Depoimento de Vicenzo Salemi
Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 21 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Eu queria que o senhor começasse falando o nome completo do senhor, o local e a data de nascimento.
R - Me chamo Vincenzo Salemi, nasceu no 1924, dia 7 de maio.
P - E aonde?
R - Em Acate.
P - E o nome dos pais do senhor e onde eles nasceram?
R - Bom, meus pais, meu pai nasceu em Homs, no 1878, não me recordo data de nascimento. Minha mãe nasceu em Acate, só que não me recordo data de nascimento, quer dizer, nem a época de minha mãe, minha mãe tinha dez anos menos do que meu pai tinha. Exatamente, a diferença de dez anos. Quer dizer, minha mãe deve ter nascido no 1888, aproximadamente, pouco mais, pouco menos. Não posso exatamente dia de aniversário, não me recordo.
P - Certo. E qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Agricultor, era. Trabalhava na lavoura. Minha mãe era dona-de-casa.
P - Certo. E como é que era o local em que o senhor morava?
R - Era uma cidade pequena; eu não morava numa casa própria, mas é bem humilde, era.
P - E o senhor tem irmãos?
R - Nós somos, ao todo éramos oito irmãos, todos; depois faleceu um, ficamos sete.
P - E como era a infância do senhor?
R - A infância era como moleque qualquer, né? Brincava na rua, fazia a travessura do moleque como os outros fazia, e quando crescia, até os dez anos de idade, vendendo serviço. Até agora não parei de trabalhar.
P - Seu Vincenzo, mas como é que era o no dia-a-dia na sua casa, o
senhor já ajudava seus pais?
R - Ah, sim, sim, sim! Assim que passei dos dez anos, passei, trabalhava sempre com meu pai, até que cheguei no Brasil. Até os 26 anos de idade.
P - O senhor trabalhava fazendo exatamente o quê?
R - O que meu pai fazia na lavoura. Era agricultor, era, na Itália. Depois da guerra a situação foi muito péssima, ficou, e eu veio pro...
Continuar leituraDepoimento de Vicenzo Salemi
Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 21 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Eu queria que o senhor começasse falando o nome completo do senhor, o local e a data de nascimento.
R - Me chamo Vincenzo Salemi, nasceu no 1924, dia 7 de maio.
P - E aonde?
R - Em Acate.
P - E o nome dos pais do senhor e onde eles nasceram?
R - Bom, meus pais, meu pai nasceu em Homs, no 1878, não me recordo data de nascimento. Minha mãe nasceu em Acate, só que não me recordo data de nascimento, quer dizer, nem a época de minha mãe, minha mãe tinha dez anos menos do que meu pai tinha. Exatamente, a diferença de dez anos. Quer dizer, minha mãe deve ter nascido no 1888, aproximadamente, pouco mais, pouco menos. Não posso exatamente dia de aniversário, não me recordo.
P - Certo. E qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Agricultor, era. Trabalhava na lavoura. Minha mãe era dona-de-casa.
P - Certo. E como é que era o local em que o senhor morava?
R - Era uma cidade pequena; eu não morava numa casa própria, mas é bem humilde, era.
P - E o senhor tem irmãos?
R - Nós somos, ao todo éramos oito irmãos, todos; depois faleceu um, ficamos sete.
P - E como era a infância do senhor?
R - A infância era como moleque qualquer, né? Brincava na rua, fazia a travessura do moleque como os outros fazia, e quando crescia, até os dez anos de idade, vendendo serviço. Até agora não parei de trabalhar.
P - Seu Vincenzo, mas como é que era o no dia-a-dia na sua casa, o
senhor já ajudava seus pais?
R - Ah, sim, sim, sim! Assim que passei dos dez anos, passei, trabalhava sempre com meu pai, até que cheguei no Brasil. Até os 26 anos de idade.
P - O senhor trabalhava fazendo exatamente o quê?
R - O que meu pai fazia na lavoura. Era agricultor, era, na Itália. Depois da guerra a situação foi muito péssima, ficou, e eu veio pro Brasil! Aventurar a vida!
P - E por que o senhor escolheu o Brasil?
R - Olha, não sei, porque meu pai tinha uma sobrinha que morava em São Paulo. Essa sobrinha de meu pai que mandou chamar nós. E assim me radiquei em São Paulo. Vim por pouco tempo, minha mãe chorava, eu também, falei: "Olha, mãe: quatro, cinco anos, no máximo, eu volto!" Porque eu escutava falar que se ganhava dinheiro aqui na América! Mas num fim de quatro, cinco anos, faz 44 anos que tô aqui, vai pra 45, não voltei mais pra lá! Quer dizer, voltei pra ver a família, duas vezes: voltei no 1967 e agora fui no 90, 1990.
P - Qual foi a primeira impressão do senhor aqui, de São Paulo, quando o senhor chegou?
R - Meu filho, na época São Paulo era uma cidade pobre, era, filha. Uma cidade, praticamente de acordo donde que venho é uma cidade grande, mas imediatamente gostei do, da atração da cidade, encontrei logo fez amigo, fez colega e eu era jovem de 26 anos, gostava de ir em baile, de passear e isso que encontrei aqui!
P - Como era a cidade naquela época?
R - A cidade era cidade antiga, né filha? Na época, antiga!, 44 anos, totalmente diferente que hoje, filha! O asfalto era muito limitado, as ruas a maioria era de paralelepípedo, o que não era de asfalto ou paralelepípedo, era de terra! Isso daí, filha! Um povo muito bom, você a qualquer hora podia andar, ninguém te perturbava. Hoje você levanta tem medo de colocar o nariz pra fora.
P - Que bairro que o senhor veio morar?
R - Na Penha. E até agora eu tô na Penha.
P - E como é que era o bairro da Penha nessa época?
R - Um bairro simples, filha, né? O transporte era o bonde, o principal; ônibus tinha, também. E como nós saía muito cedo pra ir no mercado, nós pegava um caminhão chamado "pau-de-arara", que pegava nós no Largo da Penha e levava até no Parque Dom Pedro. Isso era o transporte que nós usava. De condução. Mas depois, dopo comprei um caminhãozinho aí voltava de caminhãozinho, eu voltava.
P - O senhor chegou em São Paulo, o senhor já começou a
trabalhar?
R - Depois de 28 dias comecei a trabalhar na feira.
P - E como é que o senhor começou? Como que o senhor conseguiu trabalhar?
R - Porque tinha um irmão, aqui, que ele era ambulante, e de ambulante ele tirou a matrícula da feira, essa matrícula que está comigo, essa daí. Estava no nome de minha irmão, essa matrícula; e veio io, minha irmão e mais um primo nosso ________________ - não somos primos, mas se chama de primo, se chama, né, e nós logo compramos um caminhão, começamos assim, que um senhor carregava pra nós. Depois de uns dois meses e meio, assim, nós compramos um caminhãozinho. E nós assim, começamos a vida. Éramos em três: io, meu irmão e meu outro primo. Depois fomos evoluindo, evoluindo, cada um pegou seu rumo. Pegou, né. Io ficou um pouco mais, um pouco de tempo com meu irmão, meu primo se ajuntou com outro colega, se ajuntou e depois de um tempo meu irmão. Io saiu fora de minha irmão, ficamos cada um individual. E fomos tocando a vida assim, filha, trabalhando muito! E muito mesmo! Muitas horas de serviço.
P - Como é que era o dia-a-dia do senhor naquela época? O senhor acordava a que horas?
R - Acordava às três e meia, quatro horas. Pegava o caminhão ia pro mercado, comprava, ia pra feira. Terminava a feira, voltava pra casa, no dia seguinte levantava o mesmo horário e assim continua a vida!
P - E nessa época, seu Vincenzo, quem era a clientela do senhor?
R - Eu ainda tinha algum...
P - Quem que costumava...
R - Como?
P - Quem que costumava freqüentar, eram mais as mulheres, eram as empregadas?
R - Sim, funcionava mais as mulheres, sempre, sempre, sempre! No domingo tem mais homens do que mulher, tem. Mas no percorrer da semana foi sempre bastante as donas-de-casa. E a gente cria aquela amizade; você serve hoje, serve amanhã e dois, três, quatro, cinco meses, cinco, seis, oito, dez, 30, 40 anos. Essa gente não é mais a gente cliente, são gente amiga! Você cria aquela amizade, você sabe chega a saber até o segredo da família, que a gente acaba sendo um conselheiro, às vezes! Teve família que eles brigavam entre irmã, e io acabava sabendo. Aí chamava uma, chamava outra, quando vinham em separado e tentava fazer pazes! Isso fez várias e várias vezes, fez isso daí!
P - Certo. Nessa época, seu Vincenzo, que local que o senhor fazia, montava a feira?
R - Filha, nos mesmos bairro que estou sendo citado aí. Só que a feira uma vez estava numa rua, a feira estava noutra rua, mas sempre no mesmo bairro.
P - Qual foi a primeira rua em que o senhor fez a feira, o senhor lembra?
R - Primeiro dia que fez feira foi de quarta-feira, na Rua Padre João, de quarta-feira, na Penha. E daí pra diante, depois demos seqüência nas outras feiras. Até agora nunca parei, sempre no mesmo bairro, na mesma região. Quer dizer, o cliente, às vezes vem dez, 15 anos vem seguido; depois ele muda de sistema, muda de bairro, se extravia. _________________ outras cliente. Às vezes a gente volta pro mesmo bairro e volta a encontrar gente! É uma festa! É muito gostoso, filha.
P - Seu Vincenzo, e, assim, o senhor pega a mercadoria em diversos mercados, pega no Ceasa também?
R - Eu pego no Ceasa e pego no Mercado da Cantareira. Os dois mercados eu pego.
P - Certo. E qual é a diferença de um pro outro, que o senhor...
R - Sabe o que é? No Mercado do Ceasa eu carrego mercadoria mais pesada, no caminhão. Coisa mais leve, mais delicada, pego no Mercado da Cantareira, porque são fruta muito perecível, e se eu deixo no caminhão de tarde pro dia seguinte ela perde o visual da qualidade. Vende carregado de manhã, que já chega fresquinha, chega da lavoura, pra mim é muito mais bonita, a fruta fica mais bonita na banca, porque é mais fresca. Não foi abafada na lona do caminhão. Eu faço esse serviço porque tenho aquela influenza que é a mercadoria mais vistosa, perco menos. Às vezes você pôr uma mercadoria perecível no caminhão, abafa dentro de muitas caixarias e acontece que muita dela deteriete, perde a qualidade, perde. Entende? Sendo fresquinha, de manhã, ela não perde a qualidade, tem vida viva, é como um peixe tirado fora d'água no ato. O peixe congelado, o peixe vivo é outra coisa! Eu comparo nesse termo de sistema.
P - Quais que seriam as frutas pesadas?
R - Pesada é mamão, laranja, abacaxi, melancia, essas coisas são frutas pesada. Que pesa, a caixa pesa muito, e não posso pôr no caminhão, que tenho o caminhão e a caminhoneta pra substituir as coisas leve. As coisas leve compro aqui, ponho na caminhonete 700, 800 quilos no máximo e vou pra feira. Vindo no caminhão, carrego três, quatro, cinco tonelada.
P - E quais que seriam essas frutas mais perecíveis, mais delicadas?
R - Morango, pêssego, figo, cereja, que agora é tempo de cereja, se essa gente vem me visitar neste período, vão comer cereja na banca, vão comer. Trata de vir! Não sei se vai lá, mas tem boa fruta pra comer! Faço questão de distribuir fruta pra vocês!
P - E o que é que mudou assim, na clientela, de quando o senhor começou pra hoje?
R - Antigamente o abastecimento era só a feira. Depois essa coisa de supermercados, propaganda enganosa contra a feira, isso é barbaridade!, e muito povo se afasta! Porque antigamente só a feira existia, que se vendia muito mais! Agora a venda é mais limitada, mas tem que ter muita qualidade! Antigamente era qualquer qualidade servia. Io, pelo menos, particularmente na minha banca, eu tenho a melhor mercadoria que existe no mercado. E a mais cara, também, conseqüentemente, né, filha. A mercadoria boníssima custa caro em qualquer lugar do mundo. A mercadoria fraca custa barato em qualquer lugar do mundo. Porque se tu na feira encontra mercadoria extremamente cara e tem uma uva que estou vendendo dez real o quilo! Não posso vender menos! Que custa quase mais de oito real o quilo, custa. E você perde mercadoria. Naquele. Você compra 12 quilo e vende dez quilo e meio, no máximo! Tem mercadoria que vendo dois real o quilo, uva também, mas é uma uva bem inferior! Tenho que ter as duas. Pêssego também. Tem pêssego que vendo sete, oito reais a caixa e tenho pêssego que vendo a três reais a caixa. Quer dizer, tem que ter tudo pra ter compatibilidade com os outros concorrentes. Porque senão, você não vende, filha! Tem que ter a melhor e a pior.
P - E o senhor falou da concorrência. Como é a concorrência na própria feira? Vocês são amigos?
R - Ah! Ah! Feirante, tudo amigo! Mas se um pode comer o outro, come! Come a alma do camarada. Quer dizer, se eu posso vender um mamão, um centavo, eu vendo! Mas tudo vai da procura da compra. Tem que saber comprar. Não sabe comprar, você não pode vender. O problema é saber comprar. Sabendo comprar você se dá bem em qualquer lugar. Você não sabe comprar, filha, você está perdida.
P - Como que o senhor aprendeu a comprar?
R - À força de apanhar!
P - É? Quais são os segredos, tem alguma coisa que...
R - Não, não tem segredo, filha!
P - ... melancia, assim, as pessoas...
R - Melancia você vai onde tem aqueles montes de melancia, justamente você é cliente, o vendedor te conhece, você compra (estrala os dedos) há anos e você olha: "Me manda 20 melancia, é modo de dizer!, mas quero boa!" E justamente vai te mandar a melancia boa. Se sai ruim você reclama: "Olha, perdi tanta fruta." Às vezes tem algum que te repõe. E tem alguém que não te repõe. Melão é a mesma coisa. Eu vendo muito melão, vendo. Mas já sei qual é o melão bom e o melão ruim. Eu compro o mais caro, filha. Tem melão que você paga hoje, por exemplo, cinco real a caixa. E tem melão que você paga 12 real a caixa! Eu compro de dez a 12, nesse intermédio, porque a minha freguesia é acostumada a coisa boa! E se algum melão saiu ruim, e a freguesa avisa: "Seu Vincenzo, o melão saiu ruim." Eu falo: "Pega outro." "Não, não quero!" "Não, a senhora vai levar, faço questão!" E você não perde a freguesa! Agora se você diz: "Não é possível, não acredito", então você está desfazendo da palavra da freguesa!
P - Senhor Vincenzo, tem alguma maneira de deixar as frutas mais bonitas, ou de colocar de uma forma que o cliente pegue mais?
R - A gente enfeita a fruta. Você não se enfeita? Se pinta, né? Uma pintinha aqui, uma pintinha ali É a mesma coisa que a mulher! A banca é a mulher! Você tem que saber colocar a fruta pra ficar vistosa: o lado mais colorido pra fora, o lado menos colorido pra baixo, e chama a atenção, tudo isso chama a atenção! A uva, também, a uva mais bonita de um jeito, uva mais fraca de outro jeito. Maçã, pêra, o mesmo jeito: a parte mais bonita, por exemplo, do lado do visual do público, a parte que é menos bonita você põe pro teu lado. A parte mais bonita, põe pro visual do público. O público passa vê: "Bonita, linda!" Realmente é! Depois vê a fruta, analisa, é realmente boa. Às vezes não é e lá vai embora, não interessa porque os preços, filha, relativamente, as coisas boas são todas igual. Se eu vendo a dez a uva, dez é modo de dizer, né, outro que tem o mesmo artigo, custa tão caro que a minha, tem que vender a dez, porque se vende a menos, perde dinheiro!
P - E tem algum tratamento que as frutas passam, pra...
R - Não, não. Isso, como eu compro tudo o dia, o tratamento é o seguinte: a fruta, como eu compro tudo o dia, é fresquinha. Eu compro aquela qualidade, limitada, que eu sei que pouco mais, pouco menos, vendo. Não vou comprar cem caixas onde eu vendo cinco caixas. Eu levo aquelas cinco, seis caixas, às vezes sobra uma caixa, uma caixa e meia, mas pode ser que ainda esteja boa, ainda. A gente vende no dia seguinte, junta com aquela compra fresca, é tudo igual! E daí pra diante! Uma rotatividade, de mercadoria.
P - Seu Vincenzo, como o senhor atrai a clientela, chama de algum jeito? Como...
R - Não, é ser humilde. A humildade tua. Quanto mais humilde, a freguesa já acostuma. Eu, por exemplo, eu não chamo a freguesa porque a freguesa vem direto me procurar. Porque faz muitos anos que estou no ramo, ela saiu de casa pra vir comprar de mim. Justamente quando ela chega, eu trato corretamente e bem! Trato bem, às vezes, a malícia do vendedor, você pega umas uvas, dá pra experimentar, umas cerejas, um pêssego, que são frutas apetitosas, o mamão não se dá porque é fruta mais comum. Não é que a gente não queira dar, a freguesa não (limpa as palmas das mãos) não aceita tanto, não atrai. Quer dizer, essas frutas mais apetitosas, a gente dá um pedacinho, corta na faquinha às vezes, às vezes você dá inteira uma fruta abre um pacote cereja, dá duas, três cerejas a cada freguesa e a freguesa fica contente! Fruta nova, que às vezes ainda não entrou na praça, pra valer, as primeiras, é meio receosa fica a freguesa! A gente dá pra provar, está lá, não é? Conversa com a freguesa, e a freguesa se convence que é uma fruta boa, realmente, e acaba levando! Interessa pra gente que a gente vende! Mas tem gente que fala: "Não, não seu Vincenzo, o senhor me dá o que acha que deve me dar que eu estou satisfeito." Gente que é da gente, vamos dizer assim, né? Confia na gente, conhece a gente há muito tempo porque no meu ramo, geralmente na feira que eu faço sou o mais velho de todos os feirantes, estou na feira, de todas as feiras que faço, como pessoa sou o mais velho de todos! Quer dizer, só falar o nome, seu Vincenzo, tio Vicente, todo o mundo me conhece. Às vezes a mãe não vai: "Vai na feira, compra, vai no seu Vicente, fala que você é minha filha, que ele te serve direitinho." A gente faz isso, faz! Faz o possível pra tratar bem! Servir do bem, do bom e do melhor! E você não perde a cliente, a cliente sempre te procura.
P - O senhor falou das frutas novas. Foram frutas que chegaram aqui, que o pessoal não conhecia?
R - É, por exemplo, são frutas que faz cinco seis meses que não está nas feiras, né, porque acaba a safra, e é entressafra. Agora mesmo está chegando a uva niagara, o figo, e o figo, geralmente, a freguesa não prova, é uma fruta que não se dá, mas mostra: "Figo bom, fresquinho, dona Rosa, dona Madalena, dona Margarida", é um monte de nome, né, filha, que quando a gente vê a pessoa, já sabe, dona Rita: "Seu Vicente, é bom?" "É bom." "Então me dá uma caixinha, duas." É assim. O pêssego, estamos numa entressafra, porque está terminando o pêssego de uma região, agora é vindo de outra região. Quer dizer, a freguesa que vai na feira todo o dia, conhece a mercadoria, melhor que io conhece. Bom, a gente dá pra provar a fruta. É boa, tão boa que ela: "Sim senhor." Então realmente ela compra da, ela compra pêssego, de quilo, pêssego de caixa. Pêra e maçã é uma coisa tradicional, já vai pelo visual. Quer dizer, é uma coisa. não tem o que enganar. Agora, a fruta perecível que são figo, uva, pêssego, cereja, tem que ter muito cuidado pra servir a pessoa!
P - Seu Vincenzo, e antigamente, quando o senhor começou a trabalhar com as feiras, como que as frutas, como que as pessoas levavam pra casa as frutas? Eram embaladas?
R - Tudo ensacado! Na época não tinha plástico, tinha só saquinho de papel. Você colocava num saquinho de papel, punha na sacola! E quando comecei laranja, era difícil vender! Vendia muito mais a maçã e a pêra e a uva importada de que a fruta nacional!
P - Por quê?
R - Porque era um preço ótimo, era, filha! A fruta da Argentina, que vinha da Argentina, pêra e maçã, era um preço irrisório! Era preço de, como se diz, a preço de laranja, era! Na época não tinha mamão papaia, tinha só mamão de Monte Alto, aquele mamãozão grande, você talvez conhece, não sei. E agora, depois de muitos anos surgiu esse papaia, e agora o mamão de Monte Alto já ficou fora de cogitação. Só se vende mamãozinho papaia, vende bastante, vende! É uma fruta sadia, fruta bem doce e boa! E faz bem. A venda de mamão de Monte Alto acabou-se, encerrou completamente! Agora lá só planta tomate. Tem um que vem da Bahia, chamam de formosa, mamão formosa, só com __________ e vermelho. É um pouquinho menos doce de que o papaia, mas é um bom mamão. É ótimo, mas aquilo se vende uma quantidade bem menos que o papaia, porque o povo quer uma fruta miúda, que corta no meio, come metade cada um, satisfaz. O formosa é uma fruta grande, tem que usar várias vezes pra consumir um. Aquele nós vende menos, vende.
P - Tem alguma outra fruta, assim, que vendia mais numa época e agora vende menos?
R - É tudo relativo, filha. De acordo com o período da safra, a venda é, tudo depende do período da safra. Quando a safra cai, já ela fica mais cara e tem menos quantidade. Aí o consumo é menor. Quando é excesso, aquela fruta, por exemplo, vende em excesso, porque fica mais barato. Uva, pêssego, por exemplo, tudo essas cosa. Tem período que tem bastante, e tem período que é muito pouco. E quando é pouco já fica cara, e o consumo é menor.
P - Certo. Seu Vincenzo, quando o senhor começou a trabalhar, o Ceasa ainda não existia, né?
R - Não, Não, só tinha o Mercado da Cantareira. O Ceasa existiu na década de 60.
P - O senhor lembra, assim, alguma coisa que falaram da construção, o senhor viu?
R - Io, io, entrei no Ceasa quando terminaram de construir. Foi no mil novecentos e sessenta e pouco, 66, 64, por aí. Assim que começaram a construir, o nosso caminho era muito difícil para ir no Ceasa, porque tinha que ir pelo centro da cidade. Não tinha marginal, não, filha! Aí, rapidamente fizeram a marginal e começamos a passar pela marginal. Era uma pista só pra ir, pra ir e voltar era uma só, era. Depois abriram de um lado e de outro, e ficou ótimo, ficou ótimo por uma parte, mas ficou difícil pelo trânsito, que da minha casa pra ir no Ceasa é vinte minutos, sem correr. Tem 27 quilômetros justinho, da minha casa até no Ceasa. É 20 minutos, tranqüilo. Agora, demoro uma hora e meia, duas, pra voltar do Ceasa. Às vezes, até três horas e meia, quatro horas, nós demora. O trânsito, de tão congestionado que fica, você não anda! Uma raspadinha que acontece na marginal, você fica lá parado, imobilizado, não tem pra onde ir!
P - E quando inaugurou o Ceasa, como é que era?
R - Era tudo vazio, era filha. Tinha um box aqui, outro box lá, tinha muitas falhas. Depois aos poucos foi crescendo, foi crescendo, mas demorou uns quatro, cinco anos pra se mobilizar bem. Depois de uns quatro, cinco anos que existia o Ceasa já se formou um centro comercial de alto nível. Atualmente, a nível internacional, o Ceasa não é o Ceasa só pros, pra cidade de São Paulo. É Ceasa que fornece uma parte da América Latina e recebe da Califórnia recebe mercadoria e daqui também vai pra lá, mercadoria! Do Chile, recebe mercadoria barbaridade! E também daqui vai mercadoria pra lá. Mercadoria que eles não têm vem de lá pra cá. Atualmente, nunca viu mixirica argentina? Agora estamos cheio de mixirica argentina aqui no Ceasa! Eu nunca tinha visto! Agora está cheio de mixirica argentina, de limão argentino, grapefruit argentino, que é uma fruta que as mulheres faz doce. Não sei se você sabe o que é isso daí: é um tipo de laranja grande assim, amarela que nem o limão, mas tem pouco miolo, tem muita polpa. Mas é azedo. E vem da Argentina, coisa que nunca via. Isso daí.
P - E o que é que o senhor viu que mais se transformou dentro do Ceasa, pra hoje?
R - O Ceasa cresceu muito. Quando abriu o Ceasa era uma dimensão menor. Hoje, nada, nada, é mais do que o dobro de que quando abriu o Ceasa! É! Quer dizer, evoluiu muito, evoluiu! Quer dizer, (por exemplo?) trabalhava mil pessoas, hoje trabalha 15 mil pessoas, lá! A evolução foi isso! Cresceu barbaridade! Entra mercadoria do mundo inteiro, entra!
P - E, seu Vincenzo, quem são as pessoas que vão até o Ceasa? Tem os distribuidores?
R - Tem o distribuidor. Tem o distribuidor. Por exemplo, onde eu compro, são gente que são importador de mercadoria, importam mercadoria de tudo quanto é lugar do mundo! O que interessa, o feirante compra, o que não interessa, o feirante não compra! Tudo vai do custo do preço. Mercadoria boa custa cara, custa! Mercadoria fraca custa menos! Tudo, que o preço, por exemplo, modo de dizer, dez caixas de pêssego argentino, vamos dizer, que tem pêssego argentino, que é da Argentina que vem muito bom! Se eu calculo que na minha feira que eu posso vender aquela mercadoria, eu compro! Se acho que eu não posso vender, eu não compro, filha! Porque é uma fruta cara, tem que vender acima de cinco real o quilo, a volta de... à média de cinco real o quilo, tem que vender, tem período que não pega esse preço! Eu não trago! Tem período que quando algum nacional está caro, e ele sempre vale mais ou menos, aí eu compro! Vender, vende, assim! Sempre vende, sempre tem alguém que quer coisa diferente. Às vezes o povo fala: "Seu Vincenzo, mas sempre a mesma coisa, sempre." Não tem nada diferente, filha! Agora tem muita variedade, a gente leva! Tem ameixa argentina, tem ameixa chilena, tem ameixa que vem da Califórnia, tem ameixa que vem da Itália, tem ameixa que vem da Espanha, pêra que vem da Espanha, e maçã que vem da Espanha, maçã que vem da Califórnia, pêra que vem da Califórnia, americana. São fruta boníssima! E estão mais barato de que a nacional! Isso que me revolta! Uma caixa de fruta importada que vem do norte da América, hoje, a mais cara paguei 38 real, essa é a pêra. A maçã paguei 27 real. Minto, a nacional está 37 real! Com menos quantidade e um preço muito mais alto, vem de São Joaquim, vem de Santa Catarina. A que vem da Califórnia, meu amigo! Lá você tem uns dez, 12 mil quilômetro, deve ter! Essa que é a diferença, isso que não entra em mim por que isto? ___________ que o público leva, que as coisas nacional é inferior, às vezes, de qualidade, com preço superior ao que vem de fora!
P - Seu Vincenzo, o senhor falou, o senhor comentou com a gente que o Mercado Central, o Mercado Municipal, é muito bonito de noite, né?
R - De noite, sim!
P - O que é que acontece de noite lá? Conta pra gente.
R - É o movimento que tem à noite, eu gosto muito, eu gosto! Porque tudo a gente trabalhadora que vão lá pra trabalhar, pra comprar e outro que vão pra vender, justamente aquele movimento que tem o carregador, aquele que carrega mercadoria, caminhão carrega, sai um caminhão, entra outro, e assim pra diante! No fim, o público é tudo um público amigo. Quer dizer, é como se diz, um figurado de pessoas que se movimenta! Pra quem gosta, que nem eu gosto, io acho maravilhoso! Tem pessoas que não se adapta naquele sistema! "Está louco, isso daí!" Mas eu, adoro! E adoro isso aí! Assim que chego, já encontro a pessoa que me guarda o lugar pra encostar a caminhoneta, horário meu, cinco minutos a mais, cinco minutos a menos, encosto mais ou menos sempre na mesma imediação. O carregador já tá esperando io, isso no meu caso, porque o carregador se tem vasilhame pra entregar, abre a caminhoneta, tem toda liberdade, pego o que tem que entregar e eu saio pra fazer as compras, e ele não fala: "Fulano, tem assim, assim, pra carregar." Ele vai lá, carrega, e dentro de uma hora, no máximo, eu chego e vou embora. É 45 minutos que, geralmente, mais ou menos, geralmente eu demoro. Chego às três, três e pouco, três e dez, quatro horas, o mais tardar estou saindo do mercado, vou pra feira. Quer dizer, o que diz: é um movimento que eu gosto. Tem muita gente que te conhece, muita gente que eu conheço. "Bom dia, como é que vai?" "Tudo bem." E vai andando! "Ô, tio, como é que vai?" "Ô, tudo bem!" Isso daí! Quer dizer, é uma coisa que te atrai. Povo que te encontra, io digo, me quer bem e eu quero bem também! É por isso que eu gosto de fazer o que eu faço! Eu faço porque eu gosto aquilo que eu faço! Isso daí.
P - Seu Vincenzo, o senhor sempre trabalhou com fruta?
R - Sempre!
R - Que frutas que o senhor mais gosta, assim, pro senhor comer, tem alguma?
P - Olha, eu sou... (risos) Em casa, eu não como nenhuma! Mas na feira eu (fim da fita 054/01-A) experimento de tudo! Entende? Em casa é muito difícil comer fruta! O dia inteiro tô cheio de fruta, quando chego em casa, quer dizer, só janto, como um pouquinho só de fruta, é só. Agora, na feira eu experimento de tudo, isso (não tem a mínima?). Eu gosto, por exemplo, que mais gosto? Eu nem sei dizer o que mais gosto, porque experimento de tudo, experimento, é difícil saber o que mais gosto. Pêra e maçã eu não como, isso daí não. Agora, uva o que mais gosto é de uva. O que eu percebo, às vezes, gosto de uva. Na hora que eu pego um cacho e como, pego um grãozinho, daqui a pouco mais um grãozinho e vou sempre levando. Pêssego eu também gosto. Quer dizer, eu dou mais pra comer do que eu comer. A manga, a fruta mais deliciosa que tem atualmente é a manga. Uh! Coisa maravilhosa! Eu também experimento um pouquinho. Em casa, eu não como um pedaço de manga. É! A briga com a esposa é essa daí: "Tu trás a fruta e não come!" E acho ruim que eles não comem também: "Mas você não come também!" Estou cheio de fruta, todo o dia. Essas coisas. Eu não posso dizer, definitivamente: eu gosto muito mais de uma. Não! É de todas elas que eu, às vezes, me dá vontade de chupar uma laranja. Eu chupo uma laranja, gostoso! Acho aquela parte azedinho que me faz bem. Tudo te faz bem quando te apetece as coisas. Se não te apetece não adianta, filha! Se, às vezes, tem coisas que pra mim não me apetece eu tenho... vinho, por exemplo, tem dia que me apetece, io tomo um copo, me apetece, eu tenho um copo de vinho, eu me sinto bem. Mas tem dias: "Ah, não sei se vou tomar vinho, se vou tomar cerveja. Vou tomar um copo de vinho." Aquele dia, me faz mal! Quer dizer, tudo o que te apetece, faz bem à pessoa. A pessoa aceita aquilo que você comeu ou bebeu com prazer. Agora, se você come ou bebe contra a vontade ou contra o desejo, não te faz bem, filha! Quer dizer, o corpo não aceita com bondade. E assim eu sou com as frutas.
P - Seu Vincenzo, o senhor falou que algumas coisas eram diferentes na feira, mas em outros, digamos assim, setores. O senhor estava falando que tinha um colega, um amigo que vendia macarrão...
R - Esse colega _______________________ esse tal de Ramos
P - É.
R - E outros, também, amigos que vendia.
P - Como é que era, como é que se vendia o macarrão na feira?
R - Vendiam em quilo, vendiam, né filha. Em pacote, quase que ele vendeu pouco, mas tinha macarrão fresco, o talharini e spaguetti geralmente. Antigamente tinha muito macarrão fresco na feira. Agora, isso aí já sumiu, na feira não tem mais macarrão. Isso na época em que tinha, isso há 20, vinte e poucos anos atrás.
P - Tinha uma outra coisa que era diferente que era os frangos, as aves?
R - Antigamente, quando começaram as feiras, realmente não tinha matador de frango. Ia o caminhão, com aquele enorme engradado de galinha, e armava numa ponta de feira, e a clientela ia lá e comprava o frango vivo.
P - Como é que ela levava pra casa?
R - Olha, muita gente levava vivo; muita gente, o frangueiro matava lá na hora.
P - Mas se levava vivo, como é que ela levava? Na sacola?
R - Levava na sacola. Ou se não, pendurado na mão mesmo. Ia fazer o que, filha? O frango é assim. Não tem como! (risos) Agora, pra matar, eu nunca matei frango e nem quero matar, mas ele torcia o pescoço "tac", quando dava um estralo no pescoço, o coitado batia asa e morria. Não sei se vocês fizeram algum desses daí, né. Os pais de vocês nunca fizeram isso? Os avós? Eh! Essa é a realidade, filha, não tem o que esconder. Isso aí, eu nunca matei frango. Coelho, já matei. Coelho pega com o pé de trás, bate com esta aqui. Atrás da orelha, bem dado, desloca a nuca, ele morre! Assim que matava.
P - Mas também vendia inteiro, ou não?
R - Vendia, em feira sim! Ainda vende. Em feira, não, agora, em casa de aves vende. Agora em feira só vende o frango morto, coelho que veio do matadouro, limpinho. Agora a dona-de-casa não tem mais trabalho, não tem! Antigamente a dona-de-casa tinha que matar o frango, limpar, despenar. O coelho tinha que tirar a pele, eu não sei tirar, não sei como que a dona-de-casa fazia, eu não sei, eu nunca vi porque em casa nunca fizemos. O que nós fazia na Itália isso aí, que meu irmão com meu pai e minha mãe sabia fazer muito bem. Eu não sabia fazer, não fez, e não faço, e não quero fazer.
P - Seu Vincenzo, e que mais que mudou, assim, na feira, que antigamente tinha e não tem mais, o senhor lembra de mais algum aspecto?
R - Olha, tinha muita banca de roupa. Banca de roupa, calçado, tinha bastanza, antigamente, agora não tem mais. Isso mudou. A feira era altamente grande, todas elas, de fruta, legumes e verdura. Agora as feiras diminuíram muito, que muita gente não agüentou e foi desistindo. Por exemplo, a minha feira de amanhã era uma feira enorme, grande, nossa senhora! Se é quando as barracas que tinha na época, tinha mais de 150, agora não, vamos dizer, deve ter umas 40, 60, 70 bancas, no máximo! Que perdeu 50% mais ou menos, ou mais. A minha feira de domingo também, todas as feiras! Era enorme, grande, um movimento estrondoso tinha, de público! Porque só tinha a feira, na época, de abastecimento! Não tinha shopping, não tinha supermercado. Agora, quando começou a surgir supermercado e shopping, quer dizer, tudo isso foi lentamente se afastando. E, quer dizer, as coisas foram diminuindo, diminuindo, diminuindo, só ficou quem agüentou a freguesia; um deles sou io, e estou até agora na feira!
P - Seu Vincenzo, como é que a feira... o senhor falou que o bairro continua o mesmo, muda às vezes uma rua ou outra?
R - Muda, sim.
P - Como é que escolhe, quem é que escolhe a rua que vai ser a feira, como é que é isso?
R - A prefeitura, a prefeitura escolhe. Por exemplo, numa rua que hoje tem feira, necessariamente nessa rua vai passar uma linha de ônibus; aí a feira é deslocada daquela rua pra dar acesso o trânsito do ônibus, ou, por exemplo, muda uma contramão, muda uma mão, uma rua que muda uma mão de fluxo de carro, por exemplo, nesta rua tem que descer, subir carro, caminhão, essas coisas; aí mudam a feira daquela rua, muda. Às vezes, tem gente, porque é coronel, porque é deputado, não gosta do barulho, aí faz o requerimento, abaixo-assinado, vai na prefeitura, vai na Secretaria de Abastecimento, e pede a remoção da feira daquela rua, pede pra tirar a feira daquela rua! Tem gente que consegue, tem gente que às vezes não consegue. Tem gente que quer a feira na rua, mas não quer o barulho da feira. Na feira de amanhã, por exemplo, era um lugar belíssimo. Está bom ainda, né? Mas, como construíram uns prédios, e o povo quer a feira na rua, mas não quer na frente do prédio, porque tem que sair pra ir trabalhar e nós deixa uma parte, os feirantes deixa uma parte que o carro sai e vai lentamente quase no meio da feira vai. Mas o povo quer a feira na rua, mas não quer na frente do prédio! É por causa disso que as feiras mudam. Às vezes o camarada quer, não quer a feira, tem o poder muito elevado, vai, por exemplo, um militar, um coronel, um general: "É, porque bá, bá, bá" Vai na Secretaria de Abastecimento e pede a remoção da feira. Vai fardado, vai cheio de histórias, cheio de poder, e justamente, às vezes, a prefeitura atende e muda a feira de uma rua para outra. E quando muda, pro feirante é muito ruim.
P - Por quê?
R - Porque se extravia a freguesia. Porque você, por exemplo, vai num lugar, faz dez anos que vai aqui, é sempre mão, né? Quando menos se espera, você encontra aquela rua, é contramão: "E agora, como é que eu faço?" Fica desnorteada, fica. E o povo é a mesma coisa, na feira! Para nós é muito ruim quando muda uma feira, pro feirante. Meses até reconquistar a freguesia de novo. E nesses meses você trabalha sem lucro, sem... às vezes com muito prejuízo.
P - Seu Vincenzo, o senhor falou uma coisa que era a facilidade ou a dificuldade de conseguir a matrícula, licença, pra...
R - Não, isso na época pra tirar a matrícula tive muita facilidade. E agora deve ser fácil também, só que, o que eu calculo, porque não lido mais com essas coisas, é que tem feira que você quer ir e não pode ir. Porque são feiras que bloqueadas, que, por exemplo, nesta feira temos tanto elemento disto, disto, disto, não pode entrar mais feirante nesse ramo. Tem feira fechada, nós chama de feira fechada, nós chama, porque não pode entrar mais feirante. Mas agora, depois que entrou a Erundina na prefeitura, aquilo virou uma bagunça que nem Cristo entende mais nada! Quer dizer, um de uma feira vai na outra às vezes, tem uma temporada que fica, depois vai embora, some do mapa um ano, dois. Depois volta outra vez e não tem mais organização. Antigamente era muito organizada e muito disciplinada. Era! Muito disciplinada! Agora está tudo bagunçado! Disse que o Maluf ia organizar, eu faço voto que ele organize. Pelo menos o que disse a mim, ele e o secretário de abastecimento, era que ia organizar as feiras. Vamos ver se organizam, né?
P - Seu Vincenzo, nesse período todo, o senhor falou que o senhor nunca deixou de ter a barraca na feira?
R - Nunca! Nunca, nunca, nunca! E, às vezes, viajei pela Europa, um mês ou dois, mas a barraca continuou na feira, continuou! Deixou a equipe de empregados, que tenho empregados bons, tenho, e foram trabalhando normalmente, sem a minha pessoa. E a banca nunca faltou. Na Prefeitura não tenho uma falha, não tenho! Porque às vezes passa o fiscal e anota a falha das barracas que falta. A minha não tem! Pode ter um dia ou outro, por causa que o caminhão fica na oficina; aí, por exemplo, semana retrasada fiquei dois dias sem trabalhar, tinha o caminhão estava na oficina, terça e quarta. E a freguesia telefonou pra casa, muita gente: "O que é que foi, seu Vincenzo, por que não veio?" E a freguesia se desorienta, acha ruim que você não vá na feira! Pra te procurar, não te encontra! Porque a freguesia que compra da gente, sabe o que nós trás e ela se acostuma com a gente, porque consome o que eu trago, entende? Quer dizer, vai na feira: "Vou no seu Vincenzo, comprar isto, comprar aquilo." Ela tem a certeza que eu tenho! Realmente, o que ela precisa eu tenho. E se eu falho, como é que faz? Tem que procurar noutras pessoas. E às vezes ela não se adapta no jeito da pessoa, no caráter, na maneira de tratar, tem tudo essa diferença, a pessoa se habitua com você, se acostuma e você, quando não te encontra: "Como é que eu faço agora?" Tudo isso, né? Fica desarranjada, fica!
P - Seu Vincenzo, eu queria que o senhor falasse um pouquinho agora, assim, da sua família. Como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Eu fiquei aqui. Quando vim aqui eu vivia junto com minha irmã, vivia. A minha irmã, no 1962, foi embora pra Itália. Foi. Em vez de voltar, não voltou mais! Ficou lá com meus pais, ficou! Depois ela casou-se lá e ficou lá. Aí eu fiquei 20 meses sozinho. Depois de um ano e pouco que estava aqui, eu justamente com a esperança de que a minha irmã voltasse e tal, eu estava com a intenção de vender tudo que eu tinha. Não tinha nada de mais, tinha um caminhão, tinha a casa própria, tinha, e a banca. Ia vender tudo isso aí e ia embora pra Itália! Mas depois minha irmã, a minha irmã: "Não, vai ficar aqui, e tal." Bom, me convenceram. Io acabei conhecendo a minha esposa, e casei.
P - Onde é que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Ela mora perto, morava. Morava perto, morava. Conheci, olha... (risos) Casamento arranjado, filha! Eu conhecia de longe, conhecia mas eu não tinha intimidade. Não tinha como chegar nela. Aí minha cunhada preparou um tipo de encontro pra nós se deixar conhecer numa casa de uma pessoa, uma amiga da gente, amiga delas, né? E assim surgiu aquilo lá, e depois marquei um encontro e fomos se conhecendo. Conheci o ... era, depois de sete meses, eu casei com ela. Até agora, há 32 anos.
P - E vocês tiveram filhos?
R - Dois: um rapaz e uma moça. Estamos feliz, graças a Dio. Eu desejo que os meus filhos tivesse o caminho que eu peguei com a esposa. Io nunca briguei com ela, nunca discutiu, às vezes, ela discutia comigo, porque quando as minhas crianças eram pequenas, eu brincava mais de que uma própria criança com as crianças, né? Ela achava ruim! "Vai brincar com as crianças?!" "É a coisa que mais gosto, é isso daí!" Agora, contra ela, nunca contrariei! Nunca! Tem casal que, às vezes, tem cada puta arranca-rabo. Comigo, não! Nunca tivemos isso! Graças a Deus, até agora! Eu vivo feliz com ela, estamos muito bem, tudo o que fizemos, fizemos juntos e sempre foi a vida da gente. Eu sempre trabalhando barbaridade, nunca tive diversão! Nunca levei num restaurante pra comer, a minha esposa! Por quê? Não tem tempo, filha! Eu trabalho de segunda a domingo. No domingo chego duas, duas e meia em casa. Almoço e vou descansar. Ir no restaurante: que horas vou? Não tem jeito, não tem! No cinema fui duas vezes depois de casado com ela.
P - Mas a hora que o senhor está em casa, o que é que o senhor gosta de fazer?
R - Ah quando chego, como; a esposa senta assim em frente de mim, e ela vai me contando alguma coisa de durante o dia: que acontece isto, que acontece aquilo, eu gosto de casa, eu gosto de curtir a minha casa, eu não saio da minha casa! Eu sou um camarada muito caseiro. Chego em casa, não há quem me tira de casa. A menos que não tinha algum compromisso pra ir: "Olha, fulano telefonou pra você ir lá." "A imobiliária te chamou para você ir lá." Às vezes tou muito cansado, vou por telefone, às vezes é necessário ir pessoalmente. É isso daí. Fora da feira a única coisa que gosto muito de fazer é construir.
P - Construir?
R - Construir.
P - O que é que o senhor constrói?
R - Casas, construía, né; agora não construo mais nada! Antigamente construía várias, construía. Construía, vendia algumas, vendia, é a minha atração. Fora da feira, a única coisa que gosto de fazer mais, que gosto de fazer é mexer com pedreiro, mexer com construção, sei lá, coisa de construção.
P - O senhor que planejava as casas, escolhia o bairro, como é que era isso?
R - Fui sempre eu. A minha casa quem fez foi io, io quem planejei, a casa que eu estou morando, e eu que fez tudo: eu tirei a planta do engenheiro, só pra ter. Agora, o resto, global, foi eu que fez. Como tinha muita coisa que tinha na planta, internamente, que era permitido, eu fez tudo diferente que tinha na planta. Não dava certo a planta que me fizeram, de jeito nenhum! Aí fez na minha moda. E dou graças a Deus, estou bem naquela casa. Eu chego em casa, descanso, brinco com o cachorrinho, não tem criança mas tem que ter alguma coisa pro cachorrinho que eu tenho pra brincar.
P - Seu Vincenzo, hoje, o que é que o senhor gosta de comprar, de ver, de comprar?
R - Pra feira ou pra casa?
P - Pro senhor, pra casa...
R - Pra mim, io não compro nada! A roupa, quem compra é a esposa. Sapato, eu vou no sapateiro, manda fazer o sapato, um par de sapato, só sob medida. Mas quando eu faço e eu gosto, faço dois, três, quatro pares e fico uma boa temporada sem fazer sapato. Quando acaba, volto outra vez no sapateiro e faço assim. Agora, roupa, quem compra é a patroa. Blusa: se tenho, visto, se não tenho, não visto. (risos) Ela vê o que eu preciso, ela que compra. Na Itália era a mesma coisa com meus pais, com minhas irmãs, né? E aqui foi a mesma coisa. Peguei uma esposa que se adaptou tanto no esquema da minha família, que não me preocupo com nada! Roupa de cima, roupa de baixo, ela que compra! Eu não me preocupo pra isso.
P - E tem alguma coisa que o senhor não gosta de comprar? Que o senhor fala: "Isso eu não vou comprar", "Não vou até a loja"?
R - Às vezes não, eu não vou em loja, não. Não vem com loja que eu não vou! Não vou! Quem vai é a patroa, ela sabe a medida que eu uso e isso que faz. Não é que não gosto de comprar as coisas. Se eu vou, às vezes posso até escolher, mas o que eu escolho, a patroa também escolhe, do mesmo jeito. Eu não vou, elas que compra. Eu só vou se tenho que fazer algum terno, pra medir. Aí posso: "Gostei mais dessa cor, gostei mais daquela cor de lá." Mas do resto... (limpa as palmas das mãos) Malha, camiseta, camisa o que ela comprar está bem comprado. Não me oponho. O que ela trazer, está bom.
P - Fantástico. Seu Vincenzo, esses anos todos que o senhor trabalhou com feira, mudou, o que é que mudou na forma como as pessoas pagavam, como é que elas pagavam antigamente e como é que elas pagam hoje?
R - Antigamente não tinha cheque, e agora tem muito cheque. E de vez em quando você perde muito cheque, e perde o freguês, o cheque e a mercadoria! Tem tudo isso. Antigamente não tinha cheque, era só dinheirinho que corria, tal, tal. Depois, quando começou a surgir, que as coisas ficaram mais evoluídas, aí começou a vir o cheque. Eu perco muito cheque, perco, filha!
P - Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: a maneira de vender, assim, é por quantidade, é por quilo?
R - Uva é por quilo; laranja é por unidade, mamão é por unidade, maçã e pêra é por unidade; o pêssego é por caixa ou por quilo. Essas coisas assim. A cereja vende por pacote, pacotinho de 300 gramas, 320 gramas, vende por pacotinho. É simples, o funcionamento é muito simples, não tem segredo, não. É só saber comprar, como sempre te disse: comprou bem, vendeu bem; comprou mal, vende mal. Isso daí.
P - Então está bom. Tem alguma pergunta? Seu Vincenzo, a gente está terminando a entrevista, eu queria que o senhor falasse, assim, que é que o senhor, se o senhor fosse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida o que é que o senhor mudaria? O senhor faria alguma coisa diferente?
R - Olha, na minha idade, filha, só parar de tudo! Tenho setenta anos e meio, com 70 anos, que é que eu posso mudar na minha vida? Nada! Nada, nada, nada! O dia que parar, daqui há um, dois, três anos, se Deus quiser, que eu não vou chegar nisso aí, vou vender tudo o que tenho em ramo de feira, ou senão, vou dar tudo a meus empregados o meu itinerário é de dar para eles, só não vou dar o caminhão, agora, a banca, dou pra eles, gratuitamente. Banca e freguesia, dou pra eles, eles que se viram pra comprar. E quando eu paro, paro e não vou trabalhar mais. Com aquilo que eu fiz na minha vida eu posso viver tranqüilamente, graças a Deus! Sem a feira, eu posso viver.
P - Fantástico. E o senhor tem algum sonho que o senhor gostaria de realizar?
R - Ver os meus filhos sistemado. O meu sonho, ver meus filhos sistemado: casado, e com boa dona-de-casa. Isso que eu desejo. Minha filha é fisioterapeuta, tem não, porque minha filha é uma raridade de pessoa! Meu filho tem 31 anos, infelizmente, em parte digo infelizmente, ou seja, felizmente, ele foi fazer um curso na Inglaterra de 38 dias, faz quatro anos que está lá. Ele fez Administração de Empresas aqui, fez Economia aqui, foi pra lá, foi lavar prato em casa de família, fez um ano de inglês, depois entrou na faculdade e fez mestrado em Economia em Londres. Trabalhou em restaurante, de lavar prato, servir cafezinho, servir algum sorvete, que lá, Londres, sorvete se usa pouco porque lá o frio é desgraçado, né, e isso foi a vida! Agora, saiu do restaurante, de ser garçom de restaurante, ser lavador de prato, foi trabalhar numa marmoraria. Agora é gerente de uma marmoraria. Mas também quando tem que pegar na marreta, tem que pegar na marreta, também!
P - O senhor gostaria que algum deles trabalhasse com o senhor?
R - Ah! Profundamente! Queria que o meu filho seguia o meu caminho, mas ele não gosta de fazer o que eu faço. E não adianta forçar a pessoa. Por isso que eu falei: "Estuda e vive do estudo." Mas infelizmente ele não quis seguir meu caminho. Porque o meu caminho, por ruim que seja, é bom! Eu gosto muito daquilo que eu faço, mas muito mesmo, eu gosto! Às vezes estou doente, vou trabalhar doente mesmo! Pode ter febre, pode ter chuva, pode cair o mundo! Mas com tudo aquilo que eu tou podre, podre mesmo, eu vou trabalhar.
P - O que é que o senhor mais gosta no trabalho do senhor?
R - Servir o público. E comprar no mercado, que são duas atrações diferente. O público tem um estilo de te alegrar, e o mercado tem outro estilo de te alegrar, né? Porque no mercado só encontro gente amiga, onde eu passo. "Vamos tomar café? Vamos tomar cafezinho!" E quer dizer, nisso tudo eu... é uma família que você tem. Eu, tem lugar que não posso passar um dia sem passar de lá! Muitos deles! Nem se for pra passar: "Bom dia" e "Boa tarde", só! Na feira é a mesma coisa: tem um público que eu gosto deles e eu vejo que a pessoa que compra de mim, não é porque vendo mais caro ou mais barato, eles gostam da minha pessoa. Compram de mim porque gostam da minha pessoa! Tem aquela sei lá, se acostumam com o jeito da pessoa. Eu noto que eles gostam de mim. Eles compram porque eles gostam de mim e do que eu vendo, também, né? E _____________, a pessoa gasta mamão vai, vamos dizer. "Por que tenho que comprar de fulano se conheço seu Vincenzo há muitos anos?", né? E compra de mim! A vida inteira! Tudo o que ela pensa que eu tenho, ela compra de mim a vida inteira. Os outros também têm o que eu tenho, mas eles vão comprar de mim porque se acostumaram com a minha maneira de agir, a minha maneira de tratar, a minha maneira de servir, né? Criaram aquela amizade. Às vezes: "Ô, tio Vicente, me vê assim, assim, assim." A gente anota, na volta tá tudo pronto: só pegar e ir embora.
P - Seu Vincenzo, como o senhor caracterizaria o seu melhor cliente na feira, né, e os piores?
R - Olha, tudo eles são espetaculares, pra mim! Os piores são alguma pessoa que compra só pra te judiar.
P - Como assim?
R - Ela chega na banca e pega na fruta e começa a apertar. Mete a unha, às vezes você chama a atenção, eles acha ruim. Esses são os piores fregueses, que te prejudicam. Às vezes não vêm nem tanto pra comprar, só pra ir embora. Esses são os piores clientes. Agora, o cliente que chega: "Seu Vincenzo, bom dia, como é que vai? Tudo bem? Tá bom. Olha, eu preciso isto, isto, isto. Na volta eu pego." Isso são clientes maravilhosos. Ele leva a melhor mercadoria, o melhor preço e um tratamento espetacular! Agora, a freguesa que vem lá, pega isto, pega aquilo, fica apalpando, esse é um mau cliente, filha. Às vezes eu digo: "Fulana, eu posso escolher pra você?" "Não, não, não! Eu tenho que escolher!" Esse é o mau cliente. Agora, às vezes, a maioria deles, uns 70, 80%: "Seu Vincenzo, o senhor pega, porque eu sei que quando o senhor pega, eu levo fruta que dura 20 dias." E quando eles pega, não pega tão boa que nem eu pego. Esses são os melhores clientes, filha! O melhor cliente é aquele que diz: "Olha, o senhor, fulano, me serve isto, aquilo, aquilo." É o melhor cliente! Porque está te valorizando, a tua pessoa, está valorizando e tem confiança naquilo que tu faz. Esses são os melhores clientes!
P - Pra terminar, seu Vincenzo, eu queria que o senhor falasse o que é que o senhor achou de ter passado essa hora com a gente conversando, deixando registrada sua história, sua experiência?
R - Maravilhoso! Adorei! Eu faço votos que tudo o que falei seja divulgado e que ganharia uma folha daquilo que eu já divulguei. Será que eu ganho?
P - Ganha! (risos) Isso a gente vai providenciar.
R - Vai ser um livro, isso daí?
P - Vai.
R - Há probabilidade de ganhar um livro desse daí?
P - A gente vai conversar, a gente vai chamar o senhor...
R - Eu vou... pretendo ganhar um livro e pretendo comprar vários, porque tenho que mandar pra minha família na Itália, tenho que mandar; tenho que dar algum pra um sobrinho meu que me adora muito, muito, muito! E deixar um, o dia que eu falecer, uma recordação pra eles. Pra mim, isso é uma grande, uma grande, como se diz?, uma dádiva muito, muito grande, que eu tou recebendo! Fico muito feliz de estar aqui entre vocês e de fazer esse trabalho de vocês comigo!
P - Tá o.k. A gente agradece muito e a gente também tá muito feliz com o senhor!
R - Eu agradeço profundamente você, é coisa que eu me sinto muito honrado, porque vocês me escolheram pra fazer tudo isto!
P - Muito obrigado!
R - Obrigado vocês!
Recolher