IDENTIFICAÇÃO Sou Edson Roberto Lunardi, nascido em Campinas no dia 21 de maio de 1955. FAMÍLIA O meu pai é Edson Lourencetti Lunardi e minha mãe, Lucy Chécchia Lunardi. Os dois de origem italiana, mas nascidos aqui. O pai do meu pai veio no comecinho do século XX, por volta de 1900. A família de minha mãe também veio mais ou menos nessa época. Meu pai nasceu em Campinas e a minha mãe, em Santos André; meu avô, pai da minha mãe, não era italiano e sim os pais dele. Meu avô paterno veio da Itália e se estabeleceu aqui na Fazenda Boa Vista, próximo do Bairro Boa Vista. Ali era uma fazenda que depois foi desmembrada. Lá ele fez um armazém de secos e molhados e fez a vida dele. Meu avô materno trabalhava na Rhodia, em Santo André, e foi designado depois para vir trabalhar, começar atividades aqui em Paulínia. A Rhodia abriu uma unidade na Fazenda São Francisco e aí ele veio transferido de Santo André. Veio morar aqui em Campinas junto com a família. O meu pai estudava aqui em Campinas e conheceu a minha mãe que estudava no Cesário Mota, naquela época. Esse colégio nem existe mais; era no Cambuí. Eles se conheceram, começaram o relacionamento e depois se casaram. O meu pai faleceu agora no ano de 2000. Ele completaria 50 anos de casado em 2003, mas não deu tempo. Tenho duas irmãs. Uma é de 58, vai fazer 49, e a caçula, que é 62, vai fazer 45. A minha irmã é psicóloga formada, mas não pratica. A outra casou, tem uma filha única e não tem atividade profissional nenhuma. INFÂNCIA Eu tenho lembranças de quando morava no Botafogo, que é um bairro próximo aqui. Depois nos mudamos para a Rua Costa Aguiar, que é próximo à nossa loja nossa. Lá nós moramos de 1958 até 1966; era um prédio de apartamento. Então, de certa forma, poderia se brincar um pouco, mas a melhor parte mesmo era quando chegava no domingo, era um costume do meu pai, nós íamos almoçar na casa da minha avó que morava no...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Edson Roberto Lunardi, nascido em Campinas no dia 21 de maio de 1955. FAMÍLIA O meu pai é Edson Lourencetti Lunardi e minha mãe, Lucy Chécchia Lunardi. Os dois de origem italiana, mas nascidos aqui. O pai do meu pai veio no comecinho do século XX, por volta de 1900. A família de minha mãe também veio mais ou menos nessa época. Meu pai nasceu em Campinas e a minha mãe, em Santos André; meu avô, pai da minha mãe, não era italiano e sim os pais dele. Meu avô paterno veio da Itália e se estabeleceu aqui na Fazenda Boa Vista, próximo do Bairro Boa Vista. Ali era uma fazenda que depois foi desmembrada. Lá ele fez um armazém de secos e molhados e fez a vida dele. Meu avô materno trabalhava na Rhodia, em Santo André, e foi designado depois para vir trabalhar, começar atividades aqui em Paulínia. A Rhodia abriu uma unidade na Fazenda São Francisco e aí ele veio transferido de Santo André. Veio morar aqui em Campinas junto com a família. O meu pai estudava aqui em Campinas e conheceu a minha mãe que estudava no Cesário Mota, naquela época. Esse colégio nem existe mais; era no Cambuí. Eles se conheceram, começaram o relacionamento e depois se casaram. O meu pai faleceu agora no ano de 2000. Ele completaria 50 anos de casado em 2003, mas não deu tempo. Tenho duas irmãs. Uma é de 58, vai fazer 49, e a caçula, que é 62, vai fazer 45. A minha irmã é psicóloga formada, mas não pratica. A outra casou, tem uma filha única e não tem atividade profissional nenhuma. INFÂNCIA Eu tenho lembranças de quando morava no Botafogo, que é um bairro próximo aqui. Depois nos mudamos para a Rua Costa Aguiar, que é próximo à nossa loja nossa. Lá nós moramos de 1958 até 1966; era um prédio de apartamento. Então, de certa forma, poderia se brincar um pouco, mas a melhor parte mesmo era quando chegava no domingo, era um costume do meu pai, nós íamos almoçar na casa da minha avó que morava no Bairro da Boa Vista. Era uma infância em que tínhamos contato com os pés de fruta, com as galinhas, enfim, com a natureza. Então eu podia colocar os pés no chão, levava os brinquedos para brincar na terra. Foi uma infância gostosa, legal. A minha mãe já levava as roupas de troca e lá mesmo nós tomávamos banho. Era banho de banheira porque não tinha energia, a água era aquecida no fogão à lenha. Banho de bacia mesmo. Então isso são coisas que marcam a infância. ADOLESCÊNCIA Depois vem a adolescência. Saímos dali, viemos morar aqui na Rua Saturnino de Brito, atrás da maternidade. Era um beco, uma rua sem saída. Ali foi uma etapa muito boa da vida porque já cheguei lá com 11 para 12 anos. Eu podia brincar na rua, coisa que eu não podia fazer antes porque eu morava em prédio. Jogar bola na rua, brincar de esconde-esconde, queimada. E não tinha hora, assim: “Ah, rapaz, você já tomou banho? Não vai correr agora de noite”, coisa que eu não queria saber. Ficava na rua brincando até oito, nove horas da noite. Não era preocupado com televisão, com nada. Era uma coisa extremamente saudável e muito boa. Sempre que eu posso, eu fico recordando, porque é muito agradável. Não tinha muitas opções de divertimento. Era um cinema ou tomar sorvete nas Lojas Americanas aqui no centro. A cidade era restrita a isso. Ou a Gazetinha aos domingos, que era uma coisa muito agradável, o filme do Gordo e o Magro, Tom e Jerry, as coisas do domingo. Era uma coisa que se falar para garotada de hoje, nem sabe o que é. Mas era o programa do domingo. Começava ali na parte da manhã. Depois foi crescendo, crescendo. Tinha a Boate do Cultura com as músicas para dançar. Antigamente tinha aquela coisa. Hoje não. Eu nunca mais fui a balada, essas coisas de falar: “Ah, toca música lenta para dançar junto”. Não, hoje o pessoal quase nem dança mais junto. Aquela coisa assim meio romântica. Tempo da Cuba Libre, Coca-Cola com Rum. Então era assim, os amigos, coisas saudáveis. Não tinha nada de vício ou coisas ruins. Eu andava a pé porque naquela época ninguém tinha carro, não tinha carteira para dirigir. Jogava bola na rua senão ia para o clube à noite conversar com os amigos e assim passava o tempo. COMÉRCIO DE CAMPINAS Quando eu morava na Costa Aguiar, ainda com três, quatro, cinco anos, saí daí com 11, era uma loja que me marcou muito. Não existe mais essa loja, chamava-se Casa Bongo. Era um sonho entrar lá porque tinha brinquedos de tudo quanto era tipo. Eram muitos produtos que vinham do Japão, coisas novas, brinquedos novos. Enfim, coisas, novidades que pra época eram um sonho. Então ficava lá olhando a prateleira. Não tinha muita posse pra comprar; o que tinha era a vontade de comprar. Não estava assim com aquela, vamos dizer, facilidade para se adquirir as coisas. Então eu ficava lá e ficava imaginando. Mas foi uma loja que me marcou muito, Casa Bongo. É uma pena que ela não existe mais. Nessa rua mesmo, tinha um atacadista muito grande que chamava Pires e Companhia. Tinha tudo ali. Antes dele um pouquinho, tinha um depósito de sacaria que vendia feijão, arroz, batata. Comprava picado, podia marcar na caderneta, pagava no final do mês. Marcava a lápis: “Olha quanto eu estou devendo. Marca aí e tal”. E era uma coisa assim. As lojas antigamente eram muito agradáveis. A Treze de Maio era praticamente o shopping. Então as lojas fechavam às 18 horas, mas as vitrines permaneciam abertas. No passeio noturno você tinha a oportunidade de ver uma galeria, ver uma loja de roupas, enfim. Depois, por volta de 22 horas, passava um senhor com as chaves no bolso fechando todas aquelas portas porque era hora de fechar. Uma coisa inimaginável nos dias de hoje. Fazer compras mesmo em São Paulo era raro. Passava por São Paulo porque uma vez por mês ia visitar uma tia que morava em Mauá. Então era um caminho que a se fazia, mas para compras não. TRANSPORTES Íamos de Fusca. Não só para São Paulo como pra Santos passear; o meu pai, minha mãe, eu, minhas duas irmãs e as malas num fusca. Levava a gente, chegava e voltava. FORMAÇÃO Eu comecei a estudar no Educandário Santa Terezinha. Essa escola ficava na Rua Regente Feijó. Ali eu fiz acho que o primeiro, o segundo e terceiro ano. Aí o terceiro ano, eu acho que eu fiz no Colégio Ave Maria, que era um colégio misto. No quarto ano voltei para o Educandário e lá completei o grupo. Tirei o diploma. Naquela época, quem quisesse cursar um colégio estadual tinha que fazer um tipo de vestibular. Não era fácil entrar num colégio estadual, era muito difícil. Tinha como se fosse um mini vestibular com “x” vagas disponíveis e você tinha que concorrer. Eu me lembro que fiz um cursinho preparatório aqui na Rua Bernardino de Campos, com Dona Nina e Seu Pompeu, e lá eu prestei e entrei em um colégio estadual próximo de casa, ali perto da Avenida Brasil. Mas não me adaptei. Fui estudar no Liceu Salesiano, dos padres, de 67 a 73. Então, havia naquela época um respeito... Sei lá se era respeito, temor, medo, alguma coisa assim. Era um regime bem enérgico para época, para os padres, aquela coisa. Em 73, eu saí, fui servir o quartel. Depois eu já tinha terminado o ginásio, fui fazer colegial. Fiz um colégio técnico, lá no Pio XII, Programação de Computadores. Fiz os três anos. Depois prestei PUC, fiz três anos de universidade e parei; tranquei a matrícula e não voltei mais. Ficou interrompido, não tenho o curso superior. Hoje em dia ainda tem uma orientação vocacional. Alguns colégios, no segundo ou no terceiro ano, fazem esse tipo de preparo. Mas naquela época não tinha quase isso. Então tinha que ir mais ou menos no tato. Será que é isso, será que não é? Aquela dúvida, aquela coisa toda e tal. Aí acabei optando em fazer Economia e parei no terceiro ano. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Sempre respeitei muito meus pais. A minha mãe, eu chamo até hoje de senhora, não consigo chamar de você. Minhas irmãs conseguem, eu não. O meu pai era sempre de senhor. E é interessante porque, quando chegavam as férias, tanto de julho quanto de final de ano, ele falava assim: “Está de férias?” Isso quando eu tinha 13, 14 anos. “Eu estou, pai. Agora eu vou poder brincar um pouco na rua.” Já morava ali na casa e tudo mais. Ele falou: “Olha, você escolhe, ou a parte da manhã ou a parte da tarde. O dia inteiro em casa você não fica. Metade do dia você vai brincar e metade do dia você vai trabalhar.” “Mas, pai, os meus amigos...” “Os seus amigos são seus amigos. Você vai trabalhar, você vai subir comigo.” Ele tinha mania de falar assim: “Você vai subir comigo pra loja e vai trabalhar.” Aí eu ia que ia imaginando o pessoal jogando bola ou fazendo alguma atividade, sem compromisso de horário, sem nada, e eu preso naquele balcão, atendendo. Eu ia aos bancos, ia pra cima, pra baixo, ia nos prédios do Estado, que naquela época tinha aqueles livros de contabilidade que tinha que ter o carimbo do Estado, uma série de coisas burocráticas que eu tinha que fazer. Enfim, a coisa começou e eu não tinha férias. Ou seja, tinha parte das férias, mas esse era um compromisso que eu já tinha assumido. Por isso que eu estou atrás de um balcão, praticamente, desde os 15 anos. Não foi por imposição e nem por comodidade. A coisa foi naturalmente, porque meu pai até me deu o empurrão, mais por ele estar presente lá, acompanhar o dia-a-dia. Praticamente, eu nasci dentro da loja; a loja nasceu em 51 e eu nasci em 55. Então aquilo veio e estamos tentando dar continuidade nisso que meu pai deixou. O meu pai era formado contador, mas não se identificava muito com isso. Ele gostava de comércio Com 18 anos, ele chegou para o pai dele e falou: “Eu vou para São Paulo.” E foi ser representante do Laboratório Sydney Ross, em São Paulo, que vendia o Melhoral. Ou seja, ele era propagandista do laboratório e distribuía o Melhoral nas farmácias. Morava em pensão em São Paulo e aquilo foi a vida dele. Quando conheceu a minha mãe, surgiu uma oportunidade e ele largou lá. Aí o convidaram para ter um ringue de patinação - disso até ele dava risada -, mas também a coisa não deu certo. Ele começou a transportar batata de Londrina aqui para o Estado de São Paulo. Mas quando chovia, era tudo estrada de terra, e era uma coisa muito difícil. Foi quando ele conheceu um sócio, um amigo dele, o Hernani, e eles falaram: “Vamos abrir uma loja assim, assim, assim, assado.” Campinas eu acho que não tinha muita loja, pouca coisa nesse sentido. Ficaram sócios dois ou três anos, coisa assim. O sócio vendeu a parte dele para o meu pai e o meu pai ficou aí até os últimos dias dele, quando ele veio a falecer. Então aquilo pra ele, queira ou não, desde que eu me conheço por gente a loja era a vida dele. JUVENTUDE Na década de 70, eu estava com 15 anos, e para os mais jovens tinha a Gazetinha aos domingos. Depois vai passando um pouquinho mais o tempo, a cidade sempre mais concentrada, ou as diversões, muito centralizadas. Não tinha coisas espalhadas, shoppings ou “vai ter balada em tal cidade”. Eu particularmente, às vezes, podia dirigir, mas não gostava muito. O pessoal ia, às vezes, pra Serra Negra ou pra outros lugares que tinham algumas coisas, mas eu não. As diversões ficavam limitadas a um cinema, teatro, pouca coisa. A cidade depois perdeu um teatro maravilhoso, foi uma coisa. Eu tenho um livro, inclusive, e lá se conta como foi demolido, uma história que não convenceu. A famosa história da armação, que tinha problemas estruturais e coisa e tal. Já com 16 pra 17 anos era aqui no Clube Cultura Artística. Tinha as boates do sábado à noite, então ficava restrito ao sábado. Eu saía de lá às três, quatro horas da manhã, ia a pé para casa, conversando com os amigos, coisas assim bem gostosas de se fazer. Domingo era um dia que eu não gostava muito porque já era dia de logo voltar pra escola na segunda-feira, a não ser nas férias. Mas no dia-a-dia era assim. Depois, já com carteira, com 18 pra 19 anos, tinha uma avenida ali no Taquaral que hoje é uma loja de móveis. Então era o point do pessoal, da paquera, de passar de carro, desfilar. Enfim, eram essas as atividades que tínhamos naquele tempo. Chegava no final de semana eu lia um livro ou lia um jornal. Não tinha muita atividade de querer sair de carro ou passear para fora da cidade, ficava aqui mesmo. A partir de 75, depois que eu saí do quartel, passei a estudar à noite. Então já ficou uma rotina de horário comercial mesmo. Eu saía às seis horas da loja e ia para casa. COMÉRCIO DE CAMPINAS Nos dias de semana, de segunda à sexta-feira, abriam às oito e fechavam às 18 horas. Aos sábados abria às oito e fechavam ao meio dia. Hoje, de uns dez anos para cá, continua abrindo às oito, dependendo da loja; se é uma loja de departamento, uma Pernambucanas ou Lojas Americanas ou C&A, aqui no Centro, eles estendem até umas 19 horas, mais ou menos. E aos sábados, os magazines em geral abrem entre 16 e 18 horas, nos dias de hoje. O comércio era muito centralizado porque tudo o que tinha que comprar era no centro da cidade, porque até então os bairros não eram afastados. Hoje a maioria dos bairros tem vida própria, tem os seus bancos, seus supermercados, as suas lotéricas. Enfim, dificilmente a pessoa se desloca para o centro, a não ser por uma necessidade ou por uma outra coisa que queira vir ao centro da cidade. Então muitos bairros ganharam vida própria e, de certa maneira, se afastaram um pouco. O consumidor, antigamente, era totalmente voltado para o centro da cidade, para qualquer segmento. Fosse nesse nosso negócio de bicicletas, de peças e acessórios, ou fosse para comprar um tecido; se fosse pra comprar alguma coisa diferente tinha que vir ao centro da cidade que tudo estava centralizado aqui, no miolo da cidade; os bancos principalmente. Hoje não. Hoje você tem os shoppings, você tem os bairros com toda a infra-estrutura. Isso dividiu muito a cidade. TRANSFORMAÇÕES É a era antes do shopping e o pós-shopping. Até a década de 80 não se tinha shopping em Campinas. O Iguatemi foi inaugurado em maio de 1980. Então era tudo aqui. Os cinemas eram todos no centro da cidade. Num filme de grandes bilheterias havia uma fila imensa na calçada esperando pra comprar o ingresso. Isso acontecia, era muito comum: “Olha, a fila está muito grande, vamos voltar outro dia.” Hoje é coisa inimaginável. Tanto é que os cinemas do centro acabaram. O perfil do consumidor, aqui do centro mudou um pouco. Eu acho que os shoppings... Quem tem um poder aquisitivo um pouco melhor ou que tem um meio de locomoção, pode se dar ao luxo de ir de carro, enfim. Mas qualquer ser humano também gosta do bonito e gosta de ver as coisas novas e bonitas. Então o centro também, houve uma época que ele não foi bem tratado como deveria ser. Não que ele tenha sido abandonado, mas passou por um período de desgaste, de não revigoraração, até que há quatro anos atrás houve um projeto de revitalização no centro de Campinas, começando justamente pela Treze de Maio. Mas começou uma coisa que foi horrível. Passamos dois anos lá, coisa horrível assim em questão de obras que não se acabavam e ninguém assumia nada. Com isso se afastou muito o consumidor do centro da cidade. Ninguém queria tropeçar em buraco, ninguém queria pisar em terra e muito menos encher o pé de barro ou de lama quando chovia, na Treze de Maio, que seria o corredor de obras principal do centro da cidade. Com isso houve uma perda considerável. O consumidor de antigamente era um consumidor diferente. É complicado porque parece que as pessoas se tratavam melhor. Hoje falta um pouquinho de educação, é carente disso. Quem está atrás de um balcão tem que ter muita paciência e passar por cima de muita coisa. O cliente sempre tem razão. Mas eu acho que isso pode ser um processo de mudança que amanhã ou depois a sociedade pode melhorar um pouco mais nesse sentido. Mas por enquanto, eu vejo que o centro ainda precisaria de mais alguma coisa, mais algum atrativo, alguma coisa que pudesse trazer esse pessoal que deixou de freqüentar o centro da cidade. É coisa muito comum as pessoas, às vezes, irem lá na loja: “Ah, como faz pra eu ir? Eu não vou ao centro faz dez anos.” Uma pessoa que mora, às vezes, no Cambuí, ou mora ali próximo ao shopping, eles iam fazer o quê no centro se eles estão de carro, a cinco minutos de um shopping ou a dez minutos da casa dele no Cambuí, que tem tudo também ali? Então você goza de algumas facilidades. Aqui no centro você está correndo o risco de ser multado, você tem que pagar a Zona Azul, você não sabe se você vai tomar multa, se você vai fazer fila dupla. Às vezes, o cliente telefona na loja: “Você tem estacionamento?” Eu falo: “Ah, tem um convênio.” É outro ponto que as lojas, se não tem estacionamento, a pessoa não vem. Ele quer comodidade. CLIENTES É comum o cliente falar: “Ah, eu sou cliente aqui há tantos anos, eu conheci o seu pai, eu comprava aqui.” O então vai o filho e fala: “O meu pai comprava aqui.” Ou vai o neto, enfim, aquela coisa. O meu pai sempre falava: “O vender não é tão difícil, o importante é o pós-venda, é você dar o suporte ao cliente, você dar assistência ao cliente, que ele vai precisar, quando ele precisar, ou uma necessidade. Porque, às vezes, num magazine, comprou uma geladeira, deu problema, dizem ‘olha, a nota fiscal está aqui, vai numa assistência técnica e manda consertar’.” Não é assim. Tem que dar uma geladeira nova para o cliente e a loja tem que fazer qualquer coisa com aquela geladeira, mandar consertar, devolver para fábrica. Não pode dar trabalho ao cliente. Há pouco tempo o cliente comprou uma câmara de ar na loja, deu problema e eu não vou questionar com ele: “Olha, se foi o senhor que furou ou não foi, está aqui uma câmara de ar nova.” Eu vou me entender com o meu fornecedor. Eu tenho que resolver o problema do cliente. Então isso é uma política que eu procuro ter lá porque eu acho que é uma forma de passar confiança para o cliente, e com isso conseguimos agregar mais alguma coisa. EVENTOS CICLÍSTICOS De uns cinco ou dez anos para cá o que acontece está sendo mais divulgado, está tendo uma apelação maior em termos do próprio ser humano de se cuidar mais na parte física. Até comentamos que tanto a natação quanto o ciclismo são esportes que não fazem mal às estruturas porque não são esportes de impacto como a corrida, por exemplo. A natação é dentro da água e a bicicleta em cima. Você só tem que fazer força pra pedalar, você não tem aqueles impactos. Então eu acho que com isso o próprio ramo, ganhou uma sobrevida, ganhou oxigênio pra continuar. CLIENTES Antigamente, no tempo do meu pai, a bicicleta era mais um meio de transporte. Era o operário que precisava da bicicleta e as bicicletas eram mais pesadas. Eram estruturas diferentes. Era um equipamento que não era pra acabar. Ou seja, você tinha uma manutenção periódica, mas o principal quadro dela era pra quase toda a vida. Hoje já não. Hoje se faz uma produção de uma coisa mais pra consumo e pra que haja uma reposição, não digo imediata, mas a médio e curto prazo, que as coisas não foram feitar para durar como duravam antigamente. Há mais jovens pedalando, mais procura, sem dúvida, mas é outra coisa. Depois, com o advento do computador e do videogame, o pessoal deu uma acomodada. Não sei se só para o meu ramo ou para outras coisas também. Lógico que tem o pessoal que gosta do ciclismo. Tenho amigos que são apaixonados por ciclismo, gastam uma grana legal porque gostam. Então para eles está sempre bom. E tem uma gama de pessoas muito grande que pensa dessa maneira, mas alguns jovens deram uma acomodada. O perfil, de certa forma, mudou. O pessoal está procurando mais isso em função de exercitar também, de fazer um condicionamento. MUDANÇAS Eu me lembro quando as prateleiras e os balcões eram de madeira. Já foi um passo grande quando mudou pra aço inox. Até hoje estão lá as prateleiras. A disposição, sempre tentamos mudar um pouquinho aqui, mudar ali, pra variar, mas basicamente as mercadorias que tem, o lugar delas, elas ficam ali, as bicicletas na entrada, por ali e tal. Mas no conjunto geral, o que mudou foi o mobiliário. Agora, na parte estrutural mesmo, pouca coisa. PRODUTOS Eles vão mudando em função das novidades e da modernidade. Por exemplo, pneus e câmara de ar não mudam muita coisa. É lógico que na parte de acessórios houve muita mudança, na parte de freio, manetes de freio, selins com uma ergonomia diferenciada, selim de gel, enfim, manoplas do guidão de espuma ou de gel. Então as coisas evoluem. Temos que tentar acompanhar e não deixar, de certa maneira, que a coisa escape. Lógico, sempre falta uma coisinha ou outra. Mas no conjunto em geral é procurar ter sempre aquilo que está em evidência. FORMAS DE PAGAMENTO No mesmo ano que o meu pai faleceu, o pessoal da SBT [rede de televisão] foi fazer uma reportagem e ele falou disso: “Olha, fulano, você me empresta tanto ou você me faz assim, assado, eu venho te pagar no final do mês.” Isso era muito comum entre os vizinhos de comércio, um socorrer o outro: “Olha, fulano, eu preciso pagar, você me ajuda e tal?” “Está aqui.” Era uma coisa. Lá na loja eu tenho um papelzinho: “Não aceitamos cheques.” Quando perguntar: “Você está certo? Você pode, você não pode?” Mas eu que não sou grande e já tomei tantos tombos. Eu falei: “Olha, eu não sei se eu estou no meu direito ou não de aceitar.” Eu vou falar, faz uns três anos que eu coloquei lá. Aceito qualquer tipo de cartão de crédito, débito, até porque, às vezes, o cliente comprava lá uma bicicleta em três vezes, você dá um cheque, três cheques. Você consultava primeiro. Ok. Aí, dali pra frente não recebíamos mais. Então eu acho que o próprio cheque está perdendo a força com isso. Tem que se abraçar uma venda com cartão de crédito ou em dinheiro porque no cheque, realmente, não dá mais pra acreditar. PROMOÇÕES Quando o poder aquisitivo está legal eu acho que pode até haver uma promoção aqui, uma liquidação lá, pra ajudar. No geral, quando a coisa está fluindo bem é dispensável. E eu vejo lá vizinhos com loja de roupas, conhecidos nossos, promoção disso ou promoção daquilo, faz isso, faz aquilo, é show disso, show daquilo, é bexiga e tal, e as lojas vazias. Então eu acho que quando o cliente não tem o dinheiro fica difícil. Mas, lógico, pode se incrementar com uma promoção. Por exemplo, na compra acima de “x” reais ganha um brinde, alguma coisa. Isso é um chamariz pra incrementar as vendas, mas, no geral, a coisa está bem calma. FUNCIONÁRIOS Sou eu e mais um funcionário. Antigamente, o meu pai ficava no balcão, ajudava e tal, e eu também ficava. Chegamos a ter eu e mais três funcionários. A loja abria e era um movimento contínuo. Lojas iguais ou lojas do ramo de bicicleta, hoje qualquer bairro que você for, tem. Por exemplo, tem uma loja espetacular no Cambuí, outra também boa no Dom Pedro. Tem lojas no Mackenzie. Eu falo aqui porque são pessoas conhecidas. Quando eu não tenho, indico e quando eles não têm, eles me indicam. Enfim, é uma reciprocidade bem legal. Mas depois tem os bairros afastados da cidade, às vezes, a pessoa não tem uma atividade e põe lá na garagem da casa dele, monta, enfim, e vai segurando, com isso divide muito o mercado. CIDADES / CAMPINAS/ SP Campinas é maravilhosa, uma cidade muito boa. Tem muita cultura, um povo muito culto, um povo educado. E depois, de uns anos para cá, a cidade foi absorvendo, absorvendo e, às vezes, até sem ter a infra-estrutura possível para absorver população ou gente chegando de fora. Então extrapolou. Aí a coisa tomou um rumo que não consegue controlar. Às vezes, falta banco de escola, parte da saúde, de cultura. Então eu acho que poderia rever isso e tentar reverter. Mas é um pouco difícil. A região metropolitana de Campinas engloba acho que Hortolândia, Sumaré, Campinas, Valinhos, Vinhedo, Americana, Limeira. Com isso acho que nós passamos de um milhão e meio de habitantes, um pouco mais. Mas essas cidades que compõem a região metropolitana também cresceram, são cidades já com vida própria. Porque até então, há uns anos atrás, quem morava em Hortolândia, Sumaré, era tudo um comércio pequeno, ia para Campinas também, Valinhos. Hoje não, são cidades independentes, têm vida própria também. Mas quem carrega o piano mesmo dessa coisa é Campinas. Quem tem a responsabilidade é Campinas. ESTADO DE SÃO PAULO É um estado que carrega o país nas costas. Eu acho que São Paulo, de certa forma, é um estado acima de tudo industrializado. Isso vem dos tempos lá do Matarazzo, que queira ou não alavancou a indústria de São Paulo. Enfim, é um estado muito forte. É um estado aí que eu acho que, queira ou não carrega o país nas costas. Boa parte do país aqui, a responsabilidade, é do estado de São Paulo. DESAFIOS Acho que são ciclos que existem no comércio. Eu acho que são variáveis, são épocas. Por exemplo, naquela época do Cruzado, quando trocou a moeda, de congelamento de preços, que não se podia mexer, que haveria represálias. Depois a mudança de novo para o Real. Temos que ir nos adequando. O próprio poder aquisitivo hoje, que caiu muito. Então tem que saber conciliar a receita com as despesas, porque as despesas sempre continuam; às vezes, aumentam, e a receita não corresponde. Temos que trabalhar em cima disso pra poder nos manter vivos. E são esses os desafios que temos que ir tentando equilibrar daqui e dali pra poder dar a volta por cima. Mas eu acho que pra uns refletem mais, pra outros menos, mas cada um tem o seu ciclo de dificuldades naturais do comércio. Acho que hoje a maioria do pessoal que está envolvida no comércio, que gosta e que, de certa maneira, quer levar a coisa a sério, está percebendo que é um momento um pouco difícil. Não sei se é pra culpar a transição ou se é o governo, se não é, se é taxa tributária, se não é. Mas, enfim, são momentos agora que estão um pouco difíceis no geral, mas eu acho que são ciclos e ele deve, naturalmente, normalizar futuramente. FAMÍLIA A minha família ajuda na loja. Às vezes minha esposa fica lá se eu tenho algum compromisso. É uma maneira de estar participando, de estar vendo o dia-a-dia, como eu participo em casa. Por exemplo, eu tenho um filho, Bruno, vai fazer 19 anos agora, mês que vem. Está naquela idade que sonha com um monte de coisa. Então eu falo: “Hoje as coisas estão mais difíceis”. Eu procuro deixá-los a par do dia-a-dia, porque nem sempre dá pra gente fazer um programa diferente. Quando dá, se faz; quando não dá, tem que haver a compreensão mútua porque eu acho que são situações momentâneas. E eu procuro participar: “Olha, a coisa está assim, está assado, e estamos no mesmo barco, tem que saber controlar bem isso.” Numa boa. Controlamos bem as coisas e levamos numa boa, sem pressão daqui, sem cobrança de lá. Mas é lógico, cada um pensa proporcional à época. Então hoje o mercado oferece tantas coisas. Naquela época não tinha celular, não tinha computador, não tinha... Enfim, era televisão e cinema. Mas de certa maneira nós levamos numa boa, legal e com muita harmonia acima de tudo. COTIDIANO Na realidade eu gosto muito de conversar com pessoas que têm mais tempo que eu, pessoas de mais idade, porque sempre aprendo com eles. Agora, no próprio dia-a-dia, sempre tem alguma novidade. Ou são pessoas que a gente não via há muito tempo, que tem algumas histórias pra nos narrar. Histórias marcantes são difíceis de a gente conseguir escutar porque temos uma rotina de trabalho no balcão... Lógico que tem que ter paciência um pouco acima do necessário. Acontece. Por exemplo, uma vez um cliente comprou uma bicicleta lá e achou que não estava de acordo. Eu falei: “Você tem toda a liberdade de devolver, não tem problema nenhum.” Aí começou a gritar na loja, começou a falar e são coisas que temos que colocar limites: “O senhor está dentro do estabelecimento. A gente está tratando o senhor bem e eu acho que a recíproca não está sendo de acordo e tal.” Aí contornou a coisa. Mas são coisas que seriam desnecessárias, são coisas que machucam, não estamos acostumados com esse tipo de tratamento. Mas são situações que temos que passar e tentar lidar e levar. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS A proposta do Sesc é maravilhosa; é digna de muitos elogios. Quisera que outras áreas também resgatassem porque tudo que é história é importante para quem está aqui, para quem está chegando, para quem amanhã vai estar aqui na cidade, para quem vai nascer futuramente. É importante saber onde nasceu, porque, como foi, como é e porque é assim. Eu acho que é importante ter um passado a resgatar, e um passado que seja bem retratado para os que estão chegando futuramente. Eu me sinto imensamente orgulhoso, satisfeito. Espero ter colaborado um pouquinho com o trabalho de vocês, que tem todo o meu apoio. E meus parabéns para vocês que são tão dedicados e empenhados em um trabalho muito difícil e maravilhoso acima de tudo.
Recolher