P/1 – Luiz, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Eu primeiro gostaria de agradecer de o senhor ter aceitado o nosso convite, vindo aqui para essa entrevista, e começar pedindo para o senhor falar para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Luiz Carlos Amando de Barros, nasci em Botucatu, em 11 de abril de 1950.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais, Luiz?
R – Meu pai é Armando de Barros Sobrinho e minha mãe Eondina Amando de Barros.
P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós?
R – Conheci. Conheci a mãe do meu pai e a mãe da minha mãe.
P/1 – Qual era o nome delas?
R – O nome da minha avó materna, mãe da minha mãe, era Maria Olinda de Carvalho e da minha avó paterna, Ana Monteiro de Barros.
P/1 – Você sabe a origem da sua família? Sua ascendência?
R – Eu creio que há um misto de português e índio, uma coisa bem brasileira que já está aqui no meu país há mais de século.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais lá em Botucatu?
R – Meu pai foi um advogado em Botucatu durante 60 anos, de 1936 a 1994 e a minha mãe era chamada... Teve quatro filhos, é a chamada do lar.
P/1 – Certo. Então você tem três irmãos. Onde você está nessa escadinha?
R – Veja bem, na verdade eu tenho dois, o meu irmão mais velho, Luiz Antônio, foi uma das vítimas daquele primeiro acidente da TAM, em 31 de outubro de 96, e ele era um executivo da IBM. Então, nós somos hoje três irmãos apenas. E é isso, mas eu moro em São Paulo há muitos anos.
P/1 – Conta para a gente um pouquinho como era a sua casa lá em Botucatu, a sua infância, o que você se lembra de lá.
R – É, veja bem, eu cresci em Botucatu nos anos 50 e 60, que era uma cidade que tinha algo como 60, 70, 60 mil habitantes. E hoje tem mais de 130 mil, né? Era uma cidade dos anos 50, uma cidade pacata, uma industrialização baixa e poucos veículos. O ensino... Já era uma cidade conhecida pela qualidade do ensino que atraía muitos moradores da região, e era basicamente isso: uma cidade tranquila que depois, a partir dos anos 80, teve um crescimento mais acelerado com a vinda do campus da Unesp. Na verdade, o campus da Unesp chegou no final dos anos 60, e a chegada da universidade lá impulsionou todo o desenvolvimento da cidade.
P/1 – E como era a sua casa? O que você se lembra dela?
R – Olha, a minha casa... Aliás, a minha mãe tem hoje 93 anos, né? Ela é nascida em 1918 e ela mora na mesma casa. É uma casa muito grande, é uma casa antiga, projetada pelo arquiteto Leandro Dupret, uma casa feita no estilo modernista, entendeu? É uma casa antiga, mas com projeto, com estilo, e ela fica lá na Rua Quintino Bocaiúva, no centro de Botucatu. Hoje, rodeada de edifícios, mas ela é a mesma casa. E era uma infância do tipo como era uma infância dos anos 50 e 60, de jogar bola na rua, muito contato com a vizinhança. A televisão demorou para chegar, quer dizer, a televisão chegou no final dos anos 50, mas demorou para realmente contaminar toda a comunidade, entendeu? Então era basicamente isso, uma vida bem diferente da de hoje.
P/1 – Do que você gostava de brincar? Era com seus irmãos?
R – A gente tinha muitos amigos, né? E a gente andava de bicicleta pela cidade, a cidade tinha muito menos veículos do que hoje, muito menos carros. E toda essa brincadeira, futebol na rua com bola de meia, bolinha de gude e todo esse tipo de coisa, onde não existia ainda brinquedos eletrônicos. Era uma coisa muito mais rudimentar, digamos,menos sofisticada que as brincadeiras de hoje.
P/1 – E vocês estavam então, no centro de Botucatu. O que você se lembra do comércio de lá da sua infância? Se tinha algum lugar que você gostava de ir porque achava atraente...
R – É, tem uma coisa curiosa que eu me lembrei agora. A minha família tinha uma casa em Botucatu, uma casa comercial da qual meu pai nunca foi sócio, mas meus tios eram os donos da loja. E era uma loja no estilo antigo, chamava Casa Armando, que é justamente o nome da família. E essa loja era uma loja... Que aliás, o imóvel até hoje pertence aos meus primos e tal, e a loja era uma loja localizada num ponto central e que vendia ferragens e também vendia o chamado secos e molhados a granel. Então eu tenho lembrança, por exemplo... Nós éramos, nós fomos basicamente criados juntos, tinha essa coisa de família grande e que os primos eram irmãos, né? Praticamente, até hoje nós somos muito próximos. Eu visitava essa casa comercial e tinha aquela coisa, tinha bolacha, tinham aquelas latas enormes de bolacha, e tinha um lugar que chamava depósito de cereais. Aquele cheiro de cebola, aquela coisa. E vendia ferragem junto, cimento, era um comércio que foi superado, que foi... E curiosamente, nesse imóvel onde funcionava a Casa Armando, hoje funciona um Extra, do grupo do Abílio Diniz. Quer dizer, essa casa continua sendo, porque essa rua é uma rua de forte comércio, entendeu? Esse ponto ainda continua sendo comercial.
P/1 – Você já falou da educação em Botucatu, mas o que você se lembra da escola? Qual é a sua primeira lembrança de lá?
R – Bom, como eu te falei, Fernanda, nós vivemos num momento quando o ensino público era uma coisa bastante diferenciada, né? Era um ensino público de qualidade, então eu fiz o ensino primário num grupo escolar perto de casa, Rafael de Moura Campos. Aí teve até uma curiosidade, no terceiro ano o meu pai queria que eu fosse ter aula com a professora que dava aula no outro grupo, dona Jejusbina, e eu mudei para outro grupo público. No quarto ano eu voltei para o Rafael de Moura Campos e fiz todos... Na época era o ginásio, numa escola que agora completou 100 anos inclusive, esse ano. Instituto de Educação Cardoso de Almeida, onde eu fiz o ginásio e clássico até vir para São Paulo para prestar o vestibular. Mas era um ensino de qualidade, um ensino público de muito respeito.
P/1 – E como era ir para a escola? Vocês iam todos os irmãos juntos? Qual a matéria que você mais gostava?
R – Olha, veja bem, o ir para a escola era tudo mais ou menos próximo, mais ou menos perto, você ia a pé e no caminho você ia agregando os amigos que moravam em outros pontos da cidade. E tinha uma coisa que, antes de bater o sinal, que era a hora que batia o sinal, ficava um grande grupo num determinado local ali no corredor da escola, e era um momento de grande congregação entre as pessoas, né? E tinha outra curiosidade: tinha o uniforme que prevaleceu durante anos lá no Instituto de Educação, que era uma farda meio... Parecia uma farda militar, aquela cor cáqui, e em cada série que você estava do ginásio, você ganhava uma estrelinha, entendeu? Parece que a estrelinha era aqui no ombro, uma coisa assim, meio... E uma botina preta, de pneu, de sola de pneu. E as pessoas podiam realmente ser reprovadas, era uma coisa, um ensino pesado, severo.
P/1 – E tinha uma matéria que você gostava mais?
R – Bom, eu sempre fui mais vocacionado para Humanas, né? Para Português, para Gramática, Literatura. Em 1963, chegou em Botucatu um professor... Que está até hoje, que está aposentado, mora no Ipiranga...Que causou uma verdadeira revolução em Botucatu, chama José João Cury. E ele chegou com propostas de um ensino inovador e com muita literatura, Fernando Pessoa, Drummond de Andrade; ele fez uma revolução no ensino em Botucatu, isso entre 63 e 67. Virou um ícone, até hoje ele é um mito no ensino de Botucatu, entendeu? José João Cury é o nome dele, está vivo.
P/1 – E quando vocês iam para a escola, você se lembra do começo do ano, de ir comprar o material, se você iam juntos, como era esse início de ano?
R – Bom, veja bem Fernanda, o comércio era muito menos sofisticado do que é hoje, né? Eu não tenho uma lembrança clara disso, quer dizer, perto de casa tinha uma loja de material escolar, e uma das lembranças que eu tenho era de que a gente ainda usava uma coisa que vocês não conheceram (risos), porque vocês são muito jovens. Caneta de pena! Você tinha aquele tinteiro que ia molhando, então a gente chegou a usar isso. E aí tem outra curiosidade: antes da chegada da Bic tinha uma outra caneta esferográfica que eu me lembro do cheiro dela, enfim, e que era muito mais rudimentar que a Bic. Quando estourava a ponta da caneta era um horror, porque saía aquela tinta super forte e tal. E era isso, no começo do ano aquela compra de material, mas eu não me lembro de uma coisa tão institucionalizada como é hoje, aquilo que os franceses dizem reentré, a volta à escola, entendeu? E era uma coisa que a mãe já deixava meio no jeito, né?
P/1 – Como era o seu cotidiano nessa juventude, nesse começo de juventude. O que vocês faziam para se divertir por lá em Botucatu?
R – Bom, como eu te falei, nessa passagem da infância para a adolescência, você tem uma série de momentos... Assim, tem uma temporada de bicicleta, que foi descobrir a cidade de bicicleta, e depois mais tarde começaram os agitos noturnos, né? Quer dizer, os bares. Tinha a chamada brincadeira dançante e tinha... Então era uma coisa de começar, aquela coisa da paquera, o primeiro contato com bebida, sabe? Sair para a rua, encontrar os amigos, começar a madrugada, essa foi uma iniciação forte lá também até eu vir para São Paulo. Mas isso já numa fase mais... Depois dos 16 anos, uma fase mais, um pouco mais madura, né?
P/1 – E como era essa brincadeira dançante?
R – Bom, sempre tinha um conjunto tocando música ao vivo, e tirar as meninas para dançar, correr o risco de levar uma tábua. Tinham as meninas que não eram tiradas para dançar, entendeu? Aquela coisa da paquera. E teve outra coisa ainda que é curiosa também, que é a questão do item serenata. Não foi uma coisa fortíssima, mas houve momentos em que você ia fazer. Tinha um grupo que fazia serenata para acordar as meninas de noite e aí tinha outro hábito curioso também... Isso quando a balada começou; depois da balada, depois da noite, tinha uma padaria em Botucatu que abria quatro e meia da manhã, cinco horas, então um dos chames era ir comprar pão cinco horas da manhã, que o dia ia amanhecer, aquelas coisas, bem diferentes de hoje.
P/1 – E como foi a decisão do prosseguimento dos estudos, de vir para São Paulo? Qual era o seu contato com a cidade?
R – Olha, como meu pai era advogado, meio que prestar o vestibular de Direito era uma coisa que estava no script, né? Então eu fiz um curso preparatório para o vestibular de Direito ali na Ladeira da Memória, um curso que existia na época chamado(Otolozi?) e entrei no vestibular, entrei na USP, na Faculdade São Francisco em 1969, entendeu? Depois, eu comecei a perceber que não era muito o que eu queria fazer na vida, a carreira jurídica. Em 1970, acho que no final de 69, começo de 70, eu prestei vestibular para a ECA e entrei no período da tarde. Então durante uma temporada eu fazia a São Francisco de manhã e a ECA à tarde. Depois eu fui remanejando para fazer Direito à noite, passei a trabalhar no Jornal da Tarde e as coisas foram mudando.
P/1 – Antes da gente falar então desse período de faculdade, dos primeiros trabalhos, eu queria que você falasse para a gente como foi chegar em São Paulo, como foi esse primeiro contato com a cidade, onde você foi morar...
R – Bom, veja bem Fernanda, eu tinha dois irmãos morando em São Paulo, né? Fui morar no Edifício Copan, morei no Edifício Copan entre 68 e 74. Tinha uma coisa que talvez hoje exista menos, mas é o seguinte: você vinha para São Paulo fazer o cursinho, como eu te falei, o (Otolozi?) e fazia o terceiro ano colegial num colégio mais tranquilo, digamos assim. E foi o que eu fiz, eu me matriculei num colégio perto da Avenida Ipiranga e fazia o cursinho, esse era mais ou menos o modelo que tinha na época. Você fazia o terceiro colegial que te exigisse menos e se aplicava bastante no cursinho. E foi tudo. Imagina sair de Botucatu e chegar em São Paulo no Edifício Copan, né? A cidade era menos perigosa, era uma cidade menos violenta, entendeu? E no Copan morei esses seis anos, o tempo de faculdade todo.
P/1 – E como era a vida no Copan, no centro da cidade?
R – Como eu te falei, eu estudava na São Francisco e eu ia a pé para a faculdade. Depois, quando eu entrei na ECA eu ganhei um fusquinha, aquele modelo, né? Mas era muito gostoso, em função de estar ali no Largo São Francisco você aproveitava muito o centro da cidade, era uma convivência bastante forte com o comércio, sebo, eu sempre frequentei muito sebo. E depois é que eu acabei indo mais para a Cidade Universitária, né? E daí, quando eu fui trabalhar no Jornal da Tarde, também era no centro da cidade, o Jornal da Tarde na época funcionava ali na Major Quedinho, onde foi depois o Diário Popular, onde tem aquele painel do Di Cavalcanti célebre, em frente a Biblioteca Mário de Andrade.
P/1 – Conta para a gente como foi esse período de faculdade. Como você conseguiu fazer as duas?
R – Eu tinha toda disposição do mundo, né? No auge aí dos 20 anos. Eu consegui administrar, e depois como jornalista eu trabalhei um período na Revista Bondinho, não sei se vocês já ouviram falar nessa revista. Era uma revista editada pelo Pão de Açúcar, por isso o nome Bondinho, e na ocasião trabalhavam lá algumas pessoas que se tornaram nomes importantes no jornalismo mais tarde, como é o caso do Fernando Morais, o autor de A Ilha, Olga e tantos outros livros. Lá eu conheci outro que era muito próximo do Fernando Morais que era o Marcos Faerman, Roberto Freire, um monte de jornalistas. O célebre Hamilton Almeida, Narciso Kalili. Então eu conciliava, respondendo a sua pergunta, eu fazia o impossível aí pra conseguir administrar o trabalho no jornal e as faculdades e tudo isso.
P/1 – E o trabalho na Bondinho foi o seu primeiro trabalho? Quais eram as suas atividades? Como é que foi?
R – Tem uma coisa que é interessante, porque quando eu entrei na Bondinho, esse jornalista Marcos Faerman... Se você pesquisar, ele é um gaúcho, foi um jornalista bastante importante no Jornal da Tarde. E a primeira pauta eu recebi dele, que era uma pauta... Foi a primeira vez que eu ouvi falar a palavra dial, do rádio, né? E era uma matéria sobre o que as emissoras de rádio... Quais programasas emissoras tinham, entendeu? Para mim foi um deslumbramento. Outra pessoa que frequentava o Bondinho, que não saía de lá, era o Carlito Maia, o célebre Carlito Maia, publicitário, que depois foi fazer parte do PT. Então, para mim foi um momento em que eu percebi que estavam ali algumas estrelas do jornalismo, né? Tinha outro colega nosso, que teve uma morte precoce chamado Cícero Bottino, que era um grande repórter, que depois foi para o Jornal da Tarde também. Então foi um momento que até hoje eu conservo tudo o que eu vivi lá. Embora fosse uma revista patrocinada por uma empresa de porte, ali se fazia um jornalismo alternativo, um jornalismo de questionamento. Eram pessoas de vanguarda, pessoas... Entendeu?
P/1 – E como é que foi sair das teorias, das discussões da faculdade para ir para a prática? Ir para a rua, cumprir a pauta...
R – Foi aí a primeira experiência mesmo como... Fui auxiliar de alguns colegas, mesmo depois no Jornal da Tarde eu fiz algumas amizades que foram valiosas para desenvolver o meu trabalho, entendeu? Então foi uma coisa mais ou menos natural, que foi saindo e quando eu vi, já estava trabalhando, fazendo todas as coisas.
P/1 – E a mudança, como é que foi o prosseguimento, a trajetória da sua carreira? Quando você saiu de lá, do Bondinho, foi para o Jornal da Tarde...
R – Aí aconteceu uma coisa... Em 1974 eu fui embora do Brasil e fiquei dois anos morando na Inglaterra, quase dois anos, fiquei em 74, 75. Eu trabalhei como jornalista no serviço brasileiro da BBC, como outsider, não como um contratado, mas como freelancer, e depois eu voltei para o Brasil, em 76, e daí continuei na atividade de jornalista. Mas começou a acontecer aquela coisa, com relação às artes visuais, que eu comecei a comprar obras de arte, comecei a ter obras de arte, enfim... E aí, digamos assim, uma pequena vocação de colecionador surgiu, apareceu.
P/1 – E como é que foi esse período na Inglaterra? Onde você morou?
R – Eu fiz um script mais ou menos conhecido na Inglaterra. Eu fui, trabalhei como garçom numa... Aliás, coincidentemente eu tive oportunidade de voltar lá esse ano e continuar. Eu morava numa rua... Eu fiquei em um bairro chamado Earl’sCourte morei numa rua chamada PhilbeachGardens, e essa rua era muito próxima de uma espécie de Anhembi de lá, um local de exposição que chama Earl’sCourtExhibition Hall. E tinham essas exibições temporárias, essas feiras, e lá eu trabalhei como garçom, antes de começar o trabalho na BBC, logo quando eu cheguei. E tem outra curiosidade porque justamente esse Earl’sCourtExhibition Hall foi o palco onde, em 1974 ou 75, o conjunto Led Zeppelin se apresentou numa temporada, cinco, seis noites, entendeu? E eu tive a oportunidade, eu tinha começado a fotografar, inclusive eu tenho fotos da época. E eu tive a oportunidade de assistir o Led Zeppelin no auge e algumas vezes, como a gente tinha um livre acesso ao Exhibition Hall foi bastante fácil para a gente. Eu comprei o ingresso uma época, depois que você trabalhava lá dentro, era muito... E foi uma coisa marcante. Depois eu continuei nessa série de shows lá, tive a oportunidade também, em julho de 75, de assistir o Pink Floyd apresentando o Dark Side of the Moon em um parque chamado Knebworth Park, que fica a uns 60 quilômetros de Londres e foi uma temporada bastante interessante lá, foi uma temporada... Mas depois eu voltei (risos).
P/1 – Conta para a gente um pouquinho da experiência de ser garçom, de servir, porque aqui a gente tá acostumado com outra realidade, de repente vai para Londres...
R – É uma coisa curiosa porque tinham outros brasileiros fazendo o mesmo trabalho, né? Tinham outros brasileiros então, quer dizer, você meio que já aprendia como era a coisa e tal. Mas tinha uma enorme dificuldade da língua, né? Porque, por mais que você ache que fala inglês, quando você vai atender uma mesa onde têm ingleses falando, é uma coisa... Entendeu? Então sempre tinha alguma coisa. Mas acabava sendo sempre resolvido, tinham os amigos que já estavam mais tempo e acabou sendo uma coisa muito divertida. Eu tenho fotos com o uniforme de garçom, entendeu? E foi uma coisa que ficou no passado, mas que eu lembro... E Londres é uma mágica, é uma cidade que você... Enfim...
P/1 – E você se lembra de alguma história engraçada que ocorreu nesse período, de você sendo garçom? Que ficou marcada?
R – Olha, não... Veja bem, as coisas mais engraçadas eram assim, um problema de entendimento da língua mesmo, às vezes você eventualmente trazia um pedido que não era exatamente o que a pessoa tinha pedido, então você... Mas não chegou assim a ter uma coisa que fosse... Que tivesse ficado para a história, entendeu?
P/1 – E aí então na volta de Londres já continuou o seu trabalho como jornalista.
R – É.
P/1 – E começou esse viés de colecionador.
R – É.
P/1 – Quais foram as primeiras peças que você adquiriu, você se lembra?
R – A gente, quer dizer, até hoje o nosso trabalho é muito voltado... Embora a gente tenha trabalhos originais e tal, o nosso trabalho é muito voltado para papel, trabalhos sobre papel de artistas brasileiros e muitos trabalhos de gravura, né? Até por uma questão de ser mais acessível num primeiro momento e tal. E daí eu comecei a frequentar leilões, que eu frequento até hoje, e comecei a comprar obras de arte e tal. Em função disso, eu acabei tendo um acervo que, digamos, começou a extrapolar os limites da casa, e como a minha esposa também passou a gostar muito desse tipo de atividade e crescemos juntos desenvolvendo esse trabalho, ela acabou também assumindo, e daí teve uma hora em que a coisa cresceu e: “Olha, tem muita coisa, precisamos passar para frente”, quer dizer, dar uma movimentada nisso. E aí surgiu essa oportunidade do comércio, que como eu te falei hoje, quem está na dianteira disso é minha esposa, minha mulher.
P/1 – Qual é a sua relação com a arte? Como você escolhe as peças?
R – Você vai conhecendo, você vai ficando estimulado, com bastante leitura e é uma coisa meio... O colecionismo é uma... (risos)... uma coisa meio aí na linha freudiana, é uma questão de você ficar com ela, coisa de colecionar figurinhas na infância, depois coleciona corujas, não sei o que, e quando vê está colecionando, entendeu? Não tem uma explicação assim, tão racional, mas é uma coisa muito forte.
P/1 – Como se deu a ideia de fato de começar o espaço? Como ele foi escolhido?
R – Eu tenho... Como eu comecei a me interessar muito pelo mercado de arte, eu fui fazendo algumas amizades. E eu tive um amigo nos anos 80, chamado Elias Bernardo, que foi decisivo, acabou se tornando um grande amigo que é até hoje. E numa determinada época ele me perguntou se eu não queria abrir alguma coisa junto com ele e coincidiu com esse momento de estar justamente achando que já tinha coisa demais. Aí a gente abriu na Rua Arthur Azevedo, nos anos 80, entendeu? E na verdade era ele também quem estava mais a frente da coisa, porque eu tinha outra ocupação profissional e a coisa crescendo. Não cresceu demais (risos), é uma coisa modesta.
P/1 – E como é que foi o dia de abrir esse espaço, montar, escolher as obras que foram pra lá?
R – É, porque aí você começa a ter um contato com o público e sabe aquilo que as pessoas gostam, e a gente acabou pensando em oferecer para as pessoas alguma coisa de qualidade mesmo, tomando muito cuidado com a autenticidade de tudo que você trabalha. O mercado de arte é um mercado perigoso, né? Você tem problemas de autenticidade, entendeu? E aí a coisa cresceu e juntamente com as gravuras, tem o trabalho de molduraria que é importante, que você oferece um serviço e também, digamos, é uma coisa que mantém o dia a dia do negócio. E foi por esse caminho.
P/1 – Esse trabalho de molduraria sempre teve desde o início?
R – Sempre teve desde o início. Sempre teve. E como eu te falei, hoje eu estou bastante afastado desse dia a dia, mas a minha mulher é uma pessoa que tem... Gosta muito do que faz e atende muito bem a clientela, e você tem um público vasto aqui na Vila Madalena, que prefere esse tipo de serviço, um trabalho artesanal. Nós temos ainda uma molduraria bastante artesanal, não tenho recurso tecnológico avançado.
P/1 – E como são feitas essas molduras? De que material? Quem é que faz?
R – Você trabalha basicamente com madeira, né? E você compra as varas de madeira, a maioria tudo em pinho e processa, lixa, pinta, monta, coloca vidro, duratex e entrega para as pessoas. Basicamente é isso.
P/1 – Como é que foi escolhido o nome do espaço?
R – Olha, o nome do espaço fui eu que escolhi e depois, até hoje tenho algumas dúvidas, mas ele pegou, acabou se consolidando, entendeu? Porque nem toda arte é bela necessariamente, um conceito um pouco talvez anacrônico. Mas a gente resolveu não mudar e conseguiu continuar com ele. E hoje nós estamos aqui na Vila Madalena.
P/1 – Você falou de participações nos leilões. Você podia contar para a gente como eles funcionam, como é que é essa participação, se você já vai com objetivo definido.
R – O leilão, Fernanda, é uma coisa bastante delicada. Você tem grandes oportunidades em leilão, mas você também corre riscos importantes, né? Porque como tudo é um mercado onde existe uma malícia, se uma pessoa, digamos sem conhecimento for a um leilão ela pode... Eu mesmo já tive momentos em que eu não me saí bem porque... Existe todo um... Você precisa conhecer o leiloeiro, conhecer as peças, tem a questão de preço base. Tem também a ilusão, às vezes pode ter uma pessoa na plateia puxando, então tem toda uma... É um jogo, tem todo um esquema que você precisa conhecer para se sair bem, entendeu? Você pode não se dar necessariamente bem, porque é um jogo onde tem malícias, tem jogadas, subtextos, mas é uma oportunidade para quem conhece, para quem gosta. É uma oportunidade para fazer aquisições boas. Você precisa conhecer o leiloeiro também, você também tem o problema de procedência de obra. Você tem que tomar muito cuidado com procedência de obra, com autenticidade, com... Não cair em receptação, enfim, você tem uma série de cautelas que tem que tomar. Não é chegar em um leilão, dar um lance e achar que está fazendo um grande negócio. Você tem que examinar a peça antes do leilão, saber o estado em que ela se encontra. Depois, com o advento da internet, você teve uma mudança importante nos leilões, né? Porque hoje você já conhece o leilão 30 dias antes dele acontecer, entendeu? E a internet tem uma coisa, a internet te traz uma fotografia do trabalho que pode parecer uma obra de melhor qualidade e na hora em que você vai pegar o material, ela está manchada, está semi-rasgada, ela tem... entendeu?
P/1 – Você falou que abriu a loja na Arthur de Azevedo. Como é que foi a mudança?Porque hoje ela está em outro ponto? O que se levou, por que mudou?
R – Em 1988 a gente teve a oportunidade de ficar com um imóvel aqui na Vila Madalena, então não tinha mais sentido continuar em outro lugar, entendeu? E depois, a Vila Madalena já estava consolidada como um ponto de interesse para a arte, então a gente achou que era um momento de fazer a mudança e foi o que aconteceu. A gente continua na Vila Madalena sem planos para sair.
P/1 – Você se lembra como foi esse momento de embalar as peças, quais são os cuidados que você tiveram que tomar para a mudança de lugar? Se com a mudança de espaço, mudou a disposição das obras?
R – A gente passou a ter mais espaço aqui na Vila Madalena. E todo trabalho com obra de arte é muito delicado, Fernanda, porque você corre o risco de danificar, algumas coisas podem ficar para trás. É um trabalho que sempre você tem alguma perda, né? Mas depois de consolidado aqui foi tranquilo, e hoje ele está tranquilo nesse ponto.
P/1 – Você poderia descrever para a gente como é o lugar?
R – Bom, o local fica bem na esquina da Rua Purpurina com a Rua Girassol, a duas quadras do Fórum de Pinheiros, né? Nós temos como vizinhos uma academia de esportes, que é um pessoal bastante saudável da região e é basicamente isso. A gente não pega o agito noturno da Vila Madalena, porque é fechado cedo, mas é basicamente isso. E a gente acompanhou toda essa mudança, porque de 88 para cá, a Vila Madalena realmente passou por uma... Você sabe, uma verdadeira explosão aí de... Principalmente na parte noturna, bares, restaurantes. Em 88, a Vila Madalena não era tão badalada quanto é hoje e tão tumultuada, com tanto movimento.
P/1 – E como é que era então essa região quando vocês chegaram em 88?
R – Veja bem, não é tão distante assim 1988, não era uma coisa... Por exemplo, os moradores ali da região. Eu tenho contato com mecânico, barbeiros, pessoal muito antigo da Vila, e todos eles se referem ao famoso bonde que passava numa parte da Purpurina, entrava na Fidalga ou na Fradique, na Girassol e ia para o Centro da cidade... Longe disso, né? Mas a gente conheceu, a gente viu o aumento drástico da verticalização da Vila. Inúmeros edifícios que estão lá hoje que não estavam quando a gente chegou, isso a gente assistiu.
P/1 – O que isso mudou para a sua galeria? Isso teve algum impacto?
R – É evidente que tem um impacto positivo, entendeu? Se bem que nós temos um público mais ou menos uniforme, não é uma coisa como uma atividade noturna, mas é claro que isso influi no movimento, né? Com uma verticalização, qualquer ponto atrai mais pessoas.
P/1 – Eu queria que você contasse um pouquinho mais do seu primeiro momento de envolvimento com a loja. Como é o atendimento ao cliente? O que vocês oferecem em termos de diferencial?
R – Conforme eu te falei, Fernanda, eu estou bastante afastado hoje do dia a dia. Praticamente, como eu tenho outros compromissos, eu fico dias às vezes sem aparecer, sem poder ir, e quem toca é a minha esposa, né? Mas eu sei como é o atendimento. E basicamente, o atendimento é uma coisa assim, por exemplo: a pessoa chega com uma obra de arte, numa determinada cor, você consegue fazer aquele verde petróleo, verde garrafa, aquele azul-marinho que a pessoa... Então tem esse diferencial. Como é uma molduraria artesanal, você tem como fazer um atendimento, digamos, à la carte, uma coisa que não é tão padronizada. E acho que esse, basicamente, esse é o diferencial, entendeu?
P/1 – E como funciona a compra e venda das obras de arte? Quem são os funcionários que estão lá pra atender? Eles conhecem as peças?
R – Você tem as meninas que atendem na parte do atendimento direto com o público, que é um atendimento mais refinado, e você tem os moldureiros que trabalham na oficina, que aí é um trabalho, como eu te falei, mais de mexer com madeira, lixar, mexer com vidro. É um trabalho um pouco mais pesado, né?
P/1 – E as pessoas que atendem, entendem das obras?
R – Elas acabam... São pessoas que estão com a gente há muito tempo, né? E conforme eu te falei, como a minha mulher está direto no atendimento, ela meio que acabou formando as pessoas, então é uma coisa que ao longo do tempo... A gente tem uma funcionária que está lá há quase oito anos, entendeu? E acabou conhecendo tudo.
P/1 – Como é que funciona a compra e venda? Se, por exemplo, um cliente chega lá e diz que tem uma peça que ele gostaria de vender ou de...
R – Veja bem, o ponto lá trabalha basicamente com material comprado, consignação... Você se referiu à consignação, né? Consignação é sempre um problema porque é muito mais difícil de você administrar. Então é basicamente isso, você tem contato com gráficas, com impressores, pessoas que trabalham diretamente com os artistas e que imprimem as obras, e você compra desses fornecedores. Basicamente essa é a grande fonte de fornecimento.
P/1 – Qual é o produto que mais sai? Saem mais as peças ou as molduras?
R – Não, o dia a dia é garantido pelo movimento de molduraria mesmo.
P/1 – E quem vai lá para pedir molduras? São os artistas?
R – Não, são... Como a gente mencionou aqui, a Vila Madalena tem uma verticalização elevada, são moradores, muitas senhoras, geralmente são pessoas não institucionais, né? Clientes... Muitas senhoras, colecionadores, alguns artistas, entendeu? Mas é um público privado, particular mesmo, pessoas para os seus apartamentos, esse é o forte do público.
P/1 – Como é que funciona no espaço? Você exibem algumas dessas obras?
R – É, você tem um espaço significativo que é onde está tudo exposto, entendeu? E evidentemente tem coisa de qualidade, coisas de valor mais elevado que ficam no fundo e hoje tem muita coisa... Embora o início tenha sido com gravura, têm muitos desenhos, algumas pinturas, trabalhos originais de artistas conhecidos, de artistas... entendeu?
P/1 – Qual é a peça que você tem mais carinho?
R – É difícil dizer, Fernanda, tem muita coisa. Têm alguns desenhos, temos desenhos... Têm alguns originais do Aldemir Martins, têm desenhos do Siron Franco, têm gravuras raras de artistas, Marcelo Grassmann, de Lívio Abramo, Maria Bonomi, Renina Katz e alguns artistas novos também, que estão despontando agora, que a minha mulher tem comprado em contato direto com o artista, você entendeu?
P/1 – Quais são os cuidados que tem que ter para se manter a obra de arte, para a preservação?
R – É, isso é interessante, viu Fernanda? Como nós trabalhamos basicamente com papel; o papel é uma coisa que exige um restauro permanente, um cuidado permanente, entendeu? Você tem problema de fungo, você tem problema de umidade, você tem problema de um papel rasgar, quebrar um... É uma coisa bastante delicada, você tem perdas significativas se você não for muito cuidadoso, principalmente com a questão de restauro. Então, por exemplo, ela tem lá um restaurador, que trabalha permanentemente porque há uma demanda grande para restauro, entendeu? Você recebe obras, restaura e as entrega limpas, restauradas e têm pessoas especializadas que prestam esse serviço lá para ela.
P/1 – E ainda falando de cuidado, quando essas obras vêm pra restauro, como elas são devolvidas? Tem algum tipo de cuidado que tem que tomar com...
R – É, tem todo um cuidado. Os restauradores são pessoas bastante minuciosas. Vem num papel especial, papel neutro, papel fabrianoneutro e depois tem uma capinha plástica por cima. Quer dizer, você tem que ter uma série de cuidados, porque o trabalho, antes de ir para o restauro é fotografado para ver o estado em que entrou e depois, quando ele volta é fotografado novamente. Com a fotografia digital hoje, você tem uma série de facilidades, que houve um barateamento muito grande do registro, né? Então, a foto digital hoje é uma coisa que ajuda demais o negócio de arte, porque tudo pode ser registrado, todos os momentos da produção podem ser registrados e você arquiva aquilo, uma questão de garantia e de respeito ao cliente.
P/1 – O que a Artebela faz para atrair mais clientes? Vocês têm alguma estratégia, algum tipo de marketing?
R – Olha, como eu te falei quem está hoje cuidando disso é a Rosana, minha mulher, mas não existe uma política agressiva de... Existe uma manutenção, quer dizer, existe um contato muito grande com o cliente pela internet, a internet abriu também um horizonte grande mas não se pode dizer que tem um marketing agressivo.
P/1 – Falando de clientes, que você falou que são as pessoas do bairro que costumam ir, têm alguns artistas.... Mas na hora de escolher a obra você consegue identificar um perfil que compra mais obra de arte?
R – Olha, Fernanda, a obra de arte de qualidade, que seja uma coisa de valor, ela sempre tem, digamos, procura. É claro que o nome de um artista, como é o caso da Tomie Ohtake, que é um trabalho que a Rosana tem bastante lá... É lógico que isso tem a questão do nome, da grife do nome. Mas o que eu diria, é que o trabalho de qualidade, até mais que o preço, ele é decisivo na procura, entendeu? Para venda.
P/1 – E como é que se estabelece o preço das mercadorias?
R – Bom, é um preço de aquisição com todos os custos de manutenção do negócio e a margem necessária para você continuar tocando o negócio, então não tem muito... É mais ou menos esse esquema, não é uma margem muito dilatada, é uma margem que possibilita a você comprar novos trabalhos, continuar e fazer frente a todo custeio que você tem, que você sabe que é grande, né?
P/1 – Esse trabalho com arte, você já até comentou um pouquinho sobre os cuidados, sobre a questão da autenticidade. Mas como é que vocês lidam com esse problema de pirataria?
R – Esse é um assunto delicadíssimo, sabe Fernanda? É um assunto delicadíssimo porque existe... Pirataria não seria a palavra porque não é produto eletrônico, não é CD, DVD, Mas você tem um problema seríssimo que é o problema de autenticidade. E qualquer um, qualquer pessoa, ninguém está isento de cair num conto do vigário, né? Essa é a cautela maior que a Rosana tem, para justamente não ter risco algum. Inclusive, quando a pessoa adquire a obra ela recebe um certificado de autenticidade que tem a assinatura do negócio e evidentemente com todas as implicações jurídicas disso, entendeu? Então, eu diria, nós somos meio, quer dizer, o negócio é obsessivo com relação a essa história da autenticidade, porque se você bobear você pode estar passando para frente uma assinatura que não é verdadeira e ludibriando as pessoas. Além de todas as implicações jurídicas, civis e penais de uma ação dessas, né?
P/1 – E como você acha que a sua formação como advogado e como jornalista afinou o seu olhar para as obras de arte? E como isso ajudou a formação dessa galeria, a Artebela?
R – Veja bem, eu vou te falar rapidamente porque é uma história longa. Eu tenho um problema sério de vista, né? Eu já fiz vários transplantes de córnea, bom, enfim. E essa coisa de... A vida inteira eu lutei com o problema de como enxergar, inclusive na escola eu tive... Mas graças à oftalmologia de hoje... Bom, isso aí me apurou uma coisa do olhar, entendeu? Das artes visuais... E foi isso que me motivou. E com a facilidade de relacionamento como a gente conhece... Isso aí soma na sinergia, no contato com o público.
P/1 – Falando também ainda de arte, do seu espaço e tal, quem são os seus fornecedores? Você falou que vocês têm contato com as gráficas que imprimem o trabalho dos artistas, como que é esse contato, essa relação?
R – Veja bem, Fernanda, em São Paulo existem algumas dezenas de... Existem vários impressores, e cada um desses impressores tem uma característica de ter um contato com determinado artista. Tem o impressor do Aldemir, têm umas gráficas maiores, que nos anos 70 e 80 se tornaram célebres por imprimir artistas de peso como Renina Katz, Burle Marx, Maria Bonomi, Grassmann. Então, cada impressor é fornecedor de um determinado tipo. Cláudio Tozzi... E cada fornecedor é especializado num segmento de artistas e essa gama é que forma o conjunto, entendeu?
P1 – E como é o contato com eles, a relação? Como é que você busca essa facilidade?
R – É uma relação comercial, e havendo um interesse... Por exemplo, tem um impressor importante da Tomie Ohtake com quem a Rosana tem um contato muito estreito, entendeu? E você tem várias técnicas, porque essa gráfica grande a qual eu me referi, que fez muito sucesso nos anos 70 e 80, é especializada em gravura de pedra, litogravura, inclusive eles têm um acervo de pedras fenomenal, né? Depois então tem um segmento de artistas, como é o caso, por exemplo, o Burle Marx tem muito, a Regina Katz, a própria Maria Bonomi que fez muita gravura sobre pedra, a litogravura. Depois têm outros artistas como Marcelo Grassmann, que são especializados em gravuras sobre o metal, a própria Tomie Ohtake. Então, conforme o artista você tem um tipo de técnica desenvolvida e também o fornecedor.
P/1 – E vocês costumam fazer no espaço da Artebela vernissage ou então algumas exposições temáticas?
R – Não, essa é uma pergunta interessante, Fernanda, porque a gente gostaria. Mas, devido às dificuldades operacionais... E, praticamente, essas exposições foram feitas no passado, mas atualmente não se tem tido tempo e capacidade de gerenciamento de todos os itens. Para você fazer uma exposição dessas, precisa fazer uma coisa muito séria e acaba não entrando na agenda, entendeu?
P/1 – E qual é a importância e as maiores dificuldades de se ter um trabalho com arte, tanto na parte das molduras, quanto na parte das vendas das gravuras e quadros?
R – Eu acho que o item mais importante aí, Fernanda, é a questão da conservação. Temperatura, luz, a maneira como a obra está emoldurada. Você tem uma série de cuidados que, se não seguir, você acaba... Acho que isso é o principal, a conservação. E gravura, por exemplo, usa muito vidro e vidro pode cair, quebrar e rasgar o material. Então você tem uma série de problemas. Mas eu diria que é a conservação, ou seja, luminosidade, temperatura, entendeu? Fugir da umidade, você ter um lugar com uma temperatura... A gente tem essas coisas com sílica para assimilar a umidade, não deixar a umidade judiar das obras. Eu diria que isso é o principal. Porque é difícil você manter uma obra por muitos anos. Você já tem espaço em entidades públicas com muitos recursos, e é comum você ouvir dizer que tem obra que está em estado deplorável, entendeu?
P/1 – Você falou bastante da sua esposa, que é ela quem está à frente do negócio. Como é que você a conheceu? Como foi formada essa parceria?
R – Eu a conheci justamente no mercado, numa oportunidade de contrato com um artista que acabei a conhecendo. E ela sempre se interessou muito pelo assunto. Houve um momento em que eu precisava fazer uma escolha entre uma atividade profissional minha e deixar o negócio de lado, aí ela falou: “Não, eu vou assumir” e foi aí que ela assumiu, acho que com mais pragmatismo e mais competência que eu (risos).
P/1 – E quais são as suas atividades hoje?
R – Eu sou jornalista, eu trabalho como jornalista.
P/1 – Onde você trabalha?
R – Eu trabalho numa empresa grande.
P/1 – O que você costuma fazer nos momentos de lazer? Vocês vão atrás de mais obras de arte?
R – Bom, a gente... Hoje eu fotografo muito, né? Eu diria que a atividade extraprofissional que eu faço hoje, que no fundo tem a ver... Sempre gostei muito de fotografia e depois, com a chegada da foto digital, que se tiveram enormes facilidades... E eu fotografo, hoje, Fernanda, muitos artistas plásticos, em vernissages e obras de arte. Modestissimamente, hoje eu tenho um acervo de milhares de fotos com artistas que estão expondo, junto às suas obras... Então isso é o que eu faço... E frequentar os sebos, que a gente... Isso é um vício da família, comprar livro velho (risos).
P/1 – Como é que são essas visitas aos sebos? O que vocês vão procurar? Em que estante você vai primeiro?
R – Olha, Fernanda, a gente falou de Botucatu, né? Algumas casa acima da casa da minha mãe, em Botucatu, tem um sebo, o sebo Avalon, que a gente chega na cidade, toma um café e vai para lá. Meus filhos também seguiram essa linha, entendeu? E hoje eu tenho também dois fornecedores que são sebos ambulantes e que me procuram, fazem visitas, trazem livros. Então isso é uma coisa muito forte na nossa vida hoje.
P/1 – Além dessas compras de lazer nos sebos, essas visitas, onde mais você costuma frequentar para ir fazer as suas compras ou mercado?
R – A gente não é muito uma família de frequentar shopping, né? A gente gosta de comércio de rua, mas é basicamente uma vida normal, sem grandes... No tempo de lazer é leitura, um bom filme, escrever um pouco das lembranças nossas.
P/1 –Qual é a diferença então entre o comércio de rua e os espaços fechados, os shoppings? O que atrai nesse comércio?
R – A grande atração dos shoppings, numa cidade como São Paulo é a questão da segurança, né? É o medo do assalto. E a gente, felizmente, no comércio de rua nunca teve essa... Embora eu saiba tudo o que acontece na vizinhança e tal, eu gosto, a gente gosta do charme do comércio de rua, acha uma coisa que vai ser revitalizado uma hora quando você tiver uma cidade menos conturbada, entendeu? E a Vila Madalena se presta a isso, ela tem toda... As pessoas andam muito a pé pela Vila Madalena, né?
P/1 – Qual é a cara da Vila Madalena? Por que ela está vinculada a essa questão da arte?
R – Veja bem, Fernanda, nos anos 70 quando eu fazia a ECA, a Vila Madalena... Eu acho que você sabe disso, ela começou... A atração dela começou nos anos 70, quando muitos professores da USP, alunos da USP alugavam casas aqui na Vila Madalena, porque era perto da USP, perto da Cidade Universitária e essa tendência se consolidou, né? Depois foram chegando os bares, aí teve a verticalização, as construtoras, e acho que ela acabou ocupando outro espaço que era ocupado pela Bexiga nos anos 70, na coisa da boemia e ficou, né? Não se sabe no futuro o que vai acontecer (risos).
P/1 – Falando então dessa cara da arte, qual é a importância da arte no cotidiano? Tanto as gravuras quanto as fotografias?
R – Acho que a arte faz parte da nossa vida desde o primeiro minuto em que você acorda, quer dizer, ela está... A arte contemporânea tem esboçado justamente isso, que a arte está em todos os lugares, você se apropria de um lixo jogado fora para reciclar e fazer uma obra. O homem nunca viveu sem a arte, né? Desde a caverna e a música e tudo, quer dizer, as pessoas precisam. Tem uma coisa interessante do Jorge Luis Borges, num conto dele, em que ele fala que os gaúchos, lá nos pampas, moravam numas tendas e não tinham o que pendurar nas tendas, então eles colocavam cartas de baralho (risos). Então eu acho que essa é uma necessidade do ser humano, tudo o que a arte provoca, faz refletir... Não existe vida sem arte, não existe civilização sem arte, nunca existiu. E a gente vê no mundo inteiro um cuidado com a preservação da arte. Agora mesmo em São Paulo está tendo uma exposição importantíssima, que foi aberta no MAM anteontem, chama-se Os nossos artistas, uma exposição importantíssima sobre a arte contemporânea. Aliás, a revista Bravo! nessa última edição traz uma matéria grande sobre essa exposição de arte contemporânea. São Paulo se tornou um centro importante, você tem a Bienal, que a partir de 1951 foi uma revolução no comportamento, na maneira de encarar a arte em São Paulo. A arte brasileira é uma antes da Bienal e outra depois da Bienal.
P/1 – Por que essas manifestações acontecem aqui em São Paulo? Do seu ponto de vista.
R – Eu acho que é por ser o grande polo econômico, né, Fernanda? Na verdade, o grande movimento em São Paulo já começou na Semana de 22, quando São Paulo deixou de ser uma província para começar a ter ares de metrópole. E Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, todos os responsáveis aí pela Semana de 22. E continua. A tendência é São Paulo ser cada vez mais um grande centro de eventos, né? Essa exposição que está aberta, que foi aberta no... Aliás, não na Bienal, no prédio da Bienal Oscar Niemayer. Uma exposição importantíssima. Toda a vanguarda da arte contemporânea, nomes importantíssimos estão aí no Ibirapuera, entendeu?
P/1 – Você chegou a falar dos seus filhos. Eu queria que você falasse o nome deles, o que eles fazem.
R – O meu filho mais velho é o Vitor, né? E ele estuda, a USP abriu em 2008 uma turma de Direito em Ribeirão Preto, ele faz parte dessa primeira turma, está no quarto ano de Direito. Depois a filha do meio faz História na USP, e o caçula está fazendo o terceiro colegial (risos), tentando se preparar para o vestibular.
P/1 – Quais foram os seus aprendizados na relação com a arte, com a Artebela?
R – Eu acho que a presença da arte, Fernanda, torna a vida mais agradável, torna a vida mais fácil de ser tocada no dia a dia, que não é fácil para ninguém, né? E acho que ela traz prazer na convivência. Eu gosto de olhar os quadros, cada quadro tem uma história. A gente tem um acervo particular, cada desenho que chegou tem uma história, tem um envolvimento, entendeu?
P/1 – Qual é o papel da Artebela nisso tudo?
R – Ela, digamos, é a frente de contato que a gente tem com o público, que dá para a Rosana sentir o que o público gosta, o que o público quer e enfim, é um espelho para você desenvolver o seu trabalho.
P/1 – O que você achou de ter participado dessa entrevista, de ter falado dessa sua experiência com a Artebela, com...
R – Eu achei ótimo, achei que vocês... É interessante essa pergunta, Fernanda, porque veja bem, a história de um país, de uma nação, é feita por milhões de pessoas, né? E desde o início me chamou muito a atenção o trabalho do Museu da Pessoa porque ele valoriza a importância das pessoas anônimas, que são 99,99% da população, e que constroem um país. E essas pessoas vão embora e não têm registro das suas vidas. Cada vida é um universo para ser registrado, que pode ser registrado, que tem interesse. Então eu acho que o trabalho de vocês, tem um mérito muito grande.
P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de comentar ou de deixar registrado e que a gente não tenha perguntado sobre a Artebela, sobre sua relação com a arte?
R – O que eu gostaria de falar para finalizar é essa vocação de São Paulo, né? Como um centro de atração para mostras internacionais. Você tem galerias hoje em São Paulo importantíssimas, você tem galerias voltadas para o mercado internacional, várias galerias na Vila Madalena. Você tem um novo centro hoje na Barra Funda, um novo polo de galerias de arte importantíssimo, com galerias de um grande profissionalismo, voltadas para o mercado internacional.Então eu acho que essa vocação dessa metrópole para uma vocação de uma cidade de serviço, de grandes eventos, de bienais, de artistas de vanguarda, de experimentação, é isso.
P/1 – Tá certo Seu Luiz. A gente, em nome do Museu, agradece a sua entrevista.
R – Eu é que agradeço, obrigado.
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