IDENTIFICAÇÃO Sou Jorge Francisco Vaz. Eu nasci dia 2 de janeiro de 1956, em Rosário de Oliveira, Minas Gerais. Estou em Campinas desde 1974. FAMÍLIA Meus pais são Nelson Marcelino Vaz e Olívia da Cruz Vaz. A família é mineira. MIGRAÇÃO Na época, Rosário era cidade do interior de Minas, mas é uma cidade hoje já na faixa de 100, 120 mil habitantes. Na época poderia ter uns 40, 50 mil. E como todo pai e toda mãe quer o melhor para o filho, o que acontece? Vamos chegamos a certa idade, quer um estudo melhor, uma faculdade que lá, inclusive, na época, nem existia. Então viemos pra Campinas para os estudos, aprimorar e desenvolver, e acabamos ficando por aqui. INFÂNCIA Uma infância praticamente pobre, como no interior. A minha família era muito humilde, mas, graças a Deus, nos orgulhamos da honestidade que os pais nos passaram. E sofrida, inclusive. Eu tenho recordações meio tristes da minha infância. Nós somos oito, todos vivos. Éramos dez, perdemos um casal de irmãos. Um eu não conheci, também chamava Jorge. E quando eu nasci o meu irmão mais velho chorava e perguntava pelo irmãozinho. A minha mãe pegou e repetiu o nome e depois, antes de nascer a caçula, as duas meninas mais novas, a minha mãe teve um problema, o médico desenganou uma irmã. O meu pai tinha um bar e minha mãe tinha uma pensão, cuidava de seis filhos. Tiveram uma decepção muito grande em relação a isso. Os médicos falaram que estava praticamente desenganada, que ela iria morrer mesmo, era rezar e esperar. Ela poderia viver algum tempo mais, mas só mesmo um milagre poderia salvar. E a minha mãe era muito religiosa, ia à missa todo dia. Numa dessas, indo na missa, ela saiu batendo um papo com uma amiga que ficou sabendo do problema que a minha irmã tinha, que também eu não recordo o nome da doença na época. Ela disse que já estava tendo cura. Tinha um médico que tinha curado uma menina também no...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Jorge Francisco Vaz. Eu nasci dia 2 de janeiro de 1956, em Rosário de Oliveira, Minas Gerais. Estou em Campinas desde 1974. FAMÍLIA Meus pais são Nelson Marcelino Vaz e Olívia da Cruz Vaz. A família é mineira. MIGRAÇÃO Na época, Rosário era cidade do interior de Minas, mas é uma cidade hoje já na faixa de 100, 120 mil habitantes. Na época poderia ter uns 40, 50 mil. E como todo pai e toda mãe quer o melhor para o filho, o que acontece? Vamos chegamos a certa idade, quer um estudo melhor, uma faculdade que lá, inclusive, na época, nem existia. Então viemos pra Campinas para os estudos, aprimorar e desenvolver, e acabamos ficando por aqui. INFÂNCIA Uma infância praticamente pobre, como no interior. A minha família era muito humilde, mas, graças a Deus, nos orgulhamos da honestidade que os pais nos passaram. E sofrida, inclusive. Eu tenho recordações meio tristes da minha infância. Nós somos oito, todos vivos. Éramos dez, perdemos um casal de irmãos. Um eu não conheci, também chamava Jorge. E quando eu nasci o meu irmão mais velho chorava e perguntava pelo irmãozinho. A minha mãe pegou e repetiu o nome e depois, antes de nascer a caçula, as duas meninas mais novas, a minha mãe teve um problema, o médico desenganou uma irmã. O meu pai tinha um bar e minha mãe tinha uma pensão, cuidava de seis filhos. Tiveram uma decepção muito grande em relação a isso. Os médicos falaram que estava praticamente desenganada, que ela iria morrer mesmo, era rezar e esperar. Ela poderia viver algum tempo mais, mas só mesmo um milagre poderia salvar. E a minha mãe era muito religiosa, ia à missa todo dia. Numa dessas, indo na missa, ela saiu batendo um papo com uma amiga que ficou sabendo do problema que a minha irmã tinha, que também eu não recordo o nome da doença na época. Ela disse que já estava tendo cura. Tinha um médico que tinha curado uma menina também no Rio de Janeiro. Minha mãe não deu dois tempos. Ela chegou em casa e falou: “Nós viajamos para o Rio de Janeiro depois de amanhã.” A gente pequeno, não sabia de nada. E ela: “Eu já comuniquei com o seu...” - o meu pai tinha um irmão no Rio de Janeiro - “com o seu irmão lá, meu cunhado, para arrumar um local.” Falava, naquela época: “Vamos arrumar as trouxas.” Pegou só as roupas e algum bem, alugou um caminhãozinho e fomos para o Rio, assim mesmo, em dois dias. Chegou lá, meu tio já tinha arrumado um cômodo que era a cozinha e um cômodo, e fomos todos juntos. A minha mãe ainda, na época, levou uma sobrinha. Eu lembro que nós passamos muita necessidade. Depois o meu pai vendeu o bar e foi pra lá. Arrumou um emprego em Gramacho, no subúrbio do Rio de Janeiro. Nesse tempo que a minha mãe estava procurando o médico para a cura da minha irmã. Eu recordo que a nossa alimentação era tipo um feijão moído e canjiquinha, aquele farelo que dava para pinto, que era socado na nossa boca pra sobreviver. E, graças a Deus, com essa luta da minha mãe, hoje a minha irmã está viva e é mãe de três filhos. Isso me emociona muito. Eu recordo que foi uma vida triste, mas que valeu a pena pela vida da minha irmã. A brincadeira da infância era o futebol, que era o que a meninada fazia. Mas quando tinha tempo. Depois que a minha irmã se restabeleceu, foi curada, nós voltamos para Muriaé, em Minas Gerais, que era uma cidade já pegada a Rosário de Limeira, cidade maior. Lá também o meu pai teve um bar e a minha mãe tinha aquelas casas antigas, grandes, um quintal de mil metros. Era tipo uma chácara dentro da cidade. Ela cultivava couve, cebolinha, taioba, que os paulistas acho que não conhecem muito. Mas ela fazia um varal grande em bambu, amarrava aqueles montes de couve, de coisas, e eu e meu irmão saíamos de manhãzinha pra vender. Então eu não tive uma infância como toda criança que tem o seu lazer, tem o seu estudo. Foi uma luta difícil, mas, graças a Deus, com empenho nós vencemos. VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO Eu assimilei essa questão do comércio mais porque, desde pequeno, uma ordem de mãe era cumprida rigorosamente, como a do pai, principalmente. Então: “Vai para o bar, vai fazer as suas horas lá.” A gente ia e atendia o povo. Com sete, oito anos, nove anos, ficava no bar e tomava conta. O comércio, pra mim, satisfaz muito, porque desenvolve. Você conversa com um, com outro. Ele é muito sadio. Eu adotei essa parte comercial. Os meus pais já tinham no sangue. Alguns outros irmãos tentaram, mas não deram sorte. Eu tive também uma tabacaria, passei para o meu irmão, mas também não foi para frente. E hoje a família é diferente. Eu tenho irmão hoje que trabalha na Unicamp, tem outro que é esteticista, a caçula e o mais velho estão em Boston, nos Estados Unidos. Mas o que está mesmo no comércio até hoje, e permanece, sou eu. E estou transmitindo isso para o segundo filho. Ele já toma conta de uma cantina e já está se virando, graças a Deus. MIGRAÇÃO Vim para Campinas com 18 anos, em 1974. Para mim foi um trauma. Você sair de uma cidade que tem os amigos, praticamente já saindo da adolescência, e vir já para trabalhar e tentar uma faculdade. Foi meio triste. Eu não tive escolha. Cheguei de uma praia do Espírito Santo, fiquei 15 dias na casa de um amigo. E quando cheguei, a minha mãe falou assim: “Olha, está aqui a sua mala, você está indo para Campinas.” Já tinha um irmão morando aqui, trabalhava aqui no Pires, uma casa muito tradicional, que inclusive também já fechou. E falou assim: “Você vai pra lá pra procurar um espaço. Eu sei lidar com essa pensão, o seu pai vai ficar aqui mais algum tempo vendendo isso aqui. E você tem um conhecimento maior, inclusive, que os outros irmãos mais velhos. Vai lá procurar estudos pra se matricular.” “Mas, mãe, de uma hora para outra?” “Já está aqui a passagem.” Não tinha como, então, eu vim. Na época, onde é o Bradesco, a maior agência aqui na Avenida Francisco Glicério, era uma pensão, e o meu irmão ficava lá. Eu fiquei com ele algum tempo, depois achamos uma outra casa. E a minha mãe já estava vindo. Ela concretizou o negócio, alugou, e também alugou para pensão, para pagar os aluguéis, e fomos crescendo. Depois o meu pai chegou também e estamos aí até hoje. Hoje, graças a Deus, o meu pai, a minha mãe, os meus irmãos vivem todos bem de saúde e trabalhando. Para nós, vivendo naquela cidade pequena, tudo era novidade, uma vida mais agitada. Mas mesmo assim, na época, era uma Campinas mais pacata. Tinha 380, 400 mil habitantes, hoje estamos com um milhão e cem. Eu praticamente cresci com Campinas e consegui vencer. TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO Foi meio difícil. Passei por vendedor, corretor, trabalhei numa antiga gráfica, que também é a Papelaria Mousinho, depois trabalhei na Secretaria da Fazenda. Aí conheci a minha esposa. Ela me levou pra almoçar na casa do avô. E chegando lá, depois do almoço eles gostavam de jogar buraco. Faltou uma pessoa e me pegaram: “Sabe jogar?” Eu falei: “Sei.” E joguei com ele. Era brincadeira, mas ele sempre gostava de ganhar. É interessante esse fato porque fizemos uma parceria. A minha esposa, namorada na época, não jogava; jogava o genro dele e a filha dele. E nós ganhamos as duas partidas que foram jogadas. Então: “Você está convidado agora, todo domingo, pra vir almoçar aqui com a gente. Você vai ser o meu parceiro definitivo.” E ele tinha oito tabacarias em vários pontos da cidade, no Largo do Rosário, Wandot, Ponto Chic, Gaúcha, que eu recordo, Éden Bar, e tinha mais duas. Ele já estava ficando velho, cansando disso e falou que ia vender. E o genro dele falou: “Jorge, você tem pique para comércio. Você não quer comprar?” Eu falei: “Eu não tenho dinheiro. Eu estou trabalhando na Secretaria da Fazenda, comprei uma chacrinha, mas estou pagando em 50 vezes. Paguei, uma meia dúzia de parcelas.” “Pode deixar que eu arrumo o negócio pra você.” O tio dela falou. Eu sei que eu dei a chacrinha, continuei pagando e ele me deu todo o estoque. Comprei a tabacaria no Éden Bar, isso em 1978, quatro anos após chegar aqui. E o salário, na época, vamos supor que era 600 reais, em termos de hoje, o que eu ganhava na Secretaria da Fazenda. Eu passei a ganhar dois mil trabalhando por conta, mas entrava às sete horas da manhã e saía à uma da tarde. Aquilo pra mim era uma brincadeira porque eu saía contente, ia pra casa e voltava. Morava perto, na Avenida Júlio Mesquita com a Avenida Benjamin Constant. Eu ia e voltava a pé. Não via a hora de o dia amanhecer pra voltar a trabalhar. Ali eu consegui fazer um pé de meia. Paguei, no primeiro ano, a tabacaria. No segundo, comprei um apartamentinho no Jardim Pacaembu e aluguei por um ano. No terceiro ano, eu já mobiliei, mudei e casei em 1981. COMÉRCIO DE CAMPINAS O movimento era muito diferente dos dias atuais porque as butiques se centralizavam na Rua General Osório, Avenida Tomás Alves , na Rua Treze de Maio, pontos super valorizados. Você queria entrar no comércio, você tinha que pagar uma fortuna pelo ponto. Pagava-se luva. A vida era mais bonita, mais saudável. Eu lembro que eu morava aqui, não tinha carro na época, na Avenida Benjamin Constant e a minha esposa, namorada na época, morava aqui na Avenida Andrade Neves, na esquina também. Eu saía a pé. Se você fizer esse trajeto hoje à meia-noite, uma hora, do jeito que eu fazia, não sei se eu vou chegar ou até onde eu chego. Naquela época, as pessoas tinham um relacionamento um pouco melhor do que o de hoje. A relação entre vendedor hoje e naquela época realmente é bem diferente. A gente que era do comércio, quando começava a comprar de uma certa empresa que vendia alguns produtos, digamos, chocolate, produtos da linha Adams, parte de tabacaria, você se afinava com ele, ficava amigo. Você acabava comprando sempre com o mesmo vendedor. Hoje em dia não. Você tem muito mais opções e também tem que procurar preço. Hoje, o preço é tudo. Naquela época também era. Mas se você faz uma compra muito boa, você tem boas condições de vender com preço acessível para quem compra. Mas era um tratamento diferenciado. Hoje um vendedor chega, às vezes, não sabemos nem o nome. Quando você pensa em falar com ele, já foi embora. Era diferente o relacionamento. A vida hoje é corrida pra todo mundo, mas eu acho que ainda tem que acalmar um pouco porque a vida não é só trabalho, lucro, dinheiro. Tem pessoas, às vezes, acabam esquecendo essa afinidade que eu acho que deve ter, principalmente quem compra e quem vende, e para quem consome o que você vende. Cheguei a ir várias vezes a São Paulo, pegava o metrô e tudo. Não sei andar muito em São Paulo, mas tinha uma senhora, mãe de um amigo meu, que gostava de ir. Então caminhava. Íamos ao bairro daqueles produtos orientais, na Liberdade. Comprava muitas coisinhas na parte de tabacaria, que isso vendia muito. Eram presentinhos, coisa importada que poucas pessoas tinham. No comércio, no meu caso, sabia o cliente que tinha. Então você batia o olho e sabia a mercadoria: “Essa vende, essa não.” Eu gostava muito de fazer essas compras quando era possível. Os estabelecimentos comerciais mais conhecidos em Campinas eram a Casa Mousinho, parte de gráfica, que eu trabalhei, que fechou, infelizmente. O proprietário Senhor Luizinho faleceu; a Casa Ezequiel, o Restaurante Rosário, o Éden Bar, o Giovanetti que só tinha um, o Bar Voga, City Bar ali no Centro de Convivência antigo, permanece até hoje. Tinha a Baby Calçados. A Líder era também uma loja de tradição de Campinas, que foi vendida para Rede Magazine Luiza. Depois entrou Casas Bahia, e tudo veio afunilando esses menores. Acaba vendendo. Acaba não tendo jeito de competir com eles. E tem muitos, assim que no momento eu recordo: Pizzaria Etna, a Torre de Pizza. CAFÉ REGINA Quando eu assumi o Café Regina tinha quatro funcionários. Cinco com o caixa. Depois trouxe um irmão mais novo pra trabalhar junto comigo e assumi o caixa. O movimento foi aumentando e hoje eu estou com dez funcionários. Tem algumas histórias realmente interessantes em relação ao Café, que são algumas reformas. Primeiro, quando comprei o Café Regina, até então eu tinha só uma tabacaria no Éden Bar. Acabava um pacote de cigarro, vamos supor na sexta à noite e isso aí ia ser entregue para ele na segunda-feira. Então o que acontecia? Eu vendia muito, além de tabacos, eu vendia cigarro no atacado. E nesse atacado era um, dois, três, 50 pacotes; se tivesse e a pessoa quisesse, eu venderia. Então um dia o gerente do Café Regina foi comprar três pacotes de cigarro e disse que o proprietário iria vender. Eram dois cunhados, um de Santos e um aqui de Campinas. E eu não sabia, na realidade, o que era o Café ainda, não tinha assim noção do tamanho que o nome do Café Regina representava. Então eu fui tomar um café lá, me apresentei e tivemos um início de conversa em relação à venda. E essa pessoa, que ficava aqui, o cunhado, não tenho nada contra, mas era uma pessoa instável. Ele chegou e pediu um preço “x”. Eu falei: “Mas como é o pagamento disso?” “É à vista.” “Então está bom, muito obrigado. Não está no meu alcance.” Passaram uns 15 dias depois, o Alfredo Chagas chegou: “Você vai perder o café, o café é um bom negócio. Você falou que queria relacionar a parte de tabacaria com café. Os dois dão um casamento perfeito.” Eu falei: “Mas eu já fiz uma oferta e ele não aceitou.” Aí ele falou: “Mas o cunhado dele está vindo de Santos, é uma pessoa mais ponderada, você pode conversar.” Aí eu conversei com o cunhado dele. Falei em preço novamente. Já era outro preço. Marcamos pra semana seguinte porque o cunhado tinha que ir embora pra Santos. Quando fomos conversar, outro preço. Em dois meses o preço alterou cinco vezes. Mas algo em mim falava: “Compra, compra, compra.” Marquei um encontro na contabilidade pra ver com o meu contador e os dois. Nisso eu já tinha feito uma pré-proposta em relação ao preço e o cunhado dele de Santos, tinha aceitado. Aí fomos pra contabilidade. Eu já tinha explicado tudo para o contador, falei: “Vamos evitar conversar com o fulano lá pelo seguinte, porque a pessoa de Santos é uma pessoa mais ponderada e é mais de palavra.” Eu apresentei o contador e fomos sentar. Nisso eu já tinha passado todo o preço, toda a forma como ia ser pago. Praticamente 50% ele ia dar em questão de uma semana e os demais ele ia dividir pra mim em 12 pagamentos. Eu consegui isso, sendo que ele queria praticamente à vista. Quando eu passei os números pra ele, o segundo levantou e falou: “Olha, não foi esse o preço.” Eu falei: “Eu combinei com você, com o Rubens de Santos.” Ele falou: “Não, se você quiser realmente comprar é cinco mil a mais dessa proposta que você está fazendo.” E o meu contador, meio nervoso, já queria brigar. Eu chutei o pé dele por baixo da mesa e falei: “Está certo, põe mais dois pagamentos então em cima.” Ele pegou, aceitou. E nisso saímos dali. Eu fui tomar posse cinco dias após o negócio realizado, porque eu estava concretizando o negócio. E quando eu estava no estabelecimento tinha muito mais coisas, quando eu fui tomar posse era outra... Mas não liguei para aquilo. Aí fui na companhia que fornecia café na época, era a empresa São Joaquim, Café São Joaquim, e expliquei que estava comprando. Ele pagava semanalmente e numa negociação com a São Joaquim passei a pagar após 30 dias. Ali capitalizei pra uma eventual parcela, e nisso eu fui negociando. Eu consegui pagar com os “pés nas costas” porque eu tenho até as reportagens antigas de 1984, até cita o gerente antigo, que era o Alfredo Chagas. Teve um aumento muito grande no café. Assim que eu peguei, subiu quase 200%. Então aquilo a gente tinha que repassar para o consumidor. Não era o nosso alvo, mas tinha que ser repassado. Então a prestação se tornou barata pra mim, tanto é que após 60 dias, quando eu estava pagando a segunda parcela, ele veio me propor pra desistir do negócio que ele me devolvia com lucro. Eu disse pra ele que estava agradecido, mas por enquanto dava pra eu manter a minha palavra e o pagamento e se um dia eu não conseguisse, eu venderia pra ele. Graças a Deus não foi necessário. Ao lado tinha a Kopenhagen, que era uma casa muito antiga também. A casa da Kopenhagen, depois de um determinado tempo, começou também a trabalhar com café, só que o café expresso, não batia de frente com o meu. Depois a Kopenhagen foi fechada. Aliás, o prédio foi vendido e a pessoa que comprou o prédio não conseguiu fazer locação para a Kopenhagen. A Kopenhagen saiu de onde estava situada e foi montada a Giovanetti. Depois veio o bingo. Pegou fogo naquela região ali, na época, que era o Restaurante Cenati e o Taco de Ouro, casas também antigas e tradicionais, que foram totalmente destruídas. Aí veio um grupo de São Paulo, alugaram o prédio e edificaram novamente. Nesta época, porém, o Café teve um desequilíbrio porque ficou fechada a rua por um determinado tempo, quase 60 dias, porque podia cair alguma parte. O prédio era tombado pelo órgão Condephaat [Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico]. E depois que reabriu novamente. Estava sujeito até a atingir o Café, graças a Deus não atingiu. Essas foram as modificações que eu recordo. Agora, os demais prédios, a padaria ali em frente, a Padaria Orly se mantém, inclusive até hoje. Na esquina era a loteria, continua, que é inclusive do filho do proprietário do prédio, da família Faber. PRODUTOS Quando eu iniciei em 1984, se vendia muito mais charutos. Vendia muitos tipos de charutos e cigarros importados. Hoje não tem essa facilidade. Como entrava eu não sei. Não tem mais esse tipo de cigarro importado, americano mesmo. Então havia algumas marcas famosas, que às vezes a pessoa conseguia pedir pra gente e nós conseguíamos. Esses produtos não tem mais. E quanto ao charuto também, algumas marcas foram saindo e entrando novas marcas no mercado, mas marcas mais caras. E ainda se vende um pouco de charuto cubano. Nós temos também um charuto muito bom feito na Bahia. Quando os americanos vem pra cá, eles gostam de fumar muito charuto, chegam a levar caixas. Mas outros produtos foram se adequando conforme a demanda, a procura. Isqueiros, artigos para charuto, para cachimbo, que vendia bastante também, caiu a venda. Então, dentro do café eu fui ampliando algum mix. Coloquei um doce português, alguns bolos, pastelzinho. Tem um pastel lá, qualidade fina, uma massa saborosa, o meu pai tem essa receita há mais de 50 anos, desde os tempos de Minas. Então sempre procuramos pôr alguma coisa a mais, que o cliente, às vezes, chega e quer. Esses jovens hoje querem um cigarro diferente, cigarro de palha. Até cigarro de palha essa moçada fuma. Então vamos colocando os produtos à medida que vamos sentindo a necessidade. MOBILIÁRIO A louça era toda, na época, branca. Depois, nessa última reforma, em 1999, ela levou a logomarca do café. E inclusive também, nessa reforma, eu quase apanhei no dia. Eu reformei o café totalmente porque o sistema lá de fazer o café, de coador, era feito na frente do café. Então eu notava que as moças estavam passando o café e ficavam olhando para rua, o carro descendo, e olhando, e perdia um tempo com aquilo. E nessa reforma eu falei: “Vamos modificar.” E levei o café para ser feito na parte do fundo. E na frente, onde se fazia aquilo lá, em parceria com o Café Canecão, depois eu mudei, foi colocada uma máquina de três grupos, muito bonita, com o desenho de uma águia. E nesse dia que foi reabrir ao público eu também dei café o dia todo, gratuitamente, e mini pão de queijo, porque o pessoal ficou ansioso pra ver a reforma. E quando chegaram aqueles clientes mais tradicionais e viram aquela máquina lá, falaram: “Mas o que vocês estão fazendo? O Café Regina não é seu, é patrimônio de Campinas. Eu vou quebrar aquela máquina.” Aí eu falei: “Calma, meu senhor, vem aqui.” Peguei na mão do senhor. Ele é cliente, inclusive, até hoje, levei ele pra lá e falei: “Não estamos mudando o sistema de fazer o café. Aquilo ali é mais uma peça decorativa para vender também café expresso, mas a nossa tradição continua.” “Ah, bom, agora você me deixou mais tranqüilo.” Então são clientes tradicionais que se sentem realmente também donos. Faz parte da história e não querem que mude o sistema, o modo de ser feito. FORMAS DE PAGAMENTO Às vezes chega alguém: “Ah, posso tomar? Eu pago depois.” Isso é meio dificultoso para o caixa. Quando eu estava no caixa era outra coisa, conhecia todo mundo, mas a menina tem que tirar a ficha. Então, às vezes, há um bloqueio nessa parte. Mas quando estou por perto e a pessoa pede, só faço sinal que tudo ok. Então os outros produtos se pagam com cartão de crédito, Visa e Mastercard. E os demais, as pessoas são obrigadas a tirar a ficha primeiro pra depois consumir. Então praticamente a minha venda total, 99% é à vista. E quando chega um cliente que está diariamente lá e quer tomar um café ou comer alguma coisa, acabo deixando marcar. Marca, depois a pessoa volta e paga. Mas praticamente 99% é à vista. PROMOÇÕES Eu comprei lá em 20 de setembro de 1984. Quando deu 20 de setembro do ano seguinte, 1985, eu senti que a clientela, através de uma pesquisa que foi feita... Porque uma pessoa queria lançar um produto pediu autorização pra fazer uma entrevista com os clientes. Eu falei: “Tudo bem.” Essa pessoa queria lançar esse produto no Café Regina, então eu disse que poderia fazer. E nessa pesquisa deduziu-se que 80% dos clientes que passavam ali, na época, em torno de 2 mil e 500 a 3 mil e 500 pessoas eram pessoas que estavam ali todos os dias. Eram os bancários, juízes, promotores, advogados e os comerciantes da região. Então não foi viável o lançamento desse produto. Eu não recordo qual, mas não era viável porque era a mesma clientela. Ele queria um tipo de clientela que fosse diferenciada diariamente. Por causa dessa pesquisa, inclusive, eu adotei o sistema. Aí em setembro, no primeiro aniversário da minha compra, não da fundação do Café. Quando abriu o Café, eu pus uma placa dizendo que o café, naquele dia, era gratuito em função do aniversário do café sob a minha direção. E desde lá até hoje, porque no dia 20 de setembro agora vai fazer 23 anos sob a minha administração, eu continuo fazendo essa oferta para os clientes. TRADIÇÃO E MUDANÇAS A decoração, agora vamos passar por uma nova reforma. Inclusive, agora, no mês retrasado fiz uma parceria. Vendi 1/3 do café pra uma pessoa pra tentar entrar no ramo de franquia. E a decoração realmente vai ser mexida novamente. Tem fotos do fundador, porque foi feita uma homenagem para ele. E a pessoa que pintou o quadro do fundador pintou a minha também, mas isso já vai para cinco, seis anos. Então vai ser tirado isso, vai colocar fotos da cidade. Eu já tenho algumas lá, a cidade antiga, acho que de 1930, 32, 38. E vai passar por uma modernização nas cores. Tem um arquiteto bolando. Alguns móveis vão ser mudados, mas a tradição, de certa forma, continua a mesma. E agregam outros. O Café é meu em termos, mas já faz parte realmente da história de Campinas, porque ali passam todos os políticos, pessoas que levaram o nome de ruas famosas no centro da cidade passaram por lá. Tem histórias que eu recordo, daqueles recortes, que tem um senhor que falou que tomou um café lá com Getúlio Vargas. Então o ex-prefeito, o Grama [José Roberto Magalhães Teixeira], ministro que vem em Campinas, passam por lá. Então o Café engrandece e engrandece muito por eu ser o proprietário. Às vezes, a gente sente que há pessoas que querem falar com você. E eu sou uma pessoa comum, normal. E um dia, tem um fato interessante. Antigamente eu ficava no caixa direto. Agora, eu não fico mais no caixa por causa do computador, esses números pequenos, eu não consigo mais. Mas eu passo lá minhas dez, 11 horas por dia. E tem a parte de cima, que tem o escritório. E um dia eu desci pra tomar um café, arejar um pouco. Aí chega uma pessoa, bate papo, chega outra, bate papo. E na hora que eu desci, senti que tinha um cliente na porta, na faixa de 72 anos mais ou menos, um senhor de cabelo branco e olhou para mim. E a gente tem sensibilidade, você vê que a pessoa parece que quer falar com você. Então naquilo saiu essa pessoa que estava conversando, e chegou um outro amigo. Conversamos mais uns dez minutos. Saiu esse, chegou o outro. E a pessoa ia se aproximar, parava e voltava. Nesse pouquinho que eu desci pra tomar um café, eu fiquei quase uma hora e 15 minutos conversando com um e com outro, e essa pessoa não saía. Eu falei: “Não é possível, essa pessoa vai fazer uma reclamação. Então eu tenho que atendê-lo.” E quando saiu essa última pessoa, também cliente, batendo papo, ele se aproximou e eu já fui de encontro a ele. Já dei a mão pra ele e falei: “Eu estou sentindo que o senhor queria falar comigo.” Ele falou: “Eu queria sim. Eu queria te conhecer pessoalmente. Eu vejo sua correria aí. É um prazer muito grande conversar com o dono do Café Regina. Eu vou chegar em casa e vou falar para os meus filhos.” Então isso engrandece a gente porque são pessoas que pensam que a gente é... Mas não é nada disso. Então eu sou uma pessoa comum, como os outros. Às vezes, nós temos a nossa privacidade e a pessoa nos vê de um lado e acha que é aquilo, mas não é nada disso. Eu sou uma pessoa de conversar com qualquer um, desde o mais rico até o indigente que eu dou um cafezinho. Somos pessoas comuns. Nós somos todos iguais. COMÉRCIO DE CAMPINAS Campinas, além de crescer muito e ter um número populacional diferente das outras cidades daqui da região metropolitana, ela ainda tem muito a crescer em termos de investimento cultural. Tem cidades menores que são mais ricas nessa parte, no esporte. Campinas, em certa época chegou a ser eleita a primeira no ranking em relação aos esportes. Hoje perde pra Paulínia, Americana, dependendo do tipo de esporte. Eu acho que os nossos dirigentes têm que voltar um pouco e focar essa geração, esses jovens. Nós vamos fazer um trabalho agora em cima disso. Eu tenho alguns colégios perto e vou distribuir vale-café pra criançada, esses jovens de 17, 18 anos, que estão entrando no Bentinho [Colégio Politécnico Bento Quirino], na Escola Carlos Gomes, na Microcamp, pra também saber o que é um café, saborear. Porque muitos jovens hoje não gostam. Eu tenho três filhos e apenas um toma café; e toma dois, três cafés. E o café é saudável, acima de tudo, para as pessoas. Então eu vejo ainda muito que Campinas precisa crescer em muitos aspectos, assim em relação à cidade, comparada com outras. Mas Campinas cresceu muito e realmente é um pólo muito rico. Você vê hoje aqui aeroporto e mais outras coisas. Rede hoteleira cresceu muito. Nós temos hotéis aí que compara com esses grandes resorts do país. Então Campinas cresceu e ainda tem a crescer muito, mas deixa a desejar em alguns aspectos voltados para a população, referente aos jovens principalmente. Você vê hoje que tem muitos jovens aqui que saem pra Indaiatuba e outras cidades, Itu, pra ir atrás de algumas boates que Campinas, às vezes, não tem, pondo em risco, inclusive, a vida desses jovens. Então eu acho que tem que fazer atrações que os mantenha na cidade, perto dos seus familiares. O comércio em si também cresceu muito. Esses shoppings, esses mega-shoppings que vieram pra cá, esses empreendimentos, isso aí traz, cada vez mais, renda em benefício para a cidade. Então, nessa parte aí, que é dos dirigentes e tudo, eu acho que está de parabéns. Mas, focando um pouco fora do comércio, ainda são necessários outros empreendimentos. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu acho muito agradável. É uma honra estar aqui deixando esse depoimento. Isso só engrandece o nome do Sesc. Quero parabenizar vocês desde já, naturalmente é um feito que vai marcar para outras pessoas que não conhecem Campinas. LIÇÕES DO COMÉRCIO O comércio, às vezes, é visto por pessoas de outros focos como ingrato para pessoa. Mas para mim ele é muito gratificante porque eu acho que o comerciante tem que ser, acima de tudo, honesto. Honesto com as pessoas, com o produto que vende, com o carisma das pessoas. Então isso só tem a engrandecer quem está de um lado e do outro, quem compra e quem está vendendo. Agora, eu fico muito feliz porque eu aprendi isso na minha infância, com a minha simplicidade e dos meus pais, mas voltando pela honestidade acima de tudo. Então isso para mim é a base essencial, você comprar produtos e dar a garantia para pessoa. E como o meu produto é mais parte de consumo, você também tem que procurar fazer o melhor. Se tem uma reclamação: “Ah, o café está frio”, um descuido de uma moça. Ou: “O café está fraco”, a tradição aqui é forte. “Por favor, joga fora, joga todo o bule fora, faz um novo para o cliente.” “Não, mas é só um.” “É só um. Faz um bule inteiro, mas não tem problema. Se ele quiser tomar mais, toma.” Então eu vejo desse lado. A honestidade do nosso lado tem que ser primordial. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO DE SÃO PAULO Se comparando com outros estados, o estado de São Paulo tem o que dizer em relação ao comércio porque praticamente, no populacional ele ganha em termos de tudo. Então todas as feiras, todos os focos giram em torno de São Paulo. Apesar de eu ser de Minas, mas praticamente a minha vida é aqui. Como diz o outro, hoje eu estou com 51, praticamente há 33 anos já estou em Campinas. Eu sou inclusive cidadão campineiro. Então a minha vida é Campinas. Tanto é que a minha família está toda aqui. Em Minas eu voltei apenas duas vezes. Então eu vejo, apesar de Minas também ter um comércio muito rico em outras áreas, manda praticamente quase que na moda, principalmente na moda feminina. O pessoal até do Rio, de São Paulo também compara lá. Mas o comércio de São Paulo eu acho que ainda é imbatível, em quase todos os setores. FUTURO DE CAMPINAS Eu acredito muito, os meus filhos estão aqui ainda, que Campinas vai crescer muito. Então é o que eu disse, agora vai dos governos, dos dirigentes, que tem que crescer em base adequada para população nova que vem, não apenas abrir novos bairros e deixar a Deus dará as pessoas com necessidade. Então tem que fazer uma coisa traçada, bem elaborada, porque daqui para frente sempre vai vir, como em todos os setores, vão vir pessoas de todas as cidades buscar, como eu vim para cá em 74, pessoas que vão querer ter confiança num futuro melhor pras suas famílias. Mas tem que saber escolher. Eu acho que as pessoas que se põem nessa posição de vir para uma cidade maior, eu acho que elas têm que também fazer uma pesquisa ou ter um certo conhecimento, algum familiar, uma base de suporte, porque a pessoa vem e depois chega aqui com cara e coragem. Depois acaba em um bairro onde depois os seus filhos crescem, não têm alimentação, cai no abandono, na criminalidade, nas drogas. Os dirigentes têm que estar atentos para essas pessoas e saber acolher, porque antigamente parece que tinha um sistema para as pessoas que chegavam aqui, até os próprios andarilhos. Não tinha tanto indigente como se vê hoje. Tinham alguns albergues. A pessoa pegava e encaminhava, ou depois até pagava. Tinha um governo aqui, não me recordo qual, na época, mas que pegava essas pessoas, até pagava passagem para eles de volta porque eles não tinham estrutura nenhuma para ficar. Campinas tem que crescer, e vai crescer muito, como as outras cidades, mas eu acho que tudo isso depende muito dos prefeitos e governadores, dos seus estados, para o melhor comum para todos. AVALIAÇÃO DE VIDA Se hoje você me fizesse uma pergunta, se você tem um ídolo na sua vida, eu acho que todo mundo tem, eu queria deixar isso aqui e dizer que realmente eu tenho esse ídolo. É a minha mãe. Por quê? Em relação à luta, à bravura que ela teve para salvar um filho, sabendo que os outros poderiam morrer. Então eu acho que isso é uma lição de vida muito grande. Jamais vou esquecer essa parte, essa luta de mamãe porque ela perde os demais, mas sobrevivem todos. Então, me baseando nisso, eu só tenho garra para lutar igualmente pelos meus filhos e deixar um recado, como eu disse, eu não sei onde vai chegar esse vídeo. Então se chegar até os jovens, que o futuro é deles, que eles tenham base na família, no pai, na mãe, e que esqueçam drogas e tudo mais. Isso não leva a nada, só leva à perdição e à morte. Então, que lute com insistência nos estudos e procurem se relacionar em família. Porque a família eu acho que é a base de tudo e pode levar eles sempre a crescerem. E trabalho, porque o futuro é deles que estão vindo aí e que têm uma vida toda pela frente. Eu não sei quanto tempo ainda vou viver, mas o tempo que eu vivi, graças a Deus eu considero bem vivido pelo meu trabalho e pela família que eu tenho.
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