Projeto: Memórias do Vale do Ribeira – Diálogos
Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Depoimento de Benedito Alves da Silva – Ditão
Ivaporunduva (SP), 31/07/2011
Realização Museu da Pessoa e Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV010
Transcrito por Rosangela Maria Nunes Henriques
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Benedito Alves da Silva – Ditão
P/1 – Primeiro, Ditão, nós queríamos agradecer o senhor por poder nos dar essa entrevista, muito obrigado, para gente começar, para efeito de identificação gostaria que você falasse seu nome completo, o lugar e data de nascimento.
R – Meu nome é Benedito Alves da Silva, nasci no dia 11 de fevereiro de 1945, aqui mesmo no Quilombo de Ivaporunduva.
P/1 – Antes de começarmos a sua história mesmo eu queria que o senhor falasse um pouco da história da sua família, da trajetória, o senhor conhece a história da sua família? A construção aqui da comunidade? O que o senhor conhece?
R – A minha família ela vem de descendência de escravo, os escravos que foram utilizados aqui no trabalho na época da escravidão eles vêm dessa descendência, meus avós, minha mãe, e até eu, até chegar a minha pessoa. Então, vêm dessa descendência, meus antepassados bem lá atrás foram escravos aqui nessa comunidade.
P/1 – O senhor sabe quando que eles chegaram e se estabeleceram aqui?
R – Segundo os levantamentos históricos, dos historiadores, por volta de 1600 já tinha negros aqui, eu não sei exatamente a data, mas mais ou menos já tinha negro aqui, e têm alguns indicativos de 1630, então, a gente fala que 1630 estava aqui, a partir daí.
P/1 – Trabalhavam na região?
R – Eles vieram para o trabalho escravo e com a morte da Maria Joana, que era dona dos escravos, eles ficaram se defendendo do trabalho escravo, primeiro de outros senhores de engenho que viessem para capturar. Trabalhando para viver e no primeiro momento mineração de ouro, no segundo momento...
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Entrevistado por Danilo Eiji e Iamara Nepomuceno
Depoimento de Benedito Alves da Silva – Ditão
Ivaporunduva (SP), 31/07/2011
Realização Museu da Pessoa e Núcleo Oikos
Entrevista: MVRHV010
Transcrito por Rosangela Maria Nunes Henriques
Transcrição revisada por Iamara Nepomuceno
Benedito Alves da Silva – Ditão
P/1 – Primeiro, Ditão, nós queríamos agradecer o senhor por poder nos dar essa entrevista, muito obrigado, para gente começar, para efeito de identificação gostaria que você falasse seu nome completo, o lugar e data de nascimento.
R – Meu nome é Benedito Alves da Silva, nasci no dia 11 de fevereiro de 1945, aqui mesmo no Quilombo de Ivaporunduva.
P/1 – Antes de começarmos a sua história mesmo eu queria que o senhor falasse um pouco da história da sua família, da trajetória, o senhor conhece a história da sua família? A construção aqui da comunidade? O que o senhor conhece?
R – A minha família ela vem de descendência de escravo, os escravos que foram utilizados aqui no trabalho na época da escravidão eles vêm dessa descendência, meus avós, minha mãe, e até eu, até chegar a minha pessoa. Então, vêm dessa descendência, meus antepassados bem lá atrás foram escravos aqui nessa comunidade.
P/1 – O senhor sabe quando que eles chegaram e se estabeleceram aqui?
R – Segundo os levantamentos históricos, dos historiadores, por volta de 1600 já tinha negros aqui, eu não sei exatamente a data, mas mais ou menos já tinha negro aqui, e têm alguns indicativos de 1630, então, a gente fala que 1630 estava aqui, a partir daí.
P/1 – Trabalhavam na região?
R – Eles vieram para o trabalho escravo e com a morte da Maria Joana, que era dona dos escravos, eles ficaram se defendendo do trabalho escravo, primeiro de outros senhores de engenho que viessem para capturar. Trabalhando para viver e no primeiro momento mineração de ouro, no segundo momento agricultura, e essa agricultura ela está até hoje aqui.
P/1 – E dos seus avós? O senhor conheceu?
R – Eu conheci só o meu avó pai da minha mãe, o meu avô pai do meu pai quando ele morreu meu pai ficou com sete anos, e a minha avó mãe do meu pai quando ela morreu ele tinha 18 anos, e a minha avó mãe da minha mãe quando morreu eu não sei a data, mas ela ficou pequena, ela conheceu bem a mãe dela, mas parece que ficou pequena, mocinha, e o meu avô morreu em 63, meu avô pai da minha mãe, então, eu conheci bem ele, porque eu sou de 45, tinha oito anos quando ele morreu.
P/1 – O senhor lembra dele? Como ele era? Ele contava história?
R – Contava. Um homem bom, pescador, caçador de capivara, ele jogava um arpão na capivara no rio, com dez metros ele acertava o arpão bem nas costas da capivara e não escapava, o melhor jogador de arpão que tinha aqui na comunidade era ele. Tinha história dele, um plantador de milho, plantava bastante milho, criava porco, ele não era de caçar no mato, caçava no rio, e capivara que é um animal que está mais na água do que em terra, daí, peixe ele gostava muito de comer peixe, a minha mãe e os outros filhos dele ele criou comendo bastante peixe, muito peixe no rio.
P/1 – E os seus pais, conta para a gente um pouco o nome deles, como eles eram?
R – Então, meu pai o nome dele é Ernesto, ele nasceu em 32, tinha apelido de Paulista, porque no dia da guerra do Paraná contra São Paulo, no dia que os paulistas passaram na casa do meu avô, meu pai estava nascendo, minha avó estava dando a luz a meu pai, daí, eles chegaram e com a carabina deram um tiro numa leitoa, mataram-na, passaram a faca na barriga, tiraram a tripa e sem pelar foram jogando sal, fizeram uma fogueira assando e comendo, porque eles estavam com fome, foram comendo aquela carne, e o pessoal apelidou meu pai de paulista exatamente por conta disso, porque no dia que ele nasceu, foi o dia que os paulistas policiais passaram na casa do meu pai. Então, o nome dele é Ernesto, mas na região aqui todo mundo conhece ele por Paulista, ninguém falava Ernesto, só Paulista, ele atendia muito bem, e Ernesto que era o nome de registro, de documento era difícil quem falava Ernesto, mas era um cara trabalhador, bom, criou todos nós, morreu novo, morreu com 47 anos e eu que era o mais velho acabei de criar meus irmãos, e a minha mãe está viva, está com 80 anos e está viva, ela nasceu em 31, completou 80 agora em março, 20 de março.
P/1 – Sabe como eles se conheceram?
R – Olha! Naquele tempo é uma época diferente de hoje, através das festas, dos bailes que tinha, naquele tempo não era baile, era fandango, que tinha através dos mutirões, iam os homens e as mulheres, eles para bater fandango e elas para dançar uma dança, chamada, eu esqueci agora, fugiu da cabeça, tinha que ser o homem e a mulher, o homem é por fora sapateando a mulher é por dentro na roda. Então, nessa dança que eles se conheciam e começavam o namoro. Depois o homem mandava uma carta para o futuro sogro pedindo a filha em casamento. E o casamento acontecia. Não é igual hoje com esse negócio de se enrolar e tal, abraçar, beijar e lamber, e dormir com a mulher antes de casar, isso não existia naquele tempo, era mais radical, época bem antiga mesmo, aquele tempo era diferente de hoje. Mas era assim, cresceu, nos criou e educou, foi difícil, por aqui nesta época era muito difícil, não tinha estrada, não tinha energia elétrica, não tinha nada, então, era uma época muito difícil, mas ele conseguiu dentro de seu esforço dar uma boa educação para todos nós.
P/1 – Tinha escola?
R – Tinha nada.
P/1 – Nada?
R – Tinha nada. A minha primeira letra fiz com meu lápis foi de carvão, e meu caderno foi taboa, tinha aqui um tio que sabia ler e escrever e ensinava a gente, assim, fazia lata, quatro letras, lata, tatu, faca, quando eu fui para a escola em 64 eu já sabia fazer o meu nome, ler algumas coisinhas, foi até 68 eu fiz até o quarto ano, e voltei a estudar agora, tem pouco tempo que voltei para escola, depois que acabei de criar meus filhos, eles foram para a faculdade e eu fui para a escola, para terminar o ciclo escolar, terminei agora, então, o segundo grau, do EJA, Escola de Jovens e Adultos, que chegou aqui na comunidade e fui um beneficiado do EJA.
P/1 – O seu tio era um tipo de professor da comunidade?
R – Não, alguns parentes, alguém que ficava perto dele, conversava com ele, em um tempinho ali, pegava um papel lia, ele gostava bastante de ler a bíblia, lia um trecho, então, lia e a gente “como é que faz isso?” Ele ensinava, “faz assim”, ia ensinando devagarzinho, ele foi pegando. Algumas pessoas, mais lá atrás também falam que foi dessa forma que aprenderam. Depois tinha uma mulher chamada Olímpia aqui na comunidade e ela sabia ler e escrever, ela se cadastrou na prefeitura e foi nos dar aulas. Chamava escolinha modesta da roça, como falavam aquele tempo, foi nesse tipo de escola que estudei até o quarto ano.
P/1 – Essa escola ficava onde?
R – Era num galpão que tinha aqui na comunidade, ela era daqui, depois esse tipo de escola acabou, e começaram os professores mesmo, formados, e eu já não estava mais na escola, foram meus irmãos mais novos, crianças daqui da comunidade que estudaram já com os professores mesmos.
P/1 – Essa primeira escola foi a comunidade que fez?
R – Não era um galpão da igreja, galpão onde aconteciam as festas, as culturas, essas coisas, então, ela utilizava uma sala para dar aulas para os jovens, as crianças daqui da comunidade.
P/1 - Me conta como foi essa infância aqui em Ivaporunduva.
R – Brincadeira?
P/1 – O que é que vocês faziam aqui? Como é que era? Mudou muito?
R – Nós éramos muito malvados, (risos) atravessávamos o ribeirão nadando, um quilômetro e meio, dois quilômetros de rio para nadar, era a brincadeira rio abaixo, atravessava para lá e para cá no rio, mergulhava. Não tinha bola, a gente chutava, brincava de bola com a laranja, uma laranja azeda, grande, assim, a gente se juntava, ia lá e colhia umas dez, 15 laranjas e quando furava pegava outra, todos descalços cada bicuda na laranja, (risos) batia peteca feita de palha de milho, brincava de roda, as criança. Então, eu tinha esse tipo de infância, brincava de cavalinho, cortava um bambu, lascava assim no bambu e colocava um pau atravessado e colocava uma corda e dizia que era rédea, e saia a cavalo dizendo que estava andando a cavalo, dez a 12 cavaleiros, mas era bambu o cavalo e ia correndo, mas eram divertidas essas brincadeiras, era uma coisa bem simples, sem nenhum tipo de malícia, a coisa era bem simples naquele tempo, brincava moleque e menina tudo junto, não tinha nada de malícia, que acabou hoje não tem mais, hoje é outro tipo de brinquedo, acabou essa brincadeira.
P/1 – Mudou muito a cidade, a comunidade?
R – Mudou bastante.
P/1 – Como que era?
R – Nem se compara aqui, vamos pensar assim, há 30 anos, nem se compara, mudou demais, não tinha energia, estrada, não tinha nada, não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha revista, não tinha nada, hoje tudo isso tem.
P/1 – Vocês tinham o contato com a cidade?
R – Tínhamos, tínhamos contato.
P/1 – Como vocês faziam?
R – No primeiro momento, um pouco tempo atrás a gente ia de canoa até uma altura e dali pegava um ônibus, que era jardineira. No segundo momento, que foi na década de 60 quando já havia a estrada de Iporanga íamos de ônibus daqui, como aqui na comunidade fica do outro lado do rio, então, demorou um pouco mais para a estrada chegar dentro da comunidade, tinha que aumentar o tamanho da balsa para carregar carro, para atravessar máquina, para poder fazer a estrada, porque a balsa era pequenininha, era só para atravessar gente, aí, fez o aumento da balsa, atravessou a máquina para cá e a estrada chegou, mas muito precária, demorou muito tempo para um caminhão chegar à comunidade, demorou muito tempo, mas o avanço foi nos últimos, vamos dizer assim, dez anos. Nos últimos dez anos houve uma mudança bastante grande aqui na comunidade.
P/1 – Se alguém passasse mal, como é que vocês faziam? Ficava doente?
R – Olha! No primeiro momento eram os médicos caseiros, remédio caseiro, plantas medicinais, o pessoal conhecia, as multi misturas de plantas medicinais, essa era a forma de tratar, com os benzedores, as pessoas que faziam garrafadas, não sei se você sabe o que é que isso, é aquela pessoa que tem o conhecimento, assim, do seu antepassado, e que conhece o tipo de doença, olha para a pessoa e conhece que tipo de doença a pessoa está sofrendo e conhece qual o tipo de mato que cura, ele faz a mistura de mato que ele conhece, esses matos que eu estou falando são plantas medicinais, e eles sabem a dosagem certa, quantas folhas, quantos pedaços de raiz, se for semente, quantas sementes, duas ou três ou quatro ou mais, se é torrado, se é crua, se é cozida, enfim, sabiam certinho. Colocava na garrafa com água e essa garrafa ele dava a dosagem, como se compra um remédio na farmácia, você tem que beber uma colher de sopa a cada seis horas, a cada oito horas, a mesma coisa, você tem que tomar meia canecada desse remédio, uma vez por dia, duas vezes por dia, esses remédios que era o tratamento de mato, o médico não existia, daí, as promessas, fazia promessas para o santo, que o santo olhasse para a pessoa que curasse aquela pessoa, em troca prometia uma leitoa, uma galinha, uma dúzia de ovos, para pagar o benefício que o santo tivesse feito para aquela família, como a fé era muito forte, às vezes, valia, o cara sarava.
P/1 – Você lembra de alguma situação?
R – Lembro. Eu mesmo passei por isso, uma época deu um sarampo na turma aqui muito grande, o sarampo matou muita criançada, eu era criança, eu e meu irmão, meu pai foi numa casa de um homem chamado Arpídio, era um curador esse homem, já morreu faz tempo, mas todos que foram na casa dele não morreram. Se chegasse lá e a pessoa tivesse vivo não morria, ele falava: “pode ficar sossegado”, “eu tenho que ir embora agora por causa do meu filho que está ruim”, “não eu estou vendo daqui ele brincando, fica sossegado que não vai morrer mais”, então, esse era bom, sabido mesmo.
P/1 – Senhor Arpídio? Como que era o senhor Arpídio?
R – Era um negão, meio careca, velhão, (risos) mas o negão era bom, o negão sabia mesmo.
P/1 – Ele deu o quê para você?
R – Ele mandou meu pai trazer o remédio, bebemos e nós saramos, passaram três ou quatro dias e estávamos bons. Então, aqui no quilombo tinha muito esse tido curador, mas depois devido à discriminação esses curadores acabaram, porque os mais novos foram educados de outra forma, ouvindo que curador é feiticeiro, que o curador matava, que curador era isso e aquilo, ele acabou não aprendendo, e hoje a gente se arrepende de não ter aprendido, porque é uma cultura muito importante, mas naquele tempo a gente era criança, a maioria não sabia nem ler e nem escrever não sabia o que era certo, o que era errado dentro da cultura, a pessoa letrada que vinha de fora e pregava isso e acabávamos acreditando e deixando essas coisas de grande valor serem perdidas. Foi perdido isso por conta de conversa de fora.
P/1 – Foi pressão da igreja?
R – Olha! Várias pessoas falavam isso, a igreja era uma delas, então, várias pessoas: “o feiticeiro, não quero nem passar perto da casa dele, ele rogou uma praga que vai matar”, entendeu? Era o entendimento de bastante gente, e acabava passando aquilo para a gente, como “o cara curou uma pessoa e não é Deus, deve ser certo o cara é feiticeiro mesmo”. (risos) E acabávamos acreditando, quer dizer, hoje depois disto aprendemos, buscamos entender a nossa origem, nossa cultura, tudo aquilo que é nosso, e que voltamos a valorizar aquilo que é uma riqueza nossa, mas os grandes valores já se foram, já passaram para o andar de cima e a gente ficou sem essa riqueza aqui, mas ainda tem alguns, não é bom como antigamente, mas tem alguns deles.
P/1 – Alguns que aprenderam de família?
R – Isso. Tem alguns deles por aí.
P/1 – Bom! Parto devia ter?
R – Tem parteira, tem bastante aqui.
P/1 – Ainda hoje?
R – Tem bastante hoje, quando não dá tempo da mulher chegar ao hospital para ser atendida pelo médico é atendida aqui mesmo, a mulherada sabe como cuidar. O problema é que teve uma época que foi proibido, sabe? As parteiras de atender as mulheres, se isso acontecesse eles falavam, e a mulher morresse eles falavam que aquela mulher podia ser presa, elas ficaram com medo, falavam em cadeia, em prisão, “meu Deus do Céu”, ficaram com medo e todo mundo largou mão. Foi quando o pessoal começou a levar a mulher para o hospital, pré-natal, antigamente não existia nada disso e as crianças nasciam gordas, forte, nutrido, meu avô dizia que a criança quilombola, criança negra que nascesse raquítico morria antes dos dez anos, e aquele que nascesse bom com saúde morria depois dos 70, era um dizer popular. Mas é verdade, hoje não morre, porque desde que a criança é o feto ainda na barriga da mãe ele já começa a receber todos os atendimentos médicos, ele nasce, cresce, mas cresce uma criança fraca, igual frango de granja, sabe? A criança fraca, não é a criança forte bate com a mão cai de costas e levanta, a criança cai se machuca e destronca o pé, quebra uma perna muito fácil, porque é só remédio, é só química, naquele tempo não era uma pessoa, que a gente usa falar assim: revenido, a pessoa “revenido”, na nossa linguagem isso aí uma pessoa forte, sadia, uma pessoa que tem os ossos preparados para qualquer tipo de coisa que não quebra tão fácil. A turma falando, que quando a gente ia jogar, quando era mais novo, jogava bola na cidade e dava canelada, era a mesma coisa que bater numa “brejaúba”, (risos) a caneladas, porque não fazia nada mesmo, o osso do povo negro da roça, ele é mais forte, bem mais forte, isso está na genética, a geração desde que veio de lá para cá.
P/1 – A população, o número de pessoas, de famílias diminuiu ao longo do tempo aqui?
R – Teve um momento que diminuiu muito mesmo, foi quando a pressão política, os governos emitiam regras para o país, e ao estado que nos pegou aqui e detonou, a única forma que as pessoas encontraram foi juntar a mulher e os filhos, juntar os trapos e ir para a cidade, tem muita gente daqui que mora em São Paulo, em Santos, em São Vicente, em Sorocaba, entendeu? Que mora em Curitiba, em Santa Catarina, em Registro, cidade vizinha aqui, tem muita gente que mora em Eldorado, Iporanga, por quê? Porque a pressão política era muito difícil e a sobrevivência chegou ao limite de não ter o que comer, porque o pessoal vivia da roça e a legislação proibiu de fazer a roça e como ia comer se não plantava. Então, isso foi uma dificuldade, quem teimasse e fizesse isso era multado, hoje não bate mais, mas naquele tempo batiam íamos preso, aconteceu muito aqui de quilombola ir para a cadeia, apanhar da polícia florestal, aconteceu muito. Então, tem muitas pessoas que não aguentaram essa pressão política e foram embora, aqueles que ficaram foram para a clandestinidade cortar palmito para vender, o governo fez uma safadeza muito grande com o povo naquele tempo, em que todas as fábricas que tinham na região, fábricas de processamento de palmito era legal, a legislação deixou em dia para aquelas fábricas, e os donos dessas fábricas a maioria foram de Santos e de São Paulo, empresários dessas duas cidades, que vieram aqui e em todas as cidades do Vale do Ribeira, todas, Iporanga, Eldorado, Registro, Sete Barras, Jacupiranga, Iguape, Cananéia, Miracatu, Juquiá havia fábricas, tinha cidade que tinha uma fábrica, em outras cidades havia duas, três, e ainda aquelas com mais de três fábricas, como em Registro mesmo, e uma curiosidade sabe? O palmiteiro tinha que cortar o palmito e proteger o palmito até colocar no caminhão do dono da fábrica, assim que estivesse dentro do caminhão acabou o problema, entendeu? Polícia não pegava mais, podia ir até de carona, com o dono da fábrica para a cidade, o palmiteiro tinha que proteger o seu produto por quê? Porque era o palmito que ia garantir o feijão na mesa para sustentar as crianças, filhos, mulher, porque tudo que é o palmito, porque o palmito do mato até na beira do rio ele vinha debaixo da mata, quer dizer, ninguém via, então, quando chegava aqui na beira do rio das casas, a clareira, tinha que esconder até escurecer, o caminhão vinha sempre de noite, porque sabia que o palmiteiro não podia atravessar o rio com o palmito de dia, era nesse momento que a polícia o flagrava e prendia, o dono da fábrica escapava, ficava de lá “tô nem aí, o palmiteiro que se lasque”, isso gerava um problema social muito grande na comunidade, porque ficava mulher sem comida, com muitos filhos para tratar, isso era difícil. Então, quem ficou na comunidade passou essas dificuldades, porque teve que ter essa resistência de entrar no mundo da clandestinidade para garantir o feijão na mesa, se não, passava fome, não tinha alternativa, entendeu? Não tinha lugar para você trabalhar na fazenda naquele primeiro momento, se você não ganhasse dinheiro não podia comprar um anzol, uma rede para você pescar o peixe no rio, então, não tinha saída. Um pouco mais tarde que as coisas mudaram, mudou um pouco, aí, então, que começou a melhorar aqui no Quilombo, hoje as famílias que foram embora, tem umas que estão voltando, já tem bastante família que já voltou da cidade e mora aqui na comunidade.
P/1 – Só voltando um pouco, isso foi quando criou uma legislação dos parques? É isso? Quando foi essa coisa de repressão?
R – Isso. O Parque foi criado aqui na década de 50, 60, eles criaram o Parque através do mapa, olharam no mapa “está verde vamos decretar parque”, e não sabia que dentro dessas áreas tinham várias comunidades, muita gente morando, e aí, começou o conflito, começou a briga, porque a lei diz que dentro do parque não pode ter presença humana, moradia ali não pode ter, mas como fazer se o cidadão já estava ali? Desde os seus antepassados há 200 anos, há 300 anos, no caso de Ivaporunduva 400 anos, é difícil e por outro lado o povo que está na cidade tem uma forma de viver dentro dela, o povo da roça não aprendeu a viver na cidade, sabe viver na roça, se ele vai para a cidade, olha o que o sistema criou, ele criou uma confusão danada, porque eles vão para a favela. E na favela você já sabe, lá está o tráfico, é nela que os grandes empreendedores brasileiros levam o seu crime para quem não está preparado para viver ali dentro, levam maconha, cocaína, um monte de coisa, e é assim vão trabalhar para ele, porque o cara que não sabe ler, é analfabeto mas ele não tem avião, não vai buscar essa droga na Colômbia, nesses outros países que vendem, não tem dinheiro, não tem aeroporto, não tem carro sofisticado, não tem meio de comunicação, de inteligência para falar com o mundo para distribuir a sua mercadoria, que no caso é a droga, é o tráfico, mas quem é que faz o serviço sujo para os empreendedores? A maioria é o pessoal que está desempregado que veio da roça, que é bobo, que é comprado por qualquer tostão, porque está faltando o feijão na panela, então, nós aqui já percebíamos isto bastante claro e não queríamos fazer parte dessa massa, entendeu? Por isso que o pessoal preferiu cortar palmito, porque o palmito é ilegal dentro da legislação dos homens, mas é um alimento, é gosto o palmito, um produto gostoso de se comer, pode comer assado, pode comer cozido, pode fazer farofa, pode picar ele in natura e comer, feito salada, cru sem cozinhar, é um alimento gostoso que mata fome de muita gente, então, no nosso entendimento era uma coisa legal para nós.
P/1 – E o senhor se lembra como foi? Chegou o Estado de repente, chegou representante um dia bateram na porta é isso?
R – Até o meu tio Constantino que está aqui vivo, um dia ele foi multado por fazer uma roça, estava dentro da igreja na hora da missa junto com o padre, a polícia foi lá dentro e meteu a caneta nele, não deu moleza, lembro, por ter feito uma roça, e ele: “como é que eu vou fazer para sustentar o meu filho com arroz, com feijão, com mandioca, com milho, com carne de porco, com galinha? Tenho que plantar para poder produzir o que faço? Compro a roupa deles porque vendo arroz e compro a roupa para vestir, vamos andar nu? Vou andar com fome? Como é que eu faço?” “Não queremos nem saber a lei diz isto e estou aplicando e não quero nem saber se vire!”, então, era assim que faziam, isso aí chegou para a gente bastante forte, de repente porque em 68 ligou a estrada de Eldorado à Iporanga, até 68 o pessoal andavam de canoa. Com isto apareceu dono de terra, toda essa área aqui tinha um dono, então, a legislação chegou para expulsar mesmo o pessoal daqui para tudo isso daqui virar parque, só que o pessoal resistiu e estamos aqui até hoje, graças a Deus.
P/1 – Teve pressão das pessoas querendo comprar a região para fazer outra coisa? Por exemplo, lotear? Plantar?
R – Não, houve pressão, houve ocupação ilegal de terceiros para criar boi, então, chegava um cara com papel e dizia essa terra aqui era do meu tataravô é minha e eu vou ocupar, mas como que eu faço? Eu nasci e cresci aqui? Mas não vou mexer com você, vai trabalhar para mim, fique aqui e trabalhe para mim, eu te pago um salário e você continua trabalhando aí. 'Aqui é pouco é só 20 alqueires”, dentro de cinco ou seis anos ele tinha 200 alqueires, porque a cerca de fazendeiro tem perna, todas as vezes que roça o pasto aumenta três ou quatro metros, todas as vezes que vai reformar a cerca aumenta quatro metros, então, dentro de dez anos tinha mais de 200 alqueires, isso acabou com o nosso povo. Como essas pessoas estão ligadas ao poder judiciário da cidade, em cidade pequena, município pobre é assim, sempre foi e é no Brasil inteiro é assim, eles se unem com o poder judiciário da cidade, com o poder político, econômico e tudo mais e soltam os bois deles na roça dos pobres, come tudo o arroz, come do feijão, moi tudo, e aí, você vai para a polícia, vai cobrar dele e não te paga: “mas rapaz deu prejuízo tanto saco de feijão ele comeu tudo”, “não vou pagar, então, procura o seu direito”, aí, você vai na polícia, porque há a dificuldade de conversar com a polícia, com o delegado, com juiz, por falta de escolaridade, eles acabam engolindo a gente e nos expulsando, o boi deles expulsam a gente para a cidade. Então, houve muito isso aí, é um lugar que não teve esse conflito de matar fazendeiro, aqui não teve, aqui teve fazendeiro que matou quilombola, no Quilombo de São Pedro, aqui vizinho aconteceu isso, o fazendeiro mandou matar o quilombola, por causa de terra, aqui em Ivaporunduva não aconteceu isso, mas houve expulsão das pessoas para a cidade por conta de fazendeiro. Nós temos lá em Eldorado, na nossa cidade, Aurélio de Vasconcelos Leitão, português Aurélio, dono daquele posto da entrada, agora não é mais dele, era em Eldorado na entrada da cidade, aquele foi um cara que na minha vivência que pressionou o povo daqui, tomou boa parte da terra do quilombo, hoje nós ocupamos e tomamos de volta dele, não pagamos um tostão, mas ele foi um dos que primeiro tomou as terras aqui, expulsou muita gente para a cidade, porque o lugar que as pessoas trabalhavam ele soltou boi, e muita gente ia embora.
P/1 – Aqui sempre foi uma região de muito conflito de gente?
R – Houve muita confusão, da década de 60 para cá, quando ligou as estradas vicinais acabou a tranquilidade do povo, por um lado foi bom, que veio o desenvolvimento, por outro lado, não veio a política que favorecesse esse povo, a política que veio foi uma política que excluía o povo da região, então, aquele que tinha dinheiro ficou e aquele que não tinha foi embora e foi assim que foi tratado, quem não estava organizado foi o primeiro a sair, houve muita confusão.
P/1 – Queria voltar um pouquinho para sua experiência pessoal, quando que o senhor começou a fazer uma militância, perceber, a trabalhar com a comunidade, organizar a comunidade, como é que foi?
R – A minha luta começou na década de 70, em 75 eu tinha 20 anos, fui trabalhar na Rodovia dos Bandeirantes, estava construindo aquela estrada de São Paulo para Campinas e eu fui trabalhar numa firma aqui numa cidade vizinha em Cajati, melhorando a estrada Régis Bittencourt, e daí, nós entramos nela para trabalhar e dali nos levaram para lá, foi quando eu comecei a perceber a desigualdade a situação econômica do povo, como era e como não era, e que as confusões que existiam não eram só aqui na zona rural, na cidade também tinha, foi quando eu comecei a conhecer os movimentos sociais, o movimento negro, daí, a gente começou ali na época da ditadura militar a ter esse primeiro contato, quem nos ajudou nesse primeiro momento foi a igreja católica daqui do Vale da Ribeira, de Registro, através do bispo eles pagavam para a gente passagens para acompanhar o movimento, para participar, então, foi ali que começamos.
P/1 – Podia descrever para a gente esse primeiro contato essa questão do movimento negro, como é que foi?
R – Então, eles lutavam também por melhoria de qualidade de vida, contra a política massacrante existente ao longo da ditadura militar, só que era uma luta escondida porque não podia ser clara, na época da ditadura militar se você falasse de política poderia ser preso, ser degolado, enfim, tinham várias formas de você desaparecer do mapa. E a igreja estava ajudando nesses movimentos sociais, algumas igrejas católicas no Vale do Ribeira estavam, a nossa igreja estava, a gente ia para São Paulo, eles nos levavam para dentro de uma igreja fechavam a porta, e ficávamos lá dois, três dias, conversando sobre a situação, como é que ia ser, como é que não ia ser, foi a partir dali que conhecemos como que funcionava um pouco da política, começamos a acompanhar os movimentos que estavam acontecendo em São Paulo, os movimentos sindicais que estavam ficando forte naquele tempo e foi quando tudo começou, o Lula, grande líder na época, prenderam ele na cadeia. Então, teve assim um momento meio que decisivo na minha vida, para entender que se a gente cruzasse o braço não iríamos nunca ter sossego na vida, e nunca iríamos buscar a verdadeira libertação, nunca, porque o poder econômico não estava de brincadeira e tinha o apoio da polícia, da justiça brasileira, se a população não se revoltasse contra isso para mudar a política iria ser difícil, e aí, teve aquela revolução, quando houve a mudança, a quebra da ditadura militar, a questão, por exemplo, um pouco da eleição de Tancredo Neves, depois disso aí vieram outros políticos, a transformação política no Brasil que aconteceu e dentro de tudo isso a criação de novos partidos, partido dos trabalhadores, por exemplo, foi um deles, a revitalização do PC do B, que era comunista, daí, não podia existir, tudo isso foi na época que teve essa reviravolta e nós já aqui junto percebendo que ali era o caminho, ia demorar? Ia, mas nós tínhamos que criar uma figura que viesse para ser o salvador da pátria, e aí, todos os movimentos dos mais pobres, as pessoas que trabalhavam em fábrica em São Paulo nas empresas, mais pobres percebiam que via possibilidades no presidente, se um dia fosse presidente no governo Lula, isso já foi no começo dos anos 80 já, depois que ele já tinha sido preso, tinha saído da cadeia e tudo mais, a criação do partido, e a gente participou disso, da criação do partido, participamos na época que estava preso, a comunidade participou eu também participei fizemos abaixo-assinado para tirar ele da cadeia, isso aconteceu com nós. Final dos anos 80 veio a Constituição Federal, que participou, conheci o Luiz Alberto deputado federal da Bahia, que foi o pai do artigo 68, hoje se você for pesquisar vai ver que o pai do artigo 68 foi um deputado que depois foi governador do Pará, esqueço o nome dele, porque ele era o relator, na época, então, ficou como o pai da criança, mas o verdadeiro pai do artigo 68 foi os movimentos sociais quilombola e negro no Brasil, baseado no Luiz Alberto Benedito da Silva do Rio de Janeiro, foi um personagem que levaram para a frente, Silva era grande militante no Rio de Janeiro, conhecido naquele tempo também, aqui em São Paulo já morreu, mas tinha a primeira advogada negra chamada Penha, eu conheci muito ela, conversei bastante com ela, tive com ela um dia na carreata na Paulista, no dia 20 de novembro eu estava na cabine junto com ela. Então, essas pessoas foram personagens que lutaram com mais força, que tinham o poder, também algumas pessoas que estavam na televisão também, foram pessoas que lutaram para que o artigo 68 nascesse, e o que é o artigo 68? A lei que determina que os territórios ocupados por negros quilombolas sejam deles. E essa lei veio como resultado de uma grande luta do povo negro brasileiro, e também várias outras pessoas que não eram negras, mas que eram solidários a luta, então, isso nasceu. E tem outra lei que veio também para reforçar como o artigo 215, o artigo 216 que trata da manutenção e da proteção da cultura do povo negro brasileiro, isso reforça bastante a forma de nós vivermos, as formas de nós trabalharmos, valoriza muito essas duas leis, e aí, a gente vem sempre aprimorando para que isso faça a fixação do nosso povo aonde ele está, e eu sou um personagem que sempre tive junto dessa luta, continuo até hoje junto com essa luta para essa mudança que está tendo nos quilombos.
P/1 – Vamos voltar quando você foi trabalhar na rodovia, por que de lá que você descobriu essa descoberta para se interessar por movimento? Eu queria entender melhor.
R – É que lá...
P/1 – Você conheceu pessoas? Quem eram essas pessoas?
R – É que lá tem muita gente que trabalha, que está trabalhando e boa parte dessas pessoas, são pessoas que também estão na mesma situação que você buscando forma de sobrevivência, lá a gente encontrava com baiano, mineiro, pernambucano, pessoas de vários estados que busca de trabalho, porque em sua região, no seu local estava vivendo a mesma situação nossa, de São Paulo, da cidade de São Paulo, das favelas, do entorno da cidade, muita gente que não tinha como, e essas pessoas trocavam ideia, conversava e tal, a gente entendeu, então, que existia essa necessidade dessa luta, porque se não era difícil.
P/1 – O senhor se lembra dessa primeira reunião que o senhor participou?
R – Lembro.
P/1 – Lembra quem estava aonde foi? Como foi?
R – Olha! Eu conheci muita gente, faz tempo, mas eu lembro que do Vale do Ribeira foi eu, o Victor Chapéu, de Pedro Cubas, deixa eu lembrar mais quem foi, Pedro Pereira, do Sapatu, tem algumas pessoas que já morreram do São Pedro, como por exemplo, como o finado Vandir, finado Joaquim Capanga, eu era moleque naquela tempo. E aí, tinha uma igreja, tem ainda em São Paulo de patrimônio histórico, Paissandu, e ali era um local de reunião, tem outro local ali perto da Praça da Sé, na Tabatinguera também, espaço que a gente ficava lá e a porta era fechada. Então, nesse tempo a gente conheceu o movimento social negro, conheci lá o Gilson Negrão, que é do movimento negro de São Paulo, conheci o Flavinho que faz parte deste movimento que é MNU, Movimento Negro Unificado, o Gilson Negrão é do Movimento Fala Negrão, têm vários movimentos sociais que a gente conhece, ás vezes eu estou em São Paulo e encontro alguns deles, algum já morreu, outro está vivo, mas a minha luta começou ali, quer dizer, é um pouco antes tinha vários outros personagens que já vinham de outros estados, incluindo São Paulo mesmo, mas para nós do Vale do Ribeira acredito que começou ali.
P/1 – Então, era clandestino, vocês entravam ali e a relação, vocês tiveram problema com a repressão militar? Aqui na região teve, né?
R – Teve um pouco antes na época do Lamarca.
P/1 – Como foi isso aqui?
R – Teve eles ficam no município de Jacupiranga que hoje é Cajati, chamamos de Cajati, mas é vizinho, vizinho daqui de Eldorado, algumas vezes ele veio aqui na comunidade em busca de saída, conversando conosco, meu pai, por exemplo, teve dificuldade com a polícia militar, porque queriam prendê-lo, acharam que ele era da turma dele, mas não era, mas não prendeu, ele tinha um patrão que o defendeu, falou que não era, era funcionário dele de Jacupiranga e tal, mais pela dificuldade.
P/1 – O senhor se lembra de chegar pessoas aqui?
R – Do Lamarca?
P/1 – É.
R – Ele veio aqui tomou café com a gente, tocou sanfona, ajudou socar arroz no pilão, a primeira vez que veio, veio vestido de madre, estava com medo, de freira. (risos)
P/1 – E a comunidade o que é que achava de isso tudo? O que é que vocês falavam sobre isso?
R – Aquilo que eu falei, no primeiro momento, o que é que mídia colocava? Que ele era um ruim, que ele era um inimigo, mas o que a gente conversa e ele conversa com o pessoal não tinha nenhuma ligação com o que a mídia colocava, ele era amigo povo, principalmente, do povo mais sofrido, ele era inimigo do sistema porque o sistema massacrava, era massacrante, era desse que ele era inimigo, mas do povo mais humilde, mais pobre que estava sofrendo a mão pesada do sistema era em relação a isto que ele ia contra, era um cara legal para caramba, gente finíssima.
P/1 – Essas ideias de esquerda, sobre a revolução o pessoal da comunidade conversava sobre isso? Um posicionamento político?
R – Conversava, porque a gente começou a entender que essas coisas aconteciam só para o pessoal mais pobre, quem é que é o pessoal de favela da cidade de São Paulo, vamos falar só de São Paulo por enquanto, são as pessoas da roça, por quem eram expulsos? Aí vem uma série de situação, expulso por fazendeiro, que ia ampliar o seu, grande empresas nacional e internacional, que vinha para o Brasil fazer hidrelétrica e ganhar dinheiro, isso move uma quantidade de dinheiro muito grande, tem muitos atingidos de barragem na cidade grande e onde ele está? Está no entorno da cidade, que é onde coube ele no Centro não dá capacidade para morar, não está preparado para morar no Centro, então, está no entorno, quer dizer, são da roça, vieram para a cidade sem estudo, despreparado e entraram no caminho que achou mais fácil, a gente começou a perceber que tinha que ter outro lado, tinha a Arena naquele tempo que hoje é o PSDB, não dá para saber por que o PSDB saiu do PMDB, então, não dá para saber, PTB saíram da Arena, são cria da Arena, nasceu o PT que era um partido de esquerda, aquele tempo tinha uma proposta bastante radical, mas que vinha ao encontro das necessidades.
P/1 – A gente vai falar sobre isso.
R – Foi na igreja fiz uma oração, na comunidade, depois ele percebeu que nós não oferecemos nenhum risco, aí, ele mandou um bilhete pedindo perdão para nós, desculpas identificando quem era ele, estamos dispostos a receber ele outras vezes que ele vier aqui.
P/1 – O senhor comentou dessa questão também dos problemas das barragens, você podia nos explicar um pouco como foi isso na região?
R – Então, nós fomos num bairro chamado Meninos, que tem perto do Eldorado, bater palma para o governo do Aldo Natel que ele era dono do projeto da hidroelétrica, que ia acontecer perto do Eldorado, lá no bairro dos Meninos, mataram boi para nós comermos, e nós fomos muito alegre que ia revolver a vida do povo, mas a partir dessa vinda do governador no Vale do Ribeira a gente começou a ouvir outras conversas e a refletir sobre isso, “mas espera aí barragem quem está no lago para onde que vai?” Aí, depois houve uma confusão, e eles mudaram um pouco mais rio acima, eixo Batatal, porque lá a quantidade de várzea que seria inundada era muito grande, então, eles entenderam que aquele local não dava para ser feito ali e mudaram mais para cima, e aí, nos pegou diretamente, porque nós íamos ser expulsos da terra, Batatal. A gente ocupou a CESP (Companhia Energética do Estado de São Paulo) lá uma São Paulo, fizemos passeata dentro da cidade de São Paulo, criamos um transtorno para o paulistano, porque nós queríamos que nos enxergassem, e aí, um pouco mais tarde a CESP foi privatizada, e daí, eles disseram que não tinha nenhum interesse na hidroelétrica, no caso eram quatro projetos, projeto Batatal, primeiro para baixo de nós um pouco, depois tinha o Funil, que fica bem dentro de um quilombo chamado Praia Grande no município de Iporanga, depois tinha Itaoca, levando o nome da cidade de Itaoca, e o último lá em cima no é o Tijuco Alto, esse que está em evidência até hoje. E aí a gente foi visitar, e aí a gente conheceu o MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens, a sua força dele era no Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o MAB estava no Brasil inteiro, mas o foco mais forte, que tinha, assim, uma inteligência muito grande em relação a isso eram esses três estados, eles que estavam ajudando outros estados levando para outros estados o que é que a barragem faz com os atendidos. E aí, foi quando a gente conheceu melhor o assunto barragem, percebemos que se acontecesse isso nós íamos ter de desocupar a área para inundar com água, aí, criamos um movimento MOAB, Movimento dos Ameaçados de Barragem, começamos por aqui no Eldorado, e foi crescendo, crescendo, que hoje o MOAB está no Vale do Ribeira inteiro, tanto Vale no estado de São Paulo, quanto no Vale do Ribeira no estado do Paraná, e está forte e tem apoio, vários apoios, das organizações ambientais do Estado, como por exemplo, o Instituto Sócio Ambiental, ISA, o SOS Mata Atlântica, tem algumas organizações, algumas universidades, o MST também é parceiro nessa luta, o pessoal que está aqui mais perto na região, por exemplo, Apiaí de Capão Bonito, também são parceiros nessa luta, tem bastante gente que é contra essa barragem, muita gente que conhece a região sabe que aqui é uma região que tem uma diversidade muito rica, por essas razões não pode ser inundada, devem ser preservadas, são várias cavernas existentes na região do Vale da Ribeira, e que pode se perder com essas barragens, tem as questões dos quilombolas, patrimônio histórico cultural brasileiro, está na lei federal, isso aí a partir do seu reconhecimento passa a ser patrimônio histórico brasileiro, podem desaparecer inúmeras aldeias indígenas que tem no Vale do Ribeira, e na Mata Atlântica, a biodiversidade é muito grande sabe? Então, a história do Vale do Ribeira, a fatia da Mata, a gente sabe que começava no Rio Grande do Norte e ia até o Rio Grande do Sul, e acabou não tem mais, os ambientalistas falam que tem cerca 7,7% de Mata Atlântica existente no Brasil, e dessa porcentagem, 27% está aqui na região. Então, o Estado de São Paulo tem uma restinga bastante considerável, que se deve preservar, a fauna é rica, aqui no Vale do Ribeira. Então, tem muitas coisas que tem que se considerar, na região aonde querem desenvolver o projeto de Tijuco Alto, o bioma está bastante pobre, então, lá tem que recuperar, e não acabar com o que tem, então, são vários os fatores, se fizerem a primeira que está lá para cima de nós vai fazer as quatro, porque o projeto dentro do ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), plano energético brasileiro, o plano 2025, esses quatro projetos estão lá no plano, quando você entra lá no site deles, você percebe que entre as barragens que estão projetadas no Brasil, essas quatro aparecem, então, se fizer uma farão as outras, “onde passa um boi passa uma boiada”, não podemos deixa que façam a primeira, senão farão as outras, por outro lado nos perguntamos a energia é para nós? isso é o maior complicador, esta energia é para a empresa do grupo Votorantim do Doutor Antônio Hermínio de Moraes, para gerar alumínio e exportar, com a desgraça do povo, não é para ficar energia mais barata para nós, não é para ter mais energia, não é para isso, é para ele, para simplesmente obedecer a necessidade da empresa dele, então, tem mais aí um fator que o povo deve ser contra.
P/1 – E isso está em disputa ainda essa questão?
R – Tá na justiça, está para ser liberada, nós vamos lutar para não acontecer, mas por quanto está travado na justiça, mas vamos ver.
P/1 – E é um plano que vem desde o período militar, já era Parque?
R – Já era Parque.
P/1 – Já era Parque e veio depois ignorando que era Parque?
R – É. Aquilo eu falei quem manda é o poder, a ditadura militar acabou no papel, mas na prática ainda tem muitas empresas no Brasil que a forma de agir é dentro da ditadura militar, eu mando eu tenho dinheiro, pago e acabou, quem manda sou eu, não tem lei e não tem nada, quem manda sou pois eu tenho dinheiro e pago, quanto custa para remover as comunidades, quanto custa essa caverna eu pago ela, quanto custa a Mata Atlântica eu pago, quanto custa o crime ambiental eu pago, entendeu? Esquece todo um conjunto que envolve a preservação, acho que esquece tudo isso, um plano planetário, a Mata Atlântica é uma reserva, que pode ainda estar escondido a cura de muitas doenças, e se a gente acabar com tudo isso muita doença existente hoje, e outra doenças que podem no futuro aparecer, e se acaba o produto para se fabricar pesquisas e saber as plantas que são capaz de curar o câncer, que podem curar a AIDS, ou outra doença que está por vir, a água também, a Mata Atlântica é muito rica em água potável, pensou? Nós acabamos vendemos água no Brasil daqui mais uns anos, a água vai ser o petróleo lá, conta do petróleo, há estudiosos que falam que daqui há 50 anos o Brasil vai ser a galinha dos ovos de ouro, porque todo mundo virá de olho no Brasil por conta da água porque ela está acabando no restante do mundo, mas em nosso país ainda tem uma reserva boa, mas se nós que estamos no local não nos preocuparmos com isso, as empresas brasileiras que deveriam se preocupar e não se preocupam, tudo vai acabar. Então, são nessas coisas que a cidade deve se envolver, também pensando nisso.
P/1 – Pressão das empresas aqui elas vieram pela barragem? Teve outras formas de virem empresas para cá?
R – A barragem acho que é o principal, e aí, tem as mineradoras, o pessoal que quer minerar na região, tem uma pressão das mineradoras, se você entrar lá no DNTN, você vai perceber lá os pedidos de mineradoras que querem minerar aqui na região, inclusive tem pedido em cima de quilombo, está parado, mas o pedido está lá e de repente pode ser liberado tudo isso aí. Então, a gente tem que ficar a tento, não pode dormir, temos que ficar com um olho fechado e outro aberto.
P/1 – O senhor estava falando e me ocorreu essa questão, uma dúvida, vocês lá no passado, mais jovens, vocês já se diziam quilombolas?
R – Não.
P/1 – Quando começou a vir?
R – Essa questão quilombola, essa palavra quilombola, foi a própria Constituição que trouxe, colocou, apareceu alguém não sei quem foi que traduziu a palavra quilombo no nosso entendimento capuava, que é que é capuava? Lugar de difícil acesso, eu moro aqui, mas trabalho lá na capuava, lá naqueles fundos, lá é minha capuava, então, lá é o local que eu trabalho, mas eu moro aqui na vila, lá beira da Ribeira, na beira de um rio, mas trabalho daqui a 500 metros, há mil metros é minha capuava, alguém traduziu capuava como difícil acesso, nós falávamos que aqui na comunidade nossos antepassados foram escravos, mas nós chamávamos de Ivaporunduva, não chamávamos de Quilombo de Ivaporunduva, Ivaporunduva só, a partir de 88 para reforço ao nosso direito todo mundo acostumou falar Quilombo de Ivaporunduva, para reforçar a constituição o artigo 68 da Constituição Federal de 88, para reforçar isso, e todo mundo começou a chamar, e isso aí se nacionalizou no Brasil inteiro, todo mundo chama, quilombo, hoje é chamado Quilombo do São Pedro, ninguém fala Lavrinha, para reforçar, Pedro Cubas era só Pedro Cubas, mas agora é Quilombo de Pedro Cubas, tudo mundo fala para reforçar e auto se declarar mesmo, como quilombola, a palavra ganhou corpo para defender o nosso direito.
P/1 – E esse movimento como está?
R – Dos quilombos?
P/1 – É. Quando o senhor entrou nisso?
R – A gente tentou criar o movimento, nós também somos pais do movimento.
P/1 – Em que pé está isso?
R – Então, os movimentos sociais quilombolas está no Brasil inteiro, se não me engano 25 estados tem presença de quilombo, e o movimento está distribuído e tem vários tipos de organizações, aqui no Vale a gente tem as organizações quilombola, que está em cada comunidade e tem aí, uma organização regional que a gente chama de FAQVAR, Federação dos Quilombos do Vale do Ribeira, ela foi registrada na semana que passou como FAQVAR, faz tempo que tem, mas ela virou instituição agora, ONG agora, tem a coordenação estadual, que está dividida no Estado em três setores, no litoral sul, que somos nós aqui está junto com o Vale do Ribeira, litoral norte, que é a região de Ubatuba, e sudoeste que vai desde Sorocaba, Itapeva, até o quilombo de Brotas, região de Campinas. Então, essas três a organização está dividida em três espaços do Estado, então, cada região tem a sua organização regional, e dessas três saíram os coordenadores estaduais, que fazem um papel mais político, não é um papel de resolver o problema de cada comunidade, cada região resolve os seus problemas, e aí, em torno do papel político as três se reúnem para encaminhá-lo, tem ainda a Coordenação Nacional dos Quilombos ou a CONAQ que está nos vários Estados do Brasil, entre eles no Rio de Janeiro, Bahia, não está em todos os Estados, porque não pode ser uma coordenação muito ampla, porque fica difícil, e de tempo em tempo tem reuniões que acontecem devido às necessidades que vão surgindo e também para se falar dos problemas dos Estados e para a CONAQ tomar algumas medidas, assim esta ONG também é de um papel mais político, mas está nesse pé.
P/1 – O senhor poderia nos contar como foi esse processo, a titulação, as passagens, não sei como foi esse processo? E o que foi que aconteceu? O que é que mudou? Do antes e o depois? Como foi?
R – Aqui foi pelo meio judiciário, não foi assim que o governo do estado mandou o governo federal e titulou, nós no primeiro momento fizemos uma demarcação nas terras e nós fomos os únicos quilombos que fizeram isto, e colocamos a história no papel, o relatório técnico científico não foi o governo que fez, entendeu? Contratamos um profissional, não foi exatamente nós que fizemos ou as nossas pessoas, mas contratamos pessoas, profissionais, para fazerem isso, nós juntamos a comunidade que ajudou, com a demarcação da terra foi a mesma coisa, fomos nós que fizemos toda a divisa da terra, roçando, toda a comunidade participou e pagamos um topógrafo para fazer a parte da demarcação, para a topografia, então, a gente juntou esse material desde 91 até 94, e o caminho encontrado foi o Ministério Público Federal do Estado de São Paulo, 97 a gente foi reconhecido, em 2000 a gente foi titulado pela Palmares, aí, foi pelo meio legal, só que o título não valeu, o título foi ilegal, porque eles titularam uma terra que tinham dono, dono da terra é uma tal de Alagoinha do Rio de Janeiro, que era dono antes de eu nascer, então, continuamos uma briga na justiça, ganhamos em 2008 a ação, anulamos o título do Alagoinha em 2008, porque é que anulamos? Porque não existe Alagoinha, ela acabou em 1960, até 1960 existia registro dela na receita, a partir dali desapareceu, então, brigamos com fantasma por oito anos, o Tribunal Federal e ganhamos em 2008 e em 2010 um ano atrás, agora em julho fez um ano, a gente registrou, então, foi uma luta difícil, não foi fácil, estou falando rápido, mas muita água rolou por debaixo dessa ponta.
P/1 – O senhor lembra de alguma passagem que tenha sido marcante ali?
R – Essa questão da justiça foi uma delas, a gente foi para a Brasília alegre voltamos de lá com o documento de baixo do braço alegre, chegamos aqui quando fomos registrar tinha um dono, mais isso foi um, você vem com um documento que é seu e de repente não é, foi uma luta brava. E aí, tem várias outras coisas, em 98 o Collor cria uma lei que São Paulo já passa a fazer o relatório técnico científico, também a demarcação de terra, então, teve várias etapas, que a gente participou que ajudamos porque o Estado foi o primeiro que saiu com lei estadual para resolver a questão dos quilombos no Estado, tem muitos Estados que até hoje não tem lei, só está mesmo no federal, mas no estadual não tem nenhuma normalização, então, isso dificulta um pouco mais, mas São Paulo foi um Estado que deu esse passo, que é essa ferramenta que foi criada para ajudar e junto com esse passo veio aí também esse programa do governo, vários quilombos de São Paulo têm uma assistência do governo, não é aquela assistência, mas tem uma “assistenciazinha” para poder fazer alguma coisa, nós conseguimos, no Vale da Ribeira, casa para o Quilombo de São Pedro, 40 casas, em Pedro Cubas mais 40 casas, em Quilombo dos Pilões de Maria Rosa, não sei se foram 60 casas para duas comunidades com 70 casas, mas ganharam casa também, temos conseguido algumas coisas, melhorar as estradas através da Codasp (Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo) de São Paulo, e aí, é o governo de São Paulo, no governo do Serra brecou, freou tudo, parou tudo, agora o governo Alckmin voltou, vamos ver, não sei, está meio devagar, ele criou uma lei que a gente vai defender agora, que é a questão da agricultura familiar, seria um passo, vamos ver lá na frente.
P/1 – Mas isso é a partir do processo, a partir do momento que teve a titulação aparece o reconhecimento?
R – O que é que a gente entende: a Lei Áurea, voltando lá no começo da história, a Lei Áurea ela foi mais um passo rumo a libertação, o primeiro passo rumo a libertação foi quando o negro tirou o pé da senzala e falou: eu não vou ser mais escravo, nem eu que morra, muitos morreram no meio do mato, por falta de remédio, falta de alimentação, foi o começo, depois veio a Lei do Ventre Livre, foi bom? Não foi, foi ruim, mas alguém tentou fazer alguma coisa, foi ruim, depois veio a Lei do Sexagenário, foi bom? Não foi, foi uma forma dos barões se livrarem dos velhos da senzala, mas de qualquer forma, depois veio a Lei Áurea, foi bom? Mais ou menos, porque é que foi mais ou menos? Porque a Lei Áurea só acabou com a escravidão, não deu terra para ninguém, não garantiu escola, não garantiu nada, então, foi tirar da senzala e jogar no meio da rua, depois veio a Constituição de 88 com as leis de reparação, porque isso é reparação, então, é isso que eu estava trabalhando, depois veio o Decreto 4887 de 2003, depois vem a questão da Lei 10.639 que é a educação africana na escola, quer dizer, são passos, são passos e a gente tenta trabalhar esses passos obrigando, de uma certa forma, talvez obrigar não seja a palavra correta, mas para fazer com que a verdadeira libertação ela aconteça, porque existe o projeto de igualdade racial, reafirmando que todos nós temos o mesmo direito, mas não temos, é mentira, não temos o mesmo direito, não ganhamos a mesma coisa, enfim, o que é que a gente quer? Queremos que as coisas sejam conforme tem que ser, então, para isso tem uma confusão danada, eu não digo briga de matar, mas briga de você lutar, correr atrás do direito, se juntar com o pessoal, buscar informações, entender como que é isso aí, de que forma e o que é que eu tenho que fazer para acessar isso, entendeu? Então, é isso que nós fazemos, e de vez em quando a gente vai mudando, vai avançando.
Em Ivaporunduva há 20 anos tinha um índice de analfabetismo bastante grande, hoje não tem, deve ter umas três ou quatro pessoas que não sabe ler e escrever, mas é porque não querem, porque está fácil hoje em dia ser formado. Nós temos um grande corpo técnico na comunidade, temos administrador quilombola, gestor ambiental dentro da comunidade, professores dentro das escolas, temos bastante pessoas que se formaram dentro da escola, dentro da comunidade e isto não existia há alguns anos, isso é mudança. O discurso hoje da comunidade é muito mais qualificado do que o discurso de dez ou 15 anos atrás. O pessoal entende a linguagem, a política, as pessoas sabem o que é que acontece, acompanham o processo vão para as reuniões, então, essa é a forma de você ir fazendo mudança, conseguimos ponte aqui na comunidade, o carro entra dentro da comunidade, isso há 20 anos era um pensamento louco, maluco, ninguém pensava, hoje é realidade aqui dentro, temos energia elétrica hoje quase 100% da comunidade, faltam algumas casas, não é por exemplo, igual como foi em 2005, 40% da comunidade tinha energia e 60% não tinha, o que dava mais da metade, então, quer dizer, isso é avanço que está acontecendo, o pessoal viaja, vai passear, eu fiquei alegre esse ano, porque saiu daqui três ônibus para ver o réveillon em Santos, o pessoal da cidade vem para cá nas cachoeiras durante o feriado, não no final de ano, para as cavernas, já o pessoal do sítio, do quilombo, quer ver o mar, quer ver a cachoeira, ver outras coisas que não são acostumados, isso era impossível, o pessoal daqui lotou carro e foi para a praia com dinheiro no bolso, para se garantir lá dentro, comer, beber, isso é um avanço, quer dizer, são coisas que não se pensava uns anos atrás, hoje é normal uma pessoa sai daqui para chegar em Congonhas, pegar um avião e ir para qualquer Estado do Brasil, antigamente não tinha, falar nisso? Era uma loucura, falar em andar de avião. Isso aí, sabe? É avanço é mostrar que nós não somos diferentes de ninguém a cor da pele é uma coisa, a carne e o sangue é a mesma coisa, então, porque é que nós temos que ser inferiores, porque é que a sociedade nos trata dessa forma, porque é que o sistema coloca na escola que quando a coisa está ruim “a coisa está preta”, quando a coisa está feia, “a coisa está negra”, porque é que não fala outro nome? Quer dizer, é uma forma que o sistema coloca de diminuir o negro, isso aí é uma coisa que tem que mudar, vai ser amanhã? Não vai, vai demorar anos e anos, se está comemorando 500 anos de Brasil, mas a nossa ideia é que mude, que vá avançando, que uma hora chegue lá, de pedaço em pedaço não dá para todo mundo chegar ao mesmo tempo, mas vai mudando, hoje é um, amanhã é outro, estudo, o outro estuda, mas importante que o pessoal entenda o recado, que o recado é esse.
P/1 – Em relação à cultura tradicional? Que vem lá de trás o que é que vocês ainda mantêm? O que é que vocês fazem questão de manter?
R – Eu vejo aqui para nós que a maior cultura é a união, a maior cultura nossa é organização e união do povo, entender isso aí. Tem outras culturas, mas se você não tiver união não existe cultura, então, a união ela faz com que você construa outras coisas, resgate outras coisas que às vezes perdeu, e eu vejo que a nossa maior riqueza é a união. A questão de ter a terra coletiva num país onde se aplica o individualismo, isso é uma grande vitória, uma das maiores vitórias que a comunidade tem, é entender que a terra coletiva para nós é o melhor caminho, não pensar para terra o pensamento imobiliário, não pensar dessa forma, pensar na terra como mãe, que vamos precisar dela para viver em cima, para nos sustentar até o final da nossa vida e deixá-la para quem virá, o dinheiro que a gente ganha é só para nosso filhos e irmãos, pegou a terra vendeu nunca mais volta para nós, perdemos, acabou, tchau, já era, quando você, como rei, vai ter que comprar um pedacinho, mas acabou, não tem isso se você não vende a terra nem que te ofereçam milhões não adianta, você pega aquele dinheiro e não come, quando você morrer não vai colocar no caixão, não, não vai fazer você reviver, então, a melhor vida é essa, ser amigo de todo mundo, ter liberdade, poder andar por aí, tomar banho de cachoeira sossegado, andar pelas trilhas essas coisas que eu acho que é coisa legal, pescar não ter inimizade com ninguém, concordar, não concordar é direito, questionar, isso acho que também é direito, e aí, sabe? É isso, acho que não deve pensar na terra no sistema imobiliário, vou ter um alqueire que dá não sei quantos lotes, cada lote tantos mil, então, vai dar não sei quantos milhão, vou comprar tal carro, vou comprar um apartamento, o que eu faço com isso? Vou comprar dez, 20 apartamentos, neguinho: “opa! O cara lá tem dinheiro, vamos sequestrá-lo”, eu vou ser prisioneiro do meu dinheiro, vou ter que ter fiscal tomando conta de mim dia e noite, minha casa será monitorada por câmera para ver quem entra e quem sai, eu mesmo crio o problema, mas aqui não precisa disto, eu ando por aí ninguém nunca me roubou até hoje, graças a Deus. (risos)
P/1 – O senhor disse que estão voltando para cá, como quem funciona assim? Para comunidade? Pode vir gente de fora? Como que funciona isso para vocês?
R – Então, o nosso sangue a gente recebe, o nosso sangue, pessoas que são ligadas a comunidade, pessoas que tem parente aqui, que saíram para lá recebem, só que tem regras, não é a mesma coisa, quando a bucha ficou difícil eles fugiram, hoje a gente já garantiu a situação, de repente além daquele que não conseguiu nada e está voltando, mas aqueles que conseguiram apartamento, que tem uma vida boa lá, de repente quer vir aqui para fazer uma casa para ficar de férias, aí, não, porque ele não lutou, ele não vai repartir o que ele ganhou lá com quem está aqui, porque o que ele adquiriu lá era dele, então, o que adquirimos aqui é nosso, então, nesse caso não, é para aqueles que estão lascados, que não teve condição que está sofrendo e precisa, então, a este a gente é solidário. Agora quem não é daqui, aí, não, porque aqui é uma área particular, aí, não tem jeito.
P/1 – Não pode uma pessoa de fora quer?
R – É uma área particular. É se eu fosse invadir o seu apartamento, querer ser dono do dele é a mesma coisa, ou do seu lote de terra, mesma coisa, não tem jeito, isto é nosso, é do quilombo.
P/1 – E teve a procura de pessoas fora assim?
R – Teve, isso tem o povo está bem preparado e não tem jeito de entrar não.
P/1 – O pessoal está organizado.
R – Está organizado.
P/1 – Mas teve gente que foi para a cidade e agora quis voltar?
R – Tem, porque essa venda de terra a gente entende de duas formas, a venda de terra, por exemplo, eu tinha um alqueire de terra uma comparação, eu vendi um alqueire de terra aqui e comprei um alqueire num outro lugar, a minha venda foi justa, mas se eu vendi um alqueire de terra aqui e não deu para comprar um metro num lugar quadrado, quem me comprou de mim me enrolou, dentro do Estado de São Paulo, dentro da disputa de terra tem um entendimento da compra de má fé e compra de boa fé, a compra de má fé é essa compra que o cara vai lá e enrola o dono do território e se apodera da terra a troco de mixaria, ele tem que perder, a compra de boa fé é aquela que o cara queria vender e ele queria comprar e comprou num valor justo, se é uma terra cultural e tem que devolver para o quilombo que não é do indivíduo é da comunidade, se ele comprou de má fé ele tem que perder, porque ele criou problema desmatou, criou vários problemas para a comunidade sabe? Série de problemas, igual aqui essa área aqui, quem está nesta área vai ter que nos devolver ainda, está no INCRA, não demora, na verdade não é de um cara que trabalha no Banco Itaú, que é dono em São Paulo, essa área aqui, assim que ele devolver nós a teremos, porque é uma área que não pode, é uma área que não tem condição o relevo, acima de 45 graus, a legislação não permite o pessoal não permite, a área aqui que não é área de agricultável, não tem água é seco, eles põe uma mangueira e tem boi nesses morros, a carne quando mata um boi só músculo, só morro, entendeu? O rapaz está aí, um cara legal, não tem nada haver é funcionário, coitado, pior do que nós, mas o dono ele sabe, e ele não saiu, só esse um que está aqui, mais ou menos uns 30 alqueires de terras estão nas mãos deles, e aí, na hora que nós pegarmos essa terra temos que recuperar, ele pegou um tio velho aqui de baixo arrendou a terra, foi um outro, arrendou a terra dele, arrendou acho que dois alqueires de terra esse cara foi embora e vendeu para outro, e quando o cara veio para cá veio com documento tudo na mão que tinha registrado em Eldorado e já era dono, o cara estava velho, até morreu, e assim foi passando, passou por quatro, cinco donos essa terra, e agora nós com a titulação e registro da terra pedimos para o INCRA e está no processo de desapropriação deles, acho que não vai pagar nada ao antigo “dono”.
P/1 – Tem confusão com você também?
R – Tem confusão com outros donos, mas a gente sempre muda de dono, estão o tempo todo vendendo, isso aí, com nós é tranquilo, não tem um problema nenhum, vem para cá, um cara que não cria problema para nós, se precisar de umas caixas ele arruma, dele aqui no quilombo ele arruma, se precisar do trator dele, às vezes o nosso quebra, agora nós temos três, mas quando nós tínhamos um só ele arrumava, também, só que ele não tem problema nenhum, um cara que não cria problema.
P/1 – A divisão é o rio?
R – É o rio.
P/1 – Quando você fala em recuperar, tem haver com a recuperação da mata?
R – Eu estou falando recuperar é isso, recupera o território, que tem muitas áreas que ela acaba sendo um passivo ambiental, enquanto você não recuperar ela é um passivo ambiental, se o documento da terra está no nosso nome, nome da comunidade, o passivo ambiental não fica em nome do terceiro fica no nome da comunidade, porque o território tudo está titulado, tem terceiro ali dentro, mas o cara não vê isso, então, esse que é o problema.
P/1 – Vocês já fizeram isso? Recuperação?
R – Já várias áreas.
P/1 – Como que vocês fazem?
R – A gente abandona, simplesmente abandona, aqui como você está vendo tem muita chuva, essa chuva favorece rapidamente a recuperação, se você deixar uma área por três anos, com três anos tem madeira com dois a três centímetros de diâmetro, muito rápido a recuperação, a embaúva, guarapiruvu, o jacatirão, o manacá, aliás é uma madeira mole sabe? Ingá, são madeiras brancas de rápida recuperação, então, são as primeiras depois fica dez, 15, 20 anos vão secando e vão dando lugar para outras madeiras, assim, que demora um pouco mais para crescer, começa secar e dar lugar para essas outras, a primeira vegetação são essas plantas mais moles.
P/1 – Por exemplo, esse morro que está pelado aqui?
R – Se deixar esse ano, ano que vem o mato está com dois metros de altura, ano que vem já, se não roçam ali de seis em seis meses, esse morro aí tudo era cafezal, eu conheci e era cafezal.
P/1 – Quando você era mais novo?
R – Quando eu era criança. A gente ia prender o jacu que comia café, finado Sérgio morava ali da parte daquele pessoal, mais na frente, entendeu? Depois que ele morreu o Constantino que mora ali, abriu esse pasto aqui e abandonou, só que deve estar com mais ou menos 40 anos que foi abandonado.
P/1 – Quer dizer que essa mata que está na nossa frente 40 anos?
R – Era cafezal, de uma altura para baixo, para lá era mata verde e é até hoje, e aqui dá para você ver a divisa, o que está um mato mais branco, verde mais preto, verde mais branco para baixo, essa parte para baixo era o lugar que fazia roça, plantavam arroz e milho, aí, hoje a lei do relevo não deixa roçar 45 graus, então, a gente recuperou, mas era lugar que o pessoal plantava, eu lembro nós íamos buscar lenha para queimar, no fogão a lenha, eu morava aqui, e tinha cada cacho de arroz assim, bonito para caramba. Esse arroz que nós temos aqui no mundo, segundo alguns historiadores, uns pesquisadores só tem na Malásia e aqui. E arroz cerqueira que dá em qualquer morro aí, não é arroz de várzea, dá também na várzea, mas não significa, às vezes, dá melhor que várzea, até caiu o pé de tão bonito que era, e ele é mais resistente a chuva, dá de cinco meses, seis meses, dependendo do lugar, ele aguenta não tem problema de tempo para ele, único problema de tempo para ele é para ele crescer, quanto mais chover melhor é, depois que ele cresceu e deu o cacho acabou o problema. Então, esse lugar antigamente era tudo ocupado, era tudo roça, isto acabou com a legislação, você tem alternativa hoje, banana orgânica, certificado, vende um pouco mais caro, mas utiliza um pedaço menor de chão, o turismo que é um potencial que a gente tem, está utilizando, assim, outros planos, tem água que pode ser utilizado com turismo também.
P/1 – Como que vocês estão fazendo hoje na comunidade? Banana?
R – Banana é o forte, banana é o carro chefe, porque turismo aqui é temporário, agora está parado, férias, parou, vai começar agora dia quatro, vai ter a primeira visita, aí, começa se a gente não tiver outra fonte de renda, daí, turismo também não sustenta é pouquinho, ajuda a complementar a renda familiar, então, não quer dizer eu ou o outro viva do turismo, não dá para viver só de turismo, nem é de uma empresa, não é de uma pessoa, é da comunidade, então, de uma certa forma o dinheiro tem que chegar para todas as pessoas, de uma forma ou de outra, tem várias formas do dinheiro chegar nas pessoas, então, isso que é o importante.
P/1 – E ajuda divulgar também?
R – Isso.
P/1 – As escola vem aqui procurando o quê? Qual é o percurso? Como é que vocês recebem elas?
R – A parte mais importante é a história, esse é o prioritário, a história ela vem em primeiro lugar, depois a forma de vida, como é que era antes, como que é hoje, enfim, algumas práticas da época da escravidão que a gente faz aqui com eles, algumas práticas que ainda existem e que a gente faz.
P/1 – Vocês fazem até hoje?
R – Fazemos.
P/1 – Por exemplo?
R – Barreação de casa de pau-a-pique, eles fazem, colher arroz com canivete, de cacho em cacho, não usar colheitadeira, porque também não dá para usar colheitadeira, cortar dá, mas ninguém corta, é cacho por cacho, caça e pesca, mostrar para eles como era a sobrevivência na época da escravidão no meio do mato, as armadilhas que o pessoal sabe fazer até hoje. Levamos os alunos no meio do mato e mostramos, então, como são as práticas, a utilização de plantas medicinais, quais são as plantas, levamos no meio do mato e mostramos as plantas medicinais que são utilizadas.
P/1 – O senhor conhece tudo aí?
R – Conheço.
P/1 – Conta uma aventura que o senhor passou no meio dessas trilhas?
R – Aqui a gente é acostumado no meio do mato, sabe? Não tem muita aventura no sentido radical, eu passei um frio um dia no meio do mato, dormimos no mato tinha que cortar palmito, naquele tempo, e deu três dias de frio e nós ficamos três dias no mato, e não cortamos nenhum palmiteiro fomos embora, a coberta era muito ruim, e tinha fogo e aquele fogo era garantia de aquecer o osso da perna sem ficar “encarangado”, (risos) isso eu lembro, mas não tem outras aventuras, coisa legal, a gente está acostumado no mato e não tem problema nenhum, é tranquilo. Agora para o turista tem muita aventura, o que para nós é normal para ele é aventura, muita aventura. Constantino tinha uma roça para lá naquele morro para lá e ele levou, fez um mutirão para fazer a roça tinha mais ou menos umas 80 pessoas, comida feito na roça levaram uma cangalha no burro, no cavalo, de um lado lata de feijão, lata de 20 litros, feijão temperado, do outro lado lata de arroz cozinho, lata de 20 litros, porque era bastante gente, outro em cima um volume grande de carne feito farofa, chegou lá o burro caiu, cavalo caiu, o cavalo era de Martim que já morreu, ele era o violeiro, o cavalo caiu e derramou o feijão, a carne e outras coisas não derramaram, não se perdeu e chegou lá o pessoal almoçou sem feijão, e quando foi de noite, ele era violeiro, tocava viola e trocava uns versos, e ele “trocou” um verso quem puxava o mutirão era cunhado dele, compadre dele, ele falou “que na hora do almoço comeram arroz com carne, mas foi por falta do feijão, que tinha derramado, coitado do Constantino que ficou meio avexadão, por isso toco essa moda aqui no meu violão”. (risos)
P/1 – O pessoal faz mutirão ainda?
R – Faz, mas essa música antiga acabou não tem mais, mas naquele tempo o pessoal ainda cantava, assim, travava versos, chamava de Graciana, isso acabou não tem mais, antigamente tinha o pessoal tocava e só dançava se um bom violeiro tocasse, se não tocasse não começava o baile, mas tinha uns violeiros muito famosos, morreu agora a pouco tempo, um ou dois anos que ele morreu, Martizinho, morreu com quase 100 anos.
P/1 – Você na infância participava dos mutirões na comunidade?
R – Nesse tempo que eu estou contanto eu era moleque, eu não trabalhava ainda, mas acompanhava lá a roça, comer carne cozida, almoçar junto com a turma, eu ia para roça com a turma, só que eu não trabalhava, nesse tempo era criança, mas a gente lembra bem.
P/1 – A gente vai indo para finalizar, Ditão, como você imagina a comunidade daqui uns 10 anos?
R – Eu acho que vai crescer, porque com a ponte muita gente que estava desacorçoado ele voltou a se animar, e com isso ele está replanejando a vida, a gente ouvia falar de pessoas que iam embora, que estava difícil, dificuldade para vender a produção, esse negócio de canoa, de balsa era complicação danada, uma deterioração da produção, você não podia vender a produção por um valor justo. Com a ponte você está conseguindo escoar a produção bem sossegado e com isso está aparecendo outros compradores que também querem comprar a mercadoria, quer dizer, as portas estão se abrindo, e eu acho que daqui a alguns anos vai melhorar, já temos vereador na comunidade, acho que em breve poderemos melhorar na questão política, para poder ajudar. Tem que estar envolvido se não, não adianta, se você não fizer o lobby político para poder puxar para região, para você ser favorecido, vai ser difícil, esperar de mão fechada, com braços cruzados, está dando varada n’água, como dizia meu avô. Acho que tem que ir para a luta, colocar candidato, vai para a campanha, conversa com as pessoas, antes conversa, faz o plano político, primeiro, porque tem que ser desenvolvido aquele plano que o pessoal entenda que vai melhorar a situação da população e depois se você ganhar coloca o plano em prática, corre atrás de recurso, briga com político maior para injetar dinheiro ali, mostra que aquele é o caminho, acho que é isso. Uma coisa que aconteceu foi muito legal foi colocar o Vale do Ribeira no Território da Cidadania, isso foi uma coisa muito legal, porque tem recurso específico para o território da cidadania, e aí, tem que brigar para ser bem repartido o bolo, porque se não fica difícil.
P/1 – O senhor é bem envolvido e conhece bem as questões da lei, da política?
R – A gente conhece um pouco, bem eu não sei se conheço dá para quebrar o galho.
P/1 – Eu queria que o senhor contasse um pouco, o senhor falou da criação do partido PT, contasse um pouco dessa sua experiência na política, uma passagem que tenha sido muito importante.
R – Então, para nós aqui no Vale, vamos falar só a nível de município, muito difícil, o PT ele é massacrado no município, é o partido menor que tem, não cresce de jeito nenhum, não vai para frente, eu fiquei na presidência do PT por cinco anos, municipal, a gente não conseguiu avançar, quando a gente elege é um vereador, e tem que fazer uma bruta coligação, muito forte para poder eleger um vereador, quando você elege um vereador que não é um vereador da comunidade, que é um vereador que não tem essa, como é que fala? Esse envolvimento político, social ele acaba de ganhar e muda de partido, porque às vezes ele entrou ali só para ser favorecido. Então, deu trabalho para o pessoal perceber isso, ele filia no partido, mas quer ele não é do partido, então, ele está ali só para ganhar a eleição, e quando você coloca um candidato negro, quilombola para ser candidato sofre uma discriminação muito forte, o racismo, mas na hora o cara é massacrado mesmo, depenado mesmo, não votam nele de jeito nenhum, porque o cara é preto, acham que ele não é capaz, não está preparado ou não tem capacidade de ocupar aquele cargo, isso é uma complicação. Acho que não é só aqui, eu estava conversando esses dias atrás em São Paulo na assembleia com um deputado lá, ele falou: nós temos dois negros aqui, só eu e a Leci Brandão, ele falou. Então, essa dificuldade o nosso município tem, o próprio povo negro não vota no negro, não confia, ele escuta e acha que a palavra é aquele ditado: santo de casa não faz milagre. Então, o povo pensa ainda assim e vai demorar tempo, mas perceba que se não tiver envolvido é pior, seja ruim ou bom, tem que estar no meio, pelo menos você sabe de que forma está andando e para você se defender cria estratégia mesmo, se não, não tem jeito. Então, dentro dessa leitura que eu faço, daqui mais alguns anos aqui vai mudar bastante, agora tem que mudar e o pessoal e crescer junto, para não ficar a comunidade lá na frente e com um entendimento cá atrás, tem que crescer de acordo como entendimento povo, para ele não sofrer.
P/1 – Em época de eleição a pressão é muito grande aqui? Como é que funcionam aqui as eleições municipais?
R – Os cabos eleitorais da cidade dormem aqui para não deixar outro, tomando conta do eleito com medo de outro candidato de outro partido ocupar aquele espaço, um terrorismo é muito forte, papel distribui, essa estrada fica branca de papel o chão, é complicado.
P/1 – Terminou?
R – Acabou ninguém te conhece mais. Na época da campanha toma café na canequinha preta, não tem problema nenhum, senta com a bunda no chão, tem banco? Não tem. Tem cadeira? Não tem. Senta no chão nas cinzas, não tem problema nenhum, abraça qualquer um, você pode chegar suado da roça, fedendo de carvão da queimada da fogueira da roça, abraça e não te borra, mas quando ganha a eleição, pode estar perfumadinho que vira a cara e não te conhece, é triste, isso aí e complicado. A gente está por dentro disso aí para poder saber como encarar essa situação.
P/1 – O senhor já viajou bastante?
R – Ando por aí, muito não.
P/1 – Teve alguma viagem que conheceu pessoas muito interessantes? Ou aconteceu alguma passagem que o senhor gostaria de contar para a gente?
R – A gente vê muita gente, famosos da televisão nesse aviões, esses artistas, vê reconhece e fica quietinho não fala nada, bastante gente famosa.
P/1 – Não precisa se famosa, mas pessoas interessantes, uma passagem uma experiência de vida que tenha sido marcante nessa militância, conhecendo vários lugares.
R – Eu acho que uma experiência que eu fiquei bastante impressionado, foi quando fiz uma visita lá nos quilombos do Pará, fique na região de Oriximiná. Porque a forma de viver, eu não achava se poderia viver daquela forma, mas vivem, e é especificamente dos recursos naturais, não planta arroz, nem feijão, nem milho, só planta mandioca, a única plantação que tem é mandioca, não sei agora tem mais de 12 anos que fui naquela região, a comida que eles comem é peixe e carne, carne do mato, pula uma manada de porco do mato na água, que chama de javali, e eles vão lá e matam oito ou dez, e reparte na comunidade, o dinheiro não tem valor, muito longe da “civilização”, vamos dizer assim, e eles conseguem viver da melhor maneira possível, são negros muito fortes. Lá pelo Rio Trombeta, que eu viajei, morei dentro do barco, visitei 12 comunidades, nos primeiros três dias eu participei da coordenação do encontro deles e depois fui visitar as comunidades, colocaram um barco a minha disposição, um grande, da organização deles, com cozinheiro, cheio de redes, então, dá para dormir 30, 40 pessoas em cada barco, daqueles grandes que eles usam, e aí, eu tive uma experiência, assim, com a tartaruga, eles matam cada tartaruga de 70 quilos, 80 quilos, e eles pegam a tartaruga e tiram a casca dela, temperam toda aquela carne, limpam o bucho, não perde nada, tripa, não perde e depois coloca ali dentro da casca e cozinha ali, faz um prato bonito, sabe? Mas eu passei apertado, porque eu nunca tinha comido, (risos) e quando colocaram no meu prato a nadadeira dela eu peguei assim grudou na minha mão: como é que eu vou fazer? (risos) Eu passei um sufoco, mas também depois do primeiro pedaço que é gostoso, eu gostei, eu tive dificuldade para colocar aquele negócio na boca, porque eu nunca tinha comido. (risos) Mas foi uma experiência que eu achei muito bonita e importante, por que são realidades totalmente diferentes da nossa, a luta é a mesma, por terra, luta por um pedaço de chão, mas vive de uma forma diferente, e uma coisa que aqui é muito importante - o dinheiro; para eles não tem importância nenhuma, os Oriximiná recebem uma boa quantidade de dinheiro com impostos de uma empresa que mexem com bauxita, então, é muito rico o município, a cada 16 horas sai um navio carregado de bauxita que vai descarregar lá no porto de, não descarrega em Belém, tem uma briga política, descobri isso lá, vai lá para o porto de São Luiz, lá para o Maranhão, vai para lá, então, a cada 16 horas sai um naviozão carregado de bauxita, então, é muito rico, tem um aeroporto da firma lá, os aviões que vão para lá, a gente para ir para lá tem que ter uma ordem aqui de São Paulo para descer nesse aeroporto, tem um único hotelzinho da empresa, foi lá que dormir no primeiro dia que cheguei e o último dia que vim embora, cheguei a noite e saí de manhã, então, tive que dormir lá. Então, o prefeito dá para cada pessoa, cada um tem um barquinho pequeno e quantidade de óleo para ele navegar, mas de repente alguém usou mais e faltou óleo, eles não vendem, não emprestam, doam vão gastando até acabar o de todo mundo, isso eu achei legal. Lá tem aquele projeto de preservação dos peixes da água, então, têm muitos peixes naquele rio, pirarucu e outros peixes, o próprio piracajá, a tartaruga ela é proibida a pesca para comércio, então, esses quilombolas ajudam a preservar e denunciam, quando entra alguém para caçar, então, eles podem pegar para comer, não podem para vender, entendeu? Eles pegam um pirarucu, por exemplo, um peixão que vai daqui lá um peixão grande, não é para aquela família que pegou, eles repartem na comunidade, eles só vão pegar outro quando acaba, porque lá é só ir pegar, eu vou pegar um pirarucu e dentro de uma hora, hora e meia, ele já trás, então, ele pegava um só, porque é um peixe grande, ele vai cozinhando na sopa, depois cozinha os ossos, fazem sopa com a farinha que eles comem que é cheio de bolotinha, assim, eu não gostei muito daquela farinha, mas eles gostam, cheia de bolotinha a farinha, não é igual a nossa fininha. Eu achei uma experiência que marcou na minha vida, eu vivi uns dias lá de forma diferente da que eu vivo, isso marcou muito, carne e peixe é o que eles comem, não tem outra coisa, inclusive no nosso barco tinha um pouco de arroz, macarrão algumas carnes, porque nós fomos aqui de São Paulo para um lugar chamado Comissão pró-índio de São Paulo, uma ONG, fomos por intermédio deles, tivemos um intercâmbio com eles lá, eles vieram nos visitar aqui e nós fomos para lá visitá-los, e aí, foi uma experiência que marcou muito na minha vida. E outra experiência foi de lá para cá, acho que, antes de chegar em Brasília estava um mau tempo e o avião começou a passar por uma turbulência muito forte, que eu nunca tinha passado daquele jeito, eu passei um apuro dentro do avião, teve uma hora que o avião foi lá embaixo e o pessoal bateu com a cabeça no teto, lá em cima, e as aeromoças, parou tudo aquele negócio de alimento caiu, espatifou no meio do avião e elas vieram rapidamente lavaram para lá aquele negócio, aí, o avião ficou dando uma volta lá, até mudar a rota para sair dessa frente de mau tempo, a luz estava toda vermelha, daí, a luz ficou verde e o pessoal bateu palmas, tinha acabado o sufoco, descemos em Brasília, aqui foi feita uma escala, todo mundo ficou contente. Também me marcou, eu vinha uma vez, não me lembro se foi de Pernambuco para São Paulo naquele antigo avião da Vasp, aquele aviãozinho velho, não tem mais, né? Eu estava nele, e sacudiam as asas eu disse: ai, ai. (risos) Passei um aperto filho da mãe, um avião pequeno que eles chamavam Fokker 100, aqueles aviões finos e compridos, mas esse que quando eu vim do Pará eu passei um aperto, filho da mãe, mas eu acho que não tem, outro lugar que eu fui, graças a Deus, lugar bom, experiência boa.
P/1 – O senhor comentou da Fundação Pró-índio, e me lembrou as questões das comunidades indígenas que tem na região vocês tem contato?
R – Tem, na nossas reuniões a gente convida os caciques eles sempre vem, sempre estamos junto, embora seja coisa diferente, a legislação do índio não tem nada haver com a legislação do quilombo, é diferente, mas a política é a mesma. Então, a gente dá uma mão para eles, engrossamos a luta deles, eles também em relação a nossa e isso aí é uma coisa em que estamos juntos, conhecemos os caciques, eu conheço os caciques deles, não tenho como falar com o resto deles, porque da maioria só o cacique fala português, o restante fala guarani, língua própria, aí, fica difícil entender o que eles falam, mas estão aqui entre nós, no Pariquera tem, no Eldorado tem, estão distribuídas por aí as aldeias deles.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você queria nos contar que eu não perguntei, que a gente não entrou no assunto?
R – Acho que está bom, eu já falei bastante.
P/1 – Você gostou de contar sua história?
R – Bem conversado. História a gente tem para uns três ou quatro dias.
P/1 – Ditão, em nome da equipe gostaríamos de agradecer muito a sua entrevista, muito legal, obrigado.
R – Eu também agradeço por poder contar um pouco da nossa história para vocês.
FIM DA ENTREVISTA
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