Santa Cruz do Rio Pardo
Projeto Todo lugar tem uma história para contar
16 de outubro de 2018
Depoente: Dona Benedita Silva dos Santos
Entrevistadores: Lilian de Castro Oliveira, Vanessa Andrade Pereira, Lia Cristina Lotito Paraventi
Santa Cruz do Rio Pardo
história de vida 003
P/1 - Nós vamos transitar por várias fases de sua vida, primeiro nós vamos começar com a sua identificação. Qual o seu nome, local de nascimento e sua data de nascimento.
R - Meu nome é Benedita Silva dos Santos, nasci em Getulina, estado de São Paulo, aos 26/09/46.
P/1 - O nome de seus pais? Como que foi a sua formação?
R - Antero Silva e a minha mãe Isabel Modesto dos Santos.
P/1 - O que a senhora lembra dessa fase? De como eles eram? Como eles se tratavam?
R - Como eles me tratavam?
P/1 - Isso.
R - Minha filha, foi muito difícil a minha vida, viu. Aos oito meses eu fiquei sem mãe, a minha mãe perdeu o juízo, foi para Franco da Rocha, ficou dois anos e oito meses internada, depois ela voltou e eu já estava grandinha. E só foi sofrimento, criança foi, porque naquele tempo os pais não tinham assim, sabe? Coisas assim para dar para os filhos. Então a gente só morava em sítio, fazenda e a minha vida foi trabalhar, desde a idade dos sete anos. Aí aos sete anos eu ia para escola, saía da escola e já ia direto para o café trabalhar, ajudar eles. E foi assim até os onze anos, quando eu saí da escola direto, aí eu saí e fui para o serviço, carpir café, plantar arroz, fazia todo serviço de roça, eu fiz. Até casei, mesma coisa, vivi na fazenda muito tempo, criei meus filhos na fazenda, porque eu fiquei doente e tudo. Fui cortar cana, eu fiz muito serviço na minha vida, muito.
P/1 - Dona Benedita, a senhora nasceu em Getulina?
R - É.
P/1 - E a senhora ficou quanto tempo lá?
R - Em Getulina mesmo foi pouto tempo, que eu fui criada mais em Lins e em Penápolis, aí quando eu vim para Santa Cruz do Rio Pardo eu tinha vinte anos, aí eu moro aqui há bastante anos já.
P/1 - A senhora falou que a sua mãe ficou doente?
R - É, a minha mãe ficou doente.
P/1 - Oito meses (inint) [00:02:52].
R - Eu tinha oito meses de nascida.
P/1 - E quem é que criou a senhora?
R - Aí eu fiquei com meu pai e a minha irmã mais velha, que tinha dez anos, e mais dois irmãos mais novos.
P/1 - A sua irmã que cuidava (inint) [00:03:06]?
R - Que ficou comigo. Aí a minha mãe se tratou dois anos e oito meses no Franco da Rocha, aí ela veio embora para ficar com nós.
P/1 - E nisso a senhora estava em Lins já?
P/2 - E o que é que a mãe tinha?
R - Minha mãe ficou atrapalhada da cabeça, eu não sei o porquê, eu era pequeno nesse tempo, então a gente não... Aí nós ficamos com meu pai até quando ela chegou, aí ela chegou e foi cuidar de nós, mas sabe, ela não ficou assim uma pessoa que cuidava de nós assim com amor, um dia ela estava boa, outro dia ela batia, sabe como é que ara? Aí até os meus doze anos eu morei com a minha mãe e com meu pai, depois dos doze eu saí da casa do meu pai e da minha mãe.
P/1 - E aí a senhora foi para onde?
R - Eu fui morar com a minha irmã, com essa mais velha, mas foi só sofrimento, viu filha. Nossa, aí porque eu tinha que trabalhar, tinha que pagar a minha comida que eu comia. Nossa, era...
P/1 - E a senhora fazia o que lá?
R - Eu trabalhei em olaria cortando tijolo, lá para o lado de Penápolis. Trabalhei em olaria cortando tijolo, trabalhei em todo serviço que aparecia, de roça, sabe? Era colher café, era... Fazia de tudo, cortar arroz, arrancar feijão, amendoim, tudo eu fazia até quando eu completei os meus vinte anos já, aí eu vim embora para Santa Cruza. Agora, aqui em Santa Cruz eu fui cortar cana, eu morei na fazenda dos Coalhadas muitos anos. Casei, tive meus filhos, tudo aqui em Santa Cruz.
P/1 - E os seus pais ficaram lá na fazenda?
R - Os meus pais ficaram lá para o lado de Penápolis.
P/1 - Penápolis.
R - É, que agora eu não tenho nem pai mais e nem mãe, que o meu pai morreu e a minha mãe morreu primeiro que o meu pai. Mas eu sofri na vida, porque aquele tempo, não é dizer assim que nem agora essas crianças são tudo... Naquele tempo a gente não tinha uma cama para dormir direito, você entende? Nossa, quantas e quantas vezes eu dormia no chão, a gente dormia no chão, outra vez o meu pai fazia aquelas camas de tarimba com tábua assim, punha um colchão de palha e a gente dormia em cima, sabe? Aquele frio que estava e a gente não tinha um chinelo, a gente não tinha uma blusa assim, uma blusa de frio.
P/1 - Quantos irmãos a senhora teve?
R - A minha mãe era mãe de onze filhos, minha mãe não criou todos, morreu. Agora vivo eu não sei, porque eu tenho irmão que está sumido, faz quarenta anos que eu não vejo, sabe. E tem um irmão, que quando ela saiu da minha casa, eu tinha oito anos, ela tinha treze, nós morávamos em Lins e ela foi trabalhar em Bauru e nunca mais a gente viu ela. Agora eu já estou com setenta e dois, a minha irmã eu não sei quantos anos que ela é mais velha do que eu, ela é mais velha do que eu um pouco. E tem um irmão também, que esse irmão meu, quando eu vi ele, a minha menina, que está com quarenta anos agora, ela tinha sete meses, e eu não vi mais ele também, nunca mais, sabe. Então, quer dizer que aqui em Santa Cruz é só eu, porque as minhas irmãs, que eu tenho duas irmãs, moram para o lado de Araçatuba, São José do Rio Preto, para lá e aqui só é eu. Aí depois disso tudo que aconteceu eu casei, foi só sofrimento, porque a gente casa...
P/1 - Mas antes disso eu gostaria de perguntar para a senhora a sua parte de infância.
R - Infância, a minha infância era gostosa, eu achava, para mim, eu gostava da minha infância, porque a gente corria para o meio do cafezal, a gente chupava laranja lá no pé, colhia melancia, a gente comia lá, aqueles mamões lá no pé, a gente subia e catava o mamão. Eu gostava, era eu e meu irmão mais, que nós andávamos pelo meio do cafezal catando essas coisas. Era gostoso, eu achava, porque a gente é criança, tudo está bom, não é verdade? Pode apanhar, apanha cedo, de tarde a gente está boa. Eu era assim, sabe?
P/1 - A sua casa traz lembranças na época de infância, os móveis, os objetos?
R - Não tinha móvel, minha filha, a gente tinha o quê? Era difícil, a gente não tinha sofá, naquele tempo não tinha essas coisas. Era uma prateleira na cozinha, um banco de tábua, sabe como é que era? E era só assim. A gente não tinha guarda-roupa, eu, na minha casa nós não tínhamos não, só se outras pessoas que era mais assim tinha, mas nós não tínhamos nada disso não, nós tínhamos só as graças de Deus, trabalhar. Tinha arroz e feijão quando tinha, e quando não tinha não comia nem arroz e feijão, minha filha, mas estava bom para nós, de todo jeito estava bom, para criança. Eu tinha o quê? Onze anos, doze anos, eu não estava nem aí.
P/1 - A senhora teve onze irmãos, a senhora é a terceira?
R - Não.
P/1 - Não.
R - Não, espera lá. Tem uma (inint) [00:08:32], essa aqui sumiu, (inint) [00:08:35], uma que morreu e eu, eu sou a quinta.
P/1 - A quinta?
R - É.
P/1 - Aí depois a sua mãe foi internada, aí quando ela voltou é nasceram os outros?
R - Ainda teve mais, é.
P/1 - O conhecimento na infância não teve então uma parte tecnológica que a senhora chegou a conhecer? Época de televisão, época de rádio.
R - Não, que televisão? Televisão eu fui ver eu tinha dezesseis anos, quando eu vi televisão. Não, rádio dos outros, assim, que a gente ia lá, porque era a coisa mais admirada, o nosso vizinho tinha um rádio, nossa e eu ia lá “Mãe, eu vou ali na casa do...”, esqueci o nome do homem, para escutar rádio, eu ia escutar rádio, porque nós não tínhamos rádio.
P/1 - Essa experiência, como foi, com o rádio?
R - Ah, eu gostava de estudar tudo quanto é propagada que você ouvia no rádio, logo já entrava na minha cabeça e eu já aprendia, aí a vida minha...
P/1 - O rádio era na fazenda mesmo ali, nas (inint) [00:09:44]?
R - Não, era na casa do vizinho.
P/1 - Na casa de um vizinho, aí a senhora já estava em outra cidade, já tinha saído?
R - Eu morava em Lins mesmo, só que era na fazenda, sabe, era em uma fazenda que a gente morava. Era Clarino que chamava esse homem que era vizinho nosso que tinha o rádio, “Mãe, eu vou na casa do Senhor Clarino para escutar rádio, viu?”, “Vai um pouquinho”, a gente ia lá um pouquinho, depois vinha fazer a obrigação.
P/1 - E tinham mais crianças lá? A senhora lembra?
R - Não, onde eu morava eram só duas casas, só a minha família e esse homem só, não tinha mais gente perto.
P/1 - Conviveu mesmo com os irmãos então?
R - Era. Então onde eu brincava muito, assim, que nós morávamos perto do café já, eu brincava com a minha irmã, com essa uma que eu falei que foi trabalhar em Bauru e nunca mais eu vi. Ela já era mais grande, então nós duas, dia de domingo nós limpávamos os pés de café e ia brincar de casinha, boneca de sabugo, porque não tinha nem boneca aquele tempo. Então nós fazíamos boneca de sabugo, a minha mãe fazia boneca de pano para nós e nós brincávamos.
P/1 - A parte da educação da senhora, como se desenvolveu a parte da educação, da escola? Como foi a sua ida para escola?
R - Eu com sete anos eu fui para escola, lembro até hoje, nós morávamos em uma fazenda perto de Lins que chamava Santa Clara. Aí eu fui na escola, tudo bem, nossa, eu adorava ir na escola, a professa era muito boazinha, lembro até hoje o nome dela, a minha primeira professora, ela chamava Dona Leonor. Então aí fiquei na escola, quando estava quase... Porque naquele tempo a gente estudava o ano inteiro, quando chegava no fim do ano a gente fazia o exame, era exame que eles falavam que a gente fazia, então que aí que a gente vê se ia passar para o outro ano. Aí quando eu estava quase para chegar no ano de eu passar meu pai mudou, aí eu perdi aquele ano. Aí eu era assim, eu entrava na escola, quando eu estava bem na escola o meu pai mudava, então eu fiquei quatro anos na escola, mas nunca passei de ano, nunca passei. Fiquei quatro anos, nunca passei de ano. Aí quando chegou os onze anos o meu pai falou: “Agora chega de escola”, aí eu já sabia fazer o meu nome, a gente sabia, então estava bom para eles e para a gente também, porque a gente via que a gente tinha que trabalhar, porque se a gente não ajudasse os pais, como é que eles iam tratar da gente? Porque era difícil, o meu pai ele era meio que sossegadão.
P/1 - E a senhora tinha vontade de ser alguma coisa? De ter estudado e ser...
R - Não, a minha vontade que eu tinha, quando eu era criança, eu só tinha vontade de ser costureira, era coisa que eu falava, sabe? Nossa, eu tinha uma vontade de ser costureira, menina, mas não tinha jeito, como que eu fazer isso? Que eu não sabia nada, a minha mãe pouca coisa ensinava para nós, minha mãe falava: “Fica aí, faz isso e isso”, e ia para a roça. Eu, com onze anos, teve um tempo que eu não trabalhei, aí então eu cuidava de uma sobrinha, uma irmãzinha e a outra minha irmãzinha de dois anos, eu que cuidava das três em casa. Lavava, fazia comida, dava mamadeira para elas, cuidava delas e a minha mãe, meu pai, meu irmão, que é a mais velha, que era mãe dessa menina, e o marido dela estavam trabalhando para nós podermos. Nossa menina, olha, mas eu gostava, sabe? Eu gostava. Quando nós mudamos para Penápolis, menina do céu, nós fomos morar em uma fazenda, ai que desgosto que eu tinha, eu não aguentava comer os que eles faziam para nós comer, mas tinha que comer senão morria de fome, falava: “Meu Deus, eu não aguento mais comer isso”, falava: “Mãe, eu não aguento mais comer minguta”. Por isso que até hoje eu não como, mas não é minguta, eu falava assim, esse angu de milho verde, nossa, até hoje eu não posso ver, porque eu comi demais, era cedo, meio dia e de tarde, mas porque a gente tinha que comer, não tinha outro. Era uma fazenda muito esquisita, nossa, mas está bom, tudo passou.
P/1 - Isso. E a parte da juventude da senhora como que começou a ser o namoro, o primeiro namoro?
R - Foi tudo perturbado, porque a minha família não gostava assim muito que a gente saía, ainda mais que eu morava na casa de uma irmã, o meu cunhado era muito chato, nossa, para eu sair era aquele falatório: “É porque não sei o quê...”. A minha irmã só tinha essa filha, mas morreu pequeninha, então eu morava com ela, com doze anos eu fui morar com ela, aí foi bom, do jeito que eu saía escondido, não estava nem aí. Eu juntava as moçaiadas “Vamos para tal lugar?”, ao invés de nós irmos para aquele lugar nós íamos para outro, diferente.
P/1 - Tinha baile nas fazendas?
R - E eu com a irmã do José Cordeiro. Eu, a irmã do José Cordeiro, o irmão dele, sabe? Eu falava: “Senhor Ernesto”, que era o meu cunhado, eu chamava ele de senhor, “Senhor Ernesto, nós vamos lá na sede assistir filme”, lá na Jamaica, que nós morávamos. Minha filha, nós não íamos ali não, nós íamos para os bailes dos sítios, nós sumíamos, chegava de manhã cedo, chegava e o meu cunhado estava acordado “Você pode ir para você ir trabalhar amanhã”, que no domingo eu tinha que trabalhar, aqui a gente trabalhava no domingo, na fazenda dos Coalhados. A gente trabalhava no domingo, cortava cana até meio-dia. Aí eu ia, cortava cana até meio dia, depois de meio dia juntava a moçaiada tudo e nós íamos tudo para o campo, eu não estava nem aí não. Vinha do campo de tarde, arrumava a minha roupa para o outro dia cedo e no outro dia eu ia trabalhar de novo. Foi indo até nos meus vinte e seis anos, que quando eu casei eu estava com vinte e seis anos.
P/1 - E como que a senhora conheceu o seu marido?
R - Trabalhava aqui no Jamaica.
P/1 - Jamaica?
R - É, porque a irmã dele morava aqui, ele morava em São Paulo, aí ele veio passear aqui e a gente se conheceu.
P/1 - Como é que foi esse namoro? Que ele morava em São Paulo, a senhora (inint) [00:16:28].
R - Mas depois ele veio embora para cá, mas não namorei muito tempo, porque a minha família não gostava dele, o meu cunhado não gostava dele de jeito nenhum, a minha irmã não, mas o meu cunhado era invocado, ela era invocado, ele não gostava. Aí depois fiz casei, vivi vinte e cinco anos com ele, mas foi uma vida também bem sofrida, e nesses vinte e cinco anos eu doente.
P/1 - A senhora teve o quê? Que a senhora já falou que ficou doente, a senhora ficou com... O que era?
R - Agora, por último, que agora que eu parei de trabalhar, eu parei de trabalhar, está com vinte anos que eu parei de trabalhar, que foi quando o meu marido morreu e eu parei de trabalhar, aí eu fui tomar conta dos netos. E eu depois tive tumor no estômago, aí eu fui para Jaú operar, fiz tratamento dez anos, depois desse tratamento eu tive que ir para São Paulo fazer cirurgia do coração também. Então foi isso, agora está bom, graças a Deus. Mas a minha vida foi muito sofrida, viu, demais.
P/1 - Mas a senhora se sente uma sobrevivente?
R - Sinto, graças a Deus, nossa, que Deus foi tão bom para mim, que eu venci tudo isso. Olha, fiquei internada, o médico de Jaú me deu três meses de vida e já faz mais de quinze anos, só que não engordo, é esse jeito só, não tem jeito. Mas só que eu gosto das meninas aqui onde fico, e aprendi bastante coisa aqui.
P/1 - Então, agora nós vamos por essa fase desse conhecimento da senhora com o CRAS: como é que a senhora chegou ao CRAS para os atendimentos, para participar dos grupos?
R - Olha, eu não tinha vontade de ir no Reviver, nossa, as mulheres chamavam: “Vamos?”, “Não, tem quatro crianças para eu cuidar”, eu tinha quatro netos e eu já estava doente, já estava bem...
P/1 - A senhora tem quantos filhos?
R - Eu tenho quatro, mas eu cuidei de quatros netos. Aí uma vizinha lá: “Vamos? Vamos?”, eu falava: “Eu não vou não”, aí um dia eu falei: “Sabe que eu vou”, aí eu comecei a ir, nossa, e gostei. Aí depois eu fiquei doente, fui operar, passou o meu tempo da cirurgia, voltei de novo que estou até agora. Depois fui para São Paulo, operei do coração, tudo, tornei a voltar, e eu gosto de vim no Reviver. Eu gosto das meninas, eu gosto de todas as minhas colegas, gosto de todo mundo, sabe? Todo mundo, para mim, é um amor.
P/1 - E como desenvolveu o seu gosto pelo artesanato?
R - Eu não sei, porque eu adoro fazer, gente, é a coisa que eu adoro é ficar sentada bordando, fazendo crochê, olha, eu não sei o que é isso, parece que eu fico doente se eu não fizer isso.
P/1 - A senhora aprendeu aqui no Reviver?
R - Aprendi no Reviver, tudo que eu sei. Porque quando eu era mais nova, que eu podia pensar em fazer alguma... Eu não podia, porque eu tinha que estar trabalhando na roça, meus filhos eram pequenos também, eu tinha que pôr as coisas dentro de casa, que o meu marido não era muito assim de estar, ele não, então eu que tinha que ir na frente, aí eu falei: “Meu Deus, até quando que eu vou assim?”. Aí foi quando eu vim embora para Santa Cruza, aí eu entrei no Reviver, aí eu fui aprendendo, tudo que aparecia eu aprendia.
P/1 - A senhora ficou com a pensão dele? Ele trabalhava?
R - Ele trabalhava.
P/1 - Ele fazia o quê?
R - Na roça também, era na roça.
P/1 - A senhora é pensionista?
R - Na roça também.
P/1 - E a senhora casou em? Qual cidade que era? Não era Penápolis não?
R - Não, eu casei aqui em Santa Cruz.
P/1 - Casou aqui mesmo.
R - É, que eu vim para cá com vinte anos, com vinte e seis anos eu casei, eu conheci ele aqui e casei aqui, por isso que mora só eu aqui, a minha família mora para lá.
P/1 - A família toda lá e aí seus filhos nasceram aqui (inint) [00:20:39]?
R - É, meus filhos nasceram aqui e eles não gostam de ficar lá.
P/1 - Qual foi a sua experiência de ser mãe?
R - Não foi ruim não, porque, graças a Deus, os meus filhos gostam muito de mim e eu também adoro os meus filhos, nossa, que é tudo para mim. Primeiramente Deus, porque a gente tem é Deus primeiro no coração e depois os filhos, mas eu gosto e eles gostam muito de mim. Nossa, eu adoro.
P/1 - Eles moram aqui ainda?
R - Moram, só uma, a mais nova, que é solteira, que mora em Curitiba.
P/1 - E eles estudaram aqui? Eles foram criados em sítio, que a senhora falou?
R - Foi criado tudo no sítio, só que o mais novo, essa menina minha é mais velha. O Marco, que é o mais novo, quando veio para cá para a cidade estava com dezessete anos já, mas nós morávamos na fazenda.
P/1 - Na Jamaica?
R - É, na Jamaica, toda vida eu morei lá.
P/1 - Que também pertence a Santa Cruz?
R - Sessão de cana, era serviço direto, sabe? Aí também sofri bastante, por causa das crianças todas pequenas, mas depois... Agora, graças a Deus, a minha vida está boa, eu saio para onde eu quero, eu passeio, eu vou com as meninadas, eu adoro.
P/1 - A senhora está morando sozinha?
R - Agora mora um neto, o mais velho, que eu criei, mora comigo, eu mando morar com a mãe dele, mas não quer, então fica lá comigo.
P/1 - E os cursos que CRAS serviu de profissionalizante para a senhora?
R - Serviu.
P/1 - Hoje em dia a senhora trabalhar com esses bordados?
R - É, eu faço os meus bordados, quem quer comprar os meus bordados eu vendo, quem pede para eu fazer, eu faço. Eu faço muita coisa para os outros e, graças a Deus, estou indo.
P/1 - A maioria das encomendas são para bebês?
R - É, a maioria é, só para neném quase mais.
P/1 - E a senhora borda...
R - Fraldinha, sabe?
P/1 - É ponto cruz?
R - É, eu faço tudo ponto, faço cruz, faço hardanger, faço abrolhos, faço macramê, eu não sei, faço hardanger, eu faço tudo.
P/1 - Borda com fitas?
R - Com fitas eu não aprendi, eu não quis fitas.
P/1 - As fitas não. Os crochês?
R - Ponto russo eu não queria também, mas aprendi, mas eu não... Faço crochê.
P/1 - Dona Benedita, a senhora lembra de alguma coisa assim que, na infância, na juventude aconteceu alguma coisa que deixou a senhora muito feliz, uma brincadeira, alguém que a senhora conheceu, uma coisa nova?
R - Eu sei lá, porque eu, graças a Deus, toda vida eu fui assim, sabe, nunca fui assim de viver chorando, reclamando, então eu fui muito feliz e agora aqui também. Nossa, os meus passeios aqui foram gostosos, gostei muito e é onde eu... Porque era coisa que eu não saía, eu vivia só em casa, na roça, em casa, então era assim, sabe? Agora não, agora eu sou feliz, saio para passear com a meninada e eu gosto.
P/1 - Os passeios sócios educativos que o CRAS te proporciona?
R - É.
P/1 - A “meninada” que a senhora chama (inint) [00:24:50]?
R - É as meninas daqui, as meninas da minha idade, portanto eu chego e falo: “Boa tarde, meninas”, não é Lilian? Eu falo assim mesmo: “Boa tarde, meninas”, aí é tudo menina assim da minha idade, mais velha do que eu.
P/1 - Quando o seu marido faleceu, a senhora continuou morando no mesmo lugar?
R - Continuei morando na Jamaica mesmo, fiquei um ano morando lá, aí depois eu saí, aí fui embora para Birigui, morei um ano e pouco em Birigui, mas meus filhos não quiseram ficar lá em Birigui, os dois solteiros que eu tinha comigo, e as duas ficaram para cá. Aí eu peguei e tornei a vim embora para cá outra vez.
P/1 - A senhora foi para Birigui porque conhecia alguém ou não?
R - Não, porque eu tenho a minha irmã que mora lá, tem sobrinho, eu tenho parente que mora lá, portanto esse ano agora... Foi esse ano que fui lá, Lilian? Eu fui perto de São José do Rio Preto.
P/1 - Sim.
R - Fazia oito anos que eu não via uma irmã minha, a mais nova, aí eu fui lá ver ela um pouquinho e depois vim embora, porque...
P/1 - E esses passeios, essa convivência como é que é? Para onde a senhora vai? (Inint) [00:26:04].
R - Nossa, é bom hein, é bom. Não é, Lilian? É gostoso, nossa, uma delícia menina.
P/1 - E para onde a senhora já foi?
R - Eu já fui para uma porção de lugar. Nossa, de quando eu estou aqui no Reviver eu já fui na Nesita, já fui... Nossa, aí nem sei, para o lado de Bauru, nós fomos em uma fazenda, um hotel fazenda, a coisa mais deliciosa, que eu fui balangar. Nossa, eu já fui em muitos lugares.
P/1 - O que é “balangar”?
R - Porque tinha um balango lá, de criança, balangar. Aí eu sentei, fazia muito tempo que eu nem sentava naquilo, falei: “Meu Deus, um balango”, sentei mandei ver. Perto de Bauru. Nossa, nós fomos em lugar muito gostoso aqui. Agora, por último, nós fomos de novo em um lugar gostoso, já fui lá bastante vez, mas gosto de ir.
P/1 - Passeou de barco?
R - É.
P/1 - É?
R - Na Barra Bonita, é gostoso, só alegria. Agora não, agora a minha vida está boa, viu, embora que eu sei, eu tenho vontade de trabalhar, mas eu não aguento mais, eu não aguento nem fazer o meu serviço da casa para falar a verdade. Mas no dia que eu estou boa eu faço, no dia que eu não estou fico sentada lá só bordando, mas está bom. Por causa dos problemas meu que eu já tive, a cirurgia da...
P/1 - Por conta do que é que a senhora falou que o seu casamento também foi sofrido? Foi sofrido do seu casamento?
R - O meu casamento foi sofrido você sabe porque, minha filha? Nossa, eu casei com um homem que bebia mais do que a boca, pelo amor de Deus. Para eu tratar desses filhos foi duro, ele trabalhava quinze dias, quinze dias ele ficava em casa, sabe como que é? A gente morando em fazendo, o meu cunhado é que trabalhava no escritório, nossa, aí ele... Naquele tempo a gente não tinha dinheiro, não pegava dinheiro, era uns papéis para vir fazer compra, sabe? E tinha que fazer só aquele tanto, não era para fazer mais não. Era duro, viu. Só que as minhas crianças, graças a Deus, foram criadas na fazenda, então tudo que aparecia eles comiam, sabe como é que é? Não é que nem essas crianças de agora “Aí, eu não quero isso. Eu quero aquilo outro”, eles não, tudo. Então quer dizer que criava.
P/1 - Ele bebia e era violento ou não? Ele bebia e ficava...
R - Era violento, ele era triste, para os outros de fora ele era um amor, mas dentro de casa, nossa, ele judiava demais tanto de mim como das crianças, viu. Ele era coisa feia, mas só que ainda vivi quase vinte cinco anos com ele, depois ele morreu.
P/1 - E o que a senhora sentiu quando ele faleceu?
R - Nada, nada.
P/1 - Por quê?
R - Eu já falo nada, porque eu só vivia de sofrimento. Nossa, ele era coisa feia, no dia que eu dormia dentro de casa, quando ele estava bêbado, no dia que eu dormia dentro de casa, as crianças tinham que dormir para fora. Outra vez ele punha as crianças dentro de casa e eu tinha que dormir para fora, então não era boa essa vida, a minha vida era sofrida.
P/1 - E na época não tinha como a senhora buscar ajuda com alguém?
R - Não.
P/1 - Para um tratamento para ele? (inint) [00:29:33]?
R - Uma vez eu fui na usina, conversei tudo certinho, lá na Usina São Luiz, que é dos Coalhada, conversei tudo certinho, o rapaz lá foi buscar ele para levar para internar, quem falou, ele não saía de dentro de casa. Então eles falaram: “Não pode levar forçado”, falei: “Então deixa, Roberto. Vai fazer o que?”.
P/1 - Como que era dormir... Os filhos dormiam e a senhora dormir para fora?
R - Porque ele não deixava a gente entrar dentro de casa, sabe, “Hoje você não dorme aqui dentro”, então tinha que dormir para o terreiro, porque ele ficava a noite inteira acordado, a senhora entende como é que é? Aí quando chegava no outro dia cedo, aí quando estava dando umas duas e meia, três horas da madrugada ele dormia, aí eu tinha que fazer almoço, arrumar vasilha e deixava os meninos... Era o menino que ficava em casa para ele cuidar da casa para mim e a menina já trabalhava, as outras duas já eram casadas, já tinham arrumado marido. Então eu arrumava o meu almoço e o da menina e nós pegávamos a condução e ia embora trabalhar e ele ficava dormindo. Aí ele bebia e dormia o dia inteiro e não deixava o menino entrar para fazer nada. Aí quando era de tardezinha, na base de umas seis e meia, sete horas da noite a gente chegava em casa do serviço, aí ele estava acordado, aí era aquela tentação, aí era a noite inteira. Tinha vez de ele pegar a panela de comida assim e jogar tudo no terreiro. Eu sofri, mas depois...
P/1 - Ele morreu do quê?
R - Ai menina, eu acho que ele morreu de tanto beber pinga, porque ele estava bom, trabalhando, trabalhou no sábado até meio dia, depois chegou em casa, limpou todo o quintal, deixou tudo limpinho, aí foi buscar pinta e bebeu, na quarta-feira foi o enterro dele. Bebeu dois litros de pinga, ele sentou assim e bebeu meio litro de pinga de uma vez, aí não levantou mais. Fazer o quê? Aí trouxe no médico e tudo, o médico falou: “Não tem jeito”. Morreu novo, com cinquenta anos ele tinha, eu tinha cinquenta e um e ele tinha cinquenta anos.
P/1 - E a senhora não casou mais? Não quis mais saber?
R - Não, fiquei com meus filhos. E hoje em dia, nossa, essa menina que eu tenho ela é muito boa, todas elas são, mas essa de Curitiba é mais, essa é mais.
P/1 - É a que leva senhora para passear?
R - É ela que leva eu para passear. Onde que eu ia conhecer praia na minha vida? Nunca. Ela me levou, agora ela já está brava comigo que ela ia me levar de novo e eu falei... É porque eu não fui lá mais, muito frio lá, vou esperar esquentar para eu ir. Nossa, mas ela é um amor para mim.
P/1 - Como foi conhecer a praia?
R - Eu nem sei, nossa, eu fiquei numa alegria, que eu fui em Camboriú, sabe? Nossa, eu falei: “Roseli do céu”, “Mãe, mas é bom, mãe. A senhora nunca foi, a senhora tem que ir”, porque ela trabalha assim, então ela foi trabalhar muitas vezes lá, aí eu: “Nossa Roseli, eu quero vir mais vezes”, “Não, mãe, mas agora eu vou levar em outro lugar, em outra praia para a senhora conhecer”, eu falei: “Está bom”. Eu gostei, só que eu não entrei na água não.
P/1 - Não?
R - Não, porque eu tenho medo.
P/1 - Tirou o chinelo para pisar?
R - Tirei, andei tudo assim, mas longinho, meio longinho, quando a onda vinha eu ia para areia.
P/1 - Nunca entrou na água então, que bonitinho.
R - Mas está bom, nossa, a minha vida está boa agora. Sofri muito de menina, sofri bastante, a senhora sabe o que é levantar cedo e não ter um chinelo para calçar? Ter que pegar e ir para a roça. Quando a gente vinha de tarde, só era espinho na roupa, e ainda tinha que trabalhar assim sem chinelo, com um vestidinho tudo remendado, porque naquele tempo não é que nem agora, Lilian, agora o povo tem roupa, nossa, e aquele tempo não. Nossa, o meu vestido era tudo remendadinho, de ficar em casa, chegava da roça aquilo estava que era puro espinho, aí tinha que tirar aquele espinho para poder vestir aquele vestido no outro dia para ir trabalhar, porque a gente não tinha roupa que nem agora. Assim, vamos supor, agora se um não tem o outro dá, agora é bom, eu estava conversando isso com as... Falei: “Se fosse no tempo que eu fui criada, meu Deus”, a minha mãe remendava. A minha mãe não era muito certa da cabeça, mas ela era muito caprichosa, sabe? Ela levantava de madrugada, pegava a agulha e remendava, emendava aqueles vestidos, um corpo de um pano, a saia de outro, para mi, estava bom, aquilo para mim estava bom. E eu, quando eu podia, com meu irmão, nós íamos para o meio do cafezal chupar melancia, que aquele tempo tinha muita coisa assim, comer mamão, banana madura lá no cacho, lá no pé, era assim, nós não estávamos nem aí.
P/1 - Seu pai era carinhoso ou não?
R - Quem?
P/1 - Seu pai?
R - Não, meu pai era burrão. Nossa, meu pai era coisa feia. Eu lembro da última pisa que me deu, menina, ele amarrou minhas duas pernas com uma corda, nossa, aí a minha sorte que esse irmão meu, ele é quatro anos mais velho do que, esse um que eu falei que eu não sei onde ele está, que eu vi ele a Roseli tinha sete meses. Aí o meu irmão chegou e falou: “Pai, o que é isso?”, “Não, eu quero ver ela sair de dentro de casa. Eu quero ver”, aí o Nino falou: “Que isso, pai? Desamarra ela”, amarrou a minhas duas pernas assim em uma casa de tábua, me amarrou lá no coisa lá. O meu pai era ruim, quando nós éramos tudo mais novo, o meu pai era ruim, ruim, só que depois que ele ficou velho, judiação, ficou um amor de pessoa. Eu adorei ver meu pai, quando eu fui em José Bonifácio ver ele, perto de São José do Rio Preto, nossa, mas eu adorei ver o meu pai, como que ele estava bonzinho, não era que nem quando a gente era criança, estava um amor. Depois ele morreu, eu nem vi ele mais, não fui no dia que ele morreu, não deu, com as netaiadas tudo para cuidar, eu morava aqui.
P/1 - A senhora tinha filho em casa ou no hospital? Como é que era? Onde é que a senhora...
R - Não, eu tive tudo no hospital.
P/1 - Teve no hospital?
R - É, que eu sou mãe de cinco, mas eu não conto cinco, porque uma nasceu morta, mas nasceu no hospital mesmo, mas já estava morta já. Então aí eu conto quatro, que eu tenho vivo, mas tudo no hospital.
P/1 - E quando a senhora borda o que fica passando pela cabeça da senhora?
R - Nada, a televisão está ligada, eu estou escutando, só escuto, porque eu não assisto televisão, estou escutando e estou bordando. Vou trazer ainda o que estou bordando lá para você ver, você vai ver.
P/1 - Mais um dos trabalhos da Dona Benedita.
R - Eu vou trazer para você ver, eu já estou bem adiantada.
P/1 - E aí depois a senhora falou que tinha muita vontade de costurar (inint) [00:37:36].
R - É, eu tinha vontade de ser costureira, assim, costurar roupa, mas não pude.
P/1 - E aí depois, agora a senhora não tem vontade (inint) [00:37:45]?
R - Agora não, agora eu já estou velha, já estou passada já. Bom, velho, mas já passei já.
P/1 - Mas a senhor mexe um pouco na máquina para fazer beirinha?
R - Nossa, bastante. Uai, costurar é (inint) [00:38:02].
P/1 - Não aprendeu a fazer vestido?
R - Não aprendi a fazer o que eu queria aprender. Aí então para modo de ver, a gente fala as coisas, gente, mas é difícil. Eu morava na casa dessa irmã minha, que eu morei desde os doze anos até os vinte e seis anos eu morei na casa dessa irmã minha, e o meu cunhado ele era interesseiro, ele queria só serviço, entende? E eu trabalhava, eu não vinha na cidade, eu morava na fazenda Jamaica, mas eu não conhecia Santa Cruz, porque eu só trabalhar. E aquele tempo a gente trabalhava não era registrada, era no nome do chefe da casa, entende, na fazenda, eu trabalhava no nome dele. Então o meu pagamento não vinha na minha mão, era na mão dele e era ele e a minha irmã que vinha na cidade. Aí eu gostava muito de ler revista Capricho, aquele tempo tinha, aí eles levavam uma revista para mim, era o meu pagamento que eu tinha. E eu ficava trabalhando, trabalhava o mês inteirinho, domingo e ele falava assim: “Dita”, eu falava: “O que foi Senhor Ernesto?”, ele chamava Ernesto, morreu já faz muito tempo, “ Eu vou comprar uma máquina para você e vou pagar para você aprender a costurar”, nossa, aquilo para mim, eu largava até de namorado, nem namorado para mim eu não queria, “O Senhor Ernesto vai comprar a máquina”, e nunca comprou, nunca. Aí eu falei: “Eu vou ficar sem costurar”, mas depois eu aprendi a bordar.
P/1 - E será que esse dom a senhora não puxou para sua mãe?
R - Eu acho que sim, porque a minha mãe, nossa, o que ela fazia e eu ficava admirada de ver. Ela foi sim, teve problema sim, que ela tinha tudo assim na cabeça furado, para fazer tratamento lá, então furaram assim tudo a cabeça dela, ela tinha o sinal. Mas a minha mãe para fazer um bordado só vendo como é que ela fazia, e abrolhos, macramê e crivo, tudo a minha mãe fazia. Eu não sei, eu acho que eu peguei o dom dela, porque, de casa, só eu que faço isso, as minhas irmãs não, e as minhas meninas também não liga não.
P/1 - A senhora gostaria de contar mais alguma coisa?
R - A minha vida já está contada. De tristeza não adianta.
P/1 - O que a senhora aprendeu com tudo isso? O que a senhora traz para o hoje, para o agora isso tudo que a senhora passou?
R - O que eu trago agora...
P/1 - O que a senhora traz para a vida hoje?
R - Penso em Deus, ser firme, forte e pedir para Deus, e me dar a minha cabeça boa até eu... Porque, graças a Deus, agora eu posso dizer eu sou feliz, não é verdade? Agora eu posso dizer que eu sou feliz, porque agora eu como o que eu quero, eu saio para onde eu quero. E as minhas meninas tudo, graças a Deus, elas me ajudam “Mãe, a senhora não pode, eu ajudo”, então para mim está bom demais, não é verdade, então a gente tem que ser firme, pedir a Deus e tocar a vida. E ficar aqui no Reviver até quando eu aguentar andar, quando eu não aguentar andar eu fico em casa, mas senão não.
P/1 - Quando a senhora foi para a casa da sua irmã e aí os seus pais ficaram, mas a senhora não visitava? Visitava?
R - Eu ia, eu visitava, eu ia na casa dele, mas ele me tocava da casa dele quando eu ia, tinha vez. Porque muitas vezes ele fazia uma coisa que a gente tem de falar, aí ele falava: “Some, aqui não é sua casa. Você não é minha filha”, mas eu era filha dele, eu sabia que eu era, mas depois eu só ia embora, porque ele era ruim demais. Qualquer coisinha ele pegava aquele chicote, sabe aquele chicote trançado de couro? Para bater na gente, aquilo doía que só vendo, ele batia. Outra vez, quando a pessoa não obedecia a ele pegava a espingarda para atirar. Esse irmão meu mesmo uma vez ele pegou, nossa, aquilo nós morríamos de chorar, nós que éramos mais pequenos e ele correu atrás dele com a espingarda para atirar nele. Nossa, meu pai era muito ruim quando ele era mais novo. A minha mãe apanhava bastante, acho que mais por isso que a mãe ficou atrapalhada da cabeça, porque naquele tempo as mulheres não era que nem agora, vai dar parte, vai e faz isso, não, casou, tinha que ser casada. Minha mãe morreu com oitenta e quatro anos, aí ela morreu e aí ele ficou, aí foi quando eu fui passear na casa dele, “Ai, porque agora eu não caso mais, Deus me livre”, ele morreu com quase sem anos. Não faz muito tempão que o meu pai morreu, mas agora ele já estava bem bonzinho.
P/1 - Muito bom. A senhora tem ainda algum sonho que a senhora...
R - Para eu realizar?
P/1 - É.
R - Tenho bastante, sonho a gente nunca deixa de sonhar e vontade, eu tenho vontade de fazer as coisas, mas eu falava: “A minha força não dá”, mas sonhar eu sonho. Eu peço a Deus, que eu quero realizar o meu sonho antes de eu morrer.
P/1 - Fala para nós.
R - Quais são.
P/1 - Quais são. Um.
R - Menina, se eu falar para você, eu tenho a minha casa, mas o meu sonho é que a minha outra filha pega uma casa para ela morar, porque eu preciso, só essa, porque para o meu menino eu dei a casa, a outra tem e ela paga aluguel, eu tenho dó dela, a mãe do Tiago. Eu sei que ela não tem dó de mim, ela foi a filha mais ruim para mim, mas agora eu gosto muito dela, não sei o que é, eu gosto demais dela, da mãe do Tiago, que agora ela é muito boa para mim. Quando ela era mais nova, eu acho que o juízo era mais...
P/1 - Eles estão sendo acompanhados pelo CRAS também?
R - Agora ela está boa. E tem mais sonho, sonho a gente nunca deixa de sonhar. Eu sonho, não quero uma coisa assim para ficar rica que nem esse povo, sabe, assim, rico. Não, assim, a gente levar uma vida, porque dinheiro não adianta a gente ter aquele monte de dinheiro, porque dinheiro não leva ninguém no céu, não é verdade? Assim, a pessoa querer ser mais dos que os outros, também não, a gente tem que ser. Sei lá, eu penso muita coisa ainda.
P/1 - Muito bom. A senhora gostaria de falar mais alguma coisa?
R - Não.
P/1 - Contar, pensar.
P/2 - O sonho para a senhora, a senhora tem um sonho para a senhora assim?
R - Para mim? Para mim eu não tenho mais sonho não, para mim mesmo não, porque eu já estou com setenta e dois anos, eu sei lá mais quantos dias que eu vou viver, só Deus que sabe, só Deus. Então é coisa que a gente, fazer o quê? Para que mais, o que mais a gente pensa na vida? É viver.
P/1 - Viajar?
R - Passear, é isso, é passear, é ter amizade com as meninadas tudo, e pronto, é isso que a gente tem que pensar, em Deus e ter amizade com a pessoa, porque a minha idade, eu já estou com setenta e dois anos. Olha, setenta e dois anos não é setenta e dois dias.
P/1 - E hoje a senhora se sente feliz?
R - Graças a Deus, agora eu sou muito... Mas toda vida, desde criança, eu sofria tudo aquilo, mas eu era feliz. Eu, tem hora que eu imagino, eu penso nas coisas que eu fazia quando eu era... Porque eu sei ainda as coisas que eu fazia quando eu tinha sete anos, oito anos assim, eu sei. Eu me lembro, eu vinha da roça com feixinho de lenha na cabeça, a minha mãe fazia um feixe de lenha para ela e um para mim, e eu vim bem folgadinha com o feixinho de lenha na cabeça todo dia, lenha de café, que a gente trabalhava no café. Eu gostava daquela vida. Chegava de tarde eu falava: “Mãe, não vai fazer um feixinho de lenha para mim?”, minha mãe falava: “Vou, vou fazer um para você um para mim”. E a minha mãe tinha um costume, que ela carregava o feixe de lenha cabeça, uma sesta que ela levava comida, assim, enfiada no braço e a menina no colo e o feixe de lenha na cabeça, e nós íamos embora do cafezal para casa. Ela contava causos para gente, aqueles causos de antigamente. E meu pai, quando ele estava bom também ele fazia, mas quando ele não estava, ele não fazia.
P/1 - Que causo que eles contavam?
R - Assim, esses causos de Joãozinho e Mariquinha, aqueles causos de... Sei lá de onde é que eles arrumavam para contar. Tinha vez que o meu pai saía para pescar, que o meu pai era pescador, gostava muito de pescar, então nós íamos tudo para a cama da minha mãe, que a cama da minha mãe era melhor do que a nossa, a nossa era uma tarimba, a da minha mãe era colchão de capim naquele tempo, aquelas camas que tinham aquelas molas. Aí a minha mãe falava: “Vem aqui para nós contar causos, o seu pai não está aqui mesmo”, aí ela contava bastante causo para nós, “Mãe, não conta causo de lobisomem não, viu?”, ela falava: “Não, não é de lobisomem”. Aí ela contava causo para nós bastante tempo e depois ia dormir, aí ela ensinava nós rezar, que ela era muito católica, ensinava nós a rezar e cada um ia dormir.
P/1 - Joãozinho e Maria que a senhora falou?
R - Joãozinho e Mariquinha.
P/1 - O que é isso? Você lembra dessa história?
R - (Inint) [00:48:59].
R - É causo de criança assim. Nossa, e meu irmão depois também contava, sei lá, a gente era tudo do sítio assim então a gente, sabe, não tinha lugar para sair e tudo criança. E não tinha muita criança para brincar e a gente não tinha tempo de brincar, só de noite, então eram só os irmãos de noite na casa.
P/1 - E a senhora lembra a oração que a sua mãe ensinou?
R - Ela ensinava todas essas rezas, que agora eu sou evangélica, eu não sou... Mas ela ensinava Pai Nosso, Pai Nosso até hoje eu rezo, graças a Deus, Ave Maria, Salve Rainha, Creio em Deus Pai, tudo quanto era reza assim ela ensinava nós, aí falava: “Agora vai deitar”, aí nós dávamos benção para ela e ia deitar. Que a gente tinha o costume de dar benção, chamar os mais velhos de senhor, dar benção, nossa, eu dava benção para padre, eu dava benção para madre, quando eu era criança, a gente tinha esse costume, para os mais velhos, sabe? Não é que nem agora, que agora é tudo diferente. E eu gostava. E para gente chupar uma bala, meu pai, nossa, vinha na cidade e ele não levava uma bala a gente, não tinha. Pão, a minha mãe fazia pão em casa, aquele tempo e tudo assim, a gente não comia pão da padaria. Então, sei lá, mas era gostoso, era gostosa a vida da gente.
P/1 - Era feito em forno de barro?
R - É, nos fornos é, aqui na fazenda eu também fazia para as minhas meninas, para a gente comer meio de semana.
P/1 - Folha de banana?
R - É, nossa, era delícia.
P/1 - E como era o processo? Forra com a folha de banana?
R - É, punha, depois que enrolava ele, já colocava ele na folha de banana, ele cresce, depois a gente varria o forno bem varridinho e tudo, temperava o forno, depois punha ele para assar. Nossa, ficava uma coisa deliciosa. E aquele tempo eu podia comer essas coisas, eu comia, agora não é todas as coisas que eu posso comer. Eu só tenho vinte por cento de estomago, muito pouco. Mas é gostoso, era gostoso, até aqui na fazenda, eu trabalhava, a gente trabalhava aqui na Jamaica era das seis e meia da manhã, tinha vez que era cinco horas da manhã, a gente saía já para ir trabalhar, para Coalhada, a gente chegava lá não via nem... A gente trabalhava com o claro das carregadeiras de carregar cana e com o claro dos caminhões que iam para puxar cana. Das seis horas, cinco e meia, seis horas, até tinha dia de nós chegarmos em casa oito em ai da noite, trabalhando, mas eu gostava, parece que eu gostava, porque para mim, quando o meu marido estava bêbado, para mim se eu ficasse em casa parece que eu ficava doente. Então eu tinha que estar lá, porque lá a gente estava brincando, conversando, brincando, é coisa que eu gosto de fazer.
P/1 - E a senhora levava os filhos juntos?
R - Não, não levava porque não podia.
P/1 - Ficava com a irmã deles para cuidar?
R - Ficava em casa. Que o menino meu, antes de ele ter dois anos, eu levava para a roça, de nenenzinho, ele estava com dois meses e eu já levava para a roça, ficava lá debaixo do pé de cana, que eu carpia cana. Aí depois que ele começou a andar, que começou a pedir as coisas aí eu já deixava com as meninas mais grande, que não podia levar.
P/1 - E essa colheita de cana tinha horário para o almoço?
R - Tinha vinte minutos para almoço. Assim, quando nós estávamos trabalhando, que a gente catava cana atrás da carregadeira, era só três mulheres atrás da carregadeira, então tinha que ser assim: uma ia almoçar, ficava duas, depois a outra ia almoçar, aquele que tinha ido voltava para ficar com a outra, era assim, eram vinte minutos. Acabava de comer e o fiscal já falava: “Deu a hora de você ir trabalhar”.
P/1 - E vocês que tinham que levar a comida da casa?
R - A boia-fria, filha, nossa, um gelo, que a gente ia comer aquilo estava que nem uma pedra de gelo, mas fazer o quê, a gente tinha que comer. E no café também era vinte minutos. E era de domingo a domingo, não ficava em casa no domingo não, no domingo tinha que ir também, porque nós não podíamos deixar o serviço atrasar, nós não podíamos deixar as carregadeiras trabalhar e deixar a cana no chão, nós tínhamos que catar atrás delas, correndo o dia inteiro.
P/1 - Serviço difícil.
R - Era difícil, mas só que eu gostava, viu, eu gostava.
P/1 - Levantava cedo para fazer a marmita?
R - Quatro horas da manhã, porque lá na Jamaica, agora não, agora não tem mais nada lá, agora acabou tudo já quase. Parece que o menino falou para mim esses dias que tem dezessete famílias só lá agora, eu conheço o povo de lá, mas não gosto nem de ir lá passear. E tinha o sino, batia o sino quatro horas batia o sino para a gente levantar, cinco horas batia o sino outra vez e quando batia seis horas você tinha que estar chegando no ponto, porque o caminhão já chegava para levar a gente para trabalhar. E no caminhão que a gente trabalhava naquele tempo, era caminhão de fueiro, de puxar cana. Ai Jesus, quando era tempo do frio a gente ia gelado em cima daquilo ali, sabe, eles punham, só tinha umas coisas assim e punham um galho, uma coisa assim para sentar, porque diz que não podia e ir em pé, e descoberto, tudo descoberto. Aí aquilo você chegava na roça, você estava durinha de frio. Agora você tinha que pegar, quando era cortar cana, você tinha que pegar na cana gelada para cortar a cana, e tinha vez que o fiscal ainda ficava: “Não vai parar, não vai parar”, você tinha que estar lá. Era duro. E cortar cana também, o povo ia durante a semana e o domingo até meio dia e nós, que catava pituca, ia a semana inteira e ia o domingo até uma hora, duas horas, porque nós não fazíamos hora de café.
P/1 - Que vocês tinham que levar de casa o café também?
R - Tinha que levar tudo de casa, tinha que levar o almoço e o café. E naquele tempo não tinha nada de garrafa térmica, que a gente não podia comprar, você entende? Era garrafa de vidro, dessas garrafas que vinham com guaraná, era dessas garrafas.
P/1 - Por isso o nome boia-fria?
R - É, por isso que é boia-fria. E eu trabalhei muitos anos de boia-fria. Depois eu mudei, aqui na cidade também trabalhei de boia-fria, nossa, eu ia trabalhar lá para a Sobar, lá para aquele mundo para lá, que era Sobar aquele tempo, trabalhei muito tempo para lá, porque as minhas crianças eram pequenas. Depois fui costurar sapato. Nossa, gente, eu perdi um pouco da minha visão acho que foi de costurar sapato, porque eu chegava com o sapato, eu costurava sapato até meia noite, uma e meia da manhã, no outro dia eu levantava cedo, pegava nesse sapato outra vez, quando dava oito horas, que a fábrica abria, eu ia entregar aquele tanto para trazer outro tanto, lá na Vila Saúde. Nossa, eu trabalhei, porque eu tinha que trabalhar para ajudar na casa e ainda aquele tempo nós pagávamos aluguel, o aluguel era mais baratinho aquele tempo e tudo, mas para a gente ganhar também era mais difícil.
P/1 - E não era assalariado para costurar na casa?
R - Não, era o tanto que você fazia, aí tinha que ser o esforço seu, eu gostava. Depois eu trabalhei em olaria cortando tijolo. E eu imaginava, quando eu era mais nova, que eu vim pagar aluguel, falava: “Meu Deus, porque é que eu cortei tanto tijolo para fazer casa dos outros”, eu cortava dois mil tijolos por dia, “E agora eu cortei tanto tijolo, não tem um tijolo para eu fazer uma casa para mim”, eu imaginava. Aí eu fui passear uma vez lá em Birigui, eu falei para o meu cunhado, que ele punha o barro para nós cortar lá, falei: “ Cirso, você viu como é que a vida é?”, ele falou: “De que, Dita?”, eu falei: “Quantos tijolos você amassou?”, ele falou: “Eu não tenho quantia o tanto de tijolo que eu amassei”, “E você punha no nosso terreiro para nós cortarmos. Cadê a sua casa, Cirso?”, ele falou: “Até agora, Dita, eu não comprei a minha casa”, falei: “Para onde foram os seus tijolos? Que nem os meus”, favela para ele. Agora não, agora ele tem a casinha dele, tem tudo. Aí ele falou: “Não Dita, até que enfim eu arrumei o tijolo e tenho uma casinha agora”. Porque eu levantava cedo, cinco horas eu já estava na olaria, porque os homens que amassavam o barro levantavam quatro e meia, três e meia e já ia lá para o terreiro amassar, então você tinha que estar lá para você pedir quantos carrinhos de barro que você ia querer. Aí você pedia cinco, seis, e ali você tinha até duas e meia, três horas o tijolo tinha que estar cortado, tudo no terreiro. Então agora eu fico escutando assim, que eu fico escutando televisão o dia inteiro, porque eu não tenho o que fazer, eu fico lá bordando e escutando, porque tem dia que eu não tenho vontade de fazer serviço, falo: “Nossa, tem gente que fala que sofreu tanto”, mas não é que nem antigamente, quando eu fui criada. Nós socavamos arroz no pilão, o meu pai não levava arroz, assim, na máquina para beneficiar para nós comermos, então, por modo a minha mãe não fazer muita polenta para nós comer, nós socavamos arroz no pilão para a semana inteira. Era um pilaozão que a minha mãe tinha e tinha duas mãos, nossa, e eu e meu irmão, aí quando chegava de noite, isso meu pai fazia, escorria o arroz para ficar escorridinho, porque senão a minha mãe falava assim: “Hoje é dia de ir lá no moinho trocar fubá”, que aquele tempo não compra fubá assim. A gente debulhava vinte litros de milho e a minha mãe levava lá no moinho e trazia vinte litros de fubá, a minha mãe falava: “Hoje vocês vão comer polenta com couve”, “Ai Jesus, vamos comer”, quando era polenta com frango era gostoso, aquele tempo que eu comia frango, nossa, eu adorava. “Hoje é polenta com almeirão”, “Ai meu Deus, pelo amor de Deus”, mas nós tínhamos que comer, nós não tínhamos socado arroz aquela semana, então nós comíamos. E outra coisa, meu pai ele tinha costume assim, trocava café de (inint) [01:00:49], café de meia assim, ele pegava lá, mas ele mesmo pouco ficava na roça para trabalhar, era nós mais e aquelas falhas de café ela plantava mandioca. Então naquele tempo fazia uns ranchos cobertos de sapé para gente esconder da chuva, porque vinha a chuva e aqueles ranchos não molhavam. Aí o que a minha mãe fazia, minha era sofrida, coitada, pegava uma lata, que aquele tempo tinha lata de banha de dois quilos, pegava uma lata daquela de banha, levava lá no rancho, tijolo e deixava lá, e um punhado de sal enrolado no papel, quando chegava na hora do café meu pai falava assim: “Zabe”, ele chamava ela de Zabe, “Zabe”, “O que foi, Antero?”, “Está na hora de cozinhar a mandioca para tomar café”, comia mandioca cozida lá na roça, cozinhava lá mesmo, lavava, cascava, sempre tinha uma varetinha de água, que ela plantava verdura “Está na hora de você cozinhar mandioca para tomar café”, a minha mãe cozinhava aquelas latonas de mandioca, tinha vezes duas latas. E nós sentávamos e nós comia mandioca com café, era a merenda, mas estava bom, era gostoso, só que agora eu não gosto mais não, mas era gostoso, eu achava. E a gente tinha saúde, então quer dizer que aquilo... Que esse tempo, Lilian, eu tinha onze anos e eu comia um litro de comida, eu era dessa grossurinha. Mas a minha mãe levava comida para nós na roça naquelas latinhas de banha de um quilo, ela uma latinha daquela no almoço e eu comia tudinho, eu falo: “Agora para onde que foi? Que eu não...”, mas estava bom.
P/1 - Que trabalhava bastante e gastava bastante energia?
R - É. Os tijolos na olaria, como a Lilian perguntou.
R - É, a senhora ia contar como é que cortava.
R - Os tijolos na olaria é assim, aí o amassador, naquele tempo até o burro que roda a coisa de amassar o barro. Os amassadores buscam o barro de tarde, depois que acaba de amassar, põe tudo assim, depois eles molham, no outro dia eles vão jogando naquilo lá e o burro vai rodando e o barro vai saindo amassadinho no fim, do outro lado. Aí a gente chega e eles falavam: “Quantos carrinhos você quer?”, “Tanto, quatro”, aí ele fazia quatro carrinhos de quinhentos tijolos cada carrinho. Aí tem uma banca de tábua, a gente pega e tem a forma dos dois tijolos, a gente pega areia e punha naquela banca, que já tem areia para a gente para molhar a forma, aí a gente faz os bastão lá e bate ali dentro da forma e corta. Eu tinha até calo assim, de cotar, que é um arquinho desse arame que não quebra, e então a gente pegava, tem um pauzinho e a gente pagava assim para cortar e depois virava lá no chão. Aí tornava a levar a forma lá, molhava na terra, na areia e tornava a bater outro, tornava a cortar e ia coisando. Aí de tarde você olhava assim o terreiro estava cheinho, tudo fileirinha, aí depois sabe o que a gente tinha que fazer? Levantar tudo eles, que eles secavam por cima, aí a gente tinha que levantar eles tudinho e deixar eles secar por baixo para depois a gente poder empilhar ele. Empilhava, depois que tinha bastante empilhado, aí nós íamos ajudar a pôr no forno. Aí tem o forno que vai sessenta mil tijolos, aí a gente ia ajudar a encher o forno para os homens queimar. Aí ficava três dias queimando aquele forno, aí quando era no dia de desenfornar, nós íamos encher caminhão também, os caminhões iam buscar, porque aí os compradores iam comprar o tijolo, que é onde a gente podia receber. “Hoje não tem homem para carregar caminhão”, vai a meninada, a mulherada tudo para carregar, nova, velha, tudo ia que estava trabalhando na olaria.
P/1 - A olaria que a senhora trabalhava em que sítio que era?
R - Era em Penápolis mesmo, é. Trabalhei muitos anos na olaria do finado Nozor, na fazendo do finado Nozor, dez anos eu trabalhei na olaria. Nossa, eu era criança, mas trabalhei bastante, viu, trabalhei muito. Trabalhei de empregada, trabalhei na roça, só nunca roubei, graças a Deus, mas trabalhar. E falo para as meninas: “Eu não vou trabalhar agora porque eu não aguento”, se eu aguentasse eu ia trabalhar na boia-fria. Eu ia, Lilian, eu ia colher laranja, que eu nunca colhi, isso eu nunca fiz, mas eu não aguento mais. Agora eu vou bordar, vou sentar e vou bordar, as meninas ficam: “Mãe, levanta, vai dar uma coisa na perna da senhora, a senhora não levanta”, aí eu vou dar uma voltinha e aí depois sento de novo.
P/1 - Porque a senhora se entrete muito com os bordados?
R - Demais, demais. A gente passa assim, e tira tudo quanto é coisa ruim da cabeça da gente, sabe como é que é? A gente está distraído ali, a senhora não pensa coisa do passado, coisa que a senhora sofreu não pensa nada, só pensa para frente, não é verdade? Então é por isso que gosto, porque tem vezes que eu fico sozinha e Deus, só eu e Deus dentro da minha casa, porque o Rodrigo saí para trabalhar, ele fica três, quatro dias viajando, então está eu e Deus. E quando ele está também é a mesma coisa, eu fico até meia noite, meia noite e meia lá bordando e escutando a televisão, aí não tem nada assim, a minha cabeça está boa, não... Aí eu deito, durmo, levanto no outro dia boa outra vez, bom demais.
P/1 - E além disso é um complemento de renda que a senhora tem?
R - É, me ajuda, porque eu faço um pouquinho aqui, um pouquinho ali, não é verdade? Então ajuda bem, ajuda, porque eu tenho que ajudar os netos, que agora ajuda a neta, minha filha do céu.
P/1 - Eu sei uma história do rádio e da televisão?
R - Por quê?
P/1 - Que a senhora me contou uma vez, quando a senhora (inint) [01:07:47].
R - Quando eu vi a televisão a primeira vez, nossa, eu fiquei com medo.
P/1 - Com medo?
R - Fiquei com medo, eu tinha dezesseis anos e eram daquelas televisões de caixa de madeira, sabe? Aquelas televisãozona antiga. Porque eu trabalhava na casa do filho do nosso patrão, ele chamava Dorinha, lá para o lado de Penápolis, lá em Penápolis, mas na casa do Dorinha só tinha, porque rádio eu também já tinha visto e quando a gente ia, na virada do ano, na casa da Dona Lala, que era a mãe dele, não tinha, eram aquelas vitrolas que davam corda, sabe, Lilian? Aquelas vitrolas que davam corda? Não tinha televisão na casa da mãe dele também e eles tinham fazenda e não tinha televisão. Aí nesse dia eu estou no bar, eu ia para a fazenda, eu estava trabalhando para o Dorinha na cidade, e ia indo para a fazenda na casa da minha irmã e da minha mãe lá, para ver a minha mãe, meu pai, meus irmãos, e fui comprar bala, parece, quando eu chego assim parece que ligaram a televisão, mas eu tomei um susto de ver aquilo ligado, falei: “Meu Deus do céu, o que é que será isso?”. Mas fiquei quieta, porque uma moça com dezesseis anos falar: “Ai meu Deus, o que...”, pensei: “Meu Deus do céu, o que é isso aí?”, aí depois eu cheguei lá e falei, aí o Dorinha falou: “Não Dita, é televisão”, falei: “Porque eu nunca tinha visto na minha vida”, nunca tinha visto, a primeira vez eu tinha dezesseis anos. Agora as criancinhas nascem olhando televisão. Que coisa que é agora, celular, meu Deus. Quando eu trabalhava assim de empregada, se o telefone tocava eu corria para não atender, eu tinha medo de atender, aí eu ia longe. Mas que tontice, eu era muito caipira, e eu era, menina, nossa, de vera.
P/1 - E hoje em dia a senhora tem um celular digital moderno, tem Facebook, que são as redes sociais.
R - Então, hoje em dia é tudo, só que mexer quase eu não sei, mas o Tiago me ensina, a Tainá me ensinou e eu vou indo, com a minha cabeça ruim, mas vou indo.
P/1 - Aprendendo as novas tecnologias?
R - É.
P/1 - A senhora tem Facebook?
R - Tenho, graças a Deus, nossa, o meu Face, WhatsApp, eu tenho tudo lá no meu celular, porque a gente tem que comunicar com as meninas de vez em quando, tem que curtir o que elas põem também, porque tem muitas que tem, então a gente tem que estar... Aí é por isso que eu achei o meu sobrinho, eles comunicaram comigo, já fazia oito anos que eu não via “Oi, tia, eu fulano, filho de fulano”, eu falei: “É meu sobrinho e já mesmo”.
P/1 - Achou pelo Facebook?
R - É pelo Facebook, é.
P/1 - Quem sabe vai encontrar irmã, irmão.
R - Quem sabe Deus me abençoa um dia, não é verdade, talvez antes de eu morrer, que esse também é um sonho que eu tinha, nossa, eu queria realizar, porque esse irmão meu, eu só tenho ele de irmão, os outros morreram e ele é mais velho de que eu quatro anos. E esse irmão meu, quando eu fiquei na pior aqui em Santa Cruz, ai meu Deus, ele me ajudou tanto. Ele trabalhava em Foz do Iguaçu, ele era solteiro, ele já estava com trinta e nove, quase quarenta anos já, uns trinta e poucos e ele que me ajudava, todo mês ele me mandava, aquele tempo quinhentos cruzeiros, não era real aquele tempo, era cruzeiro, ele me mandava quinhentos cruzeiros por mês e todo mês eu vinha no Correio pegar. Nossa, aqueles quinhentos cruzeiros davam para eu pagar o meu aluguel, que eu pagava aluguel aqui na Vila Oitenta, que foi quando eu saí da Jamaica, que foi onde eu ganhei a Roseli, eu morava na cidade aqui quando eu ganhei a Roseli, a mais nova. Eu pagava o meu aluguel, fazia uma comprinha para casa, porque eu comecei a trabalhar grávida, quando o gato soube que eu estava grávida tirou eu do serviço, não deixou eu ir mais, então eu tinha que ficar em casa, aquilo para mim. Aí meu irmão “Não Dita, pode deixar, que eu vou ajudar você”, aí meu irmão foi ajudando, depois eu perdi o contato com ele, porque ele foi para o Iraque, aí ele trabalhou quatro anos no Iraque, aí eu perdi o contato com ele. Aí ele foi na casa... Ele vinha só de ano em anos, aí depois ele casou, aí a mulher dele morava em Foz do Iguaçu e ele foi para trabalhar lá, aí ele vinha de ano em ano na casa da mulher ver os filhos dele, acho que tem, porque eu nunca vi, só sei que tinha uns nomes de uns filhos dele, mas eu nunca vi filho dele, não conheço a mulher dele, nada. Aí ele ia lá na casa do meu pai, para lá em José Bonifácio, mas na minha casa aqui ele não vinha, aí um dia eu conversei com ele, já está com uns dezesseis anos, mais ou menos, uns dezesseis, gente? Foi quando eu operei, ele conversou comigo, ele falou assim: “Ai Dita, eu vou na sua casa”, mas até hoje ele não deu mais notícias, ele morava em Goianases. Não conheço a mulher dele, não conheço os filhos dele, eu sei que eu acho que ele já é avô, porque eu já sou bisa, eu acho que ele já é bisavô, porque eu já sou bisavó. Nunca mais.
P/1 - E qual o nome dele?
R - O nome dele inteirinho é Cícero Silva. Nossa, mas faz muito tempo. Nossa, mas esse irmão, gente. Ainda vou contar outra, para começar, o meu marido foi preso, minha filha do céu, eu fiquei com duas filhas, Jesus, sofrimento. A minha sogra me ajudava muito, a minha sogra era muito boazinha para mim, mas por causa das crianças, ela não gostava de mim não por causa de eu ser preta, eu também não estava nem aí, mas das minhas filhas ela gostava demais. Então eu adorava ela, ela morava comigo, nossa, as minhas crianças não podiam falar: “Vó, isso assim e assim”, quando ela era viva, que ela já estava... Era uma beleza a minha sogra. Aí o meu marido foi preso, menina do céu, o Nino, eu chamo ele de Nino, ele não chama Nino, ele chama Cícero, mas nós chamamos ele de Nino desde criança, que a gente brincava. O Nino falou assim: “Dita...”, esse tempo ele estava trabalhando na Usina Itaipu, em Foz do Iguaçu, aí ele falou assim: “Dita, pode deixar que eu vou mandar o dinheiro para você, todo mês eu mando”, aí todo mês ele mandava o dinheiro, aí depois quando foi para negócio de papel, fórum, sei lá como é que é, ele veio, pagou todos os papéis, que teve que pagar, ele vinha sempre na minha casa. Depois o meu marido saiu, aí depois que o meu marido saiu ele ainda ajudou a gente ainda, depois nunca mais, depois ele casou, nunca mais. Mas meu irmão ajudou eu demais, o único, mas meu pai nunca me ajudou, minha mãe nunca me ajudou e as minhas irmãs nunca me ajudaram, só o único que me ajudou foi ele e uma cunhada minha que mora em Bocaina, que eu gosto dela e vou, fui na casa dela esses tempos atrás. Mas é assim mesmo, eu estou vivendo a minha vida, graças a Deus. Sabe quem está me ajudando agora? Deus nosso senhor Jesus Crista me ajuda até o fim da minha, não é verdade? É nisso que eu tenho que ter fé, tenho fé no Senhor, que o Senhor é o dono do ouro e da prata.
P/1 - Então concluindo, quais são as coisas mais importantes para a senhora hoje?
P/2 - As coisas mais importantes?
R - Olha, Lilian, eu vou falar a pura verdade, a coisa mais importante, antes de tudo, para mim é Deus, depois são os meus filhos e depois a minha amizade, que eu tenho muita amizade, graças a Deus, nossa, e não quero perder amizade com ninguém. Isso é importante na minha vida, porque o que eu espero mais da vida, é só isso, ter muita amizade e tocar a minha vida para a frente, isso é importante para mim. Primeiramente Deus, depois meus filhos, depois tudo, está bom.
P/1 - E como que foi contar a sua história para nós?
R - Eu sei lá se vocês gostaram, mas a minha história é essa, filha, fazer o quê se não pode ser outra. Nossa, credo, que história feia, mas é essa a vida, não pode ser melhor, não é verdade? Então a gente vai tocando a vida do jeito que a gente...
P/1 - Obrigada então Dona Benedita de a senhora compartilhar conosco a sua história de vida. A gente te agradece.
R - Obrigada. Não é uma história bonita, mas fazer o quê.
P/1 - É linda a sua história, nossa, só de superação, é muito bonita a sua história.
R - Porque hoje, graças a Deus, a minha vida, Deus me ajuda tanto agora, eu agradeço.
P/1 - A senhora venceu.
P/2 - A senhora olha a vida como uma vencedora.
P/1 - A senhora venceu, é verdade.
R - Sabe porque eu falo, hoje eu deito na minha cama e falo: “Senhor, onde que eu tinha uma cama assim para eu dormir, meu Pai?”, nunca tive, não é verdade? Onde que eu tinha uma casa para eu morar, graças a Deus hoje eu tenho e agradeço a Deus.
P/1 - Lutadora.
P/2 - Muito bom, fez a senhora uma pessoa forte. Meus parabéns. Olha, eu gostei muito da sua história, até me emocionei, sinceramente, com a história do tijolo, de quantas casas eu...
R - Fazer tijolo, cortar cana, até quando eles punham coisa de cana da Jamaica lá, eu falo: “Olha, se eu pudesse estar lá”, a Marta fala: “E a bituca?”, brincando no Facebook, sabe? Então, mas está bom, graças a Deus tenho muita amizade, gosto demais das meninas, gosto da Lilian, gosto de tudo, graças a Deus.
P/1 - Obrigada. E a gente tem o mesmo carinho pela senhora, por isso que escolhemos a senhora para estar contando essa história linda para gente. Obrigada.
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