P – Fica bem à vontade, ignora esse monstro aqui do meu lado. (risos) Então, dona Bebé, pra começar eu vou pedir pra senhora me falar o seu nome completo, o lugar em que a senhora nasceu e a data em que a senhora nasceu.
R – Ai, a data que eu nasci já não sei mais não.
P – Pode ser só o ano.
R – Eu sei só o mês que eu nasci.
P – Tá ótimo, então fala pra mim.
R – Abril, no mês de abril.
P – No mês de abril. E qual o seu nome completo?
R – É Maria de Nazareth de Sousa.
P – Maria de Sousa. E você nasceu onde, dona Bebé?
R – Lá num riozinho que chama Rio Branco.
P – E o que tem lá nesse Rio Branco?
R – O que tem? O que tinha lá era... a gente cortava seringa.
P – Ah, você nasceu no seringal?
R – Foi, no seringal, meu pai morava lá.
P – Certo. E por que dona Bebé? É um apelido? De onde veio esse apelido?
R – (risos) Não sei não.
P – Então todo mundo te chama de Bebé desde sempre?
R – É.
P – Tá certo. Então me conta, a senhora nasceu no seringal, foi isso?
R – Foi no seringal.
P – E como foi isso? Não tinha hospital...
R – Lá nasci, eu me criei, lá no seringal.
P – E quem fez o parto da senhora?
R – Foi o meu pai mesmo.
P – Seu pai e sua mãe.
R – Foi meu pai. (risos)
P – Certo. E lá no seringal vocês viviam... vivia você, sua mãe, quem vivia no seringal?
R – Tinha mais gente lá, tinha mais três pessoas, né? Os outros trabalhavam era de... tirando cálcio, né? Tinha mais gente, mas era tirando cálcio.
P – Tirando cálcio?
R – Fazendo prancha, aquelas pranchas de cálcio.
P – E como...
R – Eles faz... aquelas pranchas de cálcio, faz aquelas (inaudível) aqui e tal, assim, né, aí coloca aqui e fica...
Continuar leituraP – Fica bem à vontade, ignora esse monstro aqui do meu lado. (risos) Então, dona Bebé, pra começar eu vou pedir pra senhora me falar o seu nome completo, o lugar em que a senhora nasceu e a data em que a senhora nasceu.
R – Ai, a data que eu nasci já não sei mais não.
P – Pode ser só o ano.
R – Eu sei só o mês que eu nasci.
P – Tá ótimo, então fala pra mim.
R – Abril, no mês de abril.
P – No mês de abril. E qual o seu nome completo?
R – É Maria de Nazareth de Sousa.
P – Maria de Sousa. E você nasceu onde, dona Bebé?
R – Lá num riozinho que chama Rio Branco.
P – E o que tem lá nesse Rio Branco?
R – O que tem? O que tinha lá era... a gente cortava seringa.
P – Ah, você nasceu no seringal?
R – Foi, no seringal, meu pai morava lá.
P – Certo. E por que dona Bebé? É um apelido? De onde veio esse apelido?
R – (risos) Não sei não.
P – Então todo mundo te chama de Bebé desde sempre?
R – É.
P – Tá certo. Então me conta, a senhora nasceu no seringal, foi isso?
R – Foi no seringal.
P – E como foi isso? Não tinha hospital...
R – Lá nasci, eu me criei, lá no seringal.
P – E quem fez o parto da senhora?
R – Foi o meu pai mesmo.
P – Seu pai e sua mãe.
R – Foi meu pai. (risos)
P – Certo. E lá no seringal vocês viviam... vivia você, sua mãe, quem vivia no seringal?
R – Tinha mais gente lá, tinha mais três pessoas, né? Os outros trabalhavam era de... tirando cálcio, né? Tinha mais gente, mas era tirando cálcio.
P – Tirando cálcio?
R – Fazendo prancha, aquelas pranchas de cálcio.
P – E como...
R – Eles faz... aquelas pranchas de cálcio, faz aquelas (inaudível) aqui e tal, assim, né, aí coloca aqui e fica aquela (ameixa?) grande assim.
P – E isso eles tiram de dentro da seringa? Como é que tira?
R – Não, não é da seringa não, é do cálcio mesmo. A seringa é outra, né? A seringa é defumada, né? É defumada.
P – Entendi. E o seu pai, sempre ele era daqui da região também, ele era de onde?
R – Não, o meu pai era maranhense.
P – Maranhense?
R – É, do Maranhão.
P – E ele veio pra cá por quê? Por causa da seringa?
R – Veio... cortar seringa também.
P – E sua mãe também?
R – Também.
P – O que você lembra deles?
R – Deles eu não vou lembrar. (risos)
P – Você tem alguma lembrança de quando você era criança, deles?
R – Tem não.
P – Nem um pouco. Então me conta um pouquinho do trabalho na seringa, dona Bebé. Como que era o trabalho da seringa?
R – Trabalho na seringa é bom. É bom, a gente cortava, juntava o leite, pegava e colocava na bacia, aí tinha o negócio de uma... assim, de barro, né? A gente chamava fornalha, né? Ali enchia de cavaco, coco, que é pra sair a fumaça, né? Que era pra defumar a borracha, rolar na fumaça.
P – E como é que defuma? Coloca ela na fornalha e deixa ela lá?
R – Não, a gente vai rolando no pau, num pau assim, ó, aquele tem um... atravessa assim, você põe um pau, a borracha tá aí. Aqui a gente (inaudível) de leite, né, e aqui vai só enrolando pra cá, né, o pau defumando. Aí lava de novo, é assim.
P – Entendi. E você tinha irmãos, dona Bebé?
R – Tinha.
P – Quantos irmãos?
R – Tinha bem uns quatro irmão.
P – Uns quatro irmãos.
R – É, quatro irmão.
P – Todos trabalhavam na seringa?
R – Não, esses não, eram pequenos. Só era eu, minha irmã e meu pai, né? Esses dois era pequeno.
P – Você era a mais velha?
R – A mais velha a minha... é.
P – A sua irmã é a mais velha?
R – É.
P – E com quantos anos você começou a trabalhar na seringa, dona Bebé?
R – Nós trabalhamos um (punhado?), até ficar grandona trabalhava na seringa ajudando meu pai.
P – Mas você começou com que idade?
R – Sete anos.
P – Sete anos?
R – Nós começamos nos sete anos, ajudar ele.
P – Até os sete anos você brincava, você fazia o quê?
R – Daí (inaudível) esse negócio de brincar, vamos trabalhar, né?
P – (risos)
R – É, trabalhar.
P – Trabalhava desde pequena?
R – É, desde pequena.
P – Quando não trabalhava na seringa, fazia o quê?
R – Vinha trabalhar na roça.
P – Na roça?
R – É, era na roça. Quando não ia pra seringa, vinha trabalhar na roça.
P – E o que tinha na roça?
R – Na roça era plantar arroz, plantar maniva, né? Com as mandiocas a gente fazia farinha, era assim.
P – E vocês vendiam esses produtos?
R – Vendia, aí vendia.
P – Vendia pra quem?
R – Pros patrão. Pros outros seringueiros que tinha, era assim.
P – Tinha muitas outras pessoas na região?
R – Não tinha muita não, só uns dez, mais ou menos.
P – Tá certo. E a borracha, vocês vendiam pra quem?
R – O patrão ia buscar, ia comprar lá.
P – Então o patrão ia lá?
R – Ia lá.
P – Ele passava de barco, como é que era?
R – De barco, era de barco.
P – E ele perguntava quem tinha e vocês vendiam?
R – Era, aí vendia. Ele já levava a mercadoria, e lá ele deixava a mercadoria e trazia borracha. Era assim.
P – Entendi. E deixa eu falar: o que mais você lembra de trabalho na roça? Você falou do arroz, falou de outras coisas; que mais que você lembra?
R – O quê? Arroz, era bom... arroz, a mandioca, tudo era bom, né? A gente fazia farinha, vendia...
P – O trabalho na roça era quando... como é que era? Eram seis meses na roça e seis na seringa?
R – Não. A gente fazia assim, né: dia de sábado a gente trabalhava na roça, né. Agora os dias de semana, a gente trabalhava na seringa. Era assim que nós fazia.
P – Não tinha descanso?
R – Não.
P – E o domingo?
R – Só o domingo! Só o domingo, aí a gente ia pescar...
P – A folga do domingo era pescar?
R – Era, pra pescar.
P – Que mais fazia além de pescar?
R – (inaudível) em casa, assim que a gente fazia, né?
P – Tá certo. E tinha festa, vocês iam pra casa dos outros, se encontravam, o que fazia mais?
R – Não, ninguém aqui ia pras casas alheia não, ficava em casa mesmo.
P – Ficava em casa mesmo?
R – Quando não ia trabalhar, ficava em casa mesmo.
P – Tá certo.
R – Era assim.
P – E aí você cortou seringa dos sete anos até grande?
R – Até ficar grande. Até quando casei. (risos) Até quando eu casei, que cortava a seringa.
P – E quando a senhora casou?
R – E depois que eu casei, aí foi que eu fui cortar seringa mesmo.
P – A senhora casou com quantos anos?
R – Doze. (muitos risos)
P – Doze anos a senhora casou? (risos)
R – Foi, doze anos.
P – Doze anos. E onde você conheceu seu marido?
R – Quantos anos?
P – Onde? Conheceu no seringal mesmo?
R – No Jaci.
P – No Jaci?
R – No Jaci.
P – Ah, então você saía daqui e ia pra outros lugares também?
R – Foi lá, foi pro Jaci. Meu pai adoeceu, fomos pro Jaci, né? Fui lá, arrumei esse noivo, aí casei. (risos)
P – E como era o Jaci, era muito diferente daqui?
R – Era demais, ali era muito ruim, cheio, não é como hoje em dia não.
P – O que tinha lá? Conta pra mim.
R – Ali era ruim, ruim. Tinha umas casinhas assim, uma carreirinha de casa assim, de um lado, outra do outro e pronto. Era.
P – E você não gostou de sair daqui pra ir pro Jaci?
R – Não.
P – E aí você ficou lá enquanto o seu pai tava doente?
R – Era, só enquanto o meu pai tava doente.
P – Tá certo. E aí encontrou esse noivo?
R – Aí casei, no seringal de novo.
P – Me conta desse noivo. Quando você conheceu seu marido?
R – Eu... quantos anos?
P – Não, onde.
R – Conheci ele lá mesmo. Ele ia casar com outra, né, aí... (risos)
P – A senhora roubou o marido dela!
R – Não, não roubei. (risos) Não roubei não! Aí a outra não quis mais, né, acabou o casamento. Como amanhã, eles iam casar, né? Ela acabou com o casamento. Aí ele perguntou se eu queria casar, né? Daí eu falei que queria, né.
P – Sem saber?
R – É. Aí casamos e fomos lá pro seringal.
P – E o que ele fazia, o seu marido? Quantos anos ele tinha?
R – No seringal ele foi cortar seringa. Ele trabalhava na seringa lá.
P – Ele era mais velho do que a senhora?
R – Era.
P – Quantos anos ele tinha?
R – Eu não me lembro quantos anos ele tinha, sei que ele era mais velho do que eu. Era (inaudível), né?
P – E ele era soldado da borracha, ele era o quê?
R – Não, ele não era soldado da borracha não.
P – Ele só cortava seringa também?
R – Só.
P – E aí a senhora se juntou com ele e foi morar onde?
R – No seringal.
P – Aqui em qual seringal?
R – Aqui no (inaudível). Rio Branco.
P – No Rio Branco, de novo, então você voltou.
R – Foi...
P – Pro mesmo sítio da senhora?
R – Foi...
P – Tá certo. E como é que foi a vida de casada? Era muito diferente? A senhora casou nova...
R – (risos) Casei. Ah, a vida não era muito boa não.
P – O que não era boa? O que era difícil nessa vida?
R – Por que não era? Que ele queria me bater, né? (risos) Esse negócio de apanhar...
P – Não era com você.
R – Não, não era comigo não.
P – E aí a senhora se defendia, você fazia o quê? Puxava a peixeira?
R – (muitos risos) Nós brigava. (risos) Não, fora de brincadeira, era mesmo.
P – E aí você ia embora de casa, continuou lá, o que você fez?
R – Não fui embora não, fiquei em casa mesmo, passava raiva. (risos)
P – Passava raiva, tudo bem.
R – Passava raiva, acabou.
P – E aí vocês trabalhavam juntos na seringa?
R – Era.
P – E me conta um pouco desse trabalho na seringa, dona Bebé. Pra quem não conhece, como é que é? Seringa é tudo igual, só tem um tipo de seringa, como é que é?
R – Não, não tem só um tipo de seringa não. Tem a seringa verdadeira, que essa tem um leite bom, né? E tem essa que corta que o leite dela é assim amarelo, que é leite de (inaudível), (inaudível), né, a folha dela é diferente da outra.
P – E como ela é, como eu sei que ela é a verdadeira?
R – A gente conhece pelo leite.
P – Pelo leite?
R – Pelo leite. Que o leite dessa verdadeira, o leite é branco.
P – E ela tem uma folha diferente?
R – É, diferente da outra.
P – A outra como é que é, a falsa.
R – A outra (inaudível) um negocinho composto como uma folha de ingá. A folha da outra.
P – E o corte é tudo igual pra cortar, tem jeito diferente, tem corte diferente?
R – Tem, aqui a gente corta... o menino lá no sítio ele tinha uma faca, né? Ainda tenho a faca que eu trouxe, eu guardei, né? Aí... aqui a gente chega, aqui na seringueira, né, vem com a faca aqui, a gente corta aqui, ó. Que é a bandeira, né. A gente corta, corta. Aí a gente pega a tigela, né, a tigelinha, aí a gente embute aqui pra aparar o leite, né? É assim. (risos)
P – Tá certo. E aí depois, o que fazia com a borracha? Com esse leite? Você tirava o leite e fazia o quê? Você disse que defumava...
R – Defumava pra vender, fazia borracha pra vender.
P – E você fazia alguma coisa; fazia bolsinha, sapatinho, fazia alguma coisa?
R – Fazia sapato.
P – Conta pra mim, o que você fazia...
R – Sapato, meu pai fazia sapato, fazia chinelo de borracha assim, eles fazia.
P – Tudo em casa?
R – Tudo em casa.
P – Como é que era o chinelo? Como é que fazia? Me conte.
R – Fazia fôrma, ele fazia a fôrma, né? Agora na fôrma, a gente enrolava (inaudível) com pano, né? Forrava com pano, costurava, aí era melhor pra defumar. Melava direitinho a (inaudível) bem, ai defumava, né? Defumava bem, bem defumadinha, aí colocava pra secar. Quando tava seco, aí a pessoa cortava todinho assim... olha o jeito da sandália assim.
P – Igualzinha a sandalinha assim?
R – Era. Cortava aqui assim, cortava aqui dos lados assim, se quisesse fazia essa correia aqui assim, fazia. Era assim.
P – E aí fazia chinelo, fazia bolsinha, fazia... o que fazia?
R – Fazia tudo.
P – Conta pra mim, tudo o quê?
R – Bolsa, chinelo, esse negócio de carregar... cartucho, né? Que chamava capanga... o senhor não sabe como é não?
P – Capanga?
R – É, aqui tem uma tampa, a gente enche de cartucho. (risos)
P – Tá certo.
R - (inaudível).
P - Capanga... aí isso o que vocês faziam, vocês vendiam ou era pra vocês?
R – A borracha?
P – Esse material que vocês faziam...
R – Não, era pra gente usar mesmo, esse negócio de calçado era pra gente usar mesmo.
P – Tá certo. E aí você tinha a roça, tinha a seringa e dava pra viver?
R – Dava, ixi!
P – Passava necessidade?
R – Não. Que tinha muita caça, muito peixe, é assim.
P – E a senhora pescava também?
R – Pescava.
P – Desde pequena?
R – Desde pequena.
P – Como que pescava, conta pra gente.
R – Pescava de caniço, de anzol...
P – Como é que pesca de caniço?
R – De linhada... o caniço é uma linha numa vara... (risos) é uma vara e aí a gente põe a... encaixa o anzol naquela linha, aí vai pescar. Coloca uma isca, né, de peixe ou carne mesmo e vai pescar. É assim.
P – E esse rio dava muito peixe?
R – Dá.
P – Hoje ainda dá muito peixe ou não?
R – Dá muito peixe, dá muito peixe.
P – Tá certo. E de que mais vocês se alimentavam? Vocês comiam peixe, comiam...
R – Ah, a gente comia, era pra comer. Peixe, carne, tudo pra comer.
P – E aí a senhora ficou nesse seringal, no sítio, quanto tempo? Até quando?
R – Nesse daqui?
P – É, com seu marido.
R – Esse daí eu passei muito tempo. Aí ele morreu, eu vim embora pra cá.
P – Foi seu único marido? A senhora teve filhos?
R – Tem esses que tem... aquele ali.
P – A senhora teve quantos filhos? No total.
R – Dez.
P – Dez filhos?! (risos) E com quantos anos a senhora teve o primeiro? Não precisa ser quantos anos. Como é que foi o primeiro filho? Foi lá no seringal também?
R – No seringal, foi lá no seringal.
P – Você teve todos os filhos no seringal?
R – Não. Não, foi, foi. Todos dentro do seringal.
P – Como é que é ter o filho no seringal?
R – Não é ruim não. (risos)
P – E o marido da senhora ajudou a fazer o parto? Tinha uma parteira?
R – Não, não tinha negócio de parteira não.
P – Era só você?
R – Só.
P – E vocês vinham aqui pra Mutum, Mutum já existia?
R – Já. Depois que nós viemos do seringal, viemos morar no sítio.
P – E o que tinha aqui em Mutum?
R – Nesse Mutum aqui não tinha nada não. Só umas quatro pessoazinhas e pronto.
P – Tinha poucas pessoas?
R – Tinha, bem pouquinha.
P – A senhora chegou a ver o trem funcionar?
R – Cheguei.
P – Funcionava aqui?
R – Funcionava.
P – E passava muita mercadoria, passava muita gente?
R – Passava... passava.
P – Eles paravam aqui? Como que era?
R – Parava.
P – A senhora andou de trem?
R – Andei.
P – E como foi andar de trem pela primeira vez?
R – Eu achei bom, né?
P – Gostou de andar de trem. E criar os filhos, foi muito difícil criar os filhos?
R – Não foi muito bom não, né? (risos)
P – Como é que foi, contra pra mim como você criou os seus filhos. Todos no seringal...
R – No seringal é bom porque não tem esse negócio de adoecer, né? A pessoa já vive mais tranqüila, né? No seringal.
P – Mas não tinha nem doença? Não tinha malária, não tinha nada?
R – Não, não, não. Não tinha esse negócio de malária não. De jeito nenhum.
P – Lá no seringal tava todo mundo sadio?
R – É, tudo era sadio.
P – E aí esse sítio que você tem aqui em Mutum... é em Mutum o sítio ou não?
R – É, lá.
P – É lá?
R – É.
P – Vocês compraram ele, vocês fizeram, como é que foi?
R – Meu marido fez lá, ninguém comprou não.
P – Seu marido fez?
R – Foi.
P – E aí você foi viver no sítio?
R - Foi, no sítio.
P – Aí a vida no sítio foi mais fácil do que no seringal?
R – Lá no sítio foi bom, né?
P – Foi bom? O que mudou?
R – Mudou muita coisa, viu? A gente tinha as coisas da gente, fazia e vendia e aí era bom.
P – Que mais teve lá no sítio de diferente? Mutum começou a mudar muito também?
R – Começou.
P – O que mudou em Mutum?
R – Começou a mudar muito depois que chegou o garimpo, né? Aí mudou.
P – Então teve uma época de garimpo boa aqui?
R – É.
P – Onde que era o garimpo aqui?
R – No Madeiro.
P – No Madeira?
R – No Madeirão.
P – E era garimpo do que, de ouro?
R – De ouro.
P – Seu marido trabalhou no garimpo?
R – Não, ele nunca trabalhou no garimpo não.
P – Vocês só tinham a roça, viviam da roça?
R – Só na roça mesmo. Ele não trabalhou no garimpo não, porque ele disse que não gostava de trabalhar em garimpo não, não ia pro garimpo não.
P – E aqui nesse sítio vocês só produziam pra vocês mesmo, pra poder comer, ou vocês vendiam, como é que era a vida?
R – Era pra gente comer e pra vender.
P – Pra vender. Sempre venderam então?
R – Era, pra vender, que eles faziam farinha pra vender, ia pro garimpo, farinha, ele fazia pro garimpo...
P – Ah, então vendia muito pro garimpo?
R – Vendia.
P – Deixa eu perguntar outra coisa pra senhora: depois do garimpo, o que mais mudou muito aqui em Mutum? O que trouxe mudança?
R – Pra mim não mudou lá essas coisas não, né?
P – Não mudou muita coisa?
R – Não.
P – O garimpo foi a última grande coisa assim?
R – Foi, foi o garimpo.
P – Veio a serralheria pra cá também?
R – Serraria?
P – É.
R – É, serraria.
P – E aí a vida de seringa a senhora abandonou? Não teve mais vida de seringa?
R – Abandonei, que meu marido saiu do seringal, né. Aí nós saímos tudo do seringal.
P – E dona Bebé, me conta uma coisa: o que você acha dessa usina que tá construindo aí?
R – Ah, agora me engasgou. (risos)
P – Vai alagar o seu sítio, vai alagar aqui a sua casa?
R – Não. Lá no sítio não vai alagar não. Aqui diz que vai alagar, né, mas lá no sítio não.
P – E isso te incomodou, te deixou triste? O que isso mudou pra você?
R – Que lá é alto...
P – Você vai sair daqui de Mutum?
R – Se Deus quiser. (risos)
P – Você tem vontade de ir embora daqui?
R – Eu não tenho vontade de me ir embora daqui não, mas que vai alagar tudo... o jeito que tem é sair, né?
P – Aí não tem jeito, vai ter que ir?
R – É, não tem jeito.
P – Depois que o marido da senhora morreu foi muito difícil? O marido da senhora morreu faz muito tempo?
R – Tá com uns três anos, né, (Nenê?)?
Voz externa à entrevista (Nenê?) – É, vai fazer quatro anos agora.
R – Quatro anos agora.
P – Então foi uma vida inteira juntos? Desde os doze anos?
R – Vivi muitos anos...
P – Mas depois melhorou? Depois daquele começo difícil?
R – Melhorou. (risos)
P – E diz que a senhora é uma mulher valente, que a senhora enfrentava o povo aqui.
R – (risos)
P – Conta pra mim essa história.
R – Foi (inaudível) que aconteceu, não foi?
P – Agora eu quero saber. Me contaram, quero ouvir da senhora, me conte. O que aconteceu?
R – (risos) (inaudível) não.
P – Pegaram terra da senhora?
R – O negócio é que eu fiz um correr porque veio com negócio de fiado. Eu digo: “Peraí”. (risos) Correu.
P – Ele fugiu da senhora? E agora você vai embora pro sítio, depois que alagar aqui, você tá pensando em ir pra onde, dona...
R – Lá pra baixo.
P – Lá pra baixo.
R – (inaudível) ninguém (inaudível) mais não.
P – E a senhora já tem neto?
R – Tem. Um (gêmeo?) do outro.
P – Tem muito neto?
R – Tem.
P – E ser avó é muito diferente de ser mãe?
R – É, no caso... avó?
P – É.
R – É, porque os filhos chateiam muito a gente, né? (risos) Faz muita raiva...
P – E os netos não?
R – Não, os netos vive pra lá e... né? Já não chateia muito a gente não.
P – A senhora tem neto, bisneto e tataraneto?
R – É, tenho neto, bisneto...
P – Tudo isso?
R – É.
P – E dá conta de ser vó de toda essa gente? (risos)
R – Ah, com certeza, né? (risos)
P – Tá certo, dona Bebé. Eu queria te agradecer por ter conversado aqui com você um pouquinho. (risos) Você quer me contar mais alguma coisa?
R – Não, que eu tô com a minha cabeça doendo. (risos)
P – Ah, tá certo.
R – Ah, eu tava deitada, que eu tava com dor na cabeça, enjoada e fui me deitar, vou dormir. Mas não dormi não.
P – Tá bom então, dona Bebé. Obrigada, viu, dona Bebé. A gente vai encerrar aqui.
R – Obrigada também.
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