Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Wilson Ferreira Garcia (Cem)
Entrevistado por Gisele Rocha
São Bernardo do Campo, 09/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB09_Wilson Ferreira Garcia (Cem)
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então, Cem, pode te chamar assim, né, com seu apelido?
R – Cem.
P/1 – A gente quer agradecer a sua presença aqui. Muito obrigada por vir contar a sua história. Pra começar, o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Wilson Ferreira Garcia, eu nasci em São Bernardo no dia 28 de agosto de 1967.
P/1 – Cem, a gente sabe que você tem muita história. Conta rapidinho um pouco onde você passou a infância e depois a gente vai pra sua fase da juventude.
R – Bom, o vou tentar antecipar o mais breve possível, fazer um resumo bem rápido. Eu, quando era criança, meus pais tinham uma plantação de milho e nessa época não existia a Naval. Meus pais pagavam aluguel, aí o que aconteceu, o dono da casa pediu a casa. Meus pais não tinham pra onde ir, aí foi e plantou, fez um barraco lá no meio do brejo, era um brejo. E esse brejo, o que a gente foi fazer? A gente foi aterrando esse brejo rolando tambor, dentro de tambor, eu e meus irmãos. Nós fomos amassando os matos pra poder passar. Não tinha como passar pra lugar nenhum, porque só tinha brejo. Era aquela água preta, fedorenta lá. Por isso que eu falo que essa história é rica em detalhes por isso, porque foi uma vida sofrida, mas digna. Graças a Deus não tem nenhum bandido na minha família. Ter, tem, mas dentro da casa da minha mãe, graças a Deus não saiu nenhum bandido, ninguém nunca foi preso. Meu pai era caixeiro viajante na época, então ele só ficava viajando, e minha mãe que passava as dificuldades. Nessa época foi que começou a Naval, na prática.
P/1 – E tem alguma outra história além dessa do tambor da infância que você quer contar pra gente?
R – Ah, tem, por...
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Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Wilson Ferreira Garcia (Cem)
Entrevistado por Gisele Rocha
São Bernardo do Campo, 09/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB09_Wilson Ferreira Garcia (Cem)
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então, Cem, pode te chamar assim, né, com seu apelido?
R – Cem.
P/1 – A gente quer agradecer a sua presença aqui. Muito obrigada por vir contar a sua história. Pra começar, o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Wilson Ferreira Garcia, eu nasci em São Bernardo no dia 28 de agosto de 1967.
P/1 – Cem, a gente sabe que você tem muita história. Conta rapidinho um pouco onde você passou a infância e depois a gente vai pra sua fase da juventude.
R – Bom, o vou tentar antecipar o mais breve possível, fazer um resumo bem rápido. Eu, quando era criança, meus pais tinham uma plantação de milho e nessa época não existia a Naval. Meus pais pagavam aluguel, aí o que aconteceu, o dono da casa pediu a casa. Meus pais não tinham pra onde ir, aí foi e plantou, fez um barraco lá no meio do brejo, era um brejo. E esse brejo, o que a gente foi fazer? A gente foi aterrando esse brejo rolando tambor, dentro de tambor, eu e meus irmãos. Nós fomos amassando os matos pra poder passar. Não tinha como passar pra lugar nenhum, porque só tinha brejo. Era aquela água preta, fedorenta lá. Por isso que eu falo que essa história é rica em detalhes por isso, porque foi uma vida sofrida, mas digna. Graças a Deus não tem nenhum bandido na minha família. Ter, tem, mas dentro da casa da minha mãe, graças a Deus não saiu nenhum bandido, ninguém nunca foi preso. Meu pai era caixeiro viajante na época, então ele só ficava viajando, e minha mãe que passava as dificuldades. Nessa época foi que começou a Naval, na prática.
P/1 – E tem alguma outra história além dessa do tambor da infância que você quer contar pra gente?
R – Ah, tem, por exemplo, a do meu atropelamento. Eu fui atropelado porque eu tive vontade de comer doce, de comer um doce. Aí eu fui até a Avenida Fagundes de Oliveira e lá, com seis anos de idade, eu fui atropelado. O ônibus passou rasgando a minha perna, só que a minha perna não quebrou, só rasgou. Quando minha mãe chegou no ônibus lá, o pessoal, o motorista tava contando dinheiro. E a empresa ficava do lado onde eu fui atropelado, praticamente do lado. E eu fui socorrido por um fusca de uma pessoa que tava passando. O que aconteceu? Fiquei sete dias num hospital público, no Samcil. Hoje chama hospital público, na época chamava Samcil. E aí o que aconteceu? Minha perna apodreceu dentro do gesso. Eles engessaram a minha perna, aí eu fui levado para o Hospital das Clínicas. Quando chegou ao Hospital das Clínicas, tiraram o gesso, minha perna caiu no chão. Eu fui direto pra sala de cirurgia, lá eu fiz três cirurgias: primeiro arrancaram uma parte da minha perna, na altura da canela; a segunda, na altura do joelho; a terceira, arrancaram tudo o resto, foi feito até enxerto, tiraram parte da minha coxa pra poder fechar o local, o tamanho da... Como fala? Da necropsia que ficou, né, que ficou necrosado. Ficou necrosado o local. Aí o que aconteceu? Fiquei por volta de seis meses no Hospital das Clínicas. Quando eu voltei, já tava um monte de barraco já. Em seis meses, já tinha um monte de barraco ali. Não quantidade, assim, muita quantidade, mas já tinha bastante.
P/1 – Isso na região chamada Favela Naval?
R – Isso. Onde pegou fogo, o primeiro incêndio.
P/1 – Você quer contar dele pra gente?
R – Bom, dele em si foi assim... Eu posso contar alguns casos, que, tipo assim, quando pegou fogo, o que aconteceu? Eu tava trabalhando, aí eu comecei a ficar nervoso lá no serviço e todo mundo gritando, todo mundo desesperado, todo mundo correndo. Eu peguei e falei com o pessoal: “Meu, tem muita gente lá embaixo, acho que na hora de... Nessa hora, acho que o pessoal vai entender. Eu sei que a população precisa dos ônibus, mas tem outra população ali que precisa de socorro”. Então eu peguei e desci com cinco ônibus. Tirei cinco ônibus de linha e fui até onde tava o incêndio. Nessa época, a empresa chamava ETCD, a empresa que eu trabalhei, trabalhei lá durante 18 anos. Aquelas pessoas que puderam ser socorridas, puderam ser ajudadas, foram ajudadas. E nesse incêndio em si queimou tudo, não ficou uma madeira de um metro em pé. E meu irmão fez a coisa mais bonita de todas: meu irmão entrou dentro do fogo e salvou uma menina. E nesse incêndio morreu uma criança, ela entrou dentro do guarda-roupa, ele não viu. Foi o único óbito que teve nesse incêndio. E outro fato engraçado foi uma prima minha que entrou dentro do fogo e pegou duas cadeiras, veio com duas cadeiras na mão. Cada um tem os seus lances doidos lá, cada um fez uma loucura. Eu, por exemplo, quando eu vi o meu vizinho lá com a mangueira jogando água, tentando apagar o incêndio, pelo menos o fogo da casa dele com a mangueira de jardim... Então, quer dizer, nesse ponto foi muito dolorido, mas no final foi muito engraçado. Depois que a gente começa a contar as histórias, se tornam engraçadas.
P/1 – Foi em que ano? E quantos barracos foram, Cem, que você contou pra gente?
R – Foi em 91 e cerca de sete mil barracos. Criaram-se quatro comunidades: criou-se a Naval, criou-se o Morro do Borel, que é outro local, conhecido como Jardim Santa Cândida, Bairro Jardim Santa Cândida, e criou-se outra parte que foi para o Casa Grande, Jardim Casa Grande, e uma pequena parcela no Jardim Coca-Cola. Porque já foi herança de família, que o pessoal foi se multiplicando e foi aumentando de acordo com o número de pessoas.
P/1 – E após o incêndio, como essas famílias fizeram? Pra onde elas foram? Você sabe contar...
R – Fomos pra um poliesportivo. Nesse poliesportivo, nós ficamos lá durante cerca de sete meses. Aí começamos a reconstruir os barracos. Só que, assim, isso com o aval da prefeitura, que a prefeitura foi dando o material e cada um foi construindo. Não era barraco. Eram barracos, mas chamavam-se embriões, AÍ Foi daí que começou. Que nem, o que tá lá hoje, a maioria é casa. Estão faltando acho que sete ou oito embriões pra serem construídos, que a prefeitura vai construir. Que a prefeitura derrubou os embriões pra construir de alvenaria. E a prefeitura só fez uma coisa errada, construiu um só até agora, sendo que era pra ter feito os oito, e só fez um. E a geração das famílias foi crescendo, se multiplicando, onde foi criada essa parte de São Bernardo, “aonde” que o grande mentor dessa ocupação de São Bernardo foi o meu amigo André, falecido. Ele faleceu, mas foi o grande mentor dessa parte de São Bernardo. Que ele que começou tudo ali. Quer dizer, ele não, a família dele, no caso, e ele que era um líder. A liderança lá dentro, nessa parte de São Bernardo, era ele. Só que ali, como era um lugar na beira do rio, então o que aconteceu? O pessoal foi... Era mais o pessoal que vinha de presídios. Era um pessoal que vinha se escondendo da polícia por isso, ou por aquilo, ou por aquilo outro, cada caso é um caso. Então o pessoal, a maioria era nesse ponto. Aí o pessoal, o que aconteceu? Ficar ali, a prefeitura não tinha conhecimento que aquele pessoal existia, que nós estávamos ali. E 240 famílias. O que aconteceu? Deu o primeiro incêndio, queimou um barraco só. Não, três barracos, primeiro. Nós fomos até à Habitação, comunicamos. Que até então, a Habitação não tinha conhecimento que existia aquele espaço. Aí foi à prefeitura, descobriu que a gente existia. Desse pessoal, aí se criou a invasão na Naval 3. Que a Naval 3 era o quê? Não, a Naval... É, Naval 3, que é a Rua do Makro. Que a Rua Naval, ela saía de Diadema até o centro de São Bernardo. Era a única rua que tinha, a maior rua que tinha. Não tinha a Anchieta nessa época, era só mato. Aí o que aconteceu? O pessoal criou… mudou até o nome da Rua Naval. Depois do episódio do Rambo, aí eles mudaram o nome da Rua Naval pra Rua Francisco Braz, que é a parte de São Bernardo, hoje chama Francisco Braz. E a parte de Diadema chama Idealópolis. E tem um caso engraçado, um caso muito interessante na Naval, que foi assim: um senhor faleceu lá, morreu afogado. Tinha uma lagoa na Naval 2. Onde hoje são os predinhos, tinha uma lagoa. Aí tinha um senhor lá que a gente chamava de seu Zé Benzedor. Ele chegou lá, os bombeiros tentando, jogando gancho pra lá, pra cá, e nada de achar o corpo da pessoa, mergulhador. Aí chamaram esse Zé Benzedor, ele foi lá, trouxe uma vela, trouxe um prato, pegou, fez uma oração lá na beira do “coiso”. Aí colocou esse prato, colocou a vela encima, acendeu. Aí esse prato começou a girar, começou a procurar, até parar num lugar lá. Ele falou: “Tá ali o corpo. Pode pegar lá”. O mergulhador foi lá, tava lá (risos).
P/1 – (risos).
R – Pegaram, tiraram do “coiso” e colocaram no lado de São Bernardo, na Francisco Braz. E é isso, sabe, muitas coisas aconteceram. Assim, muitas tragédias, muitas tragédias. Mas o foco da Naval foi isso. Nós viemos pra cá, graças a Deus o prefeito nesse ponto foi muito bacana com a gente, deu toda assistência pra gente. Eu fui a primeira pessoa que conseguiu autorização pra alugar uma casa em outra cidade. Que eu fui alugar casa em Diadema, porque eu não encontrava casa em São Bernardo. E como eu não pago ônibus, eu podia ir pra todo lado. O pessoal falava: “Ah, tem uma casa alugando aqui”. Eu ia lá. “Tem uma casa alugando ali.” Eu ia lá. Mas como o pessoal paga condução e não tinha condições de pagar condução, era eu que ia. Eu peguei, fui à prefeitura, conversei com a secretária lá, a secretária me autorizou que eu alugasse essa casa em Diadema. Eu fui a primeira pessoa que conseguiu alugar com Bolsa Aluguel lá. Eu aluguei em Diadema a casa. Depois ganhamos os predinhos aqui. Engraçado, que quando tava o predinho, eu peguei e arrumei uma confusão com a secretária. Falei pra secretária: “As minhas coisas não cabem aqui dentro”. Eu sou uma pessoa que não tem um móvel novo. Não tinha um móvel novo, todos os meus móveis eram comprados em lojas de móveis usados. Eu peguei, falei pra Tácia: “Tácia, eu vou quebrar essas três paredes” “Você tá louco?”. Eu falei: “Eu vou quebrar. Eu vou quebrar” “Você não quebra”. Eu falei: “Eu quebro” “Você não quebra”. Eu: “Quebro”. Eu peguei, falei: “Vou quebrar”. Peguei, meti a marreta pra cima e quebrei as três paredes. Aí a chamei, ela veio, veio doida. O pessoal da Habitação todo foi em casa, tirou foto, jornalista. Veio até a Guarda Municipal, foi lá também. Mas não quero saber. A Tácia pegou, foi lá na Habitação e veio com a chave de outro apartamento, queria trocar meu apartamento. Eu falei: “Tácia, vou falar uma coisa pra você, eu nunca fugi de uma briga, não vai ser com você que vai ser a primeira que eu vou fugir, não. Não vou fugir, não! Eu vou me manter aqui. E se você encher o saco, eu ainda vou fazer outra coisa, eu vou quebrar essa parede do meio aqui também” “Você não é maluco”. Eu falei: “Olha, não começa por aí, não. Tu já viu que eu faço”. Eu quebrei a parede lá e ainda chamei a Habitação lá pra poder arrumar o estrago que eu tinha feito. Eles foram lá, arrumaram, aí começou criando caso. Eu fui a segunda pessoa que furou um cano de gás. Eu furei dois. Por quê? Até então, eu não tinha a planta do apartamento. Eu não tinha não, eu não tenho. Porque o adaptado, ninguém tem a planta. Aí a Tácia falou assim: “Mas você...”. Não, a Tácia não, isso foi em outra situação. Esse do gás aí foi outra, foi com o Edson. O Edson pegou e falou pra mim assim: “Você é maluco”. Eu falei: “Eu quebrei. Eu furei o gás, mas to assumindo que eu furei. Mas não era meu o gás, eram de duas pessoas, dois moradores, o do 13 e o do 23 que eu furei”. Eu os chamei de novo pra virem arrumar. “Ah, você vai ter que pagar. Vai ter que pagar.” Eu falei: “Eu não vou pagar, não. Não vou pagar, porque eu não sei onde tá, vocês não me deram a planta”. Aí vai daqui, vai dali, aí passou. O Edson pegou, chamou o cara do gás, foi lá, falou: “Não, eu vou trazer pra você aqui a planta do apartamento, você vai ver que tem a planta”. Eu falei: “Tá bom. Então mostra a planta do apartamento”. O cara pegou, veio com uma planta lá, aí ele ficava assim. “Meu, você tá dirigindo ou você vai mostrar a planta pra mim?” E ele pra lá e pra cá, pra lá e pra cá com a prancheta assim. “Você tá dirigindo? São aqueles carros de bate-bate?” “É. Realmente você tá certo. Não tem a planta daqui, não.” Nem a prefeitura tem a planta do apartamento, do três. Nem a prefeitura tem a planta, nem a Habitação tem a planta. Se brincar, nem a construtora tem a planta desse apartamento aqui, porque é adaptado.
P/1 – Ele é adaptado por quê?
R – Pra cadeirante. Mas só que pra cadeirante, colocar uma tomada com quase dois metros de altura? Duas tomadas com quase dois metros de altura! Pra quê, se é pra um cadeirante? Eu fico perguntando: “Pra que aquela tomada naquela altura se é pra um cadeirante?”.
P/1 – Então o que foi adaptado não funciona?
R – Não, ele funciona, porque, assim, ele veio com uma estrutura. Pelo menos no nosso caso lá veio com uma estrutura boa. Veio com os ferros, veio com acento pra cadeirante mesmo, que tem aquele espaço, aquele corte. Inclusive, eu já troquei também o vaso sanitário. Quebrei a parede lá, chamei a prefeitura novamente pra poder arrumar lá o estrago que eu fiz. E eles foram arrumando, foram arrumando. Eu quebrando, eles arrumando. Porque eles não disseram pra mim onde eu podia e onde eu não podia fazer nada. Só: “Não pode isso, não pode aquilo. Não pode isso, não pode aquilo. Não pode isso, não pode aquilo”. Mas não falavam o que podia, ou onde podia. Eu falei: “Eu vou colocar um box nesse banheiro” “Ah, você não pode”. Aí eu ia lá, de raiva, pegava, fui lá e coloquei um box. Assim que eu faço, eu meto a cara e vou lá, vou discutindo, começo a brigar com Deus e o mundo. Aí me chamaram pra fazer parte da área da saúde. Aí tá bom. Eu faço parte do quadro da saúde, porque eu sou um agente de saúde e fui eleito com um voto. Porque no dia que era da eleição, o meu amigo André tinha falecido, um dia antes. Então aquela correria, nem lembrei que tinha eleição. Nem lembrei que tinha eleição. Também atrás de ônibus, atrás de um monte de coisa, então nem lembrei da eleição. Mas uma pessoa votou em mim. Aí eu fiquei em terceiro lugar com um voto, porque os outros, eu acho que não foram. Então é mais ou menos isso a parte engraçada de tudo, assim, sabe? Faço parte também do grupo da zoonoses também. Inclusive, tenho que pegar até a nova pauta de reuniões, que inclusive tem uma reunião amanhã na saúde.
P/1 – Cem, você tá há quanto tempo no apartamento?
R – Aqui? (Pausa) Dois anos.
P/1 – Dois anos.
R – Dois anos e pouco.
P/1 – E o que você consegue perceber de mudança na sua vida?
R – De mudança, mudou muito pra mim. Inclusive, mudou meu quadro de amizade. Não, o quadro de amizade não mudou muito, não. Mas assim, o que eu acho que mais me chateia de verdade é o fato de saber que a pessoa tá trazendo a favela junto com eles. Eles não deixaram a favela lá onde tava, lá no incêndio, lá na enchente, eles estão trazendo com eles. Eles estão jogando lixo num barranco. Isso é horrível. Quer dizer, andar com a favela do lado? Pra quê? Pô, se tem a caçamba de lixo, custa jogar o lixo dentro da caçamba? Não, tem que jogar no barranco. Ou senão, abre a janela e joga pela janela. Isso é horrível. Horrível. Horrível. Então, quer dizer, a gente não pode reclamar, porque não sabe quem é. É isso. Vocês podem ir lá, inclusive. Vocês podem ir lá ver, que tá lá o barranco cheio de lixo. Tem sofá, tem fogão, tem pia, tem armário, tem cama, tinha geladeira, televisão. Tinha um apartamento mobiliado ali pra quem quisesse. Tudo jogado lá no barranco. Sofá de três, quatro, cinco “lugar”. E mais um monte de móvel o pessoal jogava lá. A prefeitura tirou duas caçambas de entulho, de lixo de lá. Agora vai lá de novo pra ver. Já cortou o mato, tudo, e tá lá mais um monte de lixo. Quer dizer, o pessoal trouxe a favela junto com eles. O termo “favela” é triste por causa disso. O pessoal não deixou a favela lá. Muitos vieram, se modernizaram, criaram personalidade, mas muitos, infelizmente, estão nisso. O que mais me dói também, outra coisa que me dói ali, é o consumo muito grande de droga. Tem um consumo muito grande de drogas. Que é aquilo que eu falei no começo, o pessoal que tava ali, infelizmente, tinha os seus problemas por estar se escondendo da justiça. Tanto é que teve caso de pessoas que só foram fazer o cadastro quando estavam morando já, quando estavam com tudo legalizado pra poder levar documento, se não, não podia. Medo de a prefeitura passar os dados para o Poder Judiciário e ter problema. Esse é o problema.
P/1 – Cem, acho que pra aquecer, né? Caio?
P/2 – Tá ótimo.
P/1 – Fica o convite pra você continuar essa história lá no Museu então.
R – Com o maior prazer.
P/1 – Queríamos agradecer demais por ter vindo contar. Obrigada.
R – De nada. À vontade.
FINAL DA ENTREVISTA
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