Depoimento de Leonie Rosenthal
Entrevistada por Cláudia Leonor e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 26 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Leonie, eu queria que a senhora falasse o nome completo da senhora.
R - O nome completo. O que mais?
P - Onde a senhora nasceu e que dia a senhora nasceu. Pode falar.
R - Meu nome é Leonie Rosenthal. Eu nasci dia 26 de julho de 1900, na cidade de Ham, perto de Dusseldorf.
P - Certo. E como é que era a infância da senhora? O que é que a senhora fazia quando criança?
R - Não entendi a pergunta.
P - O que é que a senhora fazia quando a senhora era criança na Alemanha? A senhora brincava do quê?
R - Bem, com sete anos freqüentei a escola de Dusseldorf a gente saiu e ... Isso eu tenho de pensar um pouco, né?
P - Pode pensar.
R- Não faz mal, não?
P - Não.
R - Bem, nós saímos de Dusseldorf foi em 1937, e fomos para o Brasil. E nós ficamos os primeiros meses em Marília numa fazenda.
P - Certo. Por que a senhora saiu da Alemanha e veio para o Brasil?
R - O que eu fiz?
P - Por que é que a senhora saiu da Alemanha?
R - Ah, por que motivo?
P - Isso.
R - É dois motivos: a gente sentiu que vai ter guerra e também nós não queríamos viver na Alemanha no tempo de nazismo. Estes foram os motivos.
P - E a senhora veio com o pai da senhora? Com quem a senhora veio para o Brasil?
R - Eu fui com meu marido e meus dois filhos pequenos.
P - Certo. E vocês chegaram em Santos? Onde vocês chegaram?
R - Nós fomos é de navio, da Antuérpia até Santos.
P - Que é que a senhora lembra da viagem do navio?
R - Me lembro, tinha uma boa viagem, especialmente os meninos se divertiam muito, só.
P - Por que é que eles se divertiram muito?
R - Porque tinha mais criança. Eles brincaram muito, não?
P - E quando a senhora chegou em Santos, o que é que a senhora achou do Brasil?
R - É difícil falar. A primeira impressão foi muito boa. Nós...
Continuar leituraDepoimento de Leonie Rosenthal
Entrevistada por Cláudia Leonor e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 26 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Dona Leonie, eu queria que a senhora falasse o nome completo da senhora.
R - O nome completo. O que mais?
P - Onde a senhora nasceu e que dia a senhora nasceu. Pode falar.
R - Meu nome é Leonie Rosenthal. Eu nasci dia 26 de julho de 1900, na cidade de Ham, perto de Dusseldorf.
P - Certo. E como é que era a infância da senhora? O que é que a senhora fazia quando criança?
R - Não entendi a pergunta.
P - O que é que a senhora fazia quando a senhora era criança na Alemanha? A senhora brincava do quê?
R - Bem, com sete anos freqüentei a escola de Dusseldorf a gente saiu e ... Isso eu tenho de pensar um pouco, né?
P - Pode pensar.
R- Não faz mal, não?
P - Não.
R - Bem, nós saímos de Dusseldorf foi em 1937, e fomos para o Brasil. E nós ficamos os primeiros meses em Marília numa fazenda.
P - Certo. Por que a senhora saiu da Alemanha e veio para o Brasil?
R - O que eu fiz?
P - Por que é que a senhora saiu da Alemanha?
R - Ah, por que motivo?
P - Isso.
R - É dois motivos: a gente sentiu que vai ter guerra e também nós não queríamos viver na Alemanha no tempo de nazismo. Estes foram os motivos.
P - E a senhora veio com o pai da senhora? Com quem a senhora veio para o Brasil?
R - Eu fui com meu marido e meus dois filhos pequenos.
P - Certo. E vocês chegaram em Santos? Onde vocês chegaram?
R - Nós fomos é de navio, da Antuérpia até Santos.
P - Que é que a senhora lembra da viagem do navio?
R - Me lembro, tinha uma boa viagem, especialmente os meninos se divertiam muito, só.
P - Por que é que eles se divertiram muito?
R - Porque tinha mais criança. Eles brincaram muito, não?
P - E quando a senhora chegou em Santos, o que é que a senhora achou do Brasil?
R - É difícil falar. A primeira impressão foi muito boa. Nós tínhamos amigos de Dusseldorf que comprou aqui uma fazenda e ele convenceu nós de ir juntos. Quer dizer, ele trabalhou na fazenda e depois meu marido e eu também.
P - Dona Leonie, foi fácil conseguir o visto para vir para o Brasil?
R - Foi.
P - Foi fácil conseguir o visto para vir para o Brasil?
R - Isso eu tenho de pensar. Ah, devido a carta do amigo que tínhamos a gente arrumou fácil.
P - Na Alemanha a senhora já tinha estudado?
R - Não, só na Antuérpia mesmo. Porque a gente precisava ter uma certa importância. E na Alemanha a gente não podia ter, e os amigos mandavam para Antuérpia.
P - O que é que a senhora estudou na Antuérpia?
R - Como?
P - Que curso a senhora fez? Que curso a senhora estudou?
R - Contabilidade.
P - E a senhora trabalhava também na Alemanha?
R - Trabalhei sim. Trabalhei num banco.
P - E era comum naquela época as mulheres trabalharem, fazerem contabilidade?
R - Bem, eu trabalhei num banco, neste ramo de comércio, não?
P - Mas, dona Leonie era comum, naquela época, as mulheres trabalharem em contabilidade num banco?
R - Não foi tão comum que as mulheres trabalhavam, mas muitas já trabalharam.
P - E quando a senhora chegou no Brasil, a senhora foi para uma fazenda. Onde ficava essa fazenda?
R - Quanto tempo?
P - Aonde ficava?
R - Perto de Marília.
P - A senhora lembra o nome da fazenda?
R - Sim. Fazenda Flor Roxa.
P - Certo. E o marido da senhora trabalhava aonde? O que é que ele fazia na fazenda?
R - Ele trabalhou na almoxarifado.
P - Certo. Ele fazia o que exatamente? A senhora sabe?
R - O serviço dele pra dizer bem na verdade não sei bem.
P - E a senhora fazia o que na fazenda, dona Leonie?
R - Eu, eu trabalhei no escritório. E tinha os cadernos, cadernetas dos colonos, eles sempre tinham algumas dívidas e a gente fez esses cadernos deles. Foi uma fazenda bem grande.
P - E a fazenda plantava? Plantava o que?
R - De algodão e café.
P - E a senhora que pagava os colonos? Como é que era?
R - Eu trabalhei no escritório e ganhei dinheiro. A casa que a gente tinha não custa aluguel e na fazenda tinha o armazém que a gente podia comprar de tudo.
P - O que é que tinha neste armazém que a senhora costumava comprar?
R - Como?
P - O que é que tinha neste armazém que a senhora comprava?
R - Como numa grande venda.
P - E as crianças, que é que elas faziam, os filhos da senhora?
R - Tinham a escola também e os dois meninos só na escola e aprenderam muito depressa o português. Mais depressa do que os pais, do que nós.
P - Como que a senhora fez pra aprender o português?
R - Como a gente aprendeu? Na prática, em grande parte na prática, tínhamos livros também. Quer dizer, foi teoria e prática. Mas o mais importante foi a prática, não?
P - Certo, e quando que a senhora veio pra São Paulo?
R - Por quê?
P - É, a senhora ficou um tempo na fazenda, depois a senhora veio pra São Paulo?
R - Bem, o caso foi que na escola que tinha na fazenda, trocava continuamente a professora, o professor, e bastante tempo não tinha nem professor, nem professora e nós não queríamos que os rapazes perdessem tanto tempo escola, né? Esse foi o motivo, um motivo e outro foi que os meninos também sofreram de feridas que, porque a diferença do ar parece que não fez bem pra eles.
P - Certo, e a senhora se mudou pra São Paulo, a senhora continuou a trabalhar?
R - Em São Paulo eu arrumei muito depressa lugar para trabalhar num escritório de gente alemã.
P - Era uma empresa? Era uma fábrica ou um escritório?
R - Eu não sei bem o que eles fizeram, em todo o caso eu aprendi mais português lá. A firma não estava muito bem e abriram falência. E naquele tempo meu marido arrumou uma pequena loja em Indianópolis. Agora a gente fala Moema, não? Que o bairro ficou como Moema.
P - Certo. Eu queria que a senhora me contasse uma coisa. Esse escritório que a senhora trabalhou era uma imobiliária?
R - Onde eu trabalhei?
P - É. Eu queria que a senhora me contasse o seguinte: a senhora que decidiu que a senhora ia trabalhar lá, porque o patrão não decidia. Como é que foi isso?
R - O que eles fizeram?
P - É.
R - Eu não sei explicar bem. Eles tinham terra em Piedade, eu não sei bem o que eles fizeram, faz 18 anos. (risos)
P - Tá certo. Então vamos, como é que o marido da senhora abriu a loja na avenida Indianópolis?
R - No bairro Moema, não?
P - No bairro de Moema. Por que é que ele resolveu abrir a loja?
R - Ele não tinha nada a fazer, então ele foi ver os bairros pra conhecer mais, não? E conheceu o senhor que se interessou por ele, perguntando o que estava procurando e se interessou para ele por acaso. E ele perguntou o que os pais fizeram na Alemanha, então ele contou, ele contou que os pais tinha uma loja de sapatos. Então este senhor falou: "Ah, então tenho uma muito boa idéia. Tal e tal bairro, vamos, tem só armazéns. Não tem nenhum negócio especial". Então quando ele ouviu o que os pais tinha, não? Esse senhor falou: "Ô, aqui no bairro falta imensamente uma loja de sapatos, tem só armazéns, não tem nada especial. Então, dito e feito, e por acaso, meu marido viu onde um lugar onde o sapateiro mudou-se. Ele falou: "Ah, não, esse não serve, é muito pequeno." E aquele senhor respondeu: "Você vai, vê aí. Eu não sei quanto você tem de dinheiro, mas pra preencher esta loja com mercadoria, vai bastante dinheiro." Então ele resolveu de fazer isso, não? E ele pensava que como a gente ainda não falou muito de português, na fazenda a gente não aprende muito, porque os administradores também são alemães.
P - Dona Leonie, a senhora estava falando de como o bairro de Moema era naquela época, né? Que não tinha quase nada. O que é que tinha? Bonde? Tinha indústria? Como é que era?
R - Sabe, foi um bairro industrial. Tinha fábricas, oficinas e naturalmente também ruas comuns de habitantes.
P - A senhora lembra do que era essas oficinas, essas indústrias?
R - Como?
P - O que é que essas indústrias fabricavam?
R - Tinha uma vila, onde se chama uma grande firma de ... O que eles fizeram? Foi de tintas. E tinha uma fábrica de parafusos, e uma grande indústria. Não me lembro o que fabricava. São indústrias e oficinas, relativamente, pouco comércio varejista.
P - Certo. E tinha bonde, o pessoal andava mais ...
R - Foi o bonde de Santo Amaro que passa lá.
P - E tinha muito carro, ou não?
R - Não. Um movimento comum, relativamente muito pouco movimento de carros, não?
P - Certo. Então vamos retomar a coisa da loja, né? Como que o marido da senhora fez pra montar a loja, pra adquirir calçados?
R - Ele foi nos bairros, onde tem indústrias de sapatos e devagar ele fez compras. Primeiro pagava à vista e depois o amigo deu palpite de comprar a prazo senão nunca ia ter crédito, não pode comprar tudo à vista. Isso foi uma coisa que se arrumou naturalmente, não? Uma coisa com outra coisa, a gente tinha amigos que deram palpites, que falavam com outras lojas, não? E a gente procurou fornecedores. Mas precisava trabalhar muito porque meu marido fez as compras, saiu e eu fiquei sozinha, sozinha na loja para atender e, como já falei que não falávamos muito bem o português, os próprios fregueses ajudavam.
P - Me conta aquele caso do sapatinho vermelho. A senhora lembra?
R - Sim.
P - Conta pra gente o que é que aconteceu.
R - Como já falei que não falávamos bem o português. Quer dizer, falávamos muito mal. Um dia veio uma freguesa e a gente procurou de atender todo mundo. E desde o primeiro dia, já tínhamos o movimento mais ou menos significante. E uma freguesa veio e pediu sapatinho vermelhinho. E eu não sabia, não sabia. Eu não queria mostrar que a gente não entendeu. Então eu fui mexer nos sapatos de criança e ela mostrou o tamanho. Eu fui olhar, fui olhar e de repente eu vi sapatos vermelhos. Eu falei: "Sim temos bonitos modelos." E mostrei alguns modelos em vermelhos e ela se encantou. Foi vermelho mesmo.
P - Certo. Eu queria que a senhora me falasse outra coisa. Como que o marido da senhora escolheu o sócio dele na loja? Tem uma coisa meio engraçada que a senhora falou pra ele. Conta pra gente.
R - Não entendi sua pergunta. Meu marido foi o quê?
P - Escolheu um sócio.
R - Foi.
P - Ele queria um sócio pra abrir a loja. Que é que a senhora falou pra ele? A senhora lembra?
R - Ah, quando ele procurou um sócio?
P - Isso.
R - Eu sei que ele estava muito autoritário, não estava muito meigo e eu falei pra ele. Cada dia ele tinha outras pessoas e me falava antes em não dar muita confiança em pessoas que a gente nem conhece, e nós não falando em português. Então eu falei: "Vamos deixar de procurar sócio, a gente está um pouco assustado, não conhece ninguém por perto e deixa eu ficar como sócio, quer dizer, sócia." E dito, feito. Alguém falou sobre a loja que já era tão conhecida e indo bem. E ele sempre falou: "Ah, mas podíamos deste negócio, não?"
P - Dona Leonie. que tipo de sapatos a senhora vendia no começo da loja?
R - Bem, como tinha só armazéns, com muitas coisas, nós também tínhamos, queríamos de tudo, pra criança, pra mulher, pra homem. Numa fábrica bem grande, que no momento não me lembro, oferecia uma preço muito baixo. Sapatos que ficavam em estoques na fábrica tamanhos excepcionais, tamanhos maiores do que em geral, por isso também ficavam. E fizeram um preço tão barato que meu marido ficou com todo o estoque. Foram uns tamanhos grandes e no bairro tinha muitos europeus, alemães, poloneses etc. E meu marido recebeu os sapatos, porque estavam lá em estoque recebeu logo e ele colocou na frente da lojinha uma parte de sapatos com o preço baratíssimo. Foi naquele tempo vinte ou 25 cruzeiros, uma coisa assim cruzeiros, mas foi, acho que foi mil réis e muitos homens que passeavam no tempo de folga, de almoço e ficavam muitos na frente da loja e olhando e achando barato, também. E quando meu marido liquidou, nós liquidamos muito depressa os tamanhos grandes. E este já foi uma parte da idéia de trabalhar com números grandes.
P - Aí vocês continuaram trabalhando com números grandes? Como que vocês fizeram?
R - Sim. Grandes e menores também. Mas com o tempo trabalhou quase só com tamanhos grandes. E ficamos também conhecidos com isso.
P - Dona Leonie, qual foi o maior número de sapato que a senhora já vendeu? Qual foi o sapato mais grande que a senhora já vendeu?
R - Como?
P - Qual foi o maior sapato que a senhora já vendeu na loja? A senhora lembra?
R - Os maiores?
P - O maior que a senhora já vendeu, ou os maiores.
R - Pra homem acima de 44, 45 e às vezes a fábrica nem tinha formas pra isso. E a gente mandou fazer a forma por conta própria. E para as senhoras também acima de 37, 38, até 40. Agora nós estamos com essa loja, mas se eu não me engano, ainda estão trabalhando com os tamanhos grandes.
P - Certo. Eu queria que a senhora falasse uma pouco: o filho da senhora, o senhor Hans, ele ajudava na loja um pouco, quando ele era pequeno?
R - É em dias especiais eles, os dois ajudavam. Por exemplo, carnaval, me lembro, que vendemos muitos tênis. Até fregueses ajudavam, subiam na escada e tirava a mercadoria.
P - Dona Leonie, os sapatos sempre vieram em caixas, como caixa de sapato?
R - O que quer saber?
P - Os sapatos sempre foram vendidos dentro de uma caixa?
R - Sim.
P - Sempre?
R - Foram vendidos em caixas. E no começo, nós pensamos que o lugar foi pouco, mas foi bastante e nós nem tínhamos tanto mercadoria. De forma que a gente que ainda comprou caixas vazias pra encher bem, pra dar uma boa impressão.
P - Como que as pessoas pagavam? Pagavam com dinheiro, com cheque?
R - Naquele tempo, mais com dinheiro.
P - E era sempre à vista?
R - E crédito a gente naturalmente não podia dar porque nós não conhecíamos as pessoas. Isso veio só com os anos, até hoje não é uma loja de prestações.
P - E, assim, a senhora lembra de algum comprador diferente, algum caso engraçado como esse do sapatinho vermelho que aconteceu?
R - Não entendi bem a pergunta.
P - A senhora lembra algum caso engraçado, de alguma pessoa que foi comprar algum sapato grande? Queria algum modelo diferente?
R - No momento não estou me lembrando. Se me pode me dar uma dica.
P - Quem eram os fregueses da loja, dona Leonie? Quem eram os fregueses que compravam esses sapatos grandes?
R - Está perguntando que tipo de freguês?
P - Exatamente.
R - Nós tínhamos sempre uma freguesia que tinha bons meios de pagar. Quer dizer, tínhamos sempre uma freguesia boa. Gente sem nada, não tínhamos, porque tudo sabia que a gente não vende quase nada a crédito, não.
P - Eu queria que a senhora falasse um pouco da casa da senhora. Onde a senhora morava, nesta época que começou a loja?
R - Bem, primeiro nós moramos quase pegado num pequeno sobrado. Domingo tínhamos muita, domingos tínhamos muita amolação, porque gente tocou campainha e queria que nós atendemos, também de noite. E com o tempo isso foi nossa amolação, a gente trabalhou o dia todo e tinha ainda abrir de noite. E com o tempo nós mudamos para o Brooklin, Brooklin Paulista. Que mais?
P - A senhora chegou a morar em cima da loja? No andar de cima da loja?
R - Nos primeiros tempos moramos em cima, e mais tarde fechou uma loja de uma venda e nós alugamos o lugar de onde saiu a venda para aumentar. Aumentar especialmente a frente da loja. Mas também em geral.
P - Assim, hoje a loja, ela só vende sapatos grandes?
R - Mais sapatos grandes do que regular.
R - Do que tamanhos regulares, não?
P - E, quem são os clientes hoje na loja, assim, que tipo de pessoa que vai lá na loja comprar hoje?
R - Muitos europeus.
P - Por quê?
R - Mas também de tudo jeito, também gente de cor, também às vezes são assim altas e tem pés grandes, não? É de cada tipo de freguês.
P - E como a senhora adquiriu o prédio da loja?
R - Como?
P - A senhora acabou comprando o prédio da loja mais tarde?
R - Comprando?
P - O prédio da loja.
R - Sim, os primeiros tempos não deu, por causa da guerra, o eixo, os italianos e alemães não podiam ter propriedades. Mais tarde, quando a gente, depois da guerra a gente podia comprar, tendo dinheiro. E nós compramos o prédio onde antes foi a venda e depois foi a loja.
P - Dona Leonie, durante a guerra aqui, a senhora sofreu alguma coisa por ter cidadania alemã?
R - Durante a guerra ...
P - Aqui no Brasil. A senhora teve problemas por ser alemã?
R - Se nós tínhamos problemas por ser alemães?
P - No Brasil.
R - Não me lembro. Acho que não, senão me lembrava.
P - A senhora falava alemão na rua? A senhora falava alemão na rua quando a senhora saía de casa?
R - Se a gente falou alemão, com os alemães?
P - Na rua, por exemplo?
R - É. Tem um tempo que não podia, estava proibido. Naquele tempo a gente já falou mais ou menos o português com bastante sotaque como eu estou falando agora.
P - Dona Leonie, até quando a senhora trabalhou na loja mais ou menos?
R - Até que idade ou até que ano?
P - Até que idade pode ser.
R - Não me lembro bem.
P - Mais ou menos.
R - Mais do que 80 anos, mais do que ...
P - A senhora ainda vai na loja de vez em quando?
R - Às vezes. Mas conheço o pessoal.
P - Só visitar?
R - Ainda estou um pouco ligada.
P - Dona Leonie, o que é que mais a senhora acha que mudou assim, mudou alguma coisa no tipo de sapato que a senhora vendeu nesses anos todos? No gosto das pessoas?
R - Como?
P - A senhora notou alguma mudança, na preferência das pessoas pelos tipos de sapatos, desde que a senhora começou a vender?
R - No primeiro tempo?
P - É, de quando a senhora começou até hoje. A senhora notou alguma mudança no gosto, no sapato que as pessoas preferem comprar?
R - A moda quer dizer? Sim, mudou bastante naturalmente, não? E a gente sempre tem de ver, de liquidar os modelos que já saíram da moda. A gente fez, de vez em quando, uma liquidação. Isso também hoje em dia vai ter efeito.
P - A senhora poderia contar alguma dessas mudança de moda?
R - Como?
P - A senhora poderia contar algum exemplo de mudança de moda mais ...
R - Um exemplo? ( pausa)
P - Por exemplo, algum sapato que apareceu e era muito diferente do sapato anterior?
R - Bem, veio pela moda de sapato diziam os calçados baixo. Agora já mudou de novo os saltos largos. Solas embutidos. A moda muda, muda muito e a gente tem que estar ao par e liquidar em tempo aqueles que não são tão 100% modernos.
P - E tem alguma época do ano que a loja vende mais?
R - Naturalmente, antes das festas, especialmente antes de Natal, antes de Ano Novo, Páscoa.
P - Carnaval também, ou não?
R - Carnaval, agora já não sei, mas, antigamente, tênis saía em grande escala. E a moda de tênis, antigamente não estava tão grande como está nos últimos tempos, os últimos anos já.
P - E hoje, dona Leonie, quem trabalha na loja?
R - Quem que trabalha?
P - É, quem trabalha na loja hoje?
R - Tem um gerente que está lá, não sei 25 anos, ou mais ainda, e uma moça que entrou, não sei com 15, 16 anos e agora acho que tem 45, e ainda está trabalhando.
P - As netas da senhora trabalham lá?
R - Quem?
P - As netas da senhora? As netas da senhora.
R - As netas?
P - Isso, elas trabalham lá?
R - Sim. Acho que todas as três. Nem estou tão ao par.
P - Mas a senhora ficou satisfeita, ficou satisfeita quando as netas entraram na loja?
R - Ah, muito sim. É mesmo de família, não?
P - E a senhora sente falta de não estar indo à loja?
R - Nos primeiros tempos eu senti muita falta. Mas como é com cada pessoa com o tempo a gente se conforma do que gosta. Não precisa trabalhar mais, mas gostei demais meu serviço.
P - E o que é que a senhora faz hoje em dia?
R - Hoje em dia? Eu leio muito.
P - O que é que a senhora lê?
R - O jornal primeiro. E a Veja e livros de Raquel, como se chama? Raquel de Queiroz, que eu gosto muito. Em alemão e em português, tanto faz.
P - Certo. E atualmente, com quem a senhora mora? Aonde a senhora mora?
R - A gente mora na Granja Julieta, mas não é uma granja, é um bairro, né?
P - E com quem que a senhora mora? Como é que é a casa da senhora?
R - Parte da minha família mora na mesma casa. Quer dizer, a gente já construiu para a família do meu filho, do meu filho mais novo. O outro filho mora nos Estados Unidos. Minha casa é térrea, não tenho escadas, que eu gosto muito de morar assim. Não sei se vocês conhecem Granja Julieta, é um bairro que pertence a Santo Amaro.
P - Certo. E se a senhora fosse mudar alguma coisa na vida da senhora, a senhora mudaria alguma coisa?
R - Não entendi.
P - Se a senhora fosse mudar alguma coisa na vida da senhora, que é que a senhora faria diferente?
R - Ainda não entendi a pergunta.
P - Se a senhora fosse mudar alguma coisa na vida da senhora, a senhora mudaria alguma coisa? Faria diferente? Não viria para o Brasil?
P - É, a senhora teve, por exemplo, vontade de voltar para a Alemanha alguma vez, dona Leonie?
R - Não, não. Na minha idade eu gosto que tudo fica como está.
P - Não, mas, depois da guerra a senhora teve vontade de voltar para a Alemanha? A senhora pensou alguma vez?
R - Eu voltei uma vez. Eu fiz uma viagem junto com uma das minhas netas, em 1980, já faz algum tempo, não?
P - Ah, foi a primeira vez que a senhora voltou para a Alemanha, foi em 1980?
R - Sim.
P - E a senhora nunca teve vontade de voltar pra Europa pra morar?
R - Eu? Não. Eu gosto de morar aqui e morrer aqui. Isso não quero dizer que gosto, mas o que fazer?
P - E quando a senhora foi passear na Alemanha, o que é que a senhora viu que estava diferente lá? Que é que tinha mudado?
R - Bem, isso foi depois da guerra, ainda tinha muitas ruínas. Muitos prédios que não foram reconstruídos. O resto, o resto nada.
P - A senhora tem algum sonho que a senhora gostaria de realizar ainda?
R - O quê?
P - A senhora tem algum sonho que a senhora quer realizar?
R - Para eu estar lá?
P - Não, algum sonho, assim, que a senhora tenha vontade de fazer, de realizar?
R - Ah Não.
P - Não?
R - Talvez não entendi a pergunta?
P - Não, não, está ótimo. Dona Leonie, a gente vai acabando por aqui. Eu agradeço muito a ajuda da senhora. Foi superinteressante.
R - O que acho interessante aqui?
P - Tá bom, pode falar.
R - Eu gosto de viver aqui. Não tenho nada a reclamar.
P - A senhora pensou alguma vez em mudar de ramo de atividade dona Leonie, em abrir loja de alguma outra coisa?
R - Se eu deixei?
P - Não, se a senhora pensou alguma vez em abrir alguma outra loja ou de sapatos, ou de alguma coisa?
R - Se eu tenho vontade disso?
P - É. Não, quando a senhora estava trabalhando a senhora pensou alguma vez em abrir outra loja?
R - Não.
P - Então é isso dona Leonie, a gente está acabando, a gente agradece.
P - Muito obrigado.
Recolher