CASAMENTO GREGO
NARRAÇÃO
Olá, aqui é a Janaina Sant´Ana, realizadora do podcast Radiola da Memória. Esta edição teve o apoio da Fundação Bunge e do Museu da Pessoa. Esperamos que vocês se divirtam.
NARRAÇÃO + MÚSICA: MODERN ATTEMPT
Radiola da Memória é um podcast que leva você a fazer uma viagem por aqueles sons que temos gravados na memória: o ranger da porta da sala de casa, que nos lembra a chegada do pai de mais um dia de trabalho; o dedilhado de uma música espanhola no violão, que nos leva ao estúdio do avô, com suas paredes grafitadas e cheias de aparelhagens sonoras; o som dos passos seguros da mãe vindo nos tirar da cama pela manhã; E aquele do apito que anunciava a chegada da paçoca quente e cheirosa na porta da casa da avó, numa rua de Santos. Sonoridades as mais diversas que nos trazem de volta sensações, desejos, amores, afetos, os mais íntimos e delicados. E é por isso que queremos saber: O que toca na radiola da sua memória?
MÚSICA + FAIXA 3 NARRAÇÃO
Radiola da memória. Episódio 3 – Casamento Grego
NARRAÇÃO
Você já assistiu Casamento Grego? Foi a primeira pergunta que a Andrea me fez quando começamos a conversar. Para quem não viu, o filme conta a história de Toula Portakalos e sua exuberante família grega que, segundo a Andrea, é quase a história da sua própria família, a também grega Frangakis.
MÚSICA GREGA + NARRAÇÃO
“Meu pai e meus tios brigam para ver quem vai comer o miolo do cordeiro. Minha tia Vula espeta o olho e sai correndo atrás de mim tentando me fazer comê-lo, porque me faz ficar inteligente. Tenho vinte e sete primos. Minha família é imensa e escandalosa e todo mundo está na vida e nos negócios um do outro o tempo todo. Parece que nunca estamos sozinhos nem para pensar, porque estamos sempre todos juntos.”
MUSICA GREGA
NARRAÇÃO
Embora esta seja uma fala de Toula no filme Casamento Grego, podemos dizer que as pausas e silêncios também nunca estiveram...
Continuar leituraCASAMENTO GREGO
NARRAÇÃO
Olá, aqui é a Janaina Sant´Ana, realizadora do podcast Radiola da Memória. Esta edição teve o apoio da Fundação Bunge e do Museu da Pessoa. Esperamos que vocês se divirtam.
NARRAÇÃO + MÚSICA: MODERN ATTEMPT
Radiola da Memória é um podcast que leva você a fazer uma viagem por aqueles sons que temos gravados na memória: o ranger da porta da sala de casa, que nos lembra a chegada do pai de mais um dia de trabalho; o dedilhado de uma música espanhola no violão, que nos leva ao estúdio do avô, com suas paredes grafitadas e cheias de aparelhagens sonoras; o som dos passos seguros da mãe vindo nos tirar da cama pela manhã; E aquele do apito que anunciava a chegada da paçoca quente e cheirosa na porta da casa da avó, numa rua de Santos. Sonoridades as mais diversas que nos trazem de volta sensações, desejos, amores, afetos, os mais íntimos e delicados. E é por isso que queremos saber: O que toca na radiola da sua memória?
MÚSICA + FAIXA 3 NARRAÇÃO
Radiola da memória. Episódio 3 – Casamento Grego
NARRAÇÃO
Você já assistiu Casamento Grego? Foi a primeira pergunta que a Andrea me fez quando começamos a conversar. Para quem não viu, o filme conta a história de Toula Portakalos e sua exuberante família grega que, segundo a Andrea, é quase a história da sua própria família, a também grega Frangakis.
MÚSICA GREGA + NARRAÇÃO
“Meu pai e meus tios brigam para ver quem vai comer o miolo do cordeiro. Minha tia Vula espeta o olho e sai correndo atrás de mim tentando me fazer comê-lo, porque me faz ficar inteligente. Tenho vinte e sete primos. Minha família é imensa e escandalosa e todo mundo está na vida e nos negócios um do outro o tempo todo. Parece que nunca estamos sozinhos nem para pensar, porque estamos sempre todos juntos.”
MUSICA GREGA
NARRAÇÃO
Embora esta seja uma fala de Toula no filme Casamento Grego, podemos dizer que as pausas e silêncios também nunca estiveram presentes na radiola da memória da Andrea. A avó anunciava sua chegada gritando o nome do filho André, para toda a vizinhança ouvir. O volume da fala estava sempre entre o alto e mais alto e o grego era falado em um tom que ela nunca sabia se a família estava brigando ou festejando. Eram raras as vezes em que a comida, sempre farta, era de fato partilhada.
NARRAÇÃO
É porque antes da refeição dançavam Zorba. Mas um estalar de dedos fora do ritmo invocava o deus Ares e a guerra estava instaurada.
MÚSICA ZORBA
NARRAÇÃO:
Na família da Toula, quer dizer, da Andrea, os irmãos faziam tudo juntos. Não é que a Andrea gostasse de tocar as campainhas das casas e sair correndo, ou entrar num hospital lotado para beber água somente para ver pessoas estropiadas. Mas ela era a menor dos três e tinha que ir onde eles fossem, o que lhe rendeu muitos joelhos ralados. E ir para a escola com os irmãos era sempre uma aventura.
TOCANDO GADO + VOZ DA ANDREA:
Quando passava a boiada, a gente escutava o sininho, né... dindindin, dindindin aí eu já sabia que estava vindo boiada. Eu morria de medo. Eu era uma das únicas meninas daquele grupo que ia para a escola né, Eu era a menor, inclusive, era a mais nova. Então, os meninos, a galera, eles gostavam que vinha boiada, porque eles gostavam de ver os bois passar e eu morria de medo. E aí quando eu escutava aquele tililim tililim do sininho do pescoço das vacas lá, eu já botava a mão na cabeça e falava, Ai, meu deus!
NARRAÇÃO:
A Andrea não sabe se de fato a boiada era tão grande como viam os seus olhos de menina. Fato é que quando ela ouvia o primeiro mugido, ela corria para se esconder nos quintais dos vizinhos. Ou subia nas torres de iluminação para esperar a boiada passar.
TOCANDO O GADO + VOZ ANDREA:
Quando eu não conseguia me esconder em lugar nenhum, era incrível, eu ficava em pé, congelada, parecia uma estátua, e esperava eles passarem por volta. Então aquele barulho da pegada deles, né, da passada deles por nós, né, e o sininho bem perto... O rabo deles fazia tchá tchá, né e batia na gente. E quando eles paravam perto de mim e queriam comer o matinho que estava debaixo do meu pé! O ruminar da vaca, do boi, né. Mas eu olhava assim e falei, mas porque o mato que está debaixo do meu pé?
NARRAÇÃO:
Aquela boiada que na cabeça da menina Andrea era gigantesca, era tocada por meninos homens que deviam ter doze, treze anos. Meninos que deveriam estar na escola, mas que por uma razão ou outra estavam na lida, como dizem.
VOZ ANDREA:
E a gente ficava doido né, porque na minha cabeça eu ficava pensando né, porque que eles não estão indo para a escola como a gente, né? Que liberdade é essa que eles tinham? A gente não tinha pena deles, na verdade a gente tinha inveja deles, né. Porque a gente estava indo para a escola e eles estavam conduzindo uma boiada. E assim eles, com o pé no chão né, descalços, com short, sem camisa ou com camiseta... Mas assim, eles tinham uma liberdade e um amadurecimento que era da nossa idade, mas pareciam que eram homens. É muito engraçado isso, né. Pareciam que eram mais velhos.
NARRAÇÃO:
Mas essa não era a única aventura dos irmãos Frangakis para seguir com os estudos.
MÚSICA SINGING IN THE RAIN + NARRAÇÃO:
Antes das águas de março fecharem o verão, o grupo de crianças de sete oito anos era visto a caminho da escola carregando mochilas, lancheiras e um item precioso para aquela estação do ano: imensos guarda chuvas pretos, quase da altura dos pequenos estudantes. Mas os barulhos dos grossos pingos que começavam a cair pelo caminho, e as poças que iam se formando, ao contrário de anunciar a dificuldade do trajeto, criavam uma oportunidade de diversão para aquelas crianças.
VOZ ANDREA:
Quando a chuva estava muito forte, juntava poça de água na avenida e a gente esperava. Quando a gente via que o carro estava vindo, a gente falava: Abaixa! A gente abaixava todo mundo e fazia uma cabana assim com o guarda-chuva, para a chuva a água passar por cima da gente, sabe?
NARRAÇÃO:
Depois, quase que de forma coreografada, todos juntos, e sequinhos, levantavam os guarda-chuvas, faziam uma fila indiana, e seguiam o caminho para a escola. Se a água das poças respingava no vestido de alguma moça desavisada que estivesse atrás das crianças, nunca saberemos. Mas o fato é que aquela cena levava o sol ao coração até do mais mal-humorado dos transeuntes. COLOCAR SINGING INTHE RAIN SO NESSE PEDACINHO???
NARRAÇÃO:
Quem já não viu memes de crianças amontoadas em carrocerias de caminhão ou sentadas no colo do pai que dirigia seu fusca azul sem cinto de segurança? Dizem por aí que se mães e pais de algumas décadas atrás tivessem alguma noção de direção defensiva, teriam sido mais cautelosos com seus rebentos. Ou, por outra, no caso da Andrea e seus irmãos, cuidariam melhor da segurança do motorista, tamanha a bagunça que faziam nos coletivos. Fato é que depois de enfrentarem boiadas tocadas por garotos da mesma idade que eles, e a chuva ao caminharem até a escola, o pai da Andrea resolveu contratar uma perua para que as crianças tivessem um pouco mais de conforto. Porque segurança...aí já são outros quinhentos.
VOZ ANDREA:
Essa perua escolar, o motorista era muito engraçado, eu não lembro o nome dele. Mas ele era jovem, assim. Era um homem, mas era jovem...
NARRAÇÃO:
Jovem o bastante para aproveitar a vida como se não houvesse amanhã.
MÚSICA + NARRAÇÃO:
E quando começava a tocar o sucesso mais do que dançante Born to be Alive, cantado por Patrick Hernandez, ele nem lembrava que estava transportando crianças em sua perua. Aumentava o volume do rádio, segurava firme no volante e balançava o corpo no ritmo da música. Naquele momento ele tinha certeza absoluta de que tinha nascido para a felicidade!
VOZ ANDREA:
De repente, no auge da música ele soltava as mãos do volante da perua, tirava a camisa com toda uma performance e girava a camisa para fora da perua. E dirigia com uma mão só. E ele cantando e dirigindo com uma mão só.
NARRAÇÃO:
Algumas crianças enjoavam e, não raro certos acidentes aconteciam dentro da perua. Mas, acabada a música, o nosso alegre motorista voltava a vestir a camisa recolocava as duas mãos no volante e seguia viagem.
VOZ ANDREA:
Era essa a nossa aventura, depois de ir andando, indo de perua. Eu não sei o que era mais perigoso.
NARRAÇÃO:
Perigosa mesmo, era a vida na casa da tia Cristina Frangakis. Não tinha mandinga nem olho grego que afastasse dela o maior de todos os terrores.
o pavor do amolador de facas.
NARRAÇÃO:
É que ela acreditava piamente que quando ele passava na frente da casa de alguém, essa pessoa morria. E como ela cuidava da mãe, a avó da Andrea, a dona Helena, que àquela altura já estava velhinha e adoentada, ela morria de medo que a mulher se tornasse a próxima vítima do pobre amolador. Para desespero da dona Cristina, ela morava algumas casas antes do fim da rua, o que significava que o amolador deveria passar duas vezes na frente da sua casa, uma na ida e outra na volta. Era uma tortura! Ela bem que tentava se controlar. Mas quando ouvia, lá no fundo...
NARRAÇÃO:
Ela nem esperava o segundo toque. Corria até o portão, ia para o meio da rua e, com as mãos na cintura, começava a gritar: Aqui ninguém quer amolar facaaaaa! Era uma guerra de nervos.
NARRAÇÃO:
Quanto mais o amolador avançava, mais aterrorizada ela ficava e mais alto ela gritava. Aqui ninguém quer amolar facaaaaa! Não precisa!
NARRAÇÃO:
Até que o pobre homem desistia, dava meia volta e ia embora. Com o tempo, as vizinhas que precisavam dar um trato em suas facas e tesouras, começaram a marcar hora com o amolador. E sob estrita vigilância da tia Cristina, saíam de suas casas e caminhavam até a esquina onde esperavam pacientemente, a chegada do tal assassino. E, pelo menos por mais um tempo, a vida de dona Helena estaria a salvo.
NARRAÇÃO:
Apesar das dificuldades, a Andrea teve uma infância muito gostosa. E ainda pequena, já sabia que queria ser professora. Demorou um pouco para ela conquistar seu objetivo e se tornar uma tardia professora de educação física, única matéria que ela detestava na escola. É que por ser muito tímida, ela nunca se destacava e ficava sempre na reserva da reserva dos times.
NARRAÇÃO:
Até que um dia, já aos quase trinta anos, e ainda bancária, ela decidiu se colocar à prova. E foi treinar capoeira.
VOZ ANDREA:
E aí eu adorava o som do atabaque, a musicalidade da capoeira. Adorava o som do berimbau, o som do pandeiro, do caxixi xixixixi né, do caxixi, eu gostava desse som. Então eu comecei a fazer capoeira já mais velha, também, com muita resistência porque eu tinha vergonha, mas eu fui, encontrei um mestre maravilhoso que me fez acreditar em mim. É o mestre Mané. Ele é do grupo Dente de Ouro, fica na Mooca.
NARRAÇÃO:
O experiente mestre Mané sabia muito bem da sua responsabilidade na formação de um capoeirista e incentivou como pode a jovem Teka, apelido de Andrea na capoeira, a enfrentar suas dificuldades. Mas talvez, o que ele não saiba, é que ele foi muito mais importante para ela do que ele pode imaginar. Foi por causa dele que ela decidiu estudar educação física.
VOZ ANDREA:
Ele batia a mão assim no peito né e fazia Salve!, e a gente fazia com ele junto Salve! Era bem forte. E eu fazia aquele salve com uma força tão grande, sabe? Para mim aquele Salve! Era uma expressão de liberdade mesmo, sabe? De mudança. Era a minha mudança ali. Então era um Salve! Sabe, aquela coisa do Andréeeeee, o meu era um Salve! Era tipo, me salve! Eu estava ali me libertando de todas as dificuldades que eu tinha de me expressar.
NARRAÇÃO:
A radiola da Andrea tem tantas memórias, que daria muito mais do que um único programa. Mas, por ora deixamos vocês por aqui com um gostinho de quero mais e a pergunta: o que toca na radiola da sua memória? Nos vemos em breve, ou melhor, Ta leme, como se dizia na casa da família Frangakis!
NARRAÇÃO
Radiola da Memória. Um programa produzido por Janaina Sant’Ana e Núcleo Café com Biscoitos. Edição de Silvio Puertas. Esse episódio contou com a participação de Mestre Gia Oliveira. As músicas utilizadas neste episódio foram Iliolousti (iliólustí) Kapellas & Perris - Sirtaki & Bouzouki (sirtáki e buzúki), Zorba, do disco La Grèce du Zorba, Singing in the rain, de Arthur Fried e Nacio Herb Brown, Born to be alive, de Patrick Hernandez, e Rattatouille´s Kitchen de Carmen Maria e Edu Espinal e Joy the world, DJ Williams. Além de nossas referências musicais, também contamos com um trechinho da música Love Shak Samba, do músico Jeris
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