Depoimento de Juvenal Capato
Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 22 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Queria que o senhor começasse dizendo seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Bom, meu nome é Juvenal Capato, eu nasci no dia 2 de setembro de 1937 em Birigüi.
P - O nome de seus pais, e onde eles nasceram?
R - Meu pai era, meu pai se chama João Capato, nasceu em Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, e minha mãe é Elisa Capato, nasceu em Sertãozinho, também em São Paulo.
P - Você tem um apelido, né?
R - É, o meu pai não tem apelido. O meu apelido é "Alemão" , né. Lá quase todo o mundo na loja lá me conhece de Alemão, dificilmente me conhecem de Juvenal. Muito difícil.
P - Como é que surgiu essa apelido?
R - Talvez eu sou o mais loiro da família. E desde criança meu apelido é Alemão. Inclusive, eu me lembro na época da última guerra, em 45, eu era do mato, um caipirão de primeira linha, e meus tios falavam: "A Alemanha está perdendo a guerra." E quando aparecia gente perto da minha casa, eu me escondia debaixo da cama, de medo que os caras iam pegar os alemães, né? Eu era Alemão eu ficava com aquele medo danado! (risos)
P - Alemão, o que é que você lembra assim da tua infância na fazenda, como é que era o seu dia-a-dia lá?
R - Ah, aquela época era muito gostosa, né? A gente não tinha responsabilidade nenhuma, só ia pra escola, tinha aquela obrigaçãozinha de estudar e mais nada, o resto era tudo passeio, e caçar, e aquelas coisas de criança. Era muito gostoso, né, muito sadio, né? Era muito sadio.
P - Em que escola você estudou?
R - Em Birigüi eu estudei no colégio, no Grupo Escolar Roberto Clarck. Depois eu vim pra São Paulo, comecei a estudar no Colégio Tabajara e acabei terminando no Colégio São Luís.
P - E quando você morava em Birigüi, que era período de férias, você...
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 22 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Queria que o senhor começasse dizendo seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Bom, meu nome é Juvenal Capato, eu nasci no dia 2 de setembro de 1937 em Birigüi.
P - O nome de seus pais, e onde eles nasceram?
R - Meu pai era, meu pai se chama João Capato, nasceu em Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, e minha mãe é Elisa Capato, nasceu em Sertãozinho, também em São Paulo.
P - Você tem um apelido, né?
R - É, o meu pai não tem apelido. O meu apelido é "Alemão" , né. Lá quase todo o mundo na loja lá me conhece de Alemão, dificilmente me conhecem de Juvenal. Muito difícil.
P - Como é que surgiu essa apelido?
R - Talvez eu sou o mais loiro da família. E desde criança meu apelido é Alemão. Inclusive, eu me lembro na época da última guerra, em 45, eu era do mato, um caipirão de primeira linha, e meus tios falavam: "A Alemanha está perdendo a guerra." E quando aparecia gente perto da minha casa, eu me escondia debaixo da cama, de medo que os caras iam pegar os alemães, né? Eu era Alemão eu ficava com aquele medo danado! (risos)
P - Alemão, o que é que você lembra assim da tua infância na fazenda, como é que era o seu dia-a-dia lá?
R - Ah, aquela época era muito gostosa, né? A gente não tinha responsabilidade nenhuma, só ia pra escola, tinha aquela obrigaçãozinha de estudar e mais nada, o resto era tudo passeio, e caçar, e aquelas coisas de criança. Era muito gostoso, né, muito sadio, né? Era muito sadio.
P - Em que escola você estudou?
R - Em Birigüi eu estudei no colégio, no Grupo Escolar Roberto Clarck. Depois eu vim pra São Paulo, comecei a estudar no Colégio Tabajara e acabei terminando no Colégio São Luís.
P - E quando você morava em Birigüi, que era período de férias, você ajudava seu pai. O que é que você fazia?
R - Período de férias eu trabalhava assim, como repouso de férias, eu trabalhava na roça. Ajudava meu pai na roça, capinar, colher café, colher arroz, mas era gostoso! Era gostoso.
P - Como que eram as brincadeiras que vocês faziam ali? Você e seus irmãos?
R - A maior parte das brincadeiras era a gente brincava muito de "salva": era um tipo de brinquedo que você tinha um monte de gente, então, você dividia: metade pra um lado, metade pro outro. Então, metade ia se esconder. Geralmente, essa brinquedo era à noite, né? Metade ia se esconder e o resto ia procurar quem estava escondido. Se você achava um, você prendia essa pessoa e botava num lugar que os outros escondidos tentavam achar, né. Aí ficava, quase a noite inteira, ninguém achava ninguém!
P - E onde vocês se escondiam?
R - Geralmente, no meio do cafezal. Cafezal, no pomar. Porque a fazenda tinha um pomar muito grande. Então a gente se escondia no pomar, em cima das árvores, e à noite era muito difícil de achar. E o brinquedo continuava, durante a semana, até você achar todo o mundo era muito difícil, né? Era gostoso. E aos domingos a gente jogava futebol. Lá tinha um belo campo de futebol, eu jogava futebol, ou ia nadar na represa, ou ia caçar de estilingue, era o nosso fim de semana.
P - O que é que vocês caçavam, que tipo de animal?
R - A gente falava que caçava passarinho, mas a fazenda já estava, já quase nem tinha passarinho mais, porque era fazenda de roça de café, e de pasto, então quase não tem pássaros, né. E pescava, também, na represa, era muito gostoso.
P - E você ficou na fazenda até que época, mais ou menos?
R - Fiquei até 20 anos. Até 20 anos, até 1958, fiquei no começo de 58. Aí a fazenda foi vendida, meu pai é administrador e viemos procurar um outro meio de sobrevivência. Como meus avós já moravam aqui em São Paulo, então nós viemos perto dos meus avós, que eram os pais do meu pai, né? E acabamos ficando aí. Na frente da casa do meu avô tinha um depósito de material de construção. E aí material de construção, não sei o que lá, e começamos, até que chegamos: compramos aquele depósito. E acabamos ficando lá, todo o mundo, os irmãos todos, e começamos a trabalhar, e continuamos com o que era, fomos ampliando o depósit, ele era bem pequenininho, né, fomos ampliando o depósito. O meu irmão mais velho já era mais desenvolvido, mais assim ele era menos caipira do que a gente, já era mais da cidade, porque ele já tinha vindo pra São Paulo antes do que a gente. Então ele já ficou na loja, no balcão, já sabia atender a clientela e eu comecei a trabalhar de ajudante de caminhão. O meu irmão, o segundo irmão mais velho, ele era, ele já sabia dirigir caminhão. Então ele era motorista de caminhão. Meu pai também era motorista de caminhão, meu outro irmão também era ajudante, e continuamos trabalhando, puxando areia, puxando tijolos.
P - Quando você chegou aqui em São Paulo, qual foi assim a primeira impressão que você teve da cidade, como que era a cidade, quando você chegou?
R - Fiquei apavorado! Fiquei completamente apavoroado! Nossa senhora! Eu queria até morrer! Virgem! Queria até morrer. Eu vim de bota, porque o, quando a fazenda foi vendida, o dono da fazenda largou uma bota lá, que eu andava descalço, né. Largou uma bota, eu vim de bota! Aqui em São Paulo de bota, estava abafando, pensei, né? Mas quando eu cheguei em São Paulo, que eu vi todo aquele movimento. Nossa senhora! Fiquei apavorado. Foi muito difícil de se adaptar. Mas depois, a gente se adapta, né? Acabei me adaptando, comecei a estudar, e reestudar, né, que eu estava estudando em Birigüi, continuei estudando em São Paulo, aí já comecei a ficar no balcão, aprendendo a atender a clientela, a freguesia, e fui tocando, fui tocando! Mas no começo era muito difícil. Quando eu entrei no balcão, chegou um freguês pra mim e pediu uma fechadura. Eu não sabia o que era fechadura! Porque na minha casa não tinha fechadura! Era "tramela" que a gente chamava, de "tramela"; e aquela tabuinha, assim com prego no meio que a gente trancava a porta, né. E o cliente pediu pra mim uma fechadura. Eu fiquei apavorado, né? O seu Antônio, que era o ex-dono da loja, eu cheguei lá: "O homem quer uma fechadura, não sei o que é que é isso!" Aí ele começou a me ensinar o que era fechadura, (riso) mas era uma barra, viu? Eu não tinha a mínima idéia do que era material de construção! Eu nem sabia que existia material de construção! Nem sabia!
P - Alemão, mas quando você começou, você começou como ajudante de caminhão, né? O que é que você fazia, exatamente?
R - Bom, eu tinha mão fina, né? Eu era estudante, de vez em quando que eu trabalhava na roça, nas férias, né. Aí eu vim; carregava, carregava naquela época, você não carregava areia na, porque hoje tem trator, puxa areia, joga em cima do, no caminhão. Hoje é fácil, né? Pedra, pedregulho, você tinha que carregar na pá! Era tudo carregado na pá. Então, a gente ia buscar areia! Osasco tinha um porto de areia, Interlagos, era um monte de porto de areia em Interlagos, onde, na beirada da represa, um monte de porto de areia, né? Então, você tinha que carregar areia na pá. A minha mão ficou, no começo, ficou com uma ferida danada, tudo machucado. Aí, eu falei: "Ah, acho que não vou agüentar aqui essa parada aqui, não!" Mas acabei me acostumando. A gente buscava tijolo, à noite a gente levantava à noite, não, a gente levantava de madrugada pra chegar cedo na olaria, se não, tinha gente na fila, já, né? E carregar tijolo. Quantas vezes a gente tirava tijolo quente do forno, e tinha que carregar, ficava com a mão toda queimada! Hoje é tudo mais fácil!
P - Onde ficavam as olarias?
R - Olaria tinha em Parelheiros, tinha muita olaria, Casa Grande, aqui no Brooklin, aí perto da Ponte do Morumbi, do lado esquerdo, onde é aquele cemitério, lá embaixo, aí era tudo olaria. Era Olaria do Petrela, a gente buscava muito tijolo, lá! A gente fechava negócio com o forno inteiro, já; quando o forno ia queimar a gente chegava e comprava antecipado, porque senão os outros compravam antes, né, e ia puxando! Tinha muita saída de tijolo aquela época! Só se vendia tijolo maciço, né. Hoje não, hoje tem bloco, tem bloco de cimento, tijolo furado, hoje tem mais variedade, mas antigamente era só tijolo, areia; não tinha areia de Jacareí, areia era tudo de São Paulo. Tudo carregado na pá!
P - Você falou que às vezes garoava muito. Conta as dificuldades.
R - Ah, sim! Pra buscar, a gente levantava cedo, na época porque São Paulo, em 58, nessa época, década de 60, era, existia muita garoa! Inclusive tinha "São Paulo da garoa, São Paulo terra boa." Muitas vezes, meu irmão era motorista e eu era ajudante. Porque São Paulo acabava no Aeroporto, aqui em Congonhas. Depois do Aeroporto não tinha mais nada, né? E a gente ia buscar areia pra esses lados, de Eldorado, por exemplo, que tinha muita garoa, eu ia na frente, dirigindo, dando sinal pro meu irmão. Dirigindo o caminhão dele, porque ele não enxergava nada! E eu ia na frente, ele ia com a luz acesa, e eu ia achando, procurando o caminho pra ele, de tão forte que era a garoa! Hoje é não tem nada disso, né! Era uma beleza, aquela época, era gostoso!
P - E como é que era Moema nessa época? Tinha muita casa, já?
R - Moema era ... Bom, a igreja, tinha, né? Mas o resto eu só me lembro, quando eu cheguei a São Paulo, só tinha um prédio, em Moema, era na Avenida dos Imarés. Não tinha nenhum prédio mais! E aquele prédio, todo o mundo falava que ele era condenado, porque ele era rota de avião, né, ele era condenado. Mas acabou ficando lá. Mas prédio, não tinha nenhum! Asfalto, por exemplo, não tinha, a Maracatins, onde eu estou, não tinha, não tinha asfalto. Nhambiquaras, Avenida Jandira, onde está o Colégio Tabajara, que eu estudava, não tinha asfalto nenhum, era tudo terra. Ninguém dava nada pra Moema, era uma Avenida Iraí, na esquina onde eu estou, era um riozinho, era tudo de terra, não tinha nada! Todo o mundo se conhecia! Todo o mundo se conhecia! Era uma beleza! Depois, o progresso foi chegando, a turma mais, os mais pobres foram saindo, foram mais pros bairros mais longínquos, foi dando espaço para os prédios, e continuando o progresso, e hoje Moema é aquilo que está lá, né, um mundaréu! Supervalorizado, uma beleza!
P - Alemão, depois que você começou a trabalhar mais no balcão, né, qual era a clientela que ia pro Depósito Santo Antônio?
R - Em princípio, era muito pedreiro, tinha muito pedreiro que comprava. Depois, com o tempo, você vê mais equipes de engenharia, compradores de engenharia então, né, então você quase não tem mais contato com o pedreiro. É difícil, porque o pedreiro, geralmente ele fica na obra de engenharia; porque quem pega reforma, quase tudo agora, é engenharia, não tem mais assim pedreiro, assim: "Ó, fulano de tal é pedreiro!" É difícil! É mais é engenharia. Então, você tem contato com o comprador de engenharia, com os engenheiros, com pedreiro é difícil, não tem mais. Muito difícil.
P - E assim, vocês entregavam o material, como era?
R - Entregava material. Eles compravam, ainda compram, né? Compra, faz o pedido e a gente coloca no caminhão e leva lá, na obra. Leva na obra deles.
P - E naquela época, como que o pessoal pagava? Com cheque, dinheiro?
R - Mais era dinheiro, né? Naquela época tinha, era menos cheque. Cartão de crédito não existia, né. Mais era dinheiro e depois, em segundo plano, era cheque, né? Mas era, era pessoa que a gente conhecia muito, então a gente vendia muito fiado, naquela época, assinava notinha e guardava na caixa, depois ia receber, ou se não o cara ia lá pagar. Quase... a inflação era pequena, então você não se preocupava muito com essas coisas de deflacionar, de: "Isso não vale mais, isso aqui não vale mais nada!" Isso não tinha isso, né. Então você não se preocupava, você formava muita amizade com a clientela, você tinha muito cliente amigo. Era quase tudo de casa. O cliente chegava e pegava mercadoria: "Ó, vou levar isso aqui", você tirava notinha, ele assinava. Depois ele vinha pagar. Ele se queimava quando você ia cobrar, porque: "Pô, você vai me cobrar? Pô, sou de casa!" Acontece muito isso aí, viu?
P - Ficava bravo? Até hoje acontece?
R - Ainda tem, ainda tem. Tem menos, porque hoje geralmente você vende pra engenharia, né, tem menos, mas quando tem um cliente que é muito de casa, ele fica queimado, né?
P - Quando começou a ser usado o cartão de crédito?
R - Eu, eu comecei a usar o cartão de crédito de uns três anos pra cá, só. Eu não usava cartão de crédito.
P - Não usava? Por quê?
R - Eu não usava nem cartão de crédito e nem financiamento. Nunca usei financiamento. Porque a minha clientela já era formada, já era aquela turminha, aquela turminha minha, né? Então, todo o mundo se conhecia, a gente se conhecia e ele comprava e depois pagava, então não tinha essa negócio de cartão de crédito. "Ó, eu vou pagar daqui a um mês." "Tudo bem!" "Eu vou dar um cheque pra 30 dias." Não tinha problema nenhum. Porque cartão de crédito é muita segurança, hoje, né. Então a gente não se preocupava com cartão de crédito! Agora, à medida que a concorrência foi crescendo, então a gente tem que usar cartão de crédito, tem que faturar, tem que usar cheque pré-datado o que vier, a gente tem que aceitar, né, porque tem muita concorrência, agora, né?
P - Alemão, descreve pra gente como é que era a loja assim,
quando você trabalhava de vendedor, no balcão.
R - Quando eu comecei, a loja era uma portinha; né? Uma portinha, não tinha água encanada tinha um poço lá no quintal e quando a gente queria tomar água tinha que ir buscar água no poço lá com o balde, né. E era um balcãozinho de madeira, feito... ah muito michuruquinha, a loja! Pequenininha de tudo, né? E tinha lá um pedacinho de um monte de areia de um lado, um monte de pedra do outro, um pouquinho de cimento de um lado, um pouquinho de cal do outro, que era o principal do material de construção, né, e aliás, o cal, não era pó, era pedra, era cal virgem, não tinha cal em pó, era cal virgem. Era aquele saco de pano, saco de estopa, de uns 20 quilos mais ou menos, e você armazenava aquele cal num barracão, porque não podia tomar vento, porque o vento queimava o cal! Ele queimava, ele esquentava. Então ele ia queimando, ele ia se dissolvendo, então tinha que estar tudo fechadinho. Pra carregar aquilo! Meu Deus do céu! Queimava tudo! E você, e nós começamos com aquilo, coisinha pequenininha. Material de encanamento, por exemplo, era, quem fornecia era, eu comprava da Décio Domingues, antigamente, que era o maior atacadista em conexões de ferro. Porque a gente não tinha a cota da Tupi, então comprava da Décio Domingues, vinha aquela barrica de 200 quilos de conexão, tudo cheio de conexão. Chega lá, separava as peças e botava na gaveta, né. E depois apareceu, comecei a trabalhar com azulejo, também não tinha cota, a gente tinha que comprar de terceiro. Comprava do, de uma pessoa, ela comprava da fábrica e vendia pra você; era azulejo Klabin, era o único que tinha. Azulejo Klabin. O único que a gente conseguia era o azulejo Klabin. Então só tinha, não tinha azulejo decorado, né, naquela época.
P - O que é que era a "cota"? Essa cota que você fala, o que era exatamente?
R - Cota por exemplo: a Klabin, ela tem, ela fabrica vou dar um exemplo: fabrica 10.000 metros de azulejo. Então ela não vendia 10.000 metros só pro fulano, ela dividia: uma cota de 2.000 pro fulano, uma pro beltrano, outra pra outra pessoa. Então, nós conseguimos uma pessoa que tinha uma cota de azulejo. E conseguimos comprar dela uma cota, mediante uma comissão que a gente dava. Então ela comprava da Klabin e passava pra mim. Que é o único jeito de você ter azulejo, naquela época! Não tinha! Depois, começaram a aparecer as outras coisa, começaram a aparecer cano plástico esgoto, por exemplo, não existia esgoto de plástico, que hoje é só plástico. Era só manilha de barro. Então, você tinha que comprar manilha, comprar as conexões, você vendia muita estopa, pixe, betume, pra misturar na estopa, pra fazer a junta das manilhas. Era tudo feito, os esgotos era tudo feito com manilha! Hoje é facilidade! Hoje é tudo facilidade! Tubo de esgoto tem seis metros, você só de uma vez você consegue fazer seis metros de esgoto, né? Antigamente, a manilha era de 60 centímetros, então você só trabalhava com manilha. Não tinha esgoto. O cal, como eu te disse, não é como é hoje: você pega o saco de cal despeja com areia, mistura, e daqui a pouco já formou a massa, deixa ela curtir um pouco, já tá a massa pronta. O cal não era isso. O cal era o cal virgem, você jogava na água, você deixava ele dissolver ele na água, formar aquela nata, depois você despejava ele na areia, misturava e deixava curtindo. No outro dia é que você ia fazer a massa pra rebocar, pra assentar. Hoje você tem a argamassa, que não tem mais, você pega a argamassa do saco, molha e já tá pronta. Hoje é fácil, né? Antigamente era difícil.
P - Você estava falando que antes os azulejos eram liso, depois é que começaram a aparecer os estampados. Que época é que foi isso, mais ou menos?
R - Isso, na década de 60 começaram a aparecer os azulejos decorados, um dos primeiros azulejos decorados que eu conheci foi o do Alfredo Mathias, o (Queralux?), foi um dos primeiros azulejos decorados. Depois apareceram. Piso, por exemplo, o primeiro piso que eu conheci foi uma cerâmica pequenininha, ele era sete e meio por 15 centímetros. Era da Bienal, a Bienal que fabricava. Antes, a São Caetano era pioneira em fabricar piso, né. Fabricava piso de cerâmica, também, né, terracota, aquela cerâmica vermelha, vermelha, amarela, cerâmica preta, era muito bonita! Cerâmica preta. Era uma cerâmica que nunca acabava, né! Mas deixou de sair, deixou de, deixou o mercado, porque começou a aparecer o piso petrificado, piso esmaltado, azulejo, então ela foi perdendo mercado. E hoje tem piso de tudo quanto é jeito, né? Antigamente era só, azulejo era só branco, em cores, que era o amarelo, azul, verde, o azul vendia muito! E cerâmica era só a vermelha, preta e a amarela, não tinha mais cerâmica. Depois começaram a aparecer as decoradas.
P - Existe moda pra essa coisa do revestimento? Uma época sai mais coisa, tá mais em moda alguma coisa?
R - Existe muita moda de cerâmica hoje! Eu deixei de trabalhar com isso mais ____________, porque tem muita concorrência, mas existem muito. Ela muda muito, a cerâmica! Hoje você trabalha, por exemplo, com piso Porto Belo, a cor 227, por exemplo, vou dar um nome de cor que eu não sei se tem esse número de cor, você pega um Porto Belo 227, daqui a dois meses, três meses, essa cor sai de linha pra entrar outra no lugar. Então, você tem que renovar o seu estoque e colocar outra cor. Então, eu deixei mais de trabalhar com isso, porque tem muito concorrente que trabalha, atacadista que trabalha mais com isso, então eu deixei de trabalhar com isso, trabalho mais no meu ramozinho que é areia, cimento, cal, esse negócinho de reforma. Tou bem, ali.
P - E, hoje, qual é a sua clientela, vende pra cidade toda, tem algum bairro?
R - A maior parte da minha clientela é Zona Sul, né. Zona Sul, Brooklin, Santo Amaro, Moema, Planalto Paulista, Itaim, nessas redondezas, né? Apesar que eu forneço muito pra, eu forneço pra quase todo o mundo! Sou muito conhecido, graças a Deus! Eu forneço pra Febem, lá na Celso Garcia, forneço pra Sabesp, quase toda a Sabesp, Freguesia do Ó, Sabesp de Butantã, Sabesp da Imarés, Sabesp da José Rafaeli, Morro Grande, já mandei muito material pro Morro Grande, Sabesp. Forneço pra vários! Vasp, Forneci muito pra Vasp, já forneci muito pra Vasp, agora eles não estão comprando muito. Órgãos do estado, forneço muito, Tribunal de Justiça, prefeitura. Estou fornecendo pra prefeitura de Itapecirica da Serra, agora. Prefeitura de Ipapecirica, Regional da Freguesia do Ó estou fornecendo material, então fiquei muito conhecido! Faz muito tempo que eu estou na praça, né, então a gente vai, vai ficando conhecido.
P - Alemão, você falou que de uns tempos pra cá, você vende muito pra engenharias, firmas de engenharia. Tem alguma diferença pra antes, que antes não eram tantas engenharias, eram outros tipos de cliente?
R - Tem diferença de concorrência. Porque a engenharia, ela não compra sem concorrência. Tem diferença de concorrência, porque antigamente, um pedreiro, ele chegava lá, ele tinha confiança na gente, ele chegava: "Ó, me manda isso, isso, isso." Então, você mandava.
P - Quem eram os clientes antigamente? Não eram engenharias?
R - Não, antigamente era muito pedreiro, né. Tinha pouca antes de São Paulo, da zona Sul crescer, de ter esse emaranhado de prédios, não tinha engenharia, quase. Hoje! Engenharia é mais pra prédios, essas coisas. Então, era pedreiro. Pedreiro chegava lá: "Quero arrumar essa parede, aqui." Ia chamar um pedreiro! "Quero fazer uma calçada, quero derrubar, quero fazer uma casa." Era tudo pedreiro! Não tinha engenharia! Engenheiro só assinava a planta e dava uma olhadinha de vez em quando, não tinha engenharia. Eu, por exemplo, quando fiz o meu prédio, o engenheiro assinou minha planta! Ele uma vez levei ele lá ver o meu prédio. Eu fazia o resto! Não precisava de engenharia. Então não tinha engenharia. Hoje, não. A coisa é mais sofisticada, então a engenharia cresceu muito, tem muito em São Paulo. Antigamente era o pedreiro que trabalhava por conta própria.
P - Certo.
P - Quando que você ampliou o prédio?
R - Esse prédio aí foi feito em mil novecentos e... onde eu estou agora, foi feito em 1969, 70. Em 70 ele estava pronto, 1970 já estava pronto. Onde nós começamos era uma casinha pequenininha, com uma porta só, era o 1.808, da Maracatins. Uma casinha pequenininha, era alugado, você tinha que pagar aluguel. Depois com nosso trabalho nós compramos o terreno e conseguimos construir e daí nós fomos expandindo. Fomos montando, uma loja, meu irmão ficou com uma loja, depois nós montamos outra com outro irmão, e depois nós montamos outra com outro irmão e aí um vai ajudando o outro e nós acabamos ficando com uma loja na praia, uma na Avenida Gentil Leite Martins, uma na Avenida Guarapiranga e essa na Maracatins. E uma em Araçatuba, porque meu irmão, ele voltou às origens, voltou pro mato, não é mato, né? Araçatuba não é mato, mas voltou pro interior, gostou mais.
P - Por que é que vocês abriram uma loja na praia?
R - Talvez porque a gente tinha um amigo que ele tinha um loteamento na praia. E ele ofereceu um lote porque naquela época ele não tinha nada na praia. A primeira casa que surgiu lá foi a nossa, na praia, a primeira casa que surgiu lá no Balneário Jussara, onde nós estamos agora, foi a nossa casa e a dele que era o dono do loteamento. Aí nós montamos o depósito lá, e saímos do nada lá também, né? Não tinha nada, né. Fomos vendendo pouquinho, pouquinho, pouquinho hoje lá virou uma cidade, né? Virou uma cidade. Mas é um lugar bom, também.
P - Você vai sempre pra lá?
R - Vou sempre! Lugar bom! Tem duas cidades, aquilo.
P - Alemão, tem algum tipo de material que sai mais, o que é mais procurado?
R - Comigo sai mais, eu vendo muito areia, cimento, cal, tijolo também vendo, tijolo baiano. Vendo mais tijolo baiano do que tijolo comum. É o que mais sai, o meu forte, mais, é isso aí, né. Mais material bruto. Mas eu tenho piso, azulejo, também tenho. Mas o que sai mais mesmo é isso aí. Eu vendo muita ferragem, agora porque eu diversifiquei muito, né! Com a concorrência você é obrigado a aumentar a linha de produtos. Então, eu pus muita ferragem, fechadura, madeira tem um pouco, trincos, essas coisas, material de encanamento também tenho muito! Então, você tem que diversificar! Eu tenho muito, eu tenho também... minha loja está sempre cheio de gente, porque de tudo eu tenho um pouco. De tudo eu tenho um pouco. Então, o freguês está lá na esquina lá da conchichina: "Ô, onde que tem esse material?" "No Santo Antônio tem. Pode ir lá que tem!" Vai lá, encontra, dificilmente não encontra! Então, eu tenho quase tudo! Tenho quase tudo. Material elétrico eu tenho, material de encanamento, material de pintura, tudo pra uma casa eu tenho!
P - Hoje, de onde vem a areia que vocês vendem, de que local da cidade? Areia, tijolo?
R - Hoje nós compramos areia bom, tijolo, eu compro eu não busco mais tijolo, eu compro do Bragança, então o caminhão de Bragança me trás. Areia, eu busco num revendedor; areia geralmente ela vem de Itquaquecetuba. Ela vinha de Jacareí, Itaquaquecetuba então eu busco areia no revendedor e já entrego direto pro cliente. Mas a maior parte da areia que eu vendo agora é areia em saco. Não tem mais areia a granel, é difícil! Muito pouco! É areia em saco, porque Moema, essa Zona Sul aí, só arranha-céu. Então, (fim da fita 057/01-A) apartamento você não pode vender areia a granel, tem que vender areia em saco. Então eu vendo muita areia em saco, pedra em saco, tudo em saco, agora. A granel é muito difícil.
P - Quando era areia a granel, como que vocês mediam pra vender, como que era vendido isso?
R - Bom, medida de areia nunca existiu, né?
P - Como é que é?
R - Por exemplo, nosso caminhão, ele tem uma medida de 47 de altura, cinco e setenta de comprimento, e largura, né? Então você cubica o caminhão e divide por seis. Você divide mais ou menos por seis. Então, um sexto daquela carga é um metro. O cara quer três metros, ele pega metade do caminhão, porque quatro metros pega quatro sextos de areia. Medida, certinha, não existe, lá não existe. Nem areia, nem pedra.
P - Quando começou a ser ensacada a areia?
R - Areia começou a ser ensacada de uns dez anos pra cá. Agora ela está no auge mesmo, ela está. Mas ela depois que começou o progresso mesmo, de prédios, então a areia de granel deixou de ser útil, né? Num prédio, ela não tem jeito de você jogar um caminhão de areia na frente do prédio e jogar dentro do elevador, não tem jeito. Então você tem que pegar, você tem que levar no elevador em saco, não tem jeito! Dá um trabalho danado! O cara quer dois metros de areia, você entrega pra ele 280 sacos de areia no elevador! Meio dia de serviço, meio dia de serviço! Quando ele quer cimento, cal, no elevador é muito difícil pra entregar. Então, a gente geralmente a gente deixa na garagem do prédio, a gente já combina com o pedreiro: "Ó, vou entregar terra lá amanhã, vou deixar na porta, na portaria, de lá você coloca no elevador." E a gente deixa em saco, já avisa, já leva no elevador.
P - Tem mais algum outro material que era transportado ou medido de alguma maneira diferente que modificou muito?
R - Não, que modificou muito, assim, de medida, era areia e pedra.
P - Pedra?
R - Areia e pedra. Porque no começo, antigamente, você quase não tinha pedra, era mais pedregulho. A pedra quase não tinha uso! Tinha muito pedregulho, nessa zona do Jaguaré, Osasco. Porque eles tiram areia, sabe como tiram areia? Eles jogam, eles pegam a draga, puxam a areia, ela cai dentro da caixa com água; então o pedregulho fica de um lado e a pedra fica do outro. Peneira, passa pela peneira, e o pedregulho fica de um lado e a pedra fica de outro. E tinha muito pedregulho! E ele era muito mais barato, pedregulho! Então a gente puxava muito pedregulho. Hoje não, hoje tem muita pedra, né? Inclusive o preço do pedregulho era em conta porque se o dono do ponto de areia não vender o pedregulho ao mesmo preço da pedra, ele ia acabar perdendo, né, então ele tinha que abaixar bem o preço pra vender pedregulho. Hoje não, hoje não tem mais pedregulho! Hoje é só pedra. Então, a pedra ela também mudou muito, porque em obras grandes, a pedra vai a granel, mas em prédio, vai tudo em saco! Em prédio pronto, pra reformas, ela vai tudo em saco! Tudo em saco, tudo em sacaria.
P - A loja antes, o depósito, tinha estoque ou só depois que vocês reformaram?
R - Estoque de areia?
P - É, ou de outros materiais também.
R - Não, eu tenho estoque. Só não tenho estoque de areia e pedra porque meu espaço não é muito grande. Tenho um pequeno estoque, né, pro gasto, mas estoque do resto do material, você precisa ter, senão não tem condições. Principalmente na inflação. Quando estava na época da inflação, se você trabalha só com aquele materialzinho pequenininho, não tem condições! Não tem condições! Porque você vende material hoje 30 dias, quando você vai receber, não vale mais nada, né? Se você não tiver estoque pra acompanhar a inflação, então, então não tinha jeito! Você tinha que trabalhar com muito estoque! Hoje não, hoje você pode trabalhar com um pequeno estoque, porque não tem inflação, você não precisa, né? Hoje vale, um metro de areia pra mim vale, por exemplo, 20 reais, custa 20 reais, eu pago o metro de areia. Faz quase um ano que custa 20 reais. Então eu não preciso comprar um monte de areia: "Ô, vou comprar porque vai aumentar!" Não tem mais essa desgraça, não tem mais. Então não precisa muito estoque, pode trabalhar com um pequeno estoque.
P - Quando eu estive lá na loja, você me falou assim que você tem uma proposta de deixar o cliente bem à vontade, dele mesmo... como é que é o arranjo da loja?
R - Normalmente, a gente, o cliente não é daqueles caras que fica lá, o balconista chega lá: "Às suas ordens senhor." A gente procura tratar o cliente deixar ele mais livre, né, pra ele sentir mais o ambiente da casa, ele acaba ficando na casa, acaba brigando com a gente, xingando junto. Acaba ficando tudo da mesma família. Então, a gente procura não tratar assim com muita, muita... como se diz? Fugiu!
P - Formalidade.
R - Com muita formalidade, exato. Não precisa tratar com muita formalidade. Eu sinto que ele não se sente à vontade. Então a gente procura tratar mais à vontade.
P - E tem uma clientela fixa?
R - Nós temos. Nossa clientela é fixa. Dificilmente a gente perde um cliente por briga, assim, por desacato do balconista, é muito difícil, muito! Apesar que tá agora uma época muito difícil, está todo o mundo nervoso, sei lá! Mas na minha firma não! Graças a Deus, olha, é muito difícil um cliente chegar e falar: "Olha, não compro mais aqui porque ninguém tem educação." Muito difícil. Nunca, olha, nunca me lembro de ter acontecido isso!
P - O senhor tem assim clientes que são muito antigos?
R - Eu tenho clientes que compram na loja desde que eu comecei na loja! Tem! Mais de 30 anos, e ainda é amigo da gente! Amigo e cliente! Então, é sinal que não são mal tratados, né? Ainda bem!
P - Alemão, eu queria que você falasse um pouco assim da tua família, como você conheceu sua esposa?
R - A minha esposa eu conhecia é, quando eu tinha a loja antiga, ainda, aquela lojinha de uma porta. E eu ficava na época, garotão, 20 anos, eu, acabava freguês, eu ia pra porta, né? Olhar as meninas que passavam, movimento, né? Caipirão. E sempre passava uma loirinha, de manhã, sempre passava. Ia pro colégio. E eu sempre ficava de olho nela, sempre de olho. Mas eu nunca tinha coragem de falar com ela, que ela era muito séria, muito séria, eu nunca tinha coragem de falar com ela. E o tempo foi passando, foi passando, foi passando até que depois a gente, aí eu cansei, nessas alturas eu estava cansado de namorar; namorar e paquerar, já estava cansado. Vida noturna, o diabo a quatro, estava cansado. Aí, eu estava na, já estava com a loja nova. Aí, como eu disse pra você, já estava cansado de namorar né; aí um dia, o pai dela foi na loja comprar uma lâmpada. E eu sabia o nome dela. Eu falei: "Ô seu Alexandre, e a Sônia, como vai?" Aí, depois, o pai dela, falou: "Ô, o Juvenal perguntou de você, não sei o que lá." Um dia ela apareceu lá na loja, aí eu falei: "Olha, você é a parte que me falta." Maior papo né: "Você é a parte que me falta." (riso) Acabamos casando! Acabamos casando. Hoje eu tenho três filhos, eu adoro os meus filhos, tenho um neto que é parte da minha vida, também. E estamos aí!
P - E eles trabalham com você lá no depósito?
R - Minha esposa trabalha na cobrança, durona na cobrança, todo o mundo reclama: "Ô, quem é essa aí que cobra a toda hora? Me cobra toda hora?" Eu falo: "Ô, deve ser a moça lá de cima, sei não, viu, deve ser a moça lá da cobrança!" "Pô, me cobra toda hora, toda hora!" Aí eu falo: "Mas você não está devendo?" "Eu tô, pô, mas não precisa cobrar a toda hora!" "É a moça lá, vou falar com ela, tá?" Mal sabe ele que é minha esposa! E meu filho trabalha na seção de compras, ele é comprador. Ele é comprador. Ele era, antigamente ele fazia lista de preços. Hoje, ele foi à falência com a lista de preço. Não tem mais lista de preço pra fazer, é sempre a mesma! Então ele só é comprador! E a outra trabalha na, faz pagamento, trabalha no escritório, faz contabilidade, escrituração de livros essas coisas, faz pagamento. Só a mais nova que ainda não trabalha ainda. Ela faz faculdade à noite e de dia faz inglês, e faz mais um curso, então deixa ela acabar, né?
P - Alemão, vocês fazem algum tipo de propaganda, de divulgação do depósito?
R - Eu faço propaganda só em lista telefônica, só. Lista telefônica, e eu distribuo, aos domingos eu distribuo uns panfletinhos assim, com o nome do Depósito Santo Antônio, e eu distribuo aos domingos. Mando, pago pra um rapaz distribuir aos sábados e domingos.
P - Onde que ele distribui?
R - Nas casas, no bairro.
P - Em Moema, mesmo?
R - Moema, onde ele vai, eu falo: "Você tem que correr São Paulo inteiro." Eu não sei onde ele vai, ele fala que vai, né! Mas de vez em quando surte efeito, isso aí, essas propagandas assim de panfleto. Anteontem, por exemplo, um cliente me ligou, lá da Chácara Flora: "Você mandou, tem um papelzinho embaixo da minha porta aqui, Depósito Santo Antônio, eu quero saber o seu preço, se está bom." Aí ele falou: "Eu preciso de cimento. Está bom o seu preço?" Eu dei o preço, ele falou: "Olha, me manda 20 sacos lá." Eu peguei um cliente, né? De vez em quando funciona.
P - Tem algum caso, assim, engraçado, com cliente?
R - Olha, engraçado eu não sei, eu sei que eu dei tanta risada depois, viu? Eu tinha, eu tenho um cliente ainda, o apelido dele é Canarinho, ele é meio cabeça quente e ele, bom, ele sempre fala: "Quero meu material para amanhã." Se você não mandava naquele dia, você ia ver. Um dia, ele fez um serviço, um rapaz precisava fazer um serviço numa casa, uma reforma. Ele fez a reforma, combinou o pagamento, tudo o mais, quando chegou a reforma foi andando, foi recebendo, tudo bonitinho. Quando chegou no fim da obra, ele entregou a obra e disse pro cliente dele: "Ó, tá entregue a obra. Você tem que me pagar tanto." O cliente falou pra ele: "Não vou te pagar. Eu não gostei da reforma." Aí ele falou pro cara: "Ó, eu vou te esperar uma semana pra você pagar. Experimenta não pagar." Pelo cúmulo dos azares, um certo dia eles cruzam dentro da loja. Ele chega no cliente dele, fala assim: "Você vai pagar ou vai apanhar?" O cliente fica olhando para ele e falou assim: "Vou apanhar." Eu tinha uma pilha de tinta, dessa largura assim, que subia até quase em cima do forro. Olha, o que esses caras derrubaram de lata de tinta lá! Mas fizeram o maior rebuliço! Ainda bem que era bem cedinho. O que eles fizeram de rebuliço naquela loja! Eu falei: "Nossa Senhora!" Até que chegou a turma do aparta, do deixa disso, aí o cliente do pedreiro chegou, falou assim: (imita alguém limpando a roupa) "Bom, já apanhei, agora não pago mais!" Ficou por isso mesmo, ficou por isso mesmo a briga: apanhou, não pagou mais, porque o pedreiro falou: "Você vai apanhar ou vai pagar?" Ele falou que ia apanhar, ele apanhou, não pagou mais! Foi embora!
P - Alemão, nessa ocasião você teve muita perda de tinta, de material?
R - Não, derrubou uns galões de tinta lá, vazou, mas eu não tinha nem coragem de cobrar dele.
P - Mas não teve como evitar a situação, como é que foi?
R - Não tinha, não tinha! Foi tão repentino que o pedreiro já estava na loja. Porque geralmente pedreiro levanta cedo, né. Porque antigamente eu abria seis horas. Eu abria seis horas, quando eu comecei eu abria seis horas! Então, o pedreiro levanta cedo. E ele já estava lá. E teve azar do cliente dele também chegar. Aí, quando ele olhou, que o cara chegou, eu só escutei ele falar: "Agora ele me paga!" Aí falei: "Ah, meu Deus, quero ver o que vai acontecer." Eu sabia que ele era cabeça quente! Eu sabia que ele era cabeça quente porque um dia, ele discutiu com um cliente dele, ele pôs o serrote no pescoço do cliente, falou assim: "Você vai pagar ou eu vou puxar?" O serrote! Ele pôs o serrote aqui assim e falou: "Você vai pagar ou eu vou puxar?" Ah! Nessas alturas o cara falou: "Vou pagar, né!" E pagou. Ele era cabeça quente! Aí quando eu vi aquela briga, não deu tempo de eu fazer nada! Chegou a turma do separa, aquela barulheira, já tinha tinta esparramada pra tudo quanto é lado! Eu perdi vários galões de tinta, mas não tinha nem coragem de cobrar deles! Ele era cliente da casa, amigo da casa. Falou: "Não recebi, mas também não apanhei!" Agora, um dia, um outro caso pitoresco, você sabe que no interior, antigamente naquelas vendas se vendia cimento, se vendia farinha de mandioca, roupa, linha vendia tudo na mesma venda! A gente chamava de armazém, né? Uma vez chegou na loja um cliente que falou: "Você tem farinha de mandioca?" Meu irmão olhou assim pra mim, falou assim: "Tenho" "Me dá dois quilos." Ensacou dois quilos de cimento branco, cobrou e deu pro cara. Até hoje não vi mais o cara! Até hoje não vi mais o cara! Vendeu cimento branco por farinha de mandioca.
P - Certo. Alemão, qual que é sua atividade de lazer, hoje? Você disse que gosta muito de...
R - Lazer?
P - É.
R - Eu sou muito caseiro, viu? Eu sou muito caseiro! Eu trabalho o dia todo, o meu único lazer mesmo, mesmo, eu de vez em quando, nem sempre, eu vou à praia, e pratico esporte, eu pratico cooper quatro vezes por semana no Ibirapuera. É o único lazer que eu tenho. Gosto de futebol. gosto de ver futebol na televisão, no campo de futebol não vou mais. Gosto de ver vôlei, essas coisas. Mas assim, sair de casa, assim, eu sou muito caseiro, não saio quase! Antigamente eu tinha, eu praticava futebol, agora não. Natação, agora não faço mais.
P - Aonde que você praticava esses esportes?
R - Bom, no interior eu jogava futebol lá na minha cidade, né. Depois vim pra São Paulo, comecei a jogar futebol no clube, aí no União de Indianópolis, que era o Cauí. Depois eu comecei a jogar futebol no Guarani, também, não tem mais time. E depois, parei fui só praticando futebolzinho de areia, essas peladinhas de areia, assim. Depois eu parei com esporte, agora só pratico cooper, só. Só faço cooper.
P - Se fosse mudar alguma coisa na sua vida, você mudaria? Faria diferente alguma coisa?
R - Não. Eu gosto muito do que eu faço! Gosto muito mesmo do que eu faço! Eu acho que o meu ramo é um ramo muito gostoso. Lá você vê desde o engenheiro, que é uma classe mais superior, até o servente de pedreiro, que vai comprar, que compra cimento branco por farinha de mandioca. Então, você lá aprende muita coisa! Você aprende coisas que muitas vezes conforta a gente. Você vê um rapaz que mora em favela, então você tem assim aquela idéia de favelado, você pensa que favela é aquele bicho do outro mundo. Então, você vê lá o servente de pedreiro, ele vai lá na loja, e você acaba conhecendo a pessoa, você não conhece o favelado, você conhece a pessoa. Então, aquilo lá, você vê que o mundo não é do jeito que você pensa! Do jeito que a gente quer, é do jeito que ele é, né! Então você vê um favelado, você vai ver que ele não é nada disso que a gente está pensando que ele é: "Pô, esse desgraçado que mora na favela, tinha tudo que morrer." Normalmente, a gente pensa isso, mas não é nada disso! Ele é um servente de pedreiro lá, é a coisa interna, é a coisa mais bonita que tem! Simplicidade dele, é completamente diferente! Você vê um engenheiro, lá: arrogante, porque ele é engenheiro, e você vê um fulano de tal lá: "Porque eu sou isso, porque eu trabalho nisso." Hoje não tem mais disso! Hoje não tem mais, mas já aconteceu! "Eu sou isso, você me vende mais barato porque eu sou isso aqui!" Tem muito. Um pedreiro, jamais vai falar isso pra você! Um servente de pedreiro jamais vai falar isso pra você! Jamais! Então você tem muita disparidade de classe. Então, meu ramo é muito gostoso por causa disso, não é como um shopping center, que entra só, não entra favelado porque se ele for entrar lá todo o mundo olha com cara feia pra ele, claro. Entra pessoa mais lá em cima. É diferente, meu ramo entra todo o mundo! Todo o mundo entra! Você vê, semana passada eu dei risada, claro: ele chegou, chegou um cliente na loja, posso contar?
P - Claro!
R - Chegou um cliente na loja, ele pediu uma chave elétrica. Isso foi num sábado, eu estava na caixa, porque no sábado eu fico na caixa. Aí ele chegou e pediu uma chave elétrica. Então, o balconista veio e deu uma chave elétrica, 12 reais, custava a chave elétrica, foi, faz pouco tempo, eu me lembro. Aí, o balconista tirou a nota, ele foi e pagou. Só que quando o balconista esqueceu de ver o estoque, foi lá e não tinha a chave. Ele chegou lá: "Ô, não tenho a chave! Desculpa." Não sei o que lá, peguei, devolvi o dinheiro pra ele, ele foi comprar em outro lugar. Chegou na outra loja, custava 15 reais a chave. O que ele fez? Voltou lá na loja, falou: Ó, você me deve três reais." Falei: "Por quê?" "Porque a chave custa 15." Falei: "Mas eu não te vendi por 15 a chave. Eu te devolvi 12, que foi o que você pagou." "É, mas lá, custa 15, então você me deve três!" Falei: "Ô moço, vem cá: se a chave custava lá 100.000 reais, eu tinha que te devolver 100.000 reais?" Ele olhou pra mim, coçou a cabeça: "É, acho que você tá certo." Pegou, foi embora. Pegou e foi embora. Foi buscar o troco da chave. Um cara simples, coitado, ele não, ele não pensou era tão simples que até depois eu dei risada.
P - É. Alemão, qual é o sonho que você gostaria de realizar?
R - Sonho?
P - É.
R - Eu não realizei ainda, mas eu gostaria de conhecer as Pirâmides do Egito, né, mas vou realizar. Não conheço ainda, só conheço por fora, só dos livros, mas eu gostaria de conhecer as Pirâmides do Egito. Eu gostaria de conhecer Machu Picchu, terra dos Incas, eu gostaria muito de conhecer. É um sonho que eu tenho. Gosto muito de conhecer praias, gosto. Também não conheço muitas praias no Norte, assim. gosto de conhecer o Brasil, muito mais do que a Europa, eu gosto muito.
P - Alemão, o fato de você querer conhecer as Pirâmides tem alguma coisa a ver com a maneira como elas foram construídas, ou a maneira como você lida com esse material de construção, o material em si?
R - Não.
P - Não?
R - Também. Porque eu acho que a engenharia daquela época eu, na minha cabeça, não tem nexo, construir uma pirâmide naquela época, do jeito que ela é contada hoje nos livros, eu acho que então eu gostaria de ver, também. Mas eu gosto também, porque a gente vê muito profecias de pirâmide, e eu vendo umas pirâmides daquelas eu acho que aquele povo, pô, são descendentes de alguma coisa, não pode ser descendente de nós, descendente de alguma coisa! Se for eles que fizeram. Então eu gostaria de ver a construção delas, o enigma, o que eles falam, tudo aquilo lá, sei lá, eu gostaria de ver. Como eu gostaria de ver a terra dos Incas, também. Que os Incas eram fabulosos, né? Eu gostaria de ver, aquelas construções antigas, eu gostaria de ver.
P - Bom, pra gente terminar, agora a última pergunta: o que é que você achou de ter passado essa hora com a gente, dando a entrevista, deixando registrada sua experiência de vida, seu trabalho?
R - Eu achei excelente, excelente! Muito gostosa, muito gostosa e eu acho que é uma coisa que faltava pra São Paulo, né, não tinha em São Paulo. Eu acho que é uma coisa que faltava, achei muito legal! Eu faço votos que se realize, isso aí, e eu quero uma cópia, né, se eu vou conseguir? Vou, né. Eu achei muito bacana, muito legal. Uma história de São Paulo que ninguém contava. Que ninguém sabe. A geração de hoje, eles não sabem da dificuldade que nós tivemos em São Paulo, porque hoje São Paulo é uma moleza, né? Criança de hoje, todo o mundo conhece tudo, eles conhecem tudo, né, antigamente não tinha isso, antigamente, não tinha! A dificuldade com que a gente tinha pra se locomover, por exemplo, Moema só tinha um bonde, ônibus, quase não tinha, só tinha bonde! Quebrava um bonde, ficava 30 bondes atrás, porque tinha um bonde quebrado na frente! Então, eles não conhecem essas dificuldades. Futebol, só tinha o Pacaembu, só tinha o Pacaembu. Eu me lembro quando eu estava... estavam fazendo o Morumbi, eu estava puxando areia, o meu caminhão quebrou na frente do Morumbi. Eu tive que dormir embaixo do caminhão. De medo, do tiroteio que tinha no Morumbi! Então, eles não conhecem isso aí, essas coisa que vocês vão contar. Eu acho muito gratificante pra São Paulo.
P - Então tá, a gente agradece a sua ajuda.
R - Eu que agradeço vocês por expor alguma coisa que eu sei.
P - Às ordens, obrigada.
R - Obrigada.
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