discutido o negócio do conselho tutelar, acabou a reunião e me chamaram. Falaram pra mim: “Monta uma associação, porque o senhor vai morrer de tanto processo em cima de você”. Eu brigava na imprensa com todo mundo, mesmo com os órgãos públicos. Aí eu falei: “Mas como eu vou montar uma associação?”. Falou: “Você é conhecido lá, você não é o prefeito? Você conhece todo mundo, monta a associação”. Aí eu falei: “Vou fazer uma reunião”. Convoquei uma reunião, saiu inclusive no jornal na época tudo. Fizemos essa reunião no viaduto ali na Orlando Murgel, que liga a Rio Branco à Avenida Rudge, ali onde tem entrada da Favela do Moinho, lugar até meio perigoso. Pedi duas viaturas de polícia pra que eu fosse pra lá, porque eu tava com medo, lotou de gente num domingo dez horas da manhã. Ali você tinha de tudo: padre, professor, advogado, tudo. E ali veio a ideia realmente, fiz a reunião com todo mundo, todo mundo falou o que tinha que falar, principalmente o padre do Lar Coração de Jesus, que falou mais. Aí decidimos realmente (corte no áudio). Eu consegui levantar tudo que precisava, os documentos, estatuto, tudo direitinho. Um amigo meu também ajudou, ele pegou, registrou, foi feito eleição dessa associação, escolhi as pessoas realmente do bairro, que tinha interesse e nós fundamos a associação. E hoje funciona muito bem por sinal.
P/1 – E quais são as atribuições suas na associação e o que a associação faz ali pelo bairro?
R – A associação foi criada justamente em função disso, desse mundo de problemas. Em função, inclusive, da chegada da Cracolândia, que já faz tempo, que eu praticamente brigava sozinho por isso aí. E todo mundo virou as costas pra Cracolândia. Era um punhado de gente no meio da rua, que ninguém tomou conhecimento, chegou aonde chegou. A associação foi muito em cima disso, do problema da Cracolândia, e outros problemas mais comuns a nós que são as limpezas das ruas, são as limpezas do como fala? Dos bueiros, varrição, essas coisas todas, e alguns problemas de barulho, o barulho que todo mundo reclama. A minha função na associação eu fiquei como diretor de ações públicas, que é justamente o cara que tá na rua pra dar porrada e receber porrada, ver o problema e tentar resolver (corte no áudio) possível. Quer dizer, eu sou a pessoa que recebo tudo, tudo que tem de reclamação eles levam pra mim, eles me comunicam. Aí eu chamo a diretoria da associação: “Nós vamos fazer isso. Nós vamos entrar ali, nós vamos fazer isso, nós vamos fazer aquilo”. Inclusive pra eventos. Tem um pessoal que vai fazer uma festa natalina numa das ruas. Vieram pedir pra mim, eu mando fazer um ofício, assino e mando para o CT pra fechar a rua lá, paralisar no dia do evento. São essas coisas. E realmente é pegar todos os problemas que as pessoas que moram tenham e tentar resolver da melhor maneira possível.
P/1 – E como o senhor consegue conciliar isso com a sua atividade profissional ali no salão?
R – Isso aí é só Deus porque realmente ali no salão falando aquele monte de gente, é um negócio terrível. Porque ali toca o cliente pra marcar hora e toca a pessoa pra reclamar. Quem fica brava com isso aqui é a minha mulher. Às vezes tem gente lá reclamando e tá cheio de gente no salão pra ser atendido, então, ela chega a mim e fala: “Por que você não vai atender? Para com esse negócio de associação”. Mas ela briga muito comigo nesse sentido, mas no fundo ela gosta, que ela fala: “Poxa vida, o pessoal vem aí pedir pra ele”. Quer dizer, então ela não... Ela interferiu, hoje ela não fala mais tanto, não. Ela fala mais quando tem algum problema, que ela sente que eu to cansado, ela pega e fala pra mim: “Você vai à reunião? Você não tá bem, por que você vai à reunião? Larga isso pra lá, esse povo que se vire”. Ela fala assim. Falei: “Não, bem, eu tenho que ir lá. Esse problema é meu, eu sou o diretor da associação, eu tenho que ir”. Mas dá pra conciliar tranquilo, sossegado.
P/1 – E qual é o horário de funcionamento ali do salão?
R – Do salão, eu o abro às sete horas da manhã e vou até as oito, oito e meia da noite. Sete horas da manhã normalmente eu tenho alguém para o cabeleireiro, ele gosta de chegar cedo, o cabeleireiro. E a minha mulher normalmente tem massagem. Então, sete, sete e 15 já tá funcionando. E vai até umas oito, oito e meia da noite.
P/1 – E quando o senhor não tá trabalhando, o que o senhor gosta de fazer?
R – Nada (risos). A única coisa que eu gosto de fazer quando eu não to trabalhando é fazer as coisas da associação. É ver, eu gosto de ir, no domingo normalmente eu faço o que tenho que fazer, que eu adoro a cozinha. Mas no domingo eu costumo correr as ruas. Na segunda eu faço isso, eu vou aonde mais ou menos eu to sabendo que tem um problema, eu vou aos lugares, vejo direitinho, anoto, marco direitinho, mando e-mail para as autoridades, isso eu faço quase todo dia. Mas na segunda-feira eu gosto de fazer especificamente isso: olhar todos os problemas que existem no bairro, fazer aquele balanço da semana e mandar o que tem que mandar pra quem de direito, essa que é a verdade. Essa é a minha segunda-feira quando eu to de folga. Domingo é a cozinha. Eu adoro uma cozinha, fazer uma galinha caipira.
P/1 – E de onde é que veio todo esse apego, essa paixão pelo bairro ali dos Campos Elíseos?
R – Campos Elíseos, eu diria assim, é tudo pra mim. Aquilo que eu te falei no comecinho, mamãe me levou na época de criança lá várias vezes. Eu ia de mão dada com ela, aí eu me apaixonei por aquilo. Os meus filhos praticamente foram criados ali, eles fizeram escola ali. Acho que eles fizeram até o ginásio, depois cada um começou também pegar seu rumo, foram morar em Itapetininga. A verdade é o seguinte, ali tá todo mundo que eu tive, que tenho. Não sei, não tem como imaginar eu fora de Campos Elíseos. Eu aonde vou já quero voltar. Eu ligo pra saber como tá Barão de Limeira. Então não tem jeito, é um amor assim de moleque. Você vê que eu fui pra Santos, São Vicente e voltei, fiquei um ano e voltei. Não tem jeito, eu adoro aquilo, eu gosto de andar ali, caminhar. Eu gosto daquilo demais.
P/1 – E como o senhor se sente com todo esse contato, saindo na rua todo mundo te conhece, te chamam de prefeito, faz uma brincadeira, como é pra você?
R – Isso pra mim é uma felicidade. Vou falar uma coisa pra você, enche o peito de alegria essa brincadeira: “E aí prefeito, tudo bem, prefeito?” “Tudo bem”. Isso pra mim, poxa vida, é a coisa mais linda do mundo, eu me sinto “todo-todo”, é gostoso.
P/1 – Senhor Luiz, descreva pra gente o seu dia-a-dia. Que horas o senhor acorda? Como que...
R – Eu tenho um hábito porque isso já é antigo, na escola federal eu tinha que estar lá seis horas da manhã, então cinco, cinco e meia, já de molecão, quatro anos seguidos eu tinha que estar de pé. Até hoje eu acordo cinco e meia, não adianta eu dormir ou não dormir, cinco e meia eu to de pé. Você entendeu? Não tem jeito. Eu desço para o salão, que sou vizinho, abro o salão, ligo tudo que eu tenho que ligar, os equipamentos, limpo a calçada inteirinha do meu prédio, do prédio vizinho, do salão e do outro prédio, esse quarteirão meu, praticamente, eu pego ali e o limpo. Inclusive, jogo perfume na rua, pra você ter ideia, pra ficar bem cheirosinho ali. Isso eu faço. Aí eu volto pra casa, chamo a minha esposa direitinho, falo: “Tá na hora”. Ela levanta eu arrumo a cama. Eu gosto de arrumar a cama também. Aí tá arrumadinho, eu falo pra ela: “To descendo. Você tem tal cliente agora”. Aí eu já desço para o salão, a hora que eu já faço o café, levanto as portas, já abro tudo. Sete, sete e 15 tá funcionando. Almoçar eu praticamente não tenho tempo. Às vezes, eu como um lanche, como muita fruta durante o dia inteiro. Agora, de noite eu fecho o salão oito, oito e meia, tomo um banho e um abraço, eu durmo cedo. Eu dez horas já ninguém fala comigo, já to dormindo. A não ser que tenha uma reunião mais longa, mais tempo, aí eu fico na reunião, mas normalmente dez horas eu to dormindo, não tem... Pode tocar, cair o mundo, eu to dormindo.
P/1 – Tá certo. E qual o senhor diria que é a maior vantagem e desvantagem de ser seu próprio patrão? A diferença de ser comerciante para o tempo em que o senhor trabalhava com funcionalismo público, qual á maior vantagem e desvantagem?
R – Eu não sei, mas seria o prazer meu, seria a minha satisfação interna. Porque financeiramente pra mim, vou ser bem sincero, tanto faz, tanto fez. Pra mim é indiferente. Seria realmente de fato a minha satisfação de ter um negócio. Dá impressão que eu posso levantar a hora que eu quero, mas não, eu tenho que levantar àquela hora, eu sei que eu tenho que abrir, que eu tenho cliente. Eu tenho obrigações e sérias, você não pode furar um compromisso, adiar um compromisso que a cliente tá lá te esperando pra um determinado motivo. Seria a minha satisfação interna, pessoal. Nada me alterou. O estado jamais vou me queixar, o órgão público pra mim, o que eu fiz no estado, vamos dizer assim, eu fui abençoado. Porque o que eu fiz de curso pelo estado é um negócio impressionante, o que eu aprendi as pessoas não têm nem ideia. Às vezes, eu falo em meteorologia, eu falo em medir radioatividade num determinado posto fica todo mundo olhando pra mim. “O que é isso?”. Falei: “Foi o que eu fiz”. O estado me deu isso. O estado me deu essa bagagem imensa, até eu às vezes fico até admirado, quando alguém discute alguma coisa em matéria de saúde, pra você ter ideia eu estudei medicina por minha conta, eu ganhei dos médicos que trabalhavam comigo um dicionário de medicina. Tudo sobre doença, explicando como é, o que é, os sintomas. Deram pra mim de presente. Claro que eu não sou médico, nada, mas se alguém... Isso existe no salão, acredite. As pessoas vão lá perguntar pra mim: “Augusto, eu to com isso assim”. Eu falei: “Calma. O que você tem aí você tomar isso e vai ao médico, vê direitinho”. Isso existe. É um negócio curioso que eu não falei. As pessoas às vezes ligam pra mim, de idade: “Olha, Augusto, eu to mal, tem um jeito de você me arrumar um remedinho?”. Desse jeito. Que ela já conhece, ela já sabe. São coisas que o estado me deu. Agora, a satisfação de ter o centro de estética é incomparável, não tem coisa igual. O centro de estética pra mim é tudo.
P/1 – E o senhor comentou que os seus filhos caminharam cada um pra uma área, o senhor gostaria que eles fossem comerciantes?
R – Até gostaria, sim, que eles fossem comerciantes. A minha filha tá em Itapetininga, parece que o meu genro agora ganhou uma concorrência lá, negócio de parte elétrica, acho que é da empresa que cuida da parte elétrica lá da cidadezinha de Itapetininga, parece que lá eles são comerciantes já. Porque ela tem três filhos, ela nem podia fazer nada. Ela falou que vai fazer faculdade agora. Ela liga pra mim quase toda semana, a gente conversa. Então, parece que ela vai fazer faculdade, mas ele tem o próprio negócio dele.
P/1 – E o seu filho?
R - (corte no áudio) também morou em Itapetininga, ele teve uma situação meio trágica, que ele teve traumatismo craniano, com 16 anos ele ficou 42 dias em coma. Quer dizer, até isso Deus me abençoou, porque deu ele de volta, não o levou. E ele, depois desse traumatismo craniano, essas coisas que aconteceram com ele, ele não quis morar lá. Eles moravam lá, ele, especificamente, morava na casa de um amigo meu, ele quis morar lá porque lá tem uma parte do exército e tem escola técnica do Sesi. Naquela época ele queria estudar lá. Então ele foi morar na casa desse meu amigo, que é um senhor que eu fui padrinho de casamento do filho dele, o rapaz saiu, ele falou: “Fica aqui o Henrique” o meu filho. Mas ele ficou lá o quê? Um ano e meio mais ou menos, dois anos e teve esse problema. Ele levou uma bolada e bateu a cabeça na trave. Ninguém sabia que ele tinha tido traumatismo craniano porque ele caiu na quadra e de noite voltou pra casa normal, dormiu e aí meu amigo percebeu que ele não tava bem, porque ele fez as necessidades dele na cama, um negócio estranho, aí levaram para o hospital, pra UTI, e ligaram pra mim. Mas ele veio pra São Paulo, já se formou, é administrador de empresas e trabalha numa empresa no Alphaville, ele mora ali próximo ao Alphaville também. Quer dizer, ele não será comerciante, não leva jeito, não.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, senhor Luiz, agora voltando um pouquinho para o bairro, imagina que eu sou um comerciante, procuro a sua associação porque eu quero abrir um ponto ali no bairro. Qual o senhor me diria que são os maiores problemas e os maiores atrativos pra mim ali no bairro?
R – Olha, eu diria pra você o seguinte, depende do que você vai abrir. Hoje, você tem um saturamento de casas de alimentação, de casas de salão de beleza, que foi um negócio absurdo. Pra você ter ideia, quando eu fui fazer o salão nós éramos 27 no parâmetro, no circuito dos Campos Elíseos. Hoje, são 96. Quer dizer, algo absurdo e assustador. Tem gente que montou dentro de casa, no porão, embaixo, numa sala. Se você for ver nesse sentido, ali eu imagino o seguinte, ainda até a casa de alimentação, dependendo daquilo que você vai fazer, ainda pode ser que dê. Mas hoje Campos Elíseos, uma loja seria (corte no áudio) tipo 1,99. Você abriria ali, seria um negócio até interessante. Campos Elíseos tá completo em matéria de comércio. O que Campos Elíseos precisaria, a verdade é essa, seria mais moradores, acredite se quiser. Seriam prédios residenciais. Campos Elíseos é carente de um clube, não o SESC, o SESC chegou agora lá, mas mesmo independente de o SESC estar ali, Campos Elíseos é carente de um clube. Nós não temos um clube ali bacana, algo assim que daria... Que vem naquele negócio de você se divertir. Você não tem pra onde ir, ou vai para o SESC ou não vai pra lugar nenhum, vamos dizer assim. Mas ali o comércio pra você abrir seria... Eu hoje vejo nesse sentido. Já perguntaram, muitas pessoas perguntaram pra mim o que deveriam fazer. Essa parte de alimentação hoje eu não aconselharia. A parte na área de beleza, de salão, também não aconselharia. Se eu (corte no áudio) falei: “Abra uma lotérica”. Eu tenho uma lotérica em Campos Elíseos, que é aquela próxima a mim. Eu tenho uma na Glete que é muito pequena, depois você vai encontrar aonde? Na Marechal Deodoro. Você não tem ali próximo a nós, nessa região mais aqui Campos Elíseos pra cá, uma agência dos Correios, que você pode chegar lá por sua carta. Você tem que ir lá à Santa Cecília. A lotérica, inclusive, eu falei pra duas pessoas que vieram falar pra mim: “Vocês montam uma casa lotérica, e bonita e boa”. Porque nós não temos, nós temos uma que é um desespero de fila, um negócio absurdo. E outra coisa seria uma loja de conveniência, que seria essa de 1,99 que você tem lá “trocentos” mil produtos que você possa fazer um comércio legal. Aí sim daria, ela fugindo um pouquinho aqui da Santa Cecília, ela vindo mais em sentido Rio Branco. (corte no áudio) de fato Campos Elíseos é bem pequeno, você vai pegá-lo da Eduardo Prado à Duque de Caxias, você vai pegar lá da Cleveland, a Dino Bueno lá em cima até aqui o Minhocão, a São João. Se você pegar é um negócio muito pequeno, Campos Elíseos em si é muito pequeno, você tem um Campos Elíseos em torno de quê? 150 mil habitantes. Ele é pequeno, só que você tem ali, mercado você tem, farmácia você tá bem e a casa de alimentação você tá muito bem também. Então, ali o que precisava seria isso, algum negócio que você prestasse serviço, até meio de necessidade pública, que seriam agências de Correio. O Correio parece que é... Como fala? Você pode montar, né? Não é mais um negócio... Como eles falam isso aí?
P/1 – Franquia?
R – Franquia. Parece que é isso. E isso sim daria certo. E uma loja, uma loja bonita, essas lojas que vendem de tudo que eles falam tanto, 1,99. Isso montando um comércio dele ali daria certo. Com certeza é montar e arrebentar.
P/1 – Tá certo. E qual é a maior lição que o senhor tirou da atividade comercial nesses anos todos?
R – Uma lição? Eu diria pra você que como é bom trabalhar com o público, porque eu adoro o público. Uma lição pra meu povo. Uma responsabilidade maior com as pessoas, essa foi uma lição. Você tem que ter muito mais responsabilidade. Você trabalhar com uma porta aberta, você não pode, vamos dizer assim, brincar em serviço, é uma tremenda responsabilidade. Essa foi a maior lição, sim. Pode ter certeza.
P/1 – E qual é o seu maior sonho para o futuro?
R – Não é ser prefeito de Campos Elíseos, não (risos). O maior sonho que eu tenho era arrumar a sede (corte no áudio) Campos Elíseos. Esse é um sonho que eu durmo com ele todos os dias. Às vezes, eu passo ali perto do Museu da Energia, ali onde foi o... Como chama lá? O Santos Dumont viveu. Ali tá pra ser cedida pra gente uma pequena sala pra associação. E hoje eu passei lá de manhã, por isso que eu te falei, eu ando tudo ali. Ainda eu olhei bem e falei: “A nossa sala tá aqui” pensei comigo. Mas eu tenho esse sonho, sim, de fazer uma sede da associação bonita. Esse é realmente de fato o meu (corte no áudio) sonho: associação de moradores e comerciantes dos Campos Elíseos com uma sede própria. Esse é o maior sonho meu.
P/1 – E qual o senhor acredita ser o maior sonho da associação?
R – O maior sonho da associação é realizar tudo aquilo que as pessoas me pedem. Eu sempre tive esse sonho. Tudo que me pedem eu procuro fazer de tudo pra conseguir resolver o problema ou fazer acontecer alguma coisa. E essa é a minha forma de ver os negócios. A associação é assim, ela não pode desistir. Eu tenho um diretor, um presidente e um vice-presidente, eu falo sempre com eles, porque às vezes eu vou às marchas por aí, convoco e tudo e eles falam: “Nossa, o senhor Augusto é otimista. Como ele é otimista”. Eu falo: “Jamais eu vou perder esse otimismo”. Senão você perde tudo, a razão até de viver.
P/1 – Tá certo. E o que o senhor achou de ter dado essa entrevista, participado do projeto?
R – Eu gostaria de conhecê-los antes, pra dar muito mais entrevista, muito mais coisas. Espero um dia voltar e falar muito mais. E com a sede da associação.
P/1 – (corte no áudio) E tem alguma coisa que você gostaria de falar que a gente não perguntou?
R – Não. Gostaria (corte no áudio) papai e a mamãe, meus irmãos, meus dois filhos e mandar um beijo pra todo mundo.
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