IDENTIFICAÇÃO O meu nome é Alexandre Andrade Rodrigues, nasci na cidade de Bauru, São Paulo, em 27 de novembro de 1970. FAMÍLIA Meu pai é Wagner Rodrigues e minha mãe é Ana Amélia Andrade Rodrigues. São todos de Bauru. Lembro de todos os meus avós. Meu avô paterno era alfaiate em Bauru e minha avó era dona da casa. O meu avô materno era uma espécie de empreiteiro, cuidava de obras de uma cooperativa que havia em Bauru, e minha avó materna também era dona de casa. MIGRAÇÃO Viemos para Campinas em 1972. O meu pai arrumou um emprego na General Eletric e mudamos para cá. Eu tinha dois anos de idade. INFÂNCIA Eu cresci num bairro tradicional, na Vila Marieta. É um dos bairros mais antigos da cidade. Era um local muito gostoso, para uma criança chegando. A nossa casa era muito grande. Tinha um quintal enorme com várias plantas, parecia uma chácara. Então para uma criança já era o suficiente e eu costumava brincar muito. O que mais me lembro é essa liberdade de ter onde brincar, ter onde correr. Mesmo nessa época, Campinas já era uma cidade grande se comparada a quem veio de Bauru. Havia essa preocupação com a mudança para uma cidade maior, mas chegando nesse bairro, na Vila Marieta, essa casa foi um porto seguro. Foi uma casa legal e deu essa tranqüilidade para nós crescermos. Nosso cotidiano era assim: meu pai fazia as compras da casa; cuidava de feiras, essas coisas; a minha mãe nunca foi de fazer isso. Eu sempre acompanhava o meu pai nas feiras, no mercado. FORMAÇÃO Eu segui o tradicional. Eu entrei, acho que, no pré com sete anos, seis anos, e depois fiz a seqüência normal. Depois eu mudei para outro bairro, o Manoel de Nóbrega, e estudei no Mário Natividade. Então foram essa escola, um colégio estadual e um colégio municipal que é o Humberto de Alencar Castelo Branco, no Jardim Nova Europa. VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO O meu pai veio de...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO O meu nome é Alexandre Andrade Rodrigues, nasci na cidade de Bauru, São Paulo, em 27 de novembro de 1970. FAMÍLIA Meu pai é Wagner Rodrigues e minha mãe é Ana Amélia Andrade Rodrigues. São todos de Bauru. Lembro de todos os meus avós. Meu avô paterno era alfaiate em Bauru e minha avó era dona da casa. O meu avô materno era uma espécie de empreiteiro, cuidava de obras de uma cooperativa que havia em Bauru, e minha avó materna também era dona de casa. MIGRAÇÃO Viemos para Campinas em 1972. O meu pai arrumou um emprego na General Eletric e mudamos para cá. Eu tinha dois anos de idade. INFÂNCIA Eu cresci num bairro tradicional, na Vila Marieta. É um dos bairros mais antigos da cidade. Era um local muito gostoso, para uma criança chegando. A nossa casa era muito grande. Tinha um quintal enorme com várias plantas, parecia uma chácara. Então para uma criança já era o suficiente e eu costumava brincar muito. O que mais me lembro é essa liberdade de ter onde brincar, ter onde correr. Mesmo nessa época, Campinas já era uma cidade grande se comparada a quem veio de Bauru. Havia essa preocupação com a mudança para uma cidade maior, mas chegando nesse bairro, na Vila Marieta, essa casa foi um porto seguro. Foi uma casa legal e deu essa tranqüilidade para nós crescermos. Nosso cotidiano era assim: meu pai fazia as compras da casa; cuidava de feiras, essas coisas; a minha mãe nunca foi de fazer isso. Eu sempre acompanhava o meu pai nas feiras, no mercado. FORMAÇÃO Eu segui o tradicional. Eu entrei, acho que, no pré com sete anos, seis anos, e depois fiz a seqüência normal. Depois eu mudei para outro bairro, o Manoel de Nóbrega, e estudei no Mário Natividade. Então foram essa escola, um colégio estadual e um colégio municipal que é o Humberto de Alencar Castelo Branco, no Jardim Nova Europa. VOCAÇÃO PARA O COMÉRCIO O meu pai veio de Bauru por causa desse serviço e, em 82, foi demitido. Teve uma crise grande no Brasil e com essa demissão, com o valor que recebeu, comprou um comércio, um mini mercado. Na época, eu tinha 12 anos e foi daí que eu comecei a trabalhar com ele. Ele se aposentou no ano passado, em 2006. Teve o mercado por 24 anos. É o mesmo mercado, o mesmo local. Nós ficamos bem tradicionais lá no Jardim Nova Europa. Eu me aprimorei mais na parte de administração, na parte de contabilidade, isso eu estudei. Na parte do comércio em si foi na vivência mesmo. JUVENTUDE Tinha muitos amigos, mas era uma vida mais regrada porque o mercado era um comércio que a gente abria muito cedo. Às seis horas da manhã já tinha que estar abrindo por causa do pão e do leite. Eu saía com a galera aos finais de semana. Sábado já era mais liberado por causa do domingo que eu não tinha tanto horário. Eu sempre saí para as baladas e ficava olhando o funcionamento das casas, o que tinha, todo o andamento. De repente, apareceu essa oportunidade, do Delta Blues Bar, e eu já estava preparado. COTIDIANO O mercado ficou uns seis meses fechado e reabriu agora. O imóvel é nosso e então nós alugamos. Existe outro mercado lá no local. Era muito bom porque era família trabalhava: eu, meu pai, minha mãe, meus dois irmãos. Então os cinco da família trabalhavam ali. Trabalhar com a família, às vezes, é desgastante porque você vai pra casa e você continua com o patrão e com os funcionários juntos. Por mais que você queira fazer essa divisão, você leva as coisas. No mais, acho que não tenho do que reclamar. Pouca gente tem essa oportunidade de trabalhar com os pais. Nós morávamos de frente para o comércio. Era atravessar a avenida e estava na casa. Então era, praticamente, na extensão da casa. Lá era um conjunto comercial e existiam vários comércios juntos; quase um shopping aberto. O relacionamento com os demais comércios era bom porque eram todos proprietários antigos; se criou uma amizade entre todos ali. Eram sete ou oito comércios. Cada um diferente do outro e nenhum concorrente. Talvez seja por isso que todos se davam bem (risos). Havia uma relação boa entre eles, uma amizade que permaneça até hoje. Esse mercado se chama Mini Mercado Wagner, que é o nome do meu pai. FORMAS DE PAGAMENTO Nós somos do tempo da caderneta. Até o meu pai ir embora, há um ano e meio atrás, quando se aposentou, nós tínhamos uma caderneta em que era marcado o nome da pessoa e o que ela levava. Aquela forma bem tradicional, bem antiga. Hoje, eu acredito que o novo proprietário não tem esse sistema porque muitos desses clientes eram nossos há 15, 20 anos. Você marcava sem preocupação nenhuma, conhecia todo mundo. Eu acho que é essa confiança que a gente ganha quando fica muito tempo num local. E essa confiança eu não vejo hoje em dia. Essa relação do cliente com o fornecedor era muito mais próxima, antigamente. COMÉRCIO DE CAMPINAS Ali próximo tem a Adega Santo Antônio, na Avenida Ângelo Simões; eles tem muito tempo de comércio. E ali é um lugar legal. Mais próximo tem uma farmácia, a Nova Europa que também é bem tradicional; deve ter uns 30 anos, porque se o meu pai ficou ali 25, eles devem ter mais ou menos esse tempo de comércio. Pessoas que cresceram com o bairro, comércio que cresceu com bairro. Na época em que mudei para lá, 30, 40% das ruas ainda eram de terra. Apesar de o Jardim Nova Europa ser bem próximo do centro, há 30 anos ele era, boa parte, de terra. Então essa evolução nós vimos. EMBALAGENS Muita coisa mudou na questão das embalagens. Embalagem de refrigerantes, antigamente, era de vidro. Cada vez que vinha uma entrega era um trabalho enorme de tirar a garrafa vazia e colocar garrafa cheia, preparar o engradado. Hoje não. Hoje os pacotes já vêm embalados, descarrega o caminhão, joga na prateleira e está pronto. O meu pai trabalhava muito com frutas, verduras e legumes. Tinha que buscar em horta, no Ceasa. Hoje você já tem quem entregue embalado, lavado. São as melhorias que vieram com o tempo. CIDADES / CAMPINAS / SP Campinas está, em certo ponto, cada vez mais parecida com São Paulo capital. Em termos de doideira, essas coisas. Quando eu estava vindo para cá, o trânsito estava terrível nesse horário, coisa que antigamente não tinha. Antigamente, você andava mais sossegado, mais fácil. Mas é coisa boa. Eu gosto muito dessa cidade. Mesmo assim com essas doideiras. COTIDIANO Imagino que se a gente morasse longe, não teríamos certas facilidades porque, às vezes, você dava uma corrida e ficava em casa; ia almoçar e dava uma esticada. Se meu pai estivesse precisando, se houvesse um aperto qualquer, ele nos chamava e corríamos para lá; e vice-versa. Então ficávamos em casa meio que de standy by para o serviço. Essa foi a facilidade de estar morando próximo. Se morássemos a certa distância, você teria que ficar lá direto. Nós abríamos às seis horas da manhã - devido ao pão e ao leite – e íamos até as sete horas da noite. Nos períodos de horário de verão, íamos até as oito da noite. Era uma jornada grande e, nesse meio tempo, íamos revezando: eu, meu pai e o meu irmão caçula; os três. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu sempre tive trabalhos paralelos como vendedor. Trabalhei na Arcor com venda de doces, chocolates, essas coisas. Fui vendedor da Visconti, trabalhei como vendedor da Nextel. Sempre tive esses trabalhos. Às vezes, eu chegava do serviço às cinco horas, todo engravatado, paletó, e não ia para casa, eu ia para o mercado, tirava a gravata e ficava de social lá até dar sete horas para fechar. Daí fechava e eu ia para casa ou ia tomar uma cerveja com os amigos. Então sempre tive essas duas jornadas. Aos finais de semana, sempre que precisava eu estava lá no comércio com o meu pai. Isso foi depois dos 20 anos de idade, esses trabalhos paralelos, digamos assim. Eu tirei a carteira de piloto privado de avião, mas foi uma coisa que eu não consegui dar seqüência. Essa seria, talvez, a minha primeira opção se não fosse o comércio. Eu consegui tirar essa carteira de piloto privado com o que eu ganhava com o comércio, mas eu tinha a ambição de seguir. Depois pegamos uma época ruim, de vacas magras no comércio, a época dos planos econômicos – três ou quatro planos em seguida – e tivemos que nos agüentar, mais ou menos ali. Então eu terminei o meu curso de piloto privado, mas não consegui dar seqüência. Continuei trabalhando na parte de representante de vendas, representante comercial. DESAFIOS A fase dos planos econômicos foi muito difícil. Nós éramos proprietários do imóvel e não tínhamos o custo do aluguel porque quem tinha custo do aluguel não conseguia sobreviver. O consumo foi lá em baixo. Tivemos um período bem crítico, mas já estávamos com o patrimônio estabilizado e deu para segurar um pouco a onda. Mas foi uma época bem difícil para quem estava vivendo do comércio; não só em Campinas, mas como no Brasil todo. LIÇÕES DO COMÉRCIO O atendimento é face a face com o cliente. Você lidando no comércio de bairro, você tem todos os tipos de clientes, de pessoas. Desde o mais gente boa até o mais encardido que também é cliente e gasta bem. Então você tem que ter jogo de cintura. No comércio aprendemos muito. Muito mesmo. Eu lidei com muitas coisas: telefonia, produtos de logística, de coleta de dados, leitores de código de barras para departamento de logística, equipamentos top, tecnologia de ponta, aparelhos de telecomunicações. Meu aprendizado foi bem expansivo. CLIENTES Cliente é tudo igual (risos). Não muda. Você tem que oferecer o que ele quer e da melhor forma possível para os dois. E nem sempre o cliente tem a razão. Quem fala isso não teve vivência de balcão. Você tem sempre que encaixar, fazê-lo achar que tem razão, ficar e aceitar a situação, mas sempre na melhor forma honesta. Isso, pelo menos, é uma coisa que eu sempre me ligo. O pessoal sempre me disse isso, que eu passava essa honestidade, principalmente, quando comecei a trabalhar com coleta de dados, que são equipamentos com software específicos. Você tem que chegar no cliente, ver a necessidade dele e criar o sistema. E ele tem que acreditar em você vai fazer aquilo funcionar. COMÉRCIO DE CAMPINAS Antigamente, o comércio era mais regionalizado nos bairros. Hoje centralizou, são grandes centros de compras, são os hipermercados. Hoje, os mercados de bairro passaram a ser lojas de conveniência. Você vai lá porque foi fazer o almoço, faltou alguma coisa e você corre ali no mercado. Antigamente, você fazia compra do mês no mercado de bairro. Em Campinas existem pelo menos oito ou nove hipermercados, o que, na época, não existia. Na época era supermercado e, acredito, a maior mudança foi nesse âmbito. Tanto na parte dos mercados quanto nos shoppings centers. Tudo correu para essas áreas agora. O antigo comércio tem que se adaptar ao local, fazer a nova situação. Se isso está sendo um mercado de conveniência, ótimo. Tente atender o cliente da melhor forma possível nessa escala, porque se for querer competir em preço com um hipermercado, você não consegue. Então você tem que melhorar a qualidade do atendimento, a qualidade do produto e isso sim, você ganha no cliente. Isso dá para você melhorar regionalmente e cativar o cliente do bairro, coisa que num hipermercado, o atendimento é impessoal. Cada vez que você vai é uma caixa que está lá, cada vez tem um açougueiro diferente. Então, eu acho que o mercado regionalizado, o mercado de bairro tem que ir para esse lado para sobreviver, se aperfeiçoar e melhorar. DELTA BLUES BAR Eu sempre freqüentei o Delta Blues. Era do Gilberto Marioti, que é o sócio que está lá há mais tempo, e nós somos amigos de infância. Nossa turma sempre freqüentou o Delta Blues desde que o Gilberto foi pra lá, desde 93. Outro amigo nosso se tornou sócio do Gilberto, então, eram dois amigos que eram donos do bar. Esse amigo nosso, o Nei, foi trabalhar na Volkswagen do Brasil. A Volks o mandava, a cada trimestre, para uma região do país. Não ficava mais aqui e não tinha tempo de acompanhar o bar, de ajudar. Daí eu comecei. Ele me convidou para trabalhar lá como um gerente. Com o tempo, me dei tão bem que eu acabei adquirindo a parte dele no bar. Eu já conhecia a casa, já era freqüentador e depois de certo tempo apareceu essa oportunidade. A casa tem 15 anos. Foi de um chinês que tinha vivência em Londres, veio pra Campinas e teve a idéia de montar essa casa. É a primeira casa temática - pelo menos de Campinas - uma casa com um tema específico que seria o blues e o classic rock. Ele teve a idéia de montar essa casa, mas ele ficou só um ano. Ele teve quatro, cinco comércios aqui em Campinas e depois foi embora. Nessa oportunidade, o Gilberto adquiriu a casa, em 93. Eu peguei a casa já com certo nome criado. Entrei há quatro anos para trabalhar e administrar. A casa estava passando por uma fase de deficiência, fui aplicando tudo o que eu conhecia, eu e o Nei juntamos forças e fizemos uma aplicação grande ali dentro. Não de dinheiro, mas uma aplicação de conhecimento de trabalho para dar um up grade na casa. E não é fácil porque quando você tem um nome lá em cima, você tem que sempre batalhar para manter no alto ou subir mais. E, graças a Deus, estamos conseguindo isso. O bar está cada vez mais para cima e com isso vão abrindo os concorrentes. O pessoal vê a casa cheia e pensa que é fácil; acham que da noite para o dia que você monta um negócio assim, que não tem problema, não tem trabalho com funcionário. A gente tem que lidar com isso. Às vezes, você marca um show com uma banda, o concorrente vê a programação uma semana antes e marca uma banda do mesmo estilo. O resto é lidar com o público. Eu acho que atender bem desde o cara que comprou o meu alface, do que comprou o software de 30 mil dólares até o que vai lá ouvir a banda, consumir a cerveja. O atendimento não muda. Muda o produto, mas o pensamento no atendimento é o mesmo. O Delta tem um público muito eclético. Você não vê a transformação de cada pessoa. Às vezes, o que muda é que o rapaz que ia lá quando era estudante da Unicamp, no começo ia curtir um rock mais pesado, hoje é um diretor de empresa de multinacional e vai curtir um classic rock e um blues. Eu acho que a única mudança que percebemos é essa. Os estudantes da Unicamp continuam indo lá, mas não percebemos muitas mudanças de público porque trabalhamos com o que seria antigo, com o classic rock. Então, há muitas pessoas da antiga que curtem e freqüentam a casa. Tem um pessoal novo que curte também e daí, mescla tudo. Acaba ficando um público bem misturado. Tem desde o pai que foi lá quando era molecão e hoje está levando o filho que tem 15 anos. O moleque pode entrar acompanhado do pai e o pai leva pra ele conhecer a casa, pra introduzir no meio. Na nossa casa tem disso. É uma coisa que eu acho legal. Com certeza, poucas casas tem esse tipo de público. PROPAGANDA O marketing nosso é o próprio nome, a qualidade da casa. Graças a Deus, o Delta é conhecido no Brasil e fora do país porque é uma casa que tem um alcance muito forte no meio musical. Temos vários prêmios em âmbito nacional. Hoje há uma renovação do público, está entrando uma galera que não era muito do classic rock, mas que vem por conta do marketing que a gente está fazendo. Estamos conseguindo trazer um público novo, um público jovem que não vai nas raves, que não vai em pagode e que está descobrindo o Delta Blues. COTIDIANO Eu ouço o que tocamos, o dia inteiro (risos). Eu saio e ligo numa rádio só de classic rock, que é nossa parceira. Chega no bar, também. Tem que gostar. Falar que está lá só pelo comércio e só pelo dinheiro não é verdade. Eu não sou perito, a minha parte é administrativa, bem comercial. O Gilberto, meu sócio, é fera na parte musical. Eu já não tenho esse lado artístico. Eu acho que esse é o segredo de sucesso do Delta: temos dois sócios sendo que um cuida da parte artística e outro cuida da parte administrativa e comercial. E cada um faz a sua área razoavelmente bem. No nosso caso nós somos donos e somos funcionários. O Gilberto cuida de toda parte de som, cuida da banda, monta o palco. Eu trabalho no caixa durante toda a noite. A gente chega antes para preparar a casa, preparar os materiais, tudo. Muita gente acha o seguinte: “Ah, eu vou ter uma casa de blues, vou ficar curtindo música e tomando cerveja.” Você pode até fazer isso, mas eu não garanto que a sua casa vai durar. Lá não. Somos sócios, proprietários e funcionários. Estamos sempre juntos com os funcionários, sempre trabalhando. Os funcionários vêem que nós damos o ralo também. Não somos o tipo de patrão que vai lá só para dar o ar graça e vai embora. É gostoso porque você está num meio que gosta, mas também é bem cansativo. Trabalhei até cinco horas da manhã, quase; às nove horas estava aqui dando a entrevista, mas se não estivesse, estaria fazendo outra coisa. O Gilberto, por exemplo, foi fazer compras. Isso nós fazemos logo pela manhã para termos um pouco mais de sossego à tarde. Daí você dá aquela preparadinha para a outra noitada que começa. Hoje nós estamos trabalhando de quinta a sábado, três dias por semana. Para administrar é totalmente doido. Os dias em que você está em casa, que você não trabalha, você até quer ir dormir mais cedo para ver se recupera, mas você não consegue, você fica perdido. Durante o dia você tem que dar aquele cochilo depois do almoço. Não adianta pensar que é coisa de latino. Porque nos dias que você trabalha, você vai ter que fazer isso para se recuperar. Você não tem um horário normal, igual as outras pessoas. Acaba dificultando, às vezes, porque durante a semana você tem que ter um horário comercial para lidar com os outros assuntos, é isso é difícil, mas é adaptável. Na noite acontece de tudo. Vem aquele cabeludo, camiseta preta Iron Maiden, acha que o bicho é um demônio e o cara é mais sossegado, é o cara mais da boa. Ou você vê um playboizinhou, um mauricinho que acaba te dando mais problema. Mas a casa lá é de paz. Eu não tenho muito problema. Tem todas as tribos; é um público eclético na idade, religião, tribo de rock n’ roll, tribo de blues. Então você vê de tudo e é muito interessante. Nós fizemos uns shows internacionais. É um pessoal muito sossegado, o Marc Rumell, Kenny Brown, J.J. Jackson. São mais da área do blues, pessoas fáceis de lidar, sem nenhum estrelismo assim. Musicalmente, os shows sempre foram muito bons. O pessoal tem um respeito por isso. Quando esse pessoal vem para o Brasil e acha uma casa semelhante, para eles, é o máximo. É a mesma coisa quando um brasileiro vai para os Estados Unidos e acha uma casa de samba, uma casa bem feita para representar o Brasil. A receptividade deles aqui foi muito boa. Eu tive um músico que depois que nós fechamos o bar, acabou o show, todo mundo foi embora e ele ficou dormindo no camarim (risos). Só no outro dia depois do almoço que chegou a faxineira que foi achar o músico dormindo lá. Dormiu num sofá muito bom. O resto da banda também não deu falta no cara, isso que é pior (risos). Eu fico lá na correria de fechar o caixa, fazer as contas de comanda; então na hora que falam “vamos embora”, apago a luz e vamos. Somos em 12 trabalhando, dez funcionários mais o Gilberto e eu. Além dos produtos do bar, trabalhamos com souvenires. Hoje temos a camiseta e o boné para vender. DESAFIOS Meu maior desafio foi o próprio Delta Blues porque eu fui convidado pra assumir como gerente pelo Nei quando a situação estava complicada. Então o trabalho que nós fizemos foi para estabilizar e para aumentar o nível do bar. Nesses últimos quatro anos estamos conseguindo, mas foi um desafio muito bravo. Muita coisa que foi feita errado no passado, a outra administração estava queimando o bar. Com a minha entrada houve a implantação de vários métodos, vários estudos, mudanças, reformas no imóvel para atrair público específico, melhoria das bandas, o que também é um negócio muito sério. Hoje o Delta é quase um selo de qualidade pra muitas bandas. Tem bandas que falam que nunca conseguiram tocar em lugar nenhum. Depois que tocaram no Delta, outras casas começaram a aceitá-las. Então você cria uma responsabilidade com o nível das bandas e acaba sendo um problema porque todo mundo quer tocar lá. Trabalhamos três dias por semana e são 12, às vezes, 14 bandas por mês. São 14 bandas diferentes que só voltam a tocar depois de dois, três meses porque a agenda é terrível. A gente não consegue e nem quer. Nem é o trabalho da casa ficar repetindo a banda. Um dos destaques da casa é essa variedade que temos. A variedade e a qualidade das bandas. O Delta Blues é a única casa que eu conheço que tem uma banda oficial de blues. Nós montamos uma banda, pegamos os melhores de Campinas e montamos o Delta Blues All Star. São cinco integrantes, dois gaitistas; a banda é top de linha. Pelo que eu tenho notícias, nenhuma casa no Brasil fez isso. Então quando você está lá em cima, o problema é se manter. Isso que é a dificuldade. ATRAÇÕES O nosso público é muito especifico, é um público muito exigente. Às vezes, você leva uma banda que é muito, muito boa, mas se não for excelente tem um que vai lá, dá um cutucão e fala alguma coisa. E a gente cria essa expectativa no público. Tem banda que já é selo da casa. É uma banda cover e não precisa falar o nome; fala que vai tocar o Pink Floyd Cover lá no Delta o cara não quer saber quem são os caras; ele vai lá porque sabe que é sempre o padrão. Ele vai despreocupado na casa. Isso a gente cria em todas as bandas. Só que também precisamos criar um espaço para as bandas novas e daí precisamos abrir uma data para ouvir essas bandas. O público já não vai, porque não conhece. Tem que esperar a banda rodar bastante pra ele ver e falar que a banda é legal. Começamos na quinta-feira, que seria o dia mais magro, para fazer esse conhecimento, para ouvir as bandas pela primeira vez. Dependendo do estilo, ela vai para sexta ou para o sábado que são os dias em que a casa bomba. Esse lance da música própria, do trabalho próprio das bandas, infelizmente a cultura do brasileiro é muito pobre. Eu acho que tem muita banda com som próprio muito bom, mas se coloca uma banda só pra colocar som próprio, a não ser que seja banda de blues mais conhecida, não traz o público. E daí o que fazemos? Conversamos com os caras: “Olha, faz vários covers e vai introduzindo músicas próprias no meio. Tenta fazer um lance homeopático até o pessoal acostumar.”(risos) Porque se fala que vamos fazer um show só de músicas próprias, o público não vem. É uma coisa muito chata, por melhor que seja o trabalho. Tem bandas aqui de Campinas que o trabalho é excelente, mas é difícil. O Delta tem uma tradição de 15 anos e no meio musical de Campinas toda e qualquer banda que esteja tocando na cidade, de rock’ n roll, pop rock, com certeza algum dos integrantes já passaram pelo Delta. Então, o Delta tem muito a ver com a formação musical do pessoal aqui da cidade de Campinas e região. Acabou virando quase que uma instituição assim. Isso é gratificante para nós. Uma vez fizemos o revival de uma banda, numa quarta-feira, que é um dia que a maioria do pessoal não está trabalhando. Conseguimos juntar os integrantes da banda Cactus Jam, uma banda bem tradicional. Cada um foi para o seu lado no Brasil e chegou uma época que conseguiu juntar todo mundo aqui em Campinas. Naquela quarta-feira eram 200, 220 pessoas e todos eram músicos da cidade. Nós falamos que se quisessem acabar com o cenário musical aquela era a hora; se jogasse uma bomba ali, pegava todos os músicos da cidade. Então é isso que eu acho legal na casa. Ali é um ponto de referência, um ponto sólido para o pessoal das bandas. Não só para quem é do rock n’ roll. Recebemos gente lá de todas as tribos, quem gosta de música de qualidade - eu garanto - vai lá. LIÇÕES DO COMÉRCIO O primeiro passo é esse, os proprietários tem que estar presentes 24 horas. Na hora que abre, a pessoa tem que saber quem é o dono. Antes de eu entrar lá tinha o gerente que todo mundo achava que era o dono da casa. E não era uma coisa maravilhosa de administração. Tem que ter a cara do dono. Ele tem que ver quem é. Eu fico no caixa, se tivesse um funcionário lá no caixa, quando aparecem problemas, ele não teria autonomia para resolver. Aparece muito problema no caixa na hora de pagar, muita dificuldade. Se é um funcionário, não tem como resolver e acaba criando um atrito com o cliente. Agora eu estando ali, tenho autonomia de resolver da forma melhor possível e acabo agradando o cliente. O Gilberto fica lá na mesa de som, conversa com as bandas e fica na parte do bar vendo o pessoal trabalhar. Então eu acho que o principal é isso. Você tem que ter um equilíbrio. Você não pode começar a tomar cerveja na hora em que você está trabalhando. Isso não dá pra fazer. Eu não bebo quando estou no bar. Se bebo é uma cerveja no máximo. Você se diverte conversando com as pessoas; é muito gratificante. Hoje em dia eu tenho um reconhecimento desse meu trabalho, as pessoas vêm conversar comigo, falar da casa. E você está ali curtindo uma música que você gosta, tem um público bonito na casa, dá pra se divertir sim. Não é a mesma coisa como você estar na balada. É diferente, você está trabalhando, mas é melhor do que estar trabalhando dentro de uma fábrica. (risos) Tem que trabalhar para manter seus clientes fiéis. Fazendo esses trabalhos com as bandas, mantendo a qualidade e o nível musical lá em cima - que a exigência é alta - e tentando aprimorar, melhorar a qualidade do serviço. Porque tem o rapaz que é ex-estudante da Unicamp e tinha uma certa exigência; hoje ele é diretor e vem com a esposa, vem com a namorada, tem uma outra exigência de serviço. Você tem que entender desses dois públicos. Muda a demanda e você tem que ter atrações, qualidade para atender esses dois públicos. Não que o estudante não seja tão exigente; ele também tem certa exigência de produtos e de serviços, mas são cenários diferentes. Você está na faculdade você toma uma cerveja de pé, passa a noite toda de pé curtindo a banda e não está nem aí. Agora um cara já mais velho que vai com a namorada ele quer uma mesinha, ele quer um atendimento mais personalizado. Então você tem que atender esses dois públicos. Eu acho que a lição maior é essa de lidar com a pessoa em si. Por mais que você não esteja num bom dia, você tem que levar para um melhor lado e lidar. É uma relação pessoal. Eu acho que esse é o maior aprendizado que a gente tem no comércio. CIDADES / CAMPINAS / SP Campinas virou região metropolitana, está se juntando às outras cidades vizinhas. Isso cria um movimento de pessoas muito diferenciado. A cidade está muito mais agitada, mais corrida. Porque antigamente ela tinha um ar de cidade grande, mas guardava um ar interiorano. Hoje não. Hoje ela é uma metrópole, tem ares de metrópole. Isso cria todos esses estresses da vida moderna, tanto em Campinas como nas cidades em volta. Isso é uma vantagem de Campinas, aqui o que você precisar você acha. É uma cidade muito rica comercialmente, industrialmente. Eu acho que Campinas, na parte de comércio, está muito bem representada. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS É muito importante, porque ninguém faz um trabalho desses. Campinas é uma cidade com 280 anos, se eu não me engano, está por aí e não existe um centro de documentação voltado ao comércio. Tem alguma coisa ou outra. Temos casas muito tradicionais, casas com 90, 100 anos e a gente não fica sabendo. É importante contar essas histórias para o povo saber que as pessoas vencem também. As empresas vencem. Porque parece que só vira história quando você fecha: “Abriu tantas empresas e fecharam tantas.” Eles não falam das que permanecem abertas. Eu acho que é isso que a gente tem que ajudar a manter a história. Mostrar quem está aí, quem continua e que dá para continuar, fazendo muito esforço.
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