Projeto Memórias do Comércio 2020-2021 – Módulo Bauru
Entrevista de Flavio Guedes
Entrevistado por Luis Paulo e Wiliam Carneiro
Bauru, 05 de fevereiro de 2021
Entrevista MCHV_020
Transcrito por Selma Paiva
P/1- Bom, Flávio, pra começar, é uma entrevista de história de vida. Então, é a história da sua vida, junto com o comércio da fotografia. Então, pra começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
R- Bom, Flávio Soares Guedes. Nasci em Bauru, no dia vinte e oito de março de 1958.
P/1- Legal. E qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- Meu pai: Ivan Pereira Guedes. Minha mãe: Maria de Lourdes Soares Guedes.
P/1- E de seus avós?
R- Avós: Deoclécio Resende Soares. E... desculpa, deu branco. A Anderlina Soares Resende.
P/1- E do outro lado, você teve contato? Lembra?
R- Do lado do meu pai: José Pereira Guedes. E Josefina Pereira Guedes. Corso Guedes. Eu esqueci. Corso Guedes.
P/1- Sim. E os seus avós vieram de fora do Brasil? Você tem conhecimento da origem deles?
R- Bom, pelo lado da minha mãe, meu pai é brasileiro, meu vô é brasileiro, né? Eles vieram de Brotas, passando por Botucatu e depois pra Bauru. Meu vô sempre foi, pelo que eu conheço, funcionário dos Correios. Ele foi, inclusive, o primeiro agente do Correio da cidade de Bauru, tá? Do lado do meu pai, meu vô, português. Veio de Portugal ele e o irmão, aos doze anos de idade. Eles pararam no Rio de Janeiro. Dizem, eu não sei exato, mas dizem que esse irmão do meu vô desceu no Rio de Janeiro e eles não tiveram mais contato. E o meu vô acabou descendo em Santos. E, como imigrante, acabou vindo pro interior, pro café. Daí ele foi, aprendeu o ofício das ferrovias. E parece que ele veio pra Mairinque. Eu não sei exato agora. Agora, de momento, me perdeu a memória. Mas ele acabou sendo um dos primeiros maquinistas da Noroeste do Brasil. Inclusive, no próprio Museu Municipal, consta a foto dele como o primeiro maquinista da Noroeste do Brasil.
P/1- Que legal! E esse outro avô, que foi o primeiro funcionário do Correio, você sabe mais ou menos que época foi isso, que começou o Correio aqui?
R- Eu não tenho no momento aqui, mas deve ser por volta de, eu acredito, 1940, 1938 a 1940. Parece que 1942. Porque eu tenho até, é que eu não tenho aqui no momento, uma ffoto da agência da Praça Rui Barbosa, onde a agência era, na Praça Rui Barbosa. Foi uma das primeiras agências. Foi a primeira agência de Bauru, né? Inclusive, a minha mãe está moça, na janela, porque eles moravam em cima da agência. Já...
P/1- O senhor tem irmãos? Desculpa.
R- Eu tenho um irmão, que é médico em São Caetano do Sul. E tenho duas irmãs que moram aqui em Bauru. Mas também são profissionais liberais, não participaram do comércio, não tiveram atividade nesse sentido. Eu fui o único que tive a atividade comercial.
P/1- Certo. E, na sua família, o senhor lembra da parte portuguesa, de algum costume que continuou? Comida, por exemplo? Ou música portuguesa? Alguma tradição que veio de lá pra cá?
R- Olha, eu não tinha tanto... eu tive pouco contato com o meu avô. Pouco, não. Praticamente nulo. Porque eu nasci em 1958, o meu vô morreu em 1960. Quer dizer, então o contato foi muito pequeno, eu não cheguei a, praticamente, nem a conhecê-lo. Por parte de pai, certo? Por parte de mãe, não, a gente teve bastante contato. Mas não teve uma tradição assim, não teria uma tradição muito fervorosa. A minha vó, só, a minha vó era italiana. Meu vô português, minha vó, italiana. E ela gostava de cantar, ela gostava de fazer aquilo que, normalmente, o próprio italiano, que está no sangue dele, né?
P/1- E o senhor sabe como é que o seu pai e a sua mãe se conheceram? Foi aqui em Bauru, já?
R- Foi aqui em Bauru. Já foi aqui em Bauru. A minha mãe já tinha vindo de, se eu não me engano, de Botucatu. O meu vô tinha sido transferido de Botucatu pra Bauru. E eles se conheceram, praticamente, ali na Rua Batista de Carvalho. E acabaram começando a namorar, essas coisas.
P/1- E qual era a profissão deles? Do pai e da mãe?
R- O meu pai? Bom, o meu pai é fotógrafo. Meu pai também é fotógrafo. Minha mãe trabalhava na agência do Correio, era funcionário do Correio. Assim, do lado profissional, eu não tive tanto... a tradição profissional não veio propriamente... veio do lado do meu pai, certo? Mas o meu pai já veio com uma tradição. Porque, eu já coloquei pra vocês, eu sou praticamente, o quarto, quinto fotógrafo da família. Aí vem uma tradição.
P/1- Certo. Os outros...
R- Bom, o primeiro foi o Tio Carlos, que vocês passaram até... o tio Carlos veio de Mairinque, daquela região. E vieram ele e o irmão e se estabeleceram em Bauru. Ele veio inicialmente pra trabalhar com outro, com o primeiro fotógrafo de Bauru. É que agora, eu tenho... o Luciano Dias Pires fez um histórico pra mim de toda a passagem dele. É que agora, eu acabei, estava procurando a hora que começou ______ (7:51). Mas, bom, o tio Carlos começou... eu falo “tio”, deixa eu te explicar: porque a esposa de Carlos era irmã do meu vô, certo?
P/1- Sim.
R- Eles moravam todos ali na Ezequiel Ramos, onde é, hoje, o Banco Itaú. Então, ali, aquelas redondezas ali, era toda família. Toda a família Guedes, Corso, moravam ali. Então, o contato era muito íntimo entre todos ali, certo? No caso, o tio Carlos foi o primeiro que entrou na profissão, auxiliando o primeiro fotógrafo de Bauru. Após o falecimento dele, Carlos comprou o estabelecimento na Rua Batista de Carvalho, na quadra cinco, onde hoje é na frente da Pernambucana. E acabou abrindo um estabelecimento junto com o irmão, certo? Meu avô, o meu avô, não, desculpe, o meu tio Aldire acabou, com dez, doze anos, começando a trabalhar com uma questão de aprendiz. E logo em seguida, meu pai acabou também a aprender, foi pra trabalhar como aprendiz do tio Carlos.
P/1- Certo.
R- E acabaram fazendo a vida inteira, lá com eles. Desculpa, eu estou contando, mas se você quiser cortar, me corta. Porque senão acaba...
P/1- Pode contar. E aí?
R- Tá bom. Tio Carlos montou o Photo, né? Com Ph. Inclusive hoje, é um dado histórico que eu sempre comento: se você for hoje na Rua Batista, defronte à Pernambucana, é que ali tem um toldo, mas se você olhar entre o toldo e entre as duas paredes, tem um pedaço da pintura do prédio, a pintura nova, que saiu. E eles pintaram por cima da pintura antiga. Então, ainda existe lá, você vê o Ph de Photografia. Você vê o Ph, ainda dá pra ver nítido. Você olhando, é nítido, você vê lá. Bom, após um certo tempo, tio Carlos acabou brigando ou se desentendendo com esse irmão, esse irmão foi, se eu não me engano, pra Pederneiras e acabou montando por lá e acabou fazendo a vida por lá. E depois de lá foi pra São Paulo, tudo. O filho dele ainda é vivo, mora aqui em Bauru. Bom, o tio Carlos reiniciou e se tornou, praticamente, o fotógrafo da região. E meu pai e meu tio ficaram trabalhando com ele. Tanto que você vê todas as fotos antigas, isso eu vejo muito em todas as fotos, praticamente. Porque o tio Carlos era uma pessoa assim meio bonachão. Ele era meio gordo. E ele gostava... ele não era muito de ir pro campo pra fotografar, pra fazer essas coisas. E como ele tinha o irmão e o irmão saiu, ele acabou pegando os sobrinhos, pros sobrinhos fazerem isso. E todas essas fotos antigas que a gente... eu vejo muitas fotos antigas de Bauru e era o costume de todo o fotógrafo marcar embaixo “rua tal”. Ele marcava com nanquim. Aquilo lá, ele marcava com a pena, com nanquim, no negativo, não era na fotografia. Ele marcava no negativo e ampliava. E eu vejo em praticamente quase oitenta por cento dessas fotos, a caligrafia do meu pai. Eu vejo muito, eu sei, eu falo: “Essa foto...”. Apesar de estar Giaxa ao lado, mas eu falo: “Essa foto é do meu pai”. Porque eu conheço pela caligrafia do meu pai. Muitas fotos assim, antigas.
P/1- Mas pra um estúdio de fotografia nessa época, anos quarenta, cinquenta, o que dava dinheiro mesmo - é uma pergunta isso - não era o trabalho dentro do estúdio? E essas fotos que eles faziam da cidade era mais por diversão, ou eles vendiam também?
R- Não. Não. Bom, existiam dois comércios. Existia aquele comércio de estúdio, que você vê aquelas fotos, normalmente, que... com a dificuldade de levar as máquinas e as coisas pro evento, então, o que acontecia? As pessoas iam no estúdio fotográfico. Então, você vê hoje, fotos antigas de Bauru, você vê foto de casamento, o fotógrafo não ia na igreja, não ia, não. Ao contrário, os noivos saíam da igreja, iam tirar fotografia no estúdio. Foto de carnaval, você vê que todas as fotos de carnaval, por ser a Batista de Carvalho o local ______ (13:44) do corso antigo, então, praticamente, todos aqueles carros, as pessoas com alegorias, tudo, estão paradas na frente do Photo. Sempre na frente do estúdio, ao ar livre, que era mais fácil tirar fotografia. Frota de caminhões. Eu vejo muito. Eu vi outro dia, até, uma, a Revenda Salmen, que foi uma das primeiras revendas Ford, de Bauru, né, eles foram tirar fotografia do primeiro carro, você vê que ele está na foto, o caminhão, mas na frente do estúdio. Sempre, então, as pessoas iam pro estúdio. E é lógico, também tinha aquelas fotografias. Como era ao ar livre, eram as fotografias pra mostrar a cidade em si, né? Então, as vistas, as fotografias de vistas, né? Que, na realidade, aquilo ali era vendido como fotografia. Então, uma pessoa passava por Bauru, ele ia lá no Photo e escolhia. Hoje não existe mais cartão de viagem, né? Mas o fotógrafo tinha aquela fotografia de Bauru, a pessoa comprava e fazia a dedicatória atrás e mandava via Correio. Isso era comum também, naquela época. Uma coisa também que é até engraçado, que é uma coisa até que era comum naquela época, 1940, nessa época, como as famílias eram muito longe, moravam longe e era difícil chegar no lugar, então, vamos dizer, morria uma pessoa aqui em Bauru e o parentesco dele era de Brotas, eram de outros lugares. Então, pra comunicar à família que fulano tinha morrido, o que acontecia? O caixão, ou o fotógrafo se deslocava até o local do velório, tirava a fotografia do morto e a pessoa mandava a fotografia do morto pra família: “Ó, fulano faleceu. Aqui está a foto”. Então, era uma coisa comum. Era uma coisa até... é engraçado, mas várias vezes. Eu vejo quando várias pessoas, inclusive ilustres de Bauru, que morreram, então tem a fotografia do cara deitado lá na cama, o cadáver, né? É engraçado isso aí.
P/1- E, Flávio, o estúdio de fotografia, nessa época, era o que dava mais recurso pro fotógrafo, porque as pessoas pagavam pra ir lá tirar foto da família. Você deve ter pego essa época, né? Tinha um fundo que parecia fazer uma paisagem. Como era o estúdio, o trabalho?
R- Sim. Isso daí, não só naquela época. Isso daí é uma coisa que eu, praticamente, vivi a minha infância inteira. Bom, é que eu não falei pra vocês. Eu nasci em 1958, no fundo da loja do meu pai, que naquele tempo era costume, o comerciante morava no fundo. Então, pra mim...
P/1- Lá na Batista?
R- É. Na Batista de Carvalho, 7-15. Na Batista de Carvalho era, apesar de ser uma rua comercial, mas a maioria das pessoas moravam atrás. Moravam atrás. Então, muitas pessoas, o pessoal do Carvalho; o pessoal do Ranieri, que eram os meus vizinhos, o Dudu, o professor Ranieri, eram vizinhos nosso, de porta. E eles moravam tudo no fundo. E, então, pra eu entrar na minha casa, eu tinha que passar pela loja. Era uma porta de ferro. Abria a porta de ferro, a gente passava pela loja, pelo estúdio e do estúdio, a gente entrava em casa. Então, aquilo ali, aqueles estúdios de escada, aquelas coisas que mudavam, o Cristo pra tirar fotografia de Primeira Comunhão, tudo aquilo, tudo essas coisas, faz parte da minha infância. Isso aí é...
P/1- Flávio, conta um pouco como foi a sua infância ali na Rua Batista. Como era o ambiente da Rua Batista? Os seus vizinhos, as brincadeiras? Dava pra brincar na rua ali, ou não? Era movimentado, né?
R- Vixe, era movimentado! Passava uma carroça. Um carrinho. A carroça do bucho. Muitas pessoas, que eu não sei se pra algumas pessoas conhecem hoje, sabem o que é isso. Eu me lembro plenamente, a carroça do bucho. O que era a carroça do bucho? Era um senhor, que ele vinha com uma carroça e trazendo carne. E ele vendia aquelas carnes salgadas, na rua. Uma coisa que hoje, a higiene ia gostar barbaridade, né? Mas era comum. Leite, aqueles coisos de leite, o cara ia levar aquelas garrafas de leite, de vidro. Era comum. Bom, eu nasci aqui na Rua do Batista. E minha infância, praticamente, foi tudo ali. Eu tenho vários amigos, hoje, que eram meus vizinhos. O Dudu Ranieri, falecido, era meu vizinho. O Túlio, o irmão dele. A Lúcia, que era a antiga proprietária do Liceu Noroeste, eram meus vizinhos. O próprio Julio Kosaka e o Kazuo, que era do Foto Cherry, que era na Primeiro de Agosto, o pai dele tinha o Foto lá na Primeira de Agosto. Mas como a proximidade era muito, era perto, né, então a gente também foi criado tudo junto. E nossa diversão era o quê? O quintal era a Praça Rui Barbosa. Mas não a Praça Rui Barbosa de hoje. Era aquela Praça Rui Barbosa que ainda tinha o coreto, que tinha banda, tinha pipoca _____ (20:51), tinha o jacaré, o famoso jacaré. O jacaré. Tinha os cisnes que ficavam no ______ (21:00) principal. Tinha o Automóvel Clube, que era um point, né, naquela época. O cine Bauru, o Cine Capri, o Cine São Paulo. Então, era... e posteriormente o Tênis, né? Porque o Tênis também se tornou, o BTC, ali na Gustavo Maciel, um quintal da minha casa. Porque, como a gente era muito restrito ali, a gente acabava indo. A diversão ou era na Praça Rui Barbosa, ou era no Bauru Tênis Clube. Então, eu conheço o Bauru Tênis Clube desde aquela época antiga, ainda. Antes, praticamente quando foi construída a nave, que eles chamam, chamavam, que é aquele prédio grande, que até hoje tem lá.
P/1- Os pais não ligavam que vocês saíssem sozinhos na rua, naquela época?
R- Não. Porque aquela época era uma época que não tinha essa preocupação. As crianças eram mais livres pra fazer isso daí. Eu estudei primário na... eu fiz o pré-primário no Senac. O Senac tinha uma escola ali no prédio, no antigo prédio, não nesse novo. Mas ele tinha um parque de diversão e tinha a pré-escola ali. Depois eu fiz um ano no Lourenço Filho, que era ali na Primeiro de Agosto. E depois eu fui fazer o primário mesmo... não, desculpe. Lourenço Filho, não. Rodrigues de Abreu. Rodrigues de Abreu, que era na Duque de Caxias, onde hoje é a Fatec.
P/1- Fatec.
R- É. Eu fui, minha mãe me matriculou na Escola Paroquial Padre João, que hoje é Dinâmico, né, ao lado da Igreja Nossa Senhora Aparecida. Eles tinham acabado, os padres, de construir aquele prédio. Então, ele funcionava na parte da manhã, a escola paroquial, que era o primário. E à tarde e à noite era o La Salle, que era secundário e depois colegial. Então, como a gente fazia? O trâmite nosso era descer a Araújo Leite, que a gente descia a pé. Tinha aquele, ainda hoje tem aquele morrinho lá, que era a nossa diversão subir e descer aquilo ali. E voltar, agora, só que o voltar era mais emocionante, né? Porque a gente voltava por baixo, que não existia, logicamente, a Nações Unidas. Então, a gente voltava pela linha de trem, então saía ali por trás da Igreja Nossa Senhora de Aparecida, tinha a ponte do trem ali e a gente passava pela ponte, ali. Inclusive, a brincadeira da molecada, uma brincadeira perigosa, por sinal, era atravessar a ponte, sabendo que o trem vinha vindo. Isso, as mães não sabiam. Mas a gente fazia isso daí. Inclusive, uma vez, uma vez pitoresca, foi que... eu não lembro a pessoa que foi, mas um dos meninos, ele, no atravessar, o trem acabou virando. Virando. Ali tem uma pequena curva, na Antártica ali, né? Ele virou e ele deu de top com o trem. Então, não dava tempo nem de ir pra frente, nem de ir pra trás. Então, ele acabou se jogando e caiu no vão da ponte. Ele não chegou a cair no Rio Bauru. Mas ele caiu no vão da ponte e o trem passou por cima. Então, foi a... eu nunca me esqueço isso daí. (risos)
P/1- Nossa!
R- E era a nossa vida. Subir ali, pegar, subir a Nações Unidas ali, hoje Nações Unidas, passava ali pela Antártica, pelo campo do Arca, subir ali. Ali tinha muito, eu não lembro como era o nome, eram uns coquinhos amarelos. E a gente subia nos coqueiros, pra pegar aqueles coquinhos ali. Depois, mais pra frente, ali na Batista Carvalho, tinha uma fábrica de carroça. Entre a Batista e a Nações Unidas, tinha uma fábrica de carroça. E era engraçado, eu sempre gostei. Eu ficava olhando, ver aqueles caras forjar aqueles negócios, eu ficava olhando, você entendeu? E, posteriormente, até talvez, a minha formação talvez, começou com aquilo ali. Bom, e a vida nossa era assim. Bom, como eu participava de toda... e estava ali, então, os nossos castigos eram o quê? Fazia alguma arte, alguma coisa, então era o quê? Vai secar fotografia, vai esmaltar fotografia. Quer dizer, esse era o castigo nosso. Por que, pô, era um saco você ficar esmaltando, porque você tinha que abrir, secar, põe, uma por uma. Então, você tinha que secar foto por foto. Então, era um castigo mesmo. Era o castigo de infância nosso.
P/1- E você... o Rio das Flores, ali, o Rio Bauru, eram limpos ainda, né?
R- Sim. Eles eram limpos. Ainda não tinha aquela...
P/1- Você nadava lá, pescava?
R- Eu nunca cheguei a nadar, mas eu vi gente pulando ali. Porque o rio não era, também, tão fundo. É que ele era, o canal, era muito baixo. Então, ele tinha uma altura, vamos dizer, tipo dois metros, três metros, entre o piso e o canal lá embaixo. E depois era difícil de subir. Então, por isso que as crianças não subiam, não faziam isso.
P/2- Flávio.
R- Oi?
P/2- Você falou de esmaltar. O que seria isso na fotografia, no processo?
R- Hoje você vê a fotografia opaca e a fotografia brilhante, certo? O esmaltar era dar o brilho no papel. Você entendeu? Porque o papel era um só. Hoje não. Hoje existe o papel. Hoje, o esmalte já vem no papel. Mas naquela época, não. Você passava o esmalte, você fazia o esmalte. Então, você tinha que esmaltar. Esmaltar seria o quê? Era uma chapa de aço inoxidável, né? Então, parecia um espelho, de tão brilhante que era. Então, você limpava. Aquilo ali esquentava muito. Esquentava muito mesmo, era muito quente, devia ser na faixa de uns oitenta graus, mais ou menos. E você ia passando foto por foto. Então, você criava um esmalte, com a temperatura e o aço, ele acabava, vamos dizer, derretendo um pouco a gelatina, onde criava o esmalte e o brilho. Seria, né?
P/2- Senão, ficaria que nem um sulfite apenas, né? Seria fosco.
R- É, o fosco. Se deixasse, você criava o papel fosco. Ou você pegava o papel esmaltado, que é o papel brilho.
P/1- E tirando quando o seu pai dava castigo pra você, quando ele colocou você pra trabalhar mesmo, no estúdio, assim? Pra cumprir horário.
R- Não. Na realidade, ele não colocou, você entendeu? Eu sempre tive... foi eu mesmo. Eu fui uma pessoa, mesmo quando criança, eu gostava muito de ver as coisas, participar. Como gosto até hoje. Eu sou meio enxerido, de ver as coisas, participar, ver o porque das coisas. E eu sempre estava vendo-o, né, fazer as coisas e acabei participando das coisas, né? Vamos ver, um exemplo: tinha baile no Tênis. Naquele tampo, os grandes bailes de Bauru, né, que eram as quatro, as formaturas da Faculdade de Direito, que era o ponto máximo da cidade, o baile da cidade e os bailes de carnaval. O que acontecia? O meu pai ficava lá fotografando e ficavam alguns funcionários no Photo. E o meu pai cismou que ele tinha que vender as fotos, mais rápidas. Então, o que ele fazia? Ele tirava fotografia, ele tirava as fotos, era um filme de doze fotos só, né, dava o filme pra mim, eu era moleque, eu descia a Gustavo Maciel, entregava pro laboratorista. Ele fazia a provinha. Nesse intervalo, eu voltava com a provinha pronta. Então, eu ficava vai e volta, vai e volta, vai e volta. Chegava às quatro horas, cinco horas da manhã, o meu pai estava com as todas provinhas prontas e as pessoas encomendando as fotografias, entendeu? Então, esse foi o princípio. E eu acabei entrando nisso aí. Agora, paralelamente, eu tinha a minha formação normal, né, a minha escolaridade normal, que eu continuei normal. Mas sempre participando com ele, ativamente. Depois, como mais adolescente, eu sempre gostei, como eu falei, eu sempre fui meio... gostava de ver as coisas, porque acontecia. Então, eu me dediquei mais a laboratório. Eu nunca fui muito de loja. Eu gostava mais de trabalhar nos bastidores, mais laboratório. Então, eu passei a mexer na parte química. Porque naquela época a gente não tinha as químicas prontas, porque você tinha que diluir. Então, vinha hipossulfito de sódio, prata e não sei o que e você tinha que, tudo, fazer a química, pra poder revelar as fotografias. Então, eu passei a ver isso daí. E depois...
P/1- Desculpe. Não tinha escola pra isso? Você tinha que observar...
R- Não. Era tudo no olhômetro, tudo na observação, você entendeu? Era tudo na observação.
P/1- Nem livro, nem cartilha pra ensinar? Era tudo ______ (32:56)?
R- Olha, existia cartilha. Mas as pessoas quase não... seguiam mais pela orientação própria, você entendeu? Pelo intuito da pessoa. A pessoa via, falava: “Olha, aqui está saindo... o preto não está saindo”. Uma coisa que eu sempre, eu até brinco, foi uma coisa que ficou marcado. Porque tinha uma pessoa que era daqui de perto, da cidade de Uru e ele foi pra São Paulo. Era um amigo do meu pai. E ele acabou indo pra São Paulo e ele acabou fundando uma das maiores empresas químicas fotográficas do Brasil que, na época, chamava Ultra Kiss. E ele preparava, porque ele via que os fotógrafos tinham dificuldade de ficar preparando. Então, o que ele fazia? Ele preparava lá, punha num saquinho e acabava vendendo pro fotógrafo a coisa pronta, a pessoa só diluía. Só diluía em água. Então, o revelador já fazia toda a parte química e a pessoa só diluía em água. E a gente tinha dificuldade com alguma coisa, então, naquele tempo era difícil telefone, então pedia um telefone: “Olha, eu queria falar em São Paulo”, com a telefonista. A telefonista demorava meio dia pra completar a ligação. Daí o Osvaldo atendia: ”Osvaldo, ó, as fotografias aqui, o preto está saindo meio cinza. O que eu faço?” “Põe aí, põe cinquenta mls de ácido sulfúrico ou ácido acético. Põe cinquenta mililitros de ácido acético, você vai ver que vai resolver”. Então era assim, era tudo no olhômetro. (riso) Era desse jeito.
P/1- E esses equipamentos de fotografias mais antigos eram caros? Não tinha em Bauru, né?
R- Não.
P/1- Vocês tinham que comprar em São Paulo?
R- Bom, naquele tempo era ou São Paulo ou Rio de Janeiro.
P/1- Mas vocês iam lá ______ (35:23), comprar?
R- Sim. Muitas vezes. Eu me lembro uma coisa engraçada. Eu me lembro quando eu era criança e o meu pai foi a primeira pessoa a ter uma máquina de fotocópia, que hoje todo mundo fala. Que naquele tempo a fotocópia era feita em filme fotográfico. Então, a pessoa tirava, fazia, tinha o negativo, ele passava... era um processo artesanal pra caramba. E trouxeram da... a 3M do Brasil trouxe a primeira máquina de fotocópia. Então, eles inauguraram a fábrica em Sumaré. Eu nunca me esqueço. Nós fomos. Eu fui com o meu pai em Sumaré, na inauguração. E trouxemos a primeira máquina de fotocópia.
P/1- Em Bauru.
R- Aonde você punha o documento, levava uns cinco minutos pra escanear, né? Hoje a gente fala escanear, naquele tempo não era escanear. E saía a cópia em papel fotográfico. Tudo em papel fotográfico. Eram as coisas assim. Porque eu tive o privilégio de, com a minha idade, eu passar por todas as etapas da fotografia. Então, quando você pega a fotografia branco e preta bem manual, como eu te falei, até a foto digital, que é hoje. Eu me considero uma pessoa privilegiada de ter acompanhado todo esse trâmite, você entendeu?
P/1- Vocês iam muito pra São Paulo fazer compras?
R- Sim. Ô.
P/1- Onde eram as lojas que vendiam esses insumos?
R- Na Conselheiro Crispiniano, em São Paulo, era o the leader da fotografia, em Bauru. Em Bauru, não. No Brasil. Você ia ali, aquelas três quadras da Conselheiro Crispiniano, ali tinha o Mappin, que hoje não existe mais. Mas tinha o Mappin ali. Ali começava o footing do fotógrafo. Então, você ia ali, você via fotógrafo do Brasil inteiro. Ali é onde começou a Cinótica, onde começou a Fotóptica. E eu tive esse privilégio de conhecer todos, praticamente todas aquelas pessoas, porque o meu pai tinha uma influência muito grande perante o Sindicato das Empresas Fotográficas. Então, eu a muito com ele e ele tinha contato com aquelas pessoas. Então, tinha o ‘seu’ Arouche, que era o dono da Cinótica, foi o fundador da Cinótica. Hoje, se eu falar Cinótica, você nem sabe o que é. Mas a Cinótica era o point, assim, da fotografia. Todas as novidades que tinha na Europa e nos Estados Unidos, a Cinótica era a primeira. Depois veio a Fotóptica também. E todas elas na Conselheiro Crispiniano. Então, era o fervo, né? Ou depois, posteriormente, nos idos de 1968, por aí, mais ou menos, a Kodak abriu uma filial no Brasil, um escritório no Morumbi. Quer dizer, olha, ponto nobre, hein? Era um escritório no Morumbi. Então, a gente, eu me lembro que ia muito com o meu pai na Kodak, comprar material, comprar papel, comprar química, essas coisas assim.
P/1- E pra trazer? Dava pra trazer tudo no trem? Não era muita coisa?
R- Não. Naquela época a gente vinha de carro. A gente ia pela Anhanguera. A Castelo Branco estava começando. Eu me lembro que eu fui um dos primeiros, nós fomos um dos primeiros a usar a Castelo Branco. Mas ia muito aqui por Jaú. Jaú, Brotas. Pegava, ia por Jundiaí. Mas era uma epopéia ir pra São Paulo, não era essa coisa de quatro horas que você vai de carro, hoje, três horas e meia, quatro horas. Era um dia e meio, dois dias. Porque você tinha que parar. Daqui a Jaú, você parava em Jaú. Jaú, daí você parava em Brotas. Daí, de Brotas, parava em Jundiaí. De Jundiaí, daí ia direto pra São Paulo. Porque você tinha que fazer os pernoites. (risos)
P/1- Os pernoites.
R- É. Você tinha que parar nos lugares. Porque os carros não aguentavam, também.
P/1- É. Era outra mecânica, né? E outras estradas, né? As estradas não eram como hoje também, né?
R- Não. Lógico que não. Ô. A Washington Luis e a Anhanguera, eram pista simples. Depois que a Anhanguera passou a ser pista dupla.
P/1- Sim. Aí, na escola, você estudou até quando, assim? Até o terceiro colegial?
R- Não. Bom, que nem eu falei, eu fiz o primário na Escola Paroquial Padre João. O meu ginásio eu fiz no Instituto Ernesto Monte, hoje ainda ali ao lado da prefeitura. Porque o estado, naquela época, era o point, né, das pessoas. Então, vamos dizer, a alta sociedade ou os mais inteligentes estudavam no instituto. Era o instituto. Quem estudava na parte da manhã eram os bonzinhos, eram os CDFs; na parte da tarde já eram os mais vagabundos. E eu estudava na parte vespertina, que era o horário de almoço. O estado tinha um horário assim: você entrava às onze horas e saia às três horas da tarde. O meu ginásio, eu fiz nesse horário, entrava às onze horas e saia às três horas da tarde.
P/1- E você gostava do quê? De qual matéria, assim, que você ia bem?
R- Eu sempre tive um quê, assim, por Matemática. Eu sempre gostei de Matemática, entendeu? E sempre fui _______ (42:12). E outra coisa que você me perguntou. O instituto era ali onde é e a gente ia a pé e subia e descia a pé, isso era comum. Depois, o colegial, eu fiz no antigo Curso Brasília. O Curso Brasília era da família Telles, hoje não existe mais. Mas ele começou ali na Rodrigues Alves, onde depois foi uma boate, Stylus.
P/1- Sei.
R- Ali na Rua Rodrigues Alves. Hoje é negócio de biscoito, não sei o que de biscoito, lá. O meu colegial, eu fiz ali. E o cursinho eu fiz no César Lattes, que era ali do lado do Rodrigues Abreu, onde hoje é a Fatec. Depois, é lógico, isso era a minha vida acadêmica. Daí eu acabei me... eu queria fazer Engenharia. Então, ali eu comecei a época de vestibular. Então, eu fiz vestibular em muitos lugares. Fiz vestibular em Mogi das Cruzes, Santos, Piracicaba e Bauru, na fundação. Mas o meu objetivo era, lógico, a Fundação Educacional de Bauru, porque eu queria morar aqui em Bauru. Mas eu acabei entrando em Piracicaba.
P/1- E, nessa época, meio que, assim, desistiu da...
R- Não. Não. Não. Era tudo paralelo. Era tudo paralelo. Deixa eu só falar a parte acadêmica, depois eu volto e te explico como era. Era tudo paralelo, as coisas. Não, ao contrário. Eu trabalhava com o meu pai diariamente, tá? E daí acabei começando em Piracicaba. Na Unimep, em Piracicaba, Engenharia de Produção. E daí eu acabei - depois de estar, ter feito um ano em Piracicaba - conseguindo passar no vestibular de Bauru. Eu acabei transferindo a Engenharia Mecânica de Bauru, porque aqui era Engenharia Industrial Mecânica. E lá em Piracicaba era Engenharia de Produção Mecânica. Um era mais ligado à industria e o produção, era mais ligado a escritório. E eu queria a indústria. Bom, isso daí eu acabei fazendo, tudo. Agora, voltando ao paralelo, eu sempre estava junto com o meu pai, fazendo as coisas, que nem eu falei. E é lógico, sempre paralelo, eu tinha aquela atividade. E o meu pai era muito amigo de duas pessoas, que eram o Paulo Medina e o Moacir Garcia. Eles eram vitrinistas da Loja Lusitana. E o Paulo acabou - como a Lusitana acabou, estava caindo muito o comércio - montando uma loja de tecidos na quadra cinco da Rua Batista, da Batista Carvalho, a antiga loja Capristor. E o Paulo acabou - como ele gostava muito - inaugurando um buffet, o Buffet Capristor. E ele era muito cuidadoso, muito zeloso, muito perfeccionista com as coisas. E ele acabou tendo uma posição, assim, ele chegou a ser um dos melhores buffets do Brasil. Ele lutou de pau a pau com o Buffet Francis, que era o buffet mais famoso do Brasil. Inclusive, fechou o ano passado, fechou as portas por causa da pandemia, o ano passado. Bom, então, naquele tempo eu estava com dezesseis anos. E o Moacir, que era um dos sócios do Paulo no buffet, chegou pra mim e falou: “Guedes, você que vem...”, porque a gente ia fotografar os casamentos, os eventos, eu sempre estava junto, né? Mesmo com dezesseis, eu já estava fotografando essas coisas. Ele falou: “Poxa vida. A gente está notando que está faltando alguma coisa nos eventos. Precisa ter som, alguma coisa”. Ele gostava muito de música, ele falou: “Pô. Vamos colocar? Eu vi em São Paulo o pessoal colocando som em casamento”. Porque usava muito conjunto, piano, essas coisas. E eram coisas caras, que muitos clientes não queriam. Ele falou: “Vamos começar a pôr som ambiente? Você topa?”. Eu falei: “Lógico”. Moleque, dezesseis anos, eu falei: “É lógico. Vamos fazer”. E vai o Flávio lá comprar um gravador de rolo, um Akai 4000ds, um amplificador, parara. Fui passar a ser, colocar... não DJ, hoje se fala DJ, mas não, não era. Era som ambiente, só. Então, era aquele som baixinho, que tinha aquela lá. E nisso, eu comecei a fazer a minha carreira nesse sentido. Com dezesseis anos, eu fazia isso daí e colocava as músicas lá e fotografando com o meu pai. Daí o meu pai tinha que pedir cinegrafista. Ele passou... porque daí foi inventado o filme super oito.
P/1- Super oito.
R- Super oito. Porque até então era dezesseis milímetros. Depois, o dezesseis milímetros era difícil de descer e tal, mas eu cheguei a mexer bastante. Mas daí surgiu a facilidade de ter o projetor doméstico, né, que a Kodak começou a produzir. E o meu pai falou: “Poxa vida. A gente pode começar a filmar uns casamentos por lá”. Mas quem foi? Foi o ‘seu’ Flávio aqui, começar a filmar. Então, com dezessete anos de idade, eu comecei a filmar casamento. Então, cada rolinho de filme eram três minutos. Então, você tinha aquela quantidade de filmes. Normalmente eu levava, num casamento, dez rolos de filme. Então, você tinha que cronometrar, falar: “Ó. Eu tenho que botar o casamento inteirinho nesses dez filmes aqui”. Então, você tinha que cronometrar e fazer aquilo ali. Era a mesma coisa a fotografia. A pessoa, o fotógrafo levava os filmes. Na época era o filme de cento e vinte ou duzentos e vinte, isso aí era cento e vinte, porque era cento e vinte milímetros. Então, era a altura do negativo. Então, cada filme dava doze chapas, ou oito chapas, dependendo da máquina que eu usasse. Então, era outra coisa, você tinha que cronometrar. Não era que nem hoje, você tira fotografia à vontade. Não. Você tinha que cronometrar: “Eu tenho dez. Eu tenho cinco rolos de filme no bolso. Eu tenho que saber usar”. Então, hoje, inclusive, muita gente fala pra mim: “Ô, Guedes, mas você já bateu?”. É uma coisa que as pessoas falam hoje pra mim: “Mas você já bateu a fotografia? Você não sabe nem que eu saí olhando”. Eu falei: “Não. Eu tenho certeza que saiu boa”. Daí eu pego, viro a máquina, falo: “Está aqui, ó”. Por quê? Eu acho que esse olhar que a gente tem, que eu tenho hoje é daquela época, que a gente não desprezava a imagem. Então, você sabia o ponto exato pra bater a fotografia.
P/1- O fotógrafo dessa época, que você está contando, ele tinha que ter uma astúcia muito grande...
R- Sim.
P/1-... de escolher e descobrir...
R- O momento. Ele tinha que ter a astúcia de saber o momento exato da fotografia. E o local exato que ele tinha que tirar aquela fotografia. Então, você tinha um roteiro. É que nem, vamos dizer: hoje eu não faço mais casamento, mas você tinha. Você entrava numa igreja, eu, a primeira coisa que eu queria saber: “Quem é o padre?” “Ah, é o Monsenhor Almir”. Então, você sabia, a gente, pelo conhecimento, sabia como ele se colocava na igreja. Então, você sabia: “Ó, a troca da aliança ele faz desse jeito. A homilia ele faz assim. A homilia ele não gosta de tirar fotografia. Então, a gente sabia tudo, você tinha um roteiro. Então, você estava ali fotografando: “Ó, eu tenho que sair daqui, dar a volta, porque eu vou ter que pegar um ângulo diferente”. Então, a gente tinha um roteiro, você entendeu? Bom, mas voltando aquilo lá: daí, eu passei a filmar. Então eu, modéstia à parte, eu fui o primeiro a fazer filmagem comercial. Então, fazia as filmagens, filmagem em oito milímetros. Trazia o filme pra Bauru. Mandava revelar no Rio de Janeiro. Naquela época, a Kodak só tinha laboratório no Rio de Janeiro. Mandava via malote. Demorava um mês pra vir. Daí vinha os rolinhos, tudo em três minutos. Daí você tinha que pôr no editor, ir cortando, um por um, pra poder encaixar direitinho e passar. Tudo mudo. Mudo. Mudo. Daí, com o surgimento da banda magnética. Daí surgiu a banda magnética. O que era a banda magnética? Era uma fitinha metálica no cantinho, que colocava após a revelação. Então, o que acontecia? Mandava revelar, depois mandava pôr a banda magnética, daí colocava uma música em cima, gravava uma música em cima. Porque daí o filme ficava com música, pelo menos. Daí, o que aconteceu?
P/1- Quem eram os clientes desses primeiros filmes? Era casamento ou publicidade pra loja?
R- Não, não. Casamento. Casamento.
P/1- Casamento.
R- Casamento. Casamento. Casamento. Porque o casamento que eu fazia naquela época, eram uns casamentos assim. Eu, praticamente... como o buffet não trabalhava, ele tinha pouca frequência de trabalho, em Bauru. Então, eu trabalhava, nós trabalhávamos muito pra fora, certo? Então, a minha, a nossa clientela era Piracicaba. Rio Preto eu tinha uma clientela muito grande. Mogi das Cruzes, era uma clientela excelente que a gente tinha. São Paulo. Campinas. Limeira. Eu trabalhava muito pra fora. A gente trabalhava muito pra fora. A gente trabalhava muito pouco. Ponta Porã, Dourados. Assunção do Paraguai. Eu fui fazer dois casamentos em Assunção. Então, a gente rodava. Goiânia. Goiânia, eu trabalhei muito.
P/1- Goiânia?
R- Goiânia. Goiânia, eu trabalhei muito pra uma pessoa que, na época, foi uma pessoa que abriu muitas portas pra nós, que foi o Luis Garavelo. Luis Garavelo, aqui de Lins. Do Consórcio Garavelo. É que vocês são novos, não conhecem.
P/1- Garavelo. Eu já ouvi, sim.
R- Era um cara muito rico. Então, ele tinha muita coisa pra fora. Então, nós fazíamos muito. E o Paulo gostava. Ele gostava muito do Paulo. E o Paulo o contratava. E a gente ia junto. Mas voltando no...
P/1- Sei. E quantos...
R- Mas então punha a banda magnética. Daí, eu, em conversa com um amigo em São Paulo, ele falou: “Guedes, nós estamos fazendo assim: nós estamos gravando no gravadorzinho”, que naquela época a Philips lançou uns gravadorzinhos cassete, mini cassete. Falou: “Você grava. Você grava o casamento no mini cassete. Manda fazer a banda magnética. Daí você faz a edição do som”. Então, eu comecei a fazer isso. Era uma luta, porque você tinha que bater, bater a boca do padre com a fala. Então, era aquela loucura.
P/1- Sim.
R- Após isso daí, daí surgiu o vídeo cassete. Vídeo cassete.
P/1- Aí já era anos oitenta. Já mais perto ______ (56:43)
R- É. Já mais perto aqui. Mais perto. A gente não tinha quem... pô, a gente sabia, eu sabia por que eu via a revista, tatata. E por incrível que pareça, o Kazuo, que era o dono do Foto Cherry, que era o nosso concorrente máximo, foi pro Japão. E ele comprou, lá no Japão, uma máquina, uma filmadora JVC GX88. E um gravador Panasonic PV 3200. Não me esqueço até hoje. Bom, a câmera pesava mais ou menos uns quatro quilos. O gravador pesava mais ou menos uns quinze quilos. E aquilo ali você tinha que levar. Então, nós começamos a gravar. Daí o Kazuo chegou uma época pro meu pai... porque ele chegou, porque ele queria trazer pra Bauru, aquilo ali. Mas ele acabou não tendo mão de obra, não tendo mão de obra pra operar com aquilo ali. “Ó, está aqui. Vocês querem comprar?”. Meu pai falou: “É lógico. Vamos comprar”. E eu acabei sendo, de novo, o primeiro fotógrafo a filmar em vídeo cassete, em VHS. Então, era aquela artimanha, né? Que você tinha aqui, uma câmera que pesava quatro quilos na mão, aqui, de punhadeira, não era de ombro, você tinha que... e, num ombro, um outro negócio de quinze quilos. E atrás, você tinha que ter um iluminador que, mais ou menos, eu tinha que usar uns dois mil watts de luz. Porque a luminosidade da câmera era muito baixinha, né? Então, você tinha que ter aquela puta daquela... e aquilo ali queimava a cabeça da gente, tudo, queimava tudo. Eu saía dos eventos com o ombro aqui, preto. Porque, de tanto pressionar o peso, então criava hematoma mesmo no braço da gente. Daí, uma hora, uma vez, eu falei pro meu pai: “Pô”. Eu falei: “Pô”. Uma vez que nós fomos a São Paulo, eu vi na rodoviária lá de São Paulo, na antiga, da Praça da Luz, um cara carregando a mala, um carrinho. Hoje as malas têm carrinho, naquela época não tinha. Eu falei: “Pai, olha lá, ó. Olha um carrinho”. O meu pai, nós corremos atrás do cara: “Onde você comprou isso aí?” “Ah, eu comprei ali, numa loja” “Vamos, aquilo mesmo”. Compramos o tal do carrinho. Então, você punha, então eu falei: “Puta, salvou a minha vida”. O que a gente fazia? Colocava o vídeo no carrinho, então você pendurava nas costas, né? Porque tinha o iluminador. Nós íamos em três pra filmar: o camera man, o cara que levava, controlava o carro e o carrinho, e o iluminador. Era aquela epopéia, né? E nisso foi.
P/1- E com todo esse trabalho, você conseguiu, você terminou a faculdade de Engenharia? Ou não?
R- Eu cheguei a concluir. Mas, o que aconteceu? Eu saí da faculdade. Eu fui trabalhar, fui trabalhar fora de Bauru. O salário baixo demais. Porque aquela época foi uma época anterior ao Proálcool. Então, a mão-de-obra era muito baixa. A mão-de-obra se pagava muito pouco. Então, eu falei: “Poxa vida”. Eu já tinha um filho, já tinha uma filha. Eu falei: “Não. Nós vamos voltar pra fotografia”. Eu acabei voltando pra fotografia e nunca mais, nunca mais dediquei à Engenharia. Fiquei na fotografia.
P/1- E como é que você conheceu a sua esposa? Você falou que já tinha filho, né?
R- Na faculdade.
P/1- Na faculdade. Como ______ (1:01:04)?
R- A minha esposa fazia Psicologia. E eu fazia Engenharia. E a gente, naquela época, tinha o famoso Ciente, né, que era o clube de vivência nosso. E eu acabei conhecendo a minha esposa lá no Ciente. A minha esposa não era de Bauru, mas morava, você vê, olha que engraçado, naquele época, ela também, a república dela também era na Batista de Carvalho. Você entendeu? Quer dizer, hoje a pessoa fala _______ (1:01:38).
P/1- Pertinho da sua casa, né?
R- Não. Naquela época já, nessa época, eu já não morava mais na Batista de Carvalho. Eu já tinha mudado. Porque nós tínhamos mudado pro Higienópolis. Mas você vê que tinha uma vida no Centro da cidade. É o que eu sempre falo hoje, eu falo hoje. Muita gente fala em revitalização do Centro da cidade, eu ainda falo, em todas as reuniões, eu falo: “Se você quer uma revitalização do Centro da cidade, você tem que trazer vida pra ele. Você tem que trazer moradia. Não adianta você trocar o calçadinho, a florzinha, ou a fachada ou não sei o quê. Você tem que trazer vida”. Porque, naquela época, na minha infância, juventude e pós isso daí, tinha vida. Você tinha os melhores, vamos dizer, restaurantes estavam onde? No Centro da cidade. Os melhores bares que a juventude ia, estavam no Centro da cidade. Quer dizer, as moradias estavam no Centro da cidade. Quer dizer, hoje... a minha esposa morava num edifício ali na quadra seis da Batista de Carvalho. Ainda existe o edifício ali. Hoje ele é estritamente comercial, os oito andares dele são só comércio. Naquela época, não. Naquela época os oito andares eram residenciais, eram residências. Ali morava, moravam as pessoas que tinham, república, tudo. Ou ela morava, as repúblicas ou eram no Centro da cidade, ou eram aqui na Vila Falcão.
P/1- Interessante o que você está falando, porque a arquitetura, os arquitetos de Bauru, da Unesp, vieram com essa mesma ideia sua, que é preciso colocar os estudantes de fora pra morar no Centro da cidade de novo.
R-Sim.
P/1- Que é um jeito de fazer virar, né, de fazer ______ (1:04:03).
R- Eu acho assim: não só os estudantes que poderiam vir pro Centro da cidade, mas como a própria... você vê, vamos dizer, um conjunto habitacional que é feito lá, a quanto de distância? Ahn? E você pega, vai na rua, na Rodrigues Alves, ali na frente do prédio Pioneiro, você tem um edifício ali de seis andares, desocupado. Você vai na quadra de baixo, tem um outro edifício desocupado inteirinho. “Ah, mas poxa vida, o pé direito é não sei o quê”. Mas pra isso que tem o arquiteto.
P/1- Sim.
R- Muita gente já falou pra mim: “Poxa vida, mas tem o prédio de garagem. Ah, o pé direito...”. Eu falei: “Pô”. Nós temos ali um prédio de quase trinta andares, com uma estrutura pronta. “Ah, o pé direito é de dois metros e pouco”. Pô, não importa. Tudo bem, ele vai se tornar mais quente. Tudo bem, é mais quente, não tem problema. Mas, pra isso, o arquiteto já tem o prédio, ele vai criar o projeto em cima daquilo. Você imagina quantos - desculpa, nós estamos até saindo do foco do negócio, mas você imagina aquele prédio, de edifico de garagem - quantos apartamentos de quarenta metros quadrados caberiam dentro daquele prédio?
P/1- Muitos.
R- Você imagina? Um apartamento, hoje, de quarenta metros quadrados, é ideal. Bom, mas vamos voltar pra fotografia, vamos voltar pro comércio. Senão aí já nós vamos ficar mais de duas horas.
P/1- Flávio, e quando saiu da Batista, foi pra onde? Quando saiu a loja?
R- Não. A loja permaneceu na Rua Batista, até o fechamento meu, que eu a fechei há dez anos. Quando eu que fechei.
P/1- Ah, sim, continua sendo.
R- Continua sendo. Eu só que, na época, mais ou menos de 1982, 1984, 1985, tive uma pequena desavença com o meu pai. Eu acabei indo pra Ribeirão Preto. Eu acabei indo pra Ribeirão Preto e montando um Foto lá em Ribeirão Preto. Eu acabei ficando lá em Ribeirão Preto por alguns anos, trabalhando lá na cidade de Ribeirão Preto.
P/1- E depois voltou pra Bauru, continuou _______ (1:07:03)?
R- Não. Depois, o que aconteceu? Nós estávamos lá em Ribeirão Preto, o meu pai me procurou, falando que ele iria - porque ele já estava mais ou menos de idade – fechar a loja da Batista de Carvalho. Porque naquele tempo já tinha a loja da Rodrigues Alves. Nós estávamos com duas lojas, da Batista de Carvalho e com a Rodrigues Alves. Ele queria fechar a loja na Batista de Carvalho. Daí ele propôs pra mim, se eu quisesse assumir a Rua Batista de Carvalho. Eu falei: “Tudo bem”. Daí eu acabei voltando a Bauru e acabei comprando o ponto dele da Batista de Carvalho. Daí eu passei a ser eu, o proprietário. Eu, o proprietário sozinho. Porque até então eu era sócio, certo? Eu passei a ser o majoritário. Eu passei a ser só eu.
P/1- Flávio, como você viu essa mudança da tecnologia que chegou ao ponto da câmera digital, que agora todo mundo tem uma câmera, até no celular que tira foto, né?
R- É. A câmera, vamos lá!
P/1- Como o senhor viu essa transformação, no seu comércio?
R- Vamos começar desde o princípio, então, vai. É outra história. Então, vamos lá, vamos começar no branco e preto. Então, aquela foto artesanal do branco e preto. Daí, do artesanal que eu falei pra vocês, que tinha que esmaltar, que tinha que fazer aquela série de coisas, daí você passa à fotografia automática branco e preto. Você tinha as impressoras e a pessoa sentava e imprimia no rolo e o rolo ia, automaticamente, passando nas químicas e saía o rolo pronto da fotografia preto e branca, do outro lado. Daí, com o surgimento da cor na fotografia, surgiu o slide, o cromo, que a gente fala. Surgiu o slide, que foi uma grande época também na minha vida. Surgiram as primeiras fotos, os slides cromo. Daí, a partir do cromo, começou a surgir a fotografia colorida. O meu pai ganhou uma viagem pra Alemanha, em 1969. Ele ganhou, por um mérito lá, uma viagem pra a Alemanha. Alemanha Ocidental, não Oriental. E ele acabou conhecendo, nessa viagem, a fotografia colorida, que não existia no Brasil. Não é que não existia. Existia. Mas existia um laboratório só, no Rio de Janeiro.
P/1- Certo.
R- Então, ele acabou trazendo a técnica pra nós. E hoje, hoje não, até hoje, o Foto Guedes foi considerado o primeiro laboratório no interior, do Brasil, colorido. Na época só tinha em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Nem em Campinas, o Yokohama, depois que surgiu. Por essa viagem, ele acabou importando esse material e colocou a fotografia colorida. Daí continuou a fotografia, o desenvolvimento da fotografia colorida. Primeiro no ampliador. Depois as impressoras. A revelação automática. Passou todas essas fases. Daí surgiram os primeiros mini labs, que eram aquelas fotografias que você deixava o filme e ia buscar depois de uma hora. Pô, era uma revolução, né? Você buscar a foto em uma hora!
P/1- Uma hora.
R- É. Em uma hora. Era uma coisa assim: wow. Pra quem demorava uma semana, depois passou a três dias, depois passou a uma hora, ô, foi uma revolução. Daí a Kodak acabou, com o seu desenvolvimento, fazendo um pré-digital, que era: você via o resultado da fotografia antes na máquina, antes de imprimir no negativo. Esse é o pré-digital. Depois a própria desenvoltura do cérebro da Kodak, acabou fazendo a fotografia digital. A primeira máquina digital, a Kodak que lançou. E olha que engraçado: a Kodak lançou a fotografia digital e ela morreu por causa do lançamento dela.
P/1- Sim.
R- Quer dizer, é o tipo da coisa...
P/1- Porque aí não vendia mais o filme, né? Que ela ganhava vendendo filme.
R- Isso. Não. Ela ganhava vendendo o filme e a química e ganhando no papel. Ela passou a não ganhar. E ela acabou dando um tiro no pé dela mesmo. Por quê? O setor tecnológico dela, que desenvolveu aquilo, não continuou, não teve continuidade. E as japonesas, tipo Sony, Mitsubishi e outras, acabaram desenvolvendo uma técnica do digital, certo? E ela acabou morrendo. Olha que... então, aquelas grandes marcas da fotografia, que hoje, que a gente achava que eram inabaláveis, que eram... pra você ter uma ideia, a marca Kodak, há trinta anos, valia... ela só perdia pra marca Coca-Cola, que é a marca que mais vale no mundo, certo?
P/1- Sim.
R- A marca Kodak só perdia pra Coca-Cola. Olha que coisa, né? E hoje, praticamente, ela não existe. Ela trabalha, hoje, com lentes. Só com isso. Mas...
P/1- E você, como viu essa transformação da fotografia pra fotografia digital? Como você viu isso?
R – Inclusive, isso daí me chamou a atenção, porque eu tenho, até, uma reportagem do Diário de Bauru. Quando surgiram as primeiras câmeras digitais, o jornal fez uma matéria comigo, inclusive, fazendo essa mesma pergunta: como eu via o lançamento do digital na fotografia. Bom, o que aconteceu? O digital facilitou o amador a tirar fotografia, certo? Então, ele facilitou. E nos primeiros instantes, o que aconteceu? Com a evolução dos computadores, as pessoas acabaram guardando as fotografias, nos próprios computadores. E acabaram esquecendo que aquilo ali, a fotografia, é uma coisa eterna. Então, é aquele... ao mesmo tempo, ela foi uma revolução incrível e uma ferramenta prejudicial à história.
P/1- Sim.
R- Porque eu acho assim: muitas pessoas que eu... e isso já aconteceu comigo, vamos dizer, eu tirei uma fotografia, uma série de fotografias, coloquei no meu HD, ou coloquei, hoje, na nuvem, não sei o quê. Quer dizer, tem um monte de lugares onde você pode guardar as fotos. Mas é aquele negócio, você sabe a durabilidade disso daí? Eu não sei, hoje, com os meus sessenta e três anos e a minha vida na fotografia, quanto tempo uma nuvem vai durar. Você sabe? Qual é a durabilidade de uma nuvem? Porque muita gente fala: “Ah, eu joguei na minha nuvem”. Jogou na nuvem, e daí? Eu também. Quando começou o CD, olha, eu gravei as minhas fotos e tenho muitas fotos gravadas em CD, que hoje eu não consigo nem abrir. Primeiro, eu não tenho mais gravador e não tenho mais... CD, não. Antes do CD, tinham aqueles cassetes, que eram um cartão, um tipo de um cartão, antes do CD. Quem que tem? Se eu tiver uma foto naquilo ali, como eu tenho, quem abre aquilo ali?
P/1- Perdeu.
R- Aonde eu abro?
P/1- Mesmo que tenha o equipamento, né? Ás vezes, a própria durabilidade do material, estraga.
R- A durabilidade. Você sabe que aquilo ali é gravado através de óxido de ferro. E aquilo ali oxida. Aquilo ali, com as intempéries do próprio tempo, o ímã, ou ímãs, acaba chupando. Quer dizer, ninguém sabe. Eu acho a digital, é lógico, facilitou ao máximo, hoje. Mas será que as pessoas estão lembrando que aquilo ali é uma eternidade? Se você, hoje, vê uma fotografia... você está fazendo uma entrevista comigo, porque você viu uma fotografia do tio Carlos lá atrás, de 1920, de 1900 e pouco. Mas você viu em papel, até hoje.
P/1- Sim.
R- Quem me diz que amanhã, daqui a cinco anos, eu vou ter uma fotografia da Praça Rui Barbosa? “Olha, o cara guardou, guardou no HD” “Cadê o HD?” “Puta merda, deu um pau no meu computador, acabou desgravando. Deu não sei o quê”. E agora, com a ascensão das redes sociais, eu acho que a fotografia piorou. Por quê? Hoje, a pessoa tira fotografia no celular e joga na rede social. O telefone dela fica cheio. O que ela faz? Deleta: “Ah, já está no Facebook ou no Instagram”.
P/1- Ela perde a foto.
R- Deleta. Deleta: “Já está no Facebook”. Quanto tempo o Facebook vai aguentar? Ahn?
P/1- É verdade.
R- Nós tivemos o... vocês não são da área, da área não, talvez vocês não lembram, nós tivemos o Orkut. Você lembra?
P/2- O Orkut. Ahan.
R- Orkut. Isso. Você tem o Orkut hoje? E pergunto pro Wiliam, que é mais novo: “Wiliam, você tem o Orkut?”
P/2- É justamente o que eu ia falar. Esses serviços em nuvem, eles são nada mais do que as fotos, os seus dados estão guardados em um servidor, são super computadores e uma empresa num outro país. Mas que são seguros, até, mas que você não sabe quanto tempo essa empresa vai durar no mercado, quanto tempo o serviço vai durar no mercado, né?
R- Wiliam, é o que eu acabei de falar pra vocês: quem, há trinta anos... se hoje, vamos dizer, hoje, o meu pai saísse da tumba dele e eu chegasse pro meu pai e falo: “Pai, a Kodak faliu”.
P/1- Não ia acreditar.
P/2- Impossível.
R- Impossível. A pessoa fala: “Impossível”. Você fala: “É impossível uma firma dessas aí, falir”. Você entendeu? Agora, faliu. Meu pai, naquela época, tinha as grandes áureas da fotografia: Agfa, Gevaert, Fujifilm, Konica. Eu estou falando, talvez, palavras que o Wiliam não sabe nem o que é.
P/2- É. Só a Fujifilm.
R- Só a Fujifilm. Mas você vê que são empresas que foram empresas, grandes impérios mundiais. Você vê... então, a fotografia digital facilitou num ponto, mas eu acho que pra memória, ela tem mais prejuízo do que... é que as pessoas, ainda não caiu a ficha das pessoas. Eu sempre... até hoje, faço eventos. Eu faço eventos comerciais, vocês sabem. Eu, hoje, só me dedico a isso. Eu tiro a fotografia, o cara chega pra mim, a empresa lá de São Paulo ou de outro lugar, fala: “Manda pelo web transfer” “Tá bom”. Quer dizer, hoje eu nem gravo mais CD, hoje não existe mais. Quer dizer, você vê que o web transfer tem uma duração de sete dias. Se a pessoa não recuperou em sete dias, ele perde.
P/1- E como é que foi que você decidiu fechar a loja? Fora desaparecendo os clientes? Como foi isso?
R- Isso daí foi uma coisa não só minha. Isso daí foi uma coisa mundial, né? Você vê aquelas grandes empresas da fotografia que foram, com o tempo, caindo. Por quê? Qual o rendimento maior que nós tínhamos, como loja? Qual era o rendimento maior? Era a venda de filme e a impressão em papel, certo? A partir do momento... hoje ainda, está começando. Eu converso de vez em quando com alguns, algumas pessoas que têm loja, ainda eles falam: “Ai, melhorou um pouco”. Mas melhorou é modo de dizer. Porque, quer dizer, a pessoa revela dez fotografias. Ou hoje, com a facilidade da impressão, o cara imprime em casa, não vai lá no fotógrafo. Então, quer dizer, todos aqueles nomes fortes da fotografia, que a fotografia sempre... o comércio de fotografia foi uma coisa muito doméstica. Então, os grandes fotógrafos, passavam de geração pra geração. Então, você vê aqui em Bauru, Fogo Guedes, família Guedes. Foto Cherry, família Kosaka. Em Jaú, Foto Grossi, família Grossi. Foto Cantarelli, família Cantarelli. Kobayashi em Campinas, família Kobayashi. Em Ribeirão Preto, Miyasaka, família Miyasaka. Foto Estrela em Ribeirão Preto, o José Eduardo. Quer dizer, então eram empresas assim, de família. E acabaram sucumbindo com isso daí, você entendeu? Sucumbindo. Vamos dizer: eu, na época que eu tive loja em Ribeirão, eu tive loja em Ribeirão, se algum de vocês conhecem Ribeirão, na Nove de Julho, na Avenida Nove de Julho. A Avenida Nove de Julho era um sinônimo de fotografia, porque ela tinha o Foto Fuji, que era da família do Milton, que agora eu não me lembro o sobrenome dele. Depois tinha uma Foto de um coreano que também era da família do coreano. Depois tinha o Miyasaka. Depois tinha a família do Arnaldo, que ainda tem Foto aqui em Bauru, que tem o Quality, que eles tinham loja em Ribeirão Preto. Depois tinha eu. Quer dizer, você vê numa avenida, em cinco quadras, nós tínhamos oito lojas de fotografia. Hoje, você vai a Ribeirão Preto, você passa no mesmo - eu, vira e mexe, com costume, vou a Ribeirão Preto, eu gosto muito de Ribeirão Preto - lugar, não tem nenhum, acabou. Acabou. Então, acabou. Então, o comércio de fotografia acabou. Você vai a Jaú, que você tinha o Grossi, o Cantarelli, também acabou. Aqui em Bauru, nós acabamos. O Foto Cherry acabou antes que eu. Eu fechei há dez anos. O Foto Cherry fechou... fechou não, o Cherry vendeu a marca pro Arnaldo. O Arnaldo - eu até brinco com o Arnaldo - é um teimoso. Porque ele sabe que está perdendo dinheiro, mas está lá aberto. (risos) Mas é lógico, ele está lá, está no sangue dele. O Arnaldo, pra você ter uma ideia, foi o único brasileiro que foi, chegou à presidência do Kodak. O único brasileiro. Porque, naquela época, a Kodak do Brasil...
P/1- O sobrenome dele é qual, mesmo? Arnaldo...
R- Ai, agora me falhou a memória. Mas ele foi o único, é o único que está aguentando. Mas por quê? Está no sangue dele. Ele sabe que ele está perdendo dinheiro. Mas ele fala ainda: - ele, hoje, tem uma aposentadoria muito boa da Kodak. Ele, praticamente, mantém aquilo ali como um hobby - “Atrás de mim, ali, tem trinta famílias. E eu não posso fechar ali. Mandar essas trinta famílias embora”. Você vê a Marlene. Vamos dizer, a Marlene que trabalha até hoje no Foto Cherry, ela começou com dezesseis anos; hoje, ela deve estar com cinquenta anos. Lá.
P/1- E você, foi fazer o quê? Você faz eventos ainda? Ainda tira fotos, né?
R- A partir do momento que surgiu isso daí, que eu fechei a loja, eu falei: “Eu tenho que me dedicar a alguma coisa”. Então, o primeiro instante, eu me dediquei a casamento. Mas aí, com o passar do tempo, eu vi que a técnica do digital, mudou a forma da fotografia. Vamos dizer: a minha técnica é aquela ainda, daquela época. O digital, os novos fotógrafos, os pseudo-fotógrafos, porque fo-to... não, porque você tem que ver qual a nomenclatura de fotografia. O que é? Grafia. Impressão.
P/1- Da luz.
R- Isso. A luz impressa. Quer dizer a luz impressa. Hoje você transforma isso daí, então, quer dizer, então eu sempre falo: “Hoje, quem trabalha com digital, não é um fotógrafo. Ele é um pseudo fotógrafo. Ou é uma pseudo fotografia”. Porque não é. Vamos dizer, se você for, realmente, falar o que vem do nome, ele não é. Bom, mas a técnica mudou muito, entendeu? Então, a gente passou a ser meio... apesar de que eu sempre fui uma pessoa assim: eu sempre gosto de me atualizar, tudo. Mas você chega a um ponto, você fala: “Não. Peraí. Isso aí já não está na minha alçada. Eu já tenho que partir pra uma outra coisa”. E foi onde, há dez anos, eu descobri esse nicho de mercado. Porque uma empresa chegou pra mim e falou: “Guedes, eu preciso fazer uma inauguração. E eu preciso te contratar pra fazer uma fotografia, pra não só o lançamento da minha loja, o lançamento do meu livro, o meu lançamento de um curso que eu estou fazendo em Bauru”. Então, eu passei a fazer isso daí. Daí, em 2010, eu descobri o Facebook. 2010. A minha primeira postagem no Facebook foi em maio de 2010. Se você for no meu Facebook, você vai ver. Daí eu comecei a vender esse trabalho como publicidade. Então, foi o meu decorrer disso daí. Agora, hoje eu vejo que eu também já comecei a me tornar ultrapassado. Porque essa molecada já começou a inventar outras coisas. Então, quer dizer: não é que eu estou cansado. Não, eu gostaria de fazer. Mas eu vi, sabe, você começa já a olhar pra outros, fala: "Pô, eu já estou com oitenta e três anos. Eu já posso, um pouquinho, sentar um pouquinho o meu pito. E começar a tentar voar em outros ares”, você entendeu?
P/1- Flávio, e por diversão? Você gosta de sair, passear com uma máquina na mão e começar a tirar foto das coisas que você vê?
R- Não.
P/1- Por diversão, não?
R-Eu nunca fiz da minha profissão o meu hobby. Isso é uma coisa que eu sempre vi, vejo isso daí, você entendeu? O bom fotógrafo é um empresário. Então, eu sempre tenho isso daí na minha mente. Eu tenho o meu hobby. O meu hobby não é a minha empresa, você entendeu?
P/1- Entendi.
R- Então, esse ditado eu sempre tenho: “Não faça da sua profissão, o seu hobby”.
P/1- O que você gosta de fazer, quando não é o trabalho? Isso eu pergunto pra todos. Passear? Dançar?
R- Bom. Olha, eu gosto de viajar. Só que infelizmente a gente está numa situação... mas eu gosto muito. Eu gosto de me atualizar, você entendeu? Eu gosto, eu sou companheiro do Youtube. Eu até brinco. Não, eu sou. Porque eu acho o Youtube, eu gosto de... agora, no começo da pandemia, eu me dediquei a saber a história da monarquia no Brasil.
P/1-Sim.
R- Então, eu fui no Youtube, eu comecei desde Dom João VI. Então, eu comecei: a história de Dom João VI, Dom Pedro I, Dom Pedro II. Depois Dom Pedro II na Europa, tarara. Então, eu comecei a ver tudo isso daí. Então, eu gosto de ter essas coisas, você entendeu? E gosto de ver as coisas novas, como é feito. Porque eu sou muito curioso, né? Eu gosto. Aquelas coisas bizarras, né? Hoje mesmo eu estava vendo. Hoje eu estava vendo no Youtube, como se faz um vaso sanitário.
P/1- (risos) Como se faz um vaso sanitário!
R- Não. Ué. Então, você vê que aquilo ali, uma coisa tão... mas existe uma técnica.
P/1- Sim.
R- Então, vi o cara, qual material que é feito aquilo lá, como é feito, como é forjado, como ele faz o molde, como ele faz as coisas. Então, pô. È uma coisa que eu me interesso muito, isso daí. Eu sempre fui. Inclusive, uma passagem, voltando à fotografia, foi uma coisa que me chamou muito a atenção, é nesse sistema, porque como eu trabalhava dentro do laboratório e, naquela época, em 1982, 1980, foi uma época de muita transição na fotografia. A transição química, certo? Então, as máquinas, as processadoras tiveram que ser mudadas. Por quê? Primeiro revelava com dezessete minutos, depois passou pra cinco minutos, depois passou pra três minutos. Então, a química mudou. Então, houve uma série de coisas. E eu, naquela época, me aprofundei nisso daí, entendeu? Me aprofundei sobre isso daí. Eu já estava na faculdade. Foi uma coisa que eu desenvolvi, inclusive. Então, eu tinha, nós tínhamos uma processadora que demorava trinta e dois minutos, de boca a boca, pra soltar uma fotografia. Então, você colocava o papel, ela demorava, ela passava, ela sozinha, dentro das químicas. E lá, depois, saía a fotografia pronta. Ela demorava trinta e dois minutos. Daí, o pessoal químico achou melhor uma técnica que cortaria isso daí. Quer dizer, daí o que aconteceu? Era uma processadora importada. Naquela época não tinha importação. Não é que nem hoje, você compra pelo uhhh. Naquele tempo, não. Era regime militar, você não podia comprar nada. Você não tinha como importar. Não é que nem hoje, você mesmo importa. Não. Não tinha como importar. Não vinha nada importado. E a nossa fabricação era rudimentar. Então, a gente tinha que desenvolver, desenvolver técnicas pra isso. E eu sempre fui um cara assim, que gostei disso daí. Então, eu peguei aquela processadora que demorava trinta minutos, com um funileiro, olha que coisa engraçada! Eu tinha um funileiro na Bela Vista e eu levava as coisas pra ele. E o cara, eu chegava lá, chamava ele lá: “Guedes, o que você precisa?” “Ó, nós precisamos cortar esse aço inoxidável aqui. Nós precisamos cortar, juntar isso daí, porque eu preciso diminuir o tempo. Eu preciso fazer isso”. Então, quer dizer, você tinha que adaptar as máquinas às novas técnicas. Porque você não tinha como importar, você não tinha dinheiro pra importar maquinários novos. E é isso que me surgiu, inclusive, a faculdade, entendeu? Outra desenvoltura também que eu tive, quando eu falei pra vocês da fotografia de slide, quando surgiu o slide e surgiu a faculdade de Odontologia de Bauru. Quando ela fez vinte anos - hoje, o ano passado ela fez, o ano retrasado ela fez, o ano passado fez cinquenta e dois - e o Centrinho foi criado, então o Doutor Gastão chegou pra mim e falou: “Guedes”. O Gastão já era, o Doutor Wadi e os outros idealizadores do Centrinho, né, ele falou: “Olha, nós precisamos documentar todos os pacientes. Como nós podemos fazer a documentação dos pacientes? Se a gente for fazer em fotografia, em papel, vai ficar uma coisa muito grande”. Então, daí nós fizemos um negócio. Ele falou: “Olha, nós temos uma técnica aqui e o pessoal está usando na USP, em São Paulo” - que era o slide – “fazer os slides. Mas o problema é que nós só temos revelação de slide em São Paulo. E nós precisamos dar andamento nos tratamentos”. Pô, daí eu fiquei pensando: “Como a gente a gente vai fazer isso daí, pra ser rápido as coisas?”. Daí eu comecei a mandar, levar... o dentista fazia a fotografia, o slide, batia o slide. Eu pegava, levava pra São Paulo, revelava em São Paulo à noite e trazia pra Bauru no outro dia. Aquilo lá foi uma revolução, porque ao invés de demorar uma semana, eles passaram a saber de um dia pro outro, eles podiam liberar o paciente mais rápido. Daí, no andar das coisas, eu comecei a ter mercado. Porque a faculdade de Odonto de Lins ficou sabendo que aqui em Bauru era assim. A de Araçatuba ficou sabendo. A faculdade de Araraquara ficou sabendo que aqui em Bauru era um dia e eles lá era uma semana. Então, começaram a vir as coisas pra cá. Daí eu comecei a ver, com uma firma que existia, japonesa, que era uma produtora que ______ (1:40:44) processadora de slides. Pô, aquilo lá pra importar do Japão, era uma loucura. Não tinha como importar. Daí, pensando daqui, pensando dali, papa... daí eu tinha um amigo em Maringá, que desenvolveu uma processadora de papel. Aí, conversando com ele, eu mostrei pra ele e falei: “Pô, será que a gente não pode desenvolver um negócio desses, assim?” “Pô, Guedes, vem pra Maringá. Vamos conversar com isso, pessoalmente”. Eu fiquei uma semana em Maringá, desenvolvendo com ele e conversando diariamente com ele, pra desenvolver esse trabalho. Bom, dessa conversa, eu consegui fazer a única - até hoje, porque nunca mais teve - processadora de slide, revelação cromo, automática, do Brasil. Esse cara começou a fabricar lá. Nós requeremos a patente. Eu tenho a patente até hoje, que hoje não vale mais, mas eu tenho a patente até hoje. E passamos a revelar os slides. Nessa temporada, eu tinha clientes, eu passei a ter clientes não só do interior do estado de São Paulo, mas de todo o nordeste do Brasil. Porque o pessoal que fazia pós graduação em Bauru, começou a espalhar. Então vinha, naquela época, não sei se vocês lembram, a Vasp tinha um cargueiro que vinha à noite pra Bauru, um 737 que fazia a rota do Correio. Então, vinha filmes pra revelar, do nordeste, aqui, numa processadora que eu desenvolvi. Quer dizer, então, a minha vida sempre foi desse jeito.
P/1- ______(1:42:51) dessa pesquisa ______(1:42:53)
R- A pesquisa aí, montar essas coisas. E é lógico, por incrível que pareça, aquela época dava tempo pra tudo, né? A gente fazia, desenvolvia isso aí. Chegava no final de semana, sexta-feira, já ia trabalhar, só voltava no domingo. E era a vida agitada que a gente tinha.
P/1- Wiliam, você tem mais alguma pergunta pro Flávio?
P/2- Eu tenho algumas perguntas. (risos) Se não for um incômodo ______ (1:43:26) duas horas.
R- Manda. ______(1:43:25) um incômodo. Foi com você que eu conversei? Com quem eu conversei aquela vez?
P/2- Foi comigo. Foi comigo.
R- Você lembra quanto foi? Quanto tempo foi? Você marcou?
P/2- Duas horas, né?
R- Duas horas e meia. (risos)
P/2- Ah, teve conversa.
R- Só que, naquela época, eu contei um pouquinho mais de história. Hoje eu não estou contanto tanta história. Mas vamos lá, fala o que você precisa.
P/2- Então, uma das perguntas que eu queria fazer é: a gente está falando da questão do digital, que deu, de certa forma, o poder às pessoas, pra que elas pudessem produzir um conteúdo próprio. E também tem a questão da qualidade por si própria, né? Mas como o senhor viu, por exemplo, na época, porque na década de trinta, na década de quarenta, as máquinas fotográficas eram grandes ______ (1:44:15) e precisavam de um fotógrafo estar presente pra tirar a foto de alguma coisa específica, né? A pessoa comum não tinha esse poder.
R- Sim.
P/2- Mas na década já de setenta, oitenta, houve esse contorno, né, de que as pessoas puderam comprar máquinas fotográficas já, não digitais, analógicas, mas que já descentralizou um pouco essa questão da ______ (1:44:43).
R- Sim.
P/2- Como foi ______(1:44:45) na época, isso?
R- É aquela transição que eu sempre falei, do fotógrafo profissional, o fotógrafo que tinha o olhar pra fotografia, certo? Agora, nós tínhamos também uma situação no Brasil, principalmente, que é aquele problema, que eu falei há pouco tempo, da importação. O nosso problema maior, aqui no Brasil, foi a importação. Porque na Europa e Estados Unidos, já tinha as máquinas amadoras. Só que nós não podíamos ______ (1:45:26).
P/2- Caiu?
P/1- Travou a voz dele?
P/2- Travou.
R- Travou? Que parte você pegou? Oi?
P/2- O senhor estava falando sobre a importação. Bem no início. Aí travou. (risos)
R- Tá. A dificuldade da importação era muito grande. O regime militar proibia a importação, certo? Então, era difícil uma pessoa ter uma máquina fotográfica, você entendeu? Foi o que eu expliquei naquela conversa que nós tivemos, que nós, eu e meu pai, meu pai principalmente, naquela época, ganhamos muito dinheiro, com o quê? Como o salão da criança. O que era? Era o fotógrafo que ia na residência, tem criança, batia a fotografia e no outro dia levava o álbum pronto. Porque não tinha, a pessoa não tinha. Dificuldade de tirar fotografia. A partir do momento que as indústrias passaram a conseguir importar alguma coisa, então elas conseguiram começar a fabricar algumas máquinas. Então, a Kodak, principalmente, a partir do momento que ela conseguiu inaugurar a fábrica de São José dos Campos, que hoje fechou, certo, ela começou a produzir máquinas no Brasil. Então, onde ela produzia máquinas, produzia o filme, que eram uns filmes de fácil colocação na máquina. Porque até a colocação do filme na máquina era difícil. Então, ela fazia um cassete, onde o filme era colocado dentro do cassetinho. Então, a pessoa abria a máquina e colocava o cassete e fechava. Simplesmente, ele tirava as doze, vinte e quatro fotos, terminava aquilo ali, ele abria a máquina, pegava o cassetinho, levava pra gente revelar. Então, foi onde começou a facilidade da fotografia.
P/2 - Então, ouve um delay, digamos assim, pra chegar no Brasil essas tecnologias, né?
R- Ahh, mas isso... é que você é novo. Mas na época de 1970, na década de setenta, tudo era difícil. Você vê o Collor falar, você não foi nem da época do Collor, das famosas “carroças”, né? Mas por quê? Porque as “carroças” eram tecnologia nacional. Nós não tínhamos... a partir do momento que o Collor - que foi uma das melhores coisas que ele fez, foi a única coisa boa que ele fez, foi abrir o mercado - abriu o mercado, começou a vir as tecnologias novas. Então, é o que ele falava “as carroças”, porque a gente só tinha “carroça”, os carros eram tudo, não tinha tecnologia. E isso daí, toda uma industrialização, não é só o carro, a fotografia, o medicamento, tudo. A liberação da importação foi o ponto chave. Foi a única coisa que ele fez, viu? Ou pegar o dinheiro da poupança, além disso. (risos)
P/2- Então, essa época da década de oitenta, eu estava estudando sobre, né, é muito marcada pelas empresas japonesas, principalmente no ramo da fotografia. Existiam diversas, né?
R- Sim.
P/2- E como era isso? Realmente, aqui no Brasil tinha mais esse domínio, esse predomínio de ______(1:49:50)?
R- Não. Não. O Brasil, o domínio brasileiro sempre foi a Kodak. Uma empresa genuinamente americana, de Rochester, inicialmente em Rochester. Então, ela sempre teve o domínio. Eu acho que a Fuji começou posteriormente, veio depois. Mas eu acho que domínio mesmo na fotografia, no Brasil, ela vem da americana Kodak e das fabricações alemãs. Então, você pega Gevaert, Agfa e algumas marcas alemãs. Depois veio a Fuji e a Mitsubishi. Depois, com a queda das firmas alemãs, a japonesa acabou tomando conta. Então, ficou Kodak e Fuji, Kodak e Fuji. Mas sempre a Kodak foi, teve um processamento maior. Mas, é lógico, a japonesa tinha tecnologia. Então, é onde ela teve mais projeção, na área de tecnologia. A Kodak, por ser uma firma americana, era mais tradicional, né? Por isso mesmo que ela morreu. Não sei se foi essa aí a sua resposta, você entendeu muito.
P/2- Sim. Sim. E eu lembro também que nós estávamos conversando sobre as suas invenções, foi essa do slide. E eu lembro também da questão da bateria, que eram baterias molhadas. Como era isso?
R- Bom, é aquele negócio: a gente ia sair pra um casamento. Então, você tinha que ver duas coisas. Duas, não. Três coisas. Primeiro a sua máquina, certo, se estava em ordem. A quantidade de filmes, porque era uma quantidade limitada. E as baterias, porque você tinha que alimentar os flashes, certo? Então, você tinha que dar carga nas baterias. As baterias, na época, eram molhadas com água. Água. Então, você abria as baterias, punha água destilada, punha carregar. A bateria subia, descia, as bolinhas. Você sabia que estava carregada pelas bolinhas, né? Que tinha o ácido sulfúrico misturado com a água destilada, então onde subia. Bom, você tinha o quê? Ácido sulfúrico. Porque até hoje, as baterias, a base da bateria, o que é? Chumbo e ácido sulfúrico, certo? Só que, hoje, as baterias são lacradas. Mas aquela época, não. As baterias, você colocava a água destilada junto com o ácido sulfúrico, através de uns buraquinhos. Então, aquilo ali tinha que ficar na posição certinha porque, se tombasse, o ácido sulfúrico ia cair, certo? E o que acontecia? Então, você ia, colocava um flash aqui, ele pesava cinco quilos, mais a bateria. Quer dizer, a bateria, uma bateriazinha pesava um quilo, dois quilos, dependendo do flash, ia duas baterias. E aquilo ali tinha que trabalhar nivelado, certo? Agora, você imagina, tirando fotografia num casamento, num evento que você tem que se movimentar, com aquele negócio que tinha que ficar nivelado. Ácido sulfúrico. Quer dizer: a partir do momento que qualquer tombinho que dava, o ácido sulfúrico caía, aquilo ali corroía tudo, era roupa, era a bolsa, era o plástico, era tudo, você entendeu? Então, uma época aqui, o ‘seu’ Molina tinha a fábrica de bateria, a Ajax, que não era nem no distrito, era lá do lado da Nossa Senhora Aparecida, onde surgiu, realmente, a fábrica de baterias Ajax. E conversando com o Molina, o Molina falou: “Poxa vida, Guedes, isso aí a gente pode fazer, esse ácido sulfúrico, ele tem que ficar pastoso, pelo menos, porque ele não pode cair”. Pô, mas como é... então, quer dizer: foi de conversações que nós e o ‘seu’ Molina desenvolvemos um gel, um gel de ácido sulfúrico. Então, a partir do momento que ele não era mais líquido, ele era gel, então não tinha o perigo. Foi quando surgiram as baterias secas, que hoje você vê por aí, essas baterias. Então, o ácido acético, o ácido passou a ser gel. Foi aí uma invenção. E, nisso aí, nós vendemos bateria pro Brasil inteiro.
P/2- Olha só!
R- É, porque foi uma revolução, porque quantos e quantos ternos o pessoal de casamento perdia, porque caia o ácido no paletó, furava o paletó, o cara tinha que jogar fora. Pô. Ó, uma bateria que você nunca mais vai perder. Pronto, foi uma revolução.
P/2- E o ácido sulfúrico, então, era bem perigoso? Cair na mão, como é que é?
R- Ué. Ele corrói tudo.
P/2- Não pode ficar muito tempo. ______(1:56:39)
R- Até hoje. Até hoje. Até hoje. Eu, outro dia também, voltando àquela... abri no Youtube, a fabricação de uma bateria pela Moura. Lá, o princípio é o mesmo: ácido sulfúrico, placa de chumbo, placa positiva, placa negativa. E o ácido sulfúrico no meio. Quer dizer, ele caiu, ele corrói. Aonde ele cai, ele corrói.
P/2- Eu lembro também, o senhor estava falando sobre, aquela outra vez que nós conversamos, as lentes, né? As diferenças das lentes. Que tudo isso influencia no final, na fotografia. A história das lentes.
R- Sim. É lógico. A lente, antigamente, era de cristal. Primeiro, começou lá atrás: lentes polidas através do cristal. Dai, então, qual é a transparência no cristal? É uma transparência X. Daí passou a transparência, a lente passou a ser de vidro, poliu o vidro. Qual é a transparência do vidro? Menor. Mas qual é a melhor solução? Ela é menos transparente, mas ao mesmo tempo ele é mais leve. Daí desenvolveu as lentes de plástico, de acrílico. Ela é mais leve, mas ao mesmo tempo ela é mais escura. Então, quer dizer essas são... o desenvolvimento das lentes é isso daí, você entendeu? Então, ela vem de uma lente clara, o cristal; uma lente menos clara, vidro; e uma lente totalmente escura, que é a acrílica. Mas isso aí acompanhou o quê? O desenvolvimento do corpo da máquina. Por quê? A partir do momento que entrou menos luz, eu precisava ter uma menor velocidade, pra que imprimisse a imagem. Então, a tecnologia das lentes tiveram que ser, obrigatoriamente, nós tivemos que ter o desenvolvimento do corpo da máquina também, que teve que mudar com o tempo.
P/2- Ah, sim. E também o senhor estava falando da questão das crianças, né? E como era a vitrine? Na época, as pessoas deixavam as fotos na vitrine pra exibição? Como é que...
R- Hoje, se eu fizer isso daí, eu sou preso, né? Olha que incrível! As pessoas tinham - pela dificuldade e pela demora na revelação - curiosidade de ver a fotografia, você entendeu? E o comércio era outro. O comércio ______(2:00:13) era diferente. E não só aqui em Bauru, como em qualquer cidade. Então, qualquer fotógrafo, qualquer loja de fotografia tinha a vitrine. A vitrine onde eles colocavam as fotografias pra pessoa ver. Agora, existia uma... desculpa, o meu cachorro está latindo que nem um louco aqui. Está dando pra escutar? Normal. O que acontece? A curiosidade era maior. E o ego das pessoas também era: “Pô. Ó, fulano casou”. Então, não era todo mundo que ele convidava. Então, você passava a Rua Batista: “Ó, vamos passar lá no Foto Guedes e vamos ver a fotografia do casamento do fulano. Ó, eu não fui convidado. Mas ó, a fotografia está lá”, você entendeu? Quer dizer, então isso daí, hoje não, né? Hoje com a lei de imagem, se eu fizer isso daí, eu sou processado rapidinho, né? Eu tenho o exemplo de um irmão de uma noiva que foi na minha loja e tirou uma foto e falou: “Eu não admito o senhor expor a fotografia da minha irmã”. E eu estava expondo uma fotografia dela, de noiva. Quer dizer, eu... mas o quê? Ele tem o total direito. O direito é esse, o direito de imagem existe. Mas naquela época, não. Aquela época era uma coisa, uma satisfação você ver as coisas, né?
P/2- Na época a loja, a vitrine, era quase como um point ali. As pessoas precisavam passar, pra poder ver, né?
R- Quase, não. Era um point. Quase não, era um point, você entendeu? Eu tenho clientes que a gente conversa, pessoas mais antigas, que falam: “Olha, puxa, Guedes, eu nunca me esqueço. A gente ficava torcendo, depois do carnaval ou depois do baile de Primeiro de Agosto, pra ver quando vocês iriam colocar as fotografias na vitrine”. Porque ela quer: “Ô, o Guedes colocou a fotografia?” “Ó, vai lá que o Guedes colocou”. Então, ia todo mundo ver, você entendeu? Wow, era aquela loucura de ver a vitrine, né? Eram tempos diferentes do que é hoje, né? O próprio direito, o próprio, as pessoas, é uma coisa diferente, infelizmente. Eu sou muito saudosista nessa parte. Eu gosto dessas coisas, eu gosto.
P/2- Porque foi de uma parte que as pessoas se expunham, né, gostavam de mostrar. E aí hoje tem essa questão da privacidade. Apesar que no Face não deixa de mostrar, né? No Instagram, também.
R- É, ao mesmo tempo... é incrível, né? Você vê, vamos dizer, você vê... vamos voltar à essa pessoa que aconteceu esse caso comigo, que é uma coisa recente, é coisa de vinte e cinco anos atrás. Mas hoje, essa pessoa, essa noiva, tem Facebook, tem Instagram e posta foto. Você entendeu? Quer dizer: o que é o diferente de você pôr uma foto na vitrine e pôr uma foto no Facebook? Qual a diferença? Quer dizer: se você for ver, é a mesma coisa. Você está expondo uma foto numa vitrine e está expondo uma coisa no Facebook ou no Instagram. Quer dizer, eu não sei. Apesar de que, é lógico, existe a lei de domínio, a lei de imagem, essas coisas todas. Isso daí, mesmo nas redes sociais, existe. Mesmo nas redes sociais existe, ainda. Mas, é lógico, o ego das pessoas é maior do que isso daí. O cara tem a satisfação de colocar lá. Você vê os bandidos aí, colocam na rede social, o cara cheio de colar, não sei o que, com arma, não sei o que. Pô, o cara está se expondo. Quer dizer, o cara está se... fala: “Esse é o cara” - a polícia - “vamos atrás dele. Esse é o cara”. Quantas e quantas vezes aí eu vi até uma coisa engraçada: o cara apareceu... outro dia mesmo, eu vi. A Globo filmou o cara no estádio e o cara estava sentado no estádio com a amante. Quer dizer, (riso) a exposição da pessoa, né? É difícil. Mas naquela época era uma satisfação da pessoa, ver, ver. Chegou a um ponto que eu acho que eu já até comentei com você, naquela época, o meu pai teve um... ele trabalhou como fotógrafo da polícia técnica, certo? E, a pedido de alguns delegados, porque naquela época, vamos dizer, os acidentes estavam aumentando, não sei o que, então foi liberado colocar na vitrine, algumas fotos de acidentes, pras pessoas verem: “Ó, isso daqui pode acontecer”. Quer dizer, a vitrine era usada educacionalmente, também, né, na educação de trânsito. Até nisso.
P/2- Como avisos, né?
R- Avisos.
P/2- Por tamanha influência que tinha.
R- Tamanha influência. Tamanha influência que tinha ______ (2:07:01)
P/2- E falando no seu pai. É o Ivan Guedes, né?
R- Isso.
P/2- Ele também era chamado de Barão. Por quê?
R- Por causa do bigode. Do bigode. Foi lançado, porque houve tanta mudança de dinheiro, eu não lembro se foi real ou cruzado, que surgiu uma nota... eu acho que é real. Ah, sei lá. É real. E surgiu uma nota que tinha a fotografia do Barão do Rio Branco. Barão do Rio Branco. E o Barão do Rio Branco tem aquele bigode, né? E uma pessoa aqui em Bauru achou que o bigode do barão era parecido como bigode do meu pai. Então, acabou surgindo o apelido aí de Barão, por causa disso.
P/2- E uma história também que o senhor comentou da outra vez, que eu achei assim bem legal, foi que, ou foi o seu pai, ou o seu tio Carlos, que tiravam fotos aéreas de Bauru.
R- Meu tio Aldire.
P/2- Ah, o Aldire.
R- É. Nós temos, aí é o que eu falei no começo: nós temos o tio Carlos, depois o irmão do tio Carlos, meu tio Aldire, meu pai e eu. Então, Aldire, meu tio Aldire, foi o primeiro fotógrafo que teve coragem de subir num avião, pra tirar foto aérea. Porque hoje você vê, hoje os drones, né? As pessoas falam: “É tão fácil tirar uma fotografia área, né?”. Subir um drone, você põe o drone na posição que tem. Naquela época, não. Você imagina os teco-tecos aqui do aeroclube. Você tirava a porta. Tirava a porta, né, porque a porta do teco-teco era de lona. Então, você tirava a porta, se amarrava pela cintura, né? Se amarrava pela cintura no assento, com cinto e praticamente, você ia pra fora do avião, pra tirar a fotografia. Porque eram aviões de asa alta e onde tinha aquele varão. E aquele varão, justamente, ele fica - se você for tirar fotografia - bem no nível da máquina fotográfica. Então, você tinha que ver um ângulo pra que o varão não aparecesse na fotografia. Como que teve que fazer isso daí? Saindo fora do avião. Foi o único ângulo que achou pra fazer a fotografia. Então, foi o que eles começaram a fazer. Isso, em 1900 e sei lá eu, 1949, 1950, 1952, 1950 e pouco. E isso eles começaram a fazer. A primeira foto aérea... depois o meu pai também começou a fazer. Daí começou as loucuras, eles iam fazer essa loucura. Mas ao mesmo tempo que ele se pendurava, ele não esquecia da máquina. E, muitas vezes, ele estava com a máquina, a máquina caía e ia embora.
P/2- Perdia a máquina?
R- Perdia a máquina. A máquina caía. Era preferível a máquina do que a pessoa, né, do que o fotógrafo. Então, a máquina caía da mão. E quantas e quantas máquinas foram embora com esse trabalho. (risos) Porque eram máquinas pesadas. Não é essa maquininha levinha que você tem hoje. Eram máquinas que pesavam cinco quilos, seis quilos, né? Se você for hoje no museu aqui de Bauru, eu fiz uma, não é doação, é uma... bom, eu emprestei pro museu algumas máquinas, inclusive uma delas, que era usada pra fotografia aérea. Você vai lá no museu, você vê o peso dela. E a pessoa, agora, você imagina...
P/2- ______ (2:11:35)?
R- Hoje eu não sei se está no Museu Ferroviário, ali no comecinho da Primeiro de Agosto. Deve estar ali. Não sei se o Orlando, você conhece o Orlando, da Secretaria da Cultura? O Orlando que administra tudo aquilo ali. O Orlando que administra aquilo lá. Inclusive, é um batalhador pelo museu de Bauru, isso é muito interessante. Eu sou um dos que tem a vontade, Bauru deveria ter, pela sua história, não só da minha família, como outras famílias: a família Kosaka, a família aqui do Kobayashi, da Foto Falcão, tem uma história fotográfica muito grande. E tem uma história de música muito grande também. Então, eu ainda falo, vamos ver que, tomara a Deus que agora, com a nova prefeita, talvez a gente consiga sair do papel, se vocês ajudarem, o pessoal mais novo, a criação do Museu da Imagem e do Som de Bauru. Porque eu acho que Bauru já merecia isso daí. No papel, existe. No papel o Museu da Imagem e do Som existe, mas infelizmente, ele já passou por um monte de lugar e nunca conseguimos efetivamente, fazer esse Museu da Imagem e do Som.
P/2- No caso, só pra terminar essa história do avião, eu também li que, na época, as câmeras não tinham zoom. Era necessário que o avião pudesse subir mais e descer, pra poder tirar a foto perfeita.
R- Sim. Toda a facilidade que você tem hoje, você deleta. Toda a facilidade que você tem hoje, você deleta, você entendeu? O zoom, a lente clara, a lente escura, você deleta. Porque você tinha um padrão só. O fotógrafo que tinha que se adaptar à máquina, não a máquina ao fotógrafo. Hoje você pega uma máquina ou um celular, ele te dá uma série de recursos. Naquela época, não. Você tinha que alimentar a máquina. Você tinha que alimentar a velocidade. Você tinha alimentar a abertura do diafragma. Você tinha que posicionar a lente, porque a lente era fixa. Então, posicionar a quantidade de fotografias que você tinha num filme fotográfico ou numa chapa, que era uma só. Quer dizer, então, tudo o que você têm, a facilidade que você tem hoje, você esquece, começa do zero. É o que nós tínhamos naquela época.
P/2- E o avião tinha trepidação também. Tinha que levar várias variáveis.
R- Também. Você tem. Mas é aí que eu estou falando, por isso que eu falei pra você, os pseudo fotógrafos. Porque hoje, se eu pegar uma máquina, eu não preciso ir lá atrás, em 1940, eu não preciso ir em 1950, se eu der uma máquina pra um pseudo fotógrafo, uma máquina de 1970, ou do começo da década de oitenta, se eu der essa máquina pra um pseudo fotógrafo de hoje, eu duvido ele tirar uma fotografia. Eu dou, vamos dizer, eu pego uma Roleflex. Uma Rolleiflex, que você tem - eu não sei se você conhece a Rolleiflex - o visor por cima, você tem aqui, uma lente que você vê e embaixo você tem uma lente que o filme vê. Então, você tem duas lentes: uma que você vê e uma que a máquina vê. Aqui você tem uma diferença. Então, quer dizer: a sua visão no visor da máquina, não é a visão que o filme está vendo.
P/2- Ela fica invertida, né?
R- Além de ser invertida, você tem que ver que as lentes dela não estão na mesma posição. Ela tem uma diferença de dois ou três centímetros. Agora, você põe isso daí, um centímetro em cinco metros, você vê que o ângulo abre, você entendeu? O fotógrafo tinha que ver e saber que lá ele não ia cortar a cabeça. E outra coisa: colocar o filme na máquina. Colocar o filme na máquina é um processo difícil de ser colocado. Ou usar uma chapa, que nem mais atrás. Pô, não precisa, se eu for muito atrás, daí é pior. Mas se você põe um filme cento e vinte, que tinha, você tinha que abrir o filme, tirar da latinha, tirar a ponta do filme, passar por baixo do rolinho, passar por baixo do outro rolinho, passar e enganchar no carretel vazio, pra rolar um pouquinho, pra ele fazer o trajeto. Isso tudo você tinha que fazer em segundos. Você imagina, vamos dizer, o pessoal de casamento: uma noiva entrando na igreja, acabou o filme. O cara tinha que trocar o filme ali, a noiva vindo, o cara tinha que trocar o filme. Quantas vezes acontecia isso! Então, quer dizer, (risos) é um negócio... então, a evolução da tecnologia das máquinas fotográficas, hoje, a chegar a um ponto, celulares aí, no mesmo celular, eu estava vendo outro dia, umas assim com três câmeras. Mas não é que ela tem três câmeras, ela tem três lentes: ela tem uma lente grande angular, uma lente normal, uma lente térmica.
P/2- E demorava, o tempo de exposição? Demorava pra tirar uma foto, ali na década de quarenta, cinquenta, sessenta? Bem no início, ali?
R- Bom. Vamos dizer, se você falou na década de quarenta, quarenta até quarenta e pouco, você vê aí nesses filmes de pastel, que a pessoa usava aquele flash de pólvora, né? Você já chegou a ver?
P/2- _______ (2:19:05)
R- É. O cara punha a pólvora e dava a exposição. Porque ele mantinha o diafragma aberto. O diafragma aberto, ele ia lá, colocava a pólvora. Atacava a pólvora, dava o clarão, onde entrava a luz. Então, isso daí... agora, depois, com a revolução das lentes, a luminosidade aumentou. Você tinha primeiro a luz fixa. Depois inventou o flash, que era uma lâmpada que dava só o flash. Aí, com a evolução, hoje... mas é lógico, o tempo de exposição era grande pra caramba. Então, você punha lá, falava: “Segura”, a pessoa tinha que ficar que nem uma estátua lá, coisa de um minuto ou até mais, pra tirar, pra sair uma fotografia.
P/2- E se mexesse?
R- Saía tremido.
P/2- Borrado, né?
R- Saía tremido. Saía tremido, né? Ia sair tremida as fotos. Isso é... mas não era o fotógrafo. Por quê? O fotógrafo tinha que trabalhar no tripé, porque a máquina tinha que ficar nivelada e apoiada. Por isso que ele não podia, em hipótese nenhuma, tremer. Normalmente, até naquela época. Depois, com o surgimento da facilidade, aconteceu o disparador. Porque o disparador era um tipo de um barbantinho, onde você apertava e disparava a máquina. Por quê? Se você ia apertar com o dedo lá a máquina, a máquina tremia. Então, o que aconteceu? O cara ficou pensando, ele falou: “Você põe o disparador e aperta o disparador”. Então, por mais que você trema alguma coisa, você está tremendo o disparador, não a máquina.
P/2- E a última pergunta, então, pra gente encerrar, da minha parte, é sobre a questão, o seu pai trabalhou então, na parte da polícia aí. Ele chegou a fotografar alguma coisa da explosão da Nações Unidas?
R- A explosão da Nações Unidas, isso, não foi só o meu pai, fui eu também. A explosão da Nações Unidas, naquele dia, naquele treze de agosto, sexta-feira, meu pai estava de plantão na polícia técnica. De manhã, então, como ele estava de plantão, porque a vinda do presidente, parara, mobilizou a cidade, parou a cidade. Parou a cidade. Eu não sei se foi, acho que foi a primeira vez que o Geisel veio a Bauru. Eu não me lembro se foi a... porque o Geisel esteve duas ou três vezes em Bauru. A primeira, na explosão e depois, um ano depois, ele voltou pra inaugurar. Bom, mas... então, ninguém teve aula, não teve aula no estado, porque todo mundo tinha que... as escolas foram dispensadas, pra ficar na Rua Batista, porque o Geisel ia passar na Rua Batista, pra saudar o presidente. Então, eu estava sem aula. E eu fiquei sabendo que o meu pai estava de plantão, eu acabei indo com ele. E ainda houve o acidente lá na Octávio Pinheiro Brisolla. O Chevette acabou cortando a frente de um caminhão-tanque. O caminhão-tanque ali, pelo desnível, caiu, né, óleo diesel caiu e caiu no bueiro. Até então, todo mundo, ninguém imaginou que aquele vazamento de óleo diesel, o que ia acontecer. Ninguém nunca imaginou. Ninguém imaginou isso. Nem os próprios peritos que fizeram, que atenderam o local. E aquilo ali ficou vazando, até a companhia vir, pra tirar o óleo diesel do caminhão, tá? Então vazou, acho que deve ter vazado mais da metade do caminhão-tanque. E aquilo ali entrou na tubulação, certo? Não existia o Vitória Régia, né? E a Nações ia até a Duque de Caxias. Não existia ainda o viaduto, que hoje a Duque de Caxias tem um viaduto ali na Nações. Não existia aquele viaduto, certo? A Nações terminava ali, na confluência ali. O que aconteceu? Esse óleo diesel caiu na tubulação, desceu até lá no rio, onde que eu falei que, na infância, a gente pulava o trem lá. Onde hoje é, mais ou menos, o Boulevard, ali onde é aquele supermercado, ali o rio não era canalizado mais, o rio era _______ (2:24:55). O rio só era canalizado daquela rua ali, da Marcondes Salgado, até a Duque de Caxias. Até a Duque de Caxias, não. Até a (Duque)_______ (2:25:10), a Mina do Abelha ali, aquela região. Então, o que aconteceu? Desceu no rio, desceu pela tubulação. A tubulação de esgoto, onde ia? De água fluvial, ela dava no rio. E aquilo ali desceu a tubulação. Lá embaixo, onde o rio voltava a sair da tubulação, até hoje ninguém sabe por que, ali tinha o campo da Antártica, da antiga fábrica de refrigerante da Antártica, o Arca e até hoje ninguém sabe por que houve a inflamação. Uns falam que foi um cara que jogou cigarro, ponta de cigarro. O outro fala que... quer dizer, ninguém sabe até hoje o que houve. E onde houve o estopim disso daí. Pegou fogo lá. Houve a condensação dentro da tubulação. Não tinha aonde expandir, né, porque houve a explosão. O que aconteceu? Foi tudo pra cima. Os piores pedaços foram ali, do Senac até a Raposo Tavares, ali na Nações.O meu pai estava de plantão. Ele tinha acabado de sair daquele... nós tínhamos acabado de sair daquele local e ido pra casa pra almoçar. Ele não estava cobrindo o presidente, ele não estava na comitiva, ele não fazia parte de nada. Ele estava no plantão da polícia técnica. O Geisel já tinha passado pela Batista, já tinha pegado o carro ali e eles iam inaugurar a rodoviária de Jaú. E eles passaram, justamente, a comitiva passou pela Rodrigues Alves e subiu em direção a Jaú. E isso menos de uma hora da explosão. Menos até. Eu acredito que foi, assim, coisa de meia hora, nem isso. A comitiva passou e explodiu. Mas o meu pai estava de plantão. Eu me lembro que a gente tinha acabado de almoçar. Nós estávamos, a minha casa tinha uma sacada, a gente estava na sacada e o toldo subiu, deu aquele pum, deu aquele... “O que será que aconteceu?” Ali no comecinho do Higienópolis. Na mesma hora o telefone tocou. Não o celular, o fixo. (risos) Porque não existia celular. (risos) O telefone tocou, era o delegado. Eu não me lembro que delegado era na época, se era o Marcos de Paula Raphael. E, ligando, falou: “Desce que tem um local. E aconteceu um negócio aqui. O Dops está chamando vocês”. E o que aconteceu? O meu pai ainda estava com a máquina, que ele tinha tirado do local. Ele desceu com a máquina. Eu só me lembro que ele falou: “Flávio, pega a filmadora”, porque eu tinha uma filmadora oito milímetros. Ele falou: “Pega a filmadora e vamos lá”. Eu me lembro que nós descemos a pé, porque era mais fácil nós descermos a pé, do que esperar a viatura ir buscar. Nós descemos a pé. Daí nós chegamos ali na Nações Unidas, na Nações e já vimos tudo aquele negócio. E é lógico, ele começou a fotografar e eu comecei a filmar. Ao mesmo tempo que ele começou a fotografar e filmar, já o delegado de plantão encostou. E encostou um senhor do Dops, já falou: “Olha, vocês estão fazendo aqui o trabalho. Só que, a partir do momento que vocês terminarem o trabalho, esse trabalho de vocês está requisitado”. Quer dizer: então eu filmei, meu pai fotografou. Daí, no decorrer do trabalho, o Kiyoshi Goto era o fotógrafo do Jornal da Cidade. E o Kiyoshi estava ali. O Kiyoshi, naquela época, morava no Higienópolis também. E ele não estava nem no plantão do jornal, mas ele desceu e começou a fotografar. Daí, eu nunca me esqueço, nós chegamos pra ele e falou: “Cuidado, que os caras estão requisitando as fotografias”. E o Kiyoshi, na época, foi esperto, pegou e escondeu a máquina dele. Porque ele tinha sido avisado que ele ia ser confiscado. Graças a isso, graças a essa comunicação que nós tivemos, existe hoje fotografia da Nações explodida. Porque, se não tivesse essa comunicação, nem isso nós teríamos. Por quê? O que aconteceu? Terminou, o pessoal do Dops pegou os filmes do meu pai. Abriu a minha máquina filmadora. Eu me lembro que eram quatro filmes de três minutos cada um, quer dizer, então tinha doze minutos de projeção. Eles pegaram os doze filmes, colocaram num saco preto. Nunca mais eu vi esse material. Nunca mais nós vimos esse material. Infelizmente. Porque isso aí foi pro Dops em São Paulo. Porque, até então, nem eles imaginavam o que tinha acontecido. Porque todo mundo imaginava que era um atentado. Porque nós vivíamos num estado de atentados, né? Um governo militar. Então, vire e mexe tinha uns atentados em São Paulo, assalto em Banco. A ex-presidente, a Dilma, era guerrilheira. O José Dirceu era guerrilheiro. O Genoíno era guerrilheiro. Está entendendo? Então, nós tínhamos... esse pessoal era... então, o Dops tomou tudo isso daí. E nunca mais nós vimos esse material. Sorte que o Kiyoshi conseguiu fazer as fotografias. Senão, até hoje... tanto que, de vez em quando aparece fotografia... e outro dia mesmo, postou fotografia e um dos fotógrafos aqui em Bauru postou e falou: “Essa fotografia é minha”. Eu falei, eu ainda entrei no Facebook dele: “Mentira. Essa fotografia pertence a tal pessoa. Porque ele foi o único que foi, que realmente fotografou”. Porque ninguém tinha celular, ninguém tinha máquina digital, ninguém tinha máquina doméstica. Hoje, você não vê uma fotografia doméstica: “Ah, eu tirei com a minha máquina”. Não, ninguém tirou. Porque ninguém tinha máquina.
P/2- É bem difícil encontrar na internet. Você quase não encontra. Alguns ângulos, só.
R- É, são só, se você ver, são trinta fotografias, no máximo. Se tiver. Se tiver trinta. Depois, as fotografias do acidente voltaram. Por quê? A polícia técnica requisitou aquelas fotografias. Então, por quê? Houve um inquérito policial do acidente. Mas da explosão, nada. Agora, Bauru ganhou com isso, né? Eu acho que Bauru ganhou com a explosão da... eu sempre... quando o finado Jurandir Bueno era vivo, a gente sempre falava. O Jurandir foi um dos caras idealizadores de Bauru, né? O Jurandir, o que ele fez? Bom, o Geisel voltou. O Dops liberou, ele poderia voltar a Bauru. Porque o Boeing estava estacionado aqui no aeroclube. O que aconteceu? O Boeing presidencial estava estacionado na... ele voltou. Ele não chegou a passar na Nações Unidas. Ele entrou pela Rondon, pegou o avião e foi embora. Houve uma conversa, se mostrou pra ele. O que aconteceu? Passada uma semana, o governo federal liberou uma verba pra reconstruir a Nações Unidas. O Jurandir foi tão esperto, que ele projetou a Nações Unidas, reparou a Nações Unidas. E com o que sobrou de dinheiro, que naquela época sobrava dinheiro, né, eles construíram uma grande parte da Nações e o Vitória Régia. Então, o Vitória Régia, hoje, deve-se à explosão da Nações Unidas. A verba de construção do Vitória Régia foi, justamente, da verba que foi colocada pra reparar a Nações Unidas. E tudo isso quem fez foi o Jurandir Bueno Filho.
P/2- Aí, depois o Geisel veio pra poder inaugurar o núcleo Geisel.
R- Daí, olha que interessante, como eram as coisas! Um ano depois, um ano, um ano - olha como eram obras públicas! - o Geisel volta a Bauru, pra reinaugurar a Nações Unidas. Um ano. Hoje, vê uma obra pública, você demora cinco, seis anos pra fazer. Naquela época, um ano só, ele refez toda a Nações Unidas. É. Tem muita história, né? Eu gosto muito de história.
P/2- É. Luis, é isso, você conduz.
R- Luis. Fale, Luis.
P/1- É muito interessante o que o senhor está contando.
R- Você deixando eu falar, meu filho, você está perdido.
P/1- Não, eu estou _______ (2:36:24) perceberam, eu tive que mudar de lugar, porque acabou a bateria (risos) do celular.
R- Você está perdido. Você fica escutando, você vai escutar muita coisa.
P//1- A única tomada que tem aqui, lá, o cabo não chega. Mas foi muito boa a conversa, ‘seu’ Flávio.
R- Eu sempre falo, eu já falei pro Wiliam, até: a minha geração, eu acho que é umas das gerações mais privilegiadas, você entendeu? Porque a gente passou por uma revolução industrial, econômica, de comportamento, uma série de coisas. Então, essa geração de pessoas que têm sessenta anos, passou por todas essas transformações, você está entendendo? Uma outra passagem - já que nós estamos contando aí e o tempo já foi - uma época, que nem eu falei pra vocês, como eu mexia com som, uma época da minha vida eu mexi com som, que eu falei pra vocês, que eu fazia som ambiente, eu fui contratado pela Telesp. Pela Telesp, na inauguração do prédio da Duque de Caxias. Hoje, a Telefônica. Sei lá eu. Lá naquele prédio, que não era aquele prédio. Aquele prédio já foi reformado por muitas vezes, né, não era daquele jeito, era completamente diferente. E eu fui contratado pra fazer a sonorização do primeiro DDI, Discagem Direta Internacional. Hoje é tão fácil você fazer, você conversa com gente no Japão como eu estou conversando com vocês. Mas naquele tempo era uma coisa fenomenal, né, pô. Então, a Telesp inaugurou o DDI. Veio o Ministro da Comunicação, era o Mário Andreazza, até lembro. Ele foi, na época do regime militar, ministro de um monte de coisa. E houve a inauguração. E eu tive que colocar o som do telefone, no som ambiente da sala. Então, eu fui lá, o engenheiro da Telesp naquela época ligou, pra ligar som, tatata, pra todo mundo ficar escutando o Mário Andreazza ligar pro embaixador dos Estados Unidos. Então, foi o primeiro DDI, a primeira Discagem Direta Internacional. Foi um negócio, assim, fenomenal. Quer dizer: hoje, se a gente conta pra um rapaz, pro Wiliam, aqui, ele fala: “O que é isso? Você acha? Conversar com o cara...”. Eu me lembro, a gente via Os Jetsons, aquele desenho do Jetson, que ele conversava pela imagem. Você nunca imaginava que a gente ia estar fazendo isso que a gente está fazendo hoje. Já pensou? Ou quando inaugurou a Telefônica e começou a vender os primeiros celulares. (risos) Eu me lembro que foi escolhido no comércio...
P/2 - Eu lembro. _______ (2:40:17)
R- É, aqueles tijolão. Mas não aqueles tijolão que você conhece. Não. Não aquele tijolo da Nokia, da Motorola. Era um tijolo que você tinha que segurar um transmissor. Você tinha que segurar o transmissor. Então, eu me lembro que a gente... e eu fui um dos escolhidos. Então, pra ter linha, tinha que sair no meio da rua, pra falar no meio da rua. (risos) É uma loucura, né? Mas tudo isso é história, né? Tudo isso é história. E são coisas assim. O vídeo é muito importante, porque a documentação é muito importante. Eu sempre falei, inclusive, pros historiadores de Bauru. Eu não sei se o Wiliam ou você, Luis, conheceu, vocês devem ter conhecido o ‘seu’ Gabriel. Gabriel Ruiz Pelegrina.
P/1- Sim.
R- Chegaram a conhecer?
P/1- Sim.
R- Chegou a conhecer. Eu sempre falei...
P/1- _______ (2:41:31).
R- Ahn? Oi, cortou o seu som.
P/1- Eu fui muitas vezes no Centro que ele tinha.
R- Tá.
P/1- É que a minha bateria está muito baixa, _______ (2:41:46)
R – Tá. Está com carga baixa. Mas eu sempre falava pra todo mundo. Eu não fiz isso. Eu peco por causa disso. Eu sempre falava isso: a gente devia ter colocado uma filmadora na frente do Gabriel, falar: “’Seu’ Gabriel, fala. Tudo o que o senhor quiser falar”. Foi uma oportunidade que eu acho que a história de Bauru perdeu. Porque você imagina o que aquele homem tinha de história, você entendeu? Falava: “Fala, ‘seu’ Gabriel”. Só isso. Não precisava falar mais nada. Falar: “Fala. O que vier na cabeça do senhor, o senhor fala”. Mas estamos aí. Estou à disposição.
P/1- ‘Seu’ Flávio, nós vamos entrar em contato com o senhor, o Fabrício vai entrar em contato, pra fazer uma sessão de fotografia com o senhor. E a nossa produtora vai também ligar pro senhor, pra pegar algumas fotos antigas, pra hora que sair o livro, poder estar no livro. Está bom?
R- Ótimo! Se quiser eu estou à disposição, Luis. Viu, Wiliam, eu estou à disposição. Qualquer coisa.
P/1- Tá bom. Então, agradeço pela entrevista. E espera o contato _______ (2:43:20).
R- Foi um bate papo. (risos) Agora, essa moça aqui também, o pai dela tem muita história. O pai dela tem muita história também.
P/3- (risos) O negócio é que ele não quer contar.
R- Ó lá, viu? Tem que falar. Se meu pai era o Barão, o pai dela tem um bigode igual.
P/3- Também o chamavam de Barão da nota. E vou falar uma coisa...
R- Eu, muitas vezes, viu, Claudia? Muitas vezes eu encontrava o seu pai no mercado. Muitas vezes eu olhava assim, sabe quando você dá aquela tum, dá aquele choque?
P/3- Ahan. Ele tem o mesmo tipo, né? Era o mesmo tipo. Mas eu vou falar uma coisa pro senhor, pra você, porque a gente se conhece.
R- Ah, ô, louco, pelo amor de Deus!
P/3- Vou contar uma coisa pra você: no dia do meu casamento, o seu pai que fez as fotos.
R- Eita.
P/3- E o pessoal ficou impressionado. Os meus primos ficavam impressionados a semelhança do meu pai com o seu pai, na hora do casamento.
R- Eles são, sim, eles têm muita semelhança.
P/3- Né? E o meu pai também chamavam do Barão da nota. (risos)
R- (risos) Tem muita semelhança, sim.
P/3- Flávio, eu ouvi toda a entrevista, acompanhei. Foi maravilhosa. Então, assim, agradeço o privilégio de você participar do projeto. Foi fundamental você ter participado. Eu agradeço imensamente.
R- Eu que agradeço, Claudia. Você sabe que é uma coisa que eu gosto. E se vocês, se o Wiliam ou o Luis, continuar aqui, nós vamos continuar a noite inteira. O Wiliam sabe disso, porque ele conversou comigo. Uma conversa de dez minutos, nós demoramos três horas. (risos)
P/3- É, mas a gente está quase isso, agora, viu? Olha, são sete horas.
R- Viu, Wiliam?
P/2- Oi.
R- Aquela ideia que eu tive com você, da gente andar na Batista de Carvalho, contando as histórias, aquilo, aquela ideia ainda está na minha cabeça, não morreu, não. (risos)
P/2- Com certeza.
P/3- Mas agora, o que importa é que a sua narrativa, a história da sua família e da fotografia... e você foi muito brilhante, que você referenciou todo os outros fotógrafos, o Seu Kazuo, o Kiyoshi Goto. É muito importante lembrar desses nomes todos que fazem parte da história da fotografia em Bauru.
R- Sim. Eu acho que não é só a minha família. Você tem a família Kobayashi. Você tem a família Kosaka. Você tem muitos fotógrafos aí que passaram por Bauru. E o Kiyoshi, o Mala. O Celestino, o finado Celestino, que era chato, que ninguém o aguentava no jornal, mas está lá. O Teixeira. O Teixeira do Diário Bauru. O Pedro Romualdo. Vixe, para aí. Tem um monte.
P/3- Vai longe, né? Então, assim, eu agradeço imensamente, Flávio. A gente vai desligar a gravação. Pedir pro Caio desligar.
R- Tá bom.
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