Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Marcio Pallandri
Entrevistado por: Wiliam e Claudia Leonor
Ribeirão Preto, 24 de março de 2021.
Entrevista História de Vida 036
Transcrita por Selma Paiva
P/1- Olá, Marcio. Tudo bem? Boa tarde.
R- Boa tarde.
P/1- Pra começar, eu gostaria que o senhor pudesse dizer o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
P/3- A Erica também está aqui com a gente, viu? A Erica também vai acompanhar a entrevista, de P/2, tá?
R- Valeu, Erica.
P/3- Bem vinda, Erica.
P/2- Tudo bem?
R- É Marcio Pallandri. Sou natural de Ribeirão Preto, mesmo. Nascido em 31 de janeiro de 1962.
P/1- Senhor Marcio, gostaria que o senhor pudesse falar o nome do seu pai e da sua mãe.
R- Sim. Meu pai Onofre Pallandri. Minha mãe, Teresa Carrera Pallandri.
P/1- E dos seus avós, você lembra?
R- Oi?
P/1- O nome dos seus avós, o senhor lembra?
R- Avós. Paterno: Domingos Pallandri, Amélia Dandaro Pallandri. Materno: Francisco Carreira. Da minha avó, eu, pra ser sincero, faço uma confusão danada. Eu não lembro o nome dela. Porque ela faleceu muito cedo, eu não cheguei a conhecer.
P/1- Ah, sim. Não tem problema.
R- Mas eu não lembro o nome completo. Maria. Ela tem um outro nome no meio, mas eu não me lembro. Maria Carreira. Ela era descendente de índio, inclusive.
P/1- Oi?
R- Ela era descendente de índios.
P/1- Então, é isso que eu ia perguntar: se o senhor sabe a origem da sua família. A descendência de todos, assim?
R- Os avós paternos, italianos. São descendentes de italiano. E o meu avô era português, por parte de mãe. E a minha avó, índia, na verdade.
P/1- E assim, o senhor sabe se na família, assim, tem assim algum traço de comidas italianas, comidas, dança, música, alguma coisa cultural que ficou aqui no Brasil, assim?
R- Ah, dentro da família?
P/1- Isso.
R- Eu acredito que não. Porque a maior parte dos familiares do meu pai moravam no litoral e Grande São Paulo. Uma prima minha, que mora no Guarujá, inclusive, faz uma macarronada com queijo gorgonzola que eu nunca comi na minha vida, igual. Ela mantém um pouco da tradição.
P/1- O senhor sabe se eles já vieram direto, assim, pra Ribeirão? Como foi?
R- Eles chegaram, quando vieram da Itália, direto pra Ribeirão Preto.
P/1- E o senhor conviveu com eles, assim?
R- Eu convivi com... o meu avô, depois que a minha avó faleceu, foi morar com os meus pais e com a gente. Eu tive bastante contato com ele, com os irmãos do meu pai, as irmãs. Hoje, vivas, só tem duas irmãs dele, moram aqui em Ribeirão Preto.
P/1- E o senhor sabe como os seus pais, assim, se conheceram, se casaram? Foi aí mesmo em Ribeirão?
R- Foi aqui em Ribeirão Preto, mesmo.
P/1- E quais eram as atividades que eles faziam, assim? Eles já eram comerciantes? Trabalhavam com quê?
R- Não. Não. O meu pai era serralheiro. E a minha mãe era empregada doméstica.
P/1- Então, eles não tinham comércio, assim, propriamente dito? Ou o seu pai tinha?
R- Não. Não. Não tinha.
P/2- Mas o seu pai sempre trabalhou em serralheria? Quando o senhor era criança, ele trabalhava com serralheria? Como era?
R- Sim. Sempre trabalhou.
P/2- Sempre trabalhou como serralheiro?
R- Sempre. E aposentou, inclusive, como serralheiro.
P/2- E eles são vivos, os seus pais, ainda? A mãe, o pai?
R- Já faleceram.
P/2- Já faleceram, os dois?
R- Já faleceu. O meu pai morreu em maio de 2008 e a minha mãe em novembro de 2012.
P/2- Ah, sim. E vocês moravam onde, aí em Ribeirão, quando o senhor era criança?
R- Quando eu nasci, eu morava no bairro do Ipiranga, aqui em Ribeirão Preto. Era uma casa muito simples. Era eu, que sou o mais velho, o meu irmão mais novo que eu e as minhas duas irmãs, as mais novas, gêmeas, né? Nós morávamos numa casinha que tinha um quarto, uma sala, uma cozinha. E não era banheiro, era fossa, era fora de casa. Não tinha piso, era aquele, como é que eles falam? Barro batido, né?
P/2- Terra de chão batido.
R- É. Chão batido. Banho era na bacia, com água esquentada. Não tinha geladeira. Não tinha nada. Foi uma infância muito simples, muito sofrida.
P/1- E quais eram as brincadeiras? O senhor brincava na rua? Como era isso?
R- Brincadeira de rua?
P/1- Isso. A criançada, como era?
R- Era soltar papagaio, jogar futebol. Brincar de casinha com as meninas, isso tinha bastante, que tinha... um irmão do meu pai morava na frente da nossa casa e tinha as minhas primas, os meus primos. Os vizinhos em volta. Então, foi bastante, assim, gratificante, porque você andava pelo campo, que aquela época era tudo terra, não tinha a modernidade que tem hoje. Então você: “Ah, vamos buscar cajá-manga”, você ia buscar cajá-manga. “Vamos buscar manga. Vamos buscar goiaba”. Em qualquer lugar que você ia. Abobrinha, por exemplo, você pegava abobrinha brotando do chão, né? E era muito bacana nessa época. Eu gostava muito. Vocês estão fazendo eu voltar no tempo, agora, hein?
P/1- E o senhor costumava pegar manga no pé e comer?
R- Vixe, isso aí era a coisa mais normal do mundo.
P/1- Subia em árvore também?
R- Subia em árvore, caía de árvore, machucava. Tinha tudo isso daí.
P/1- Eram tempos mais simples, né?
R- É.
P/1- E o movimento, assim, na rua, como era? Era menor do que tem hoje?
R- Praticamente, não tinha movimento. Porque, na época, que eu me lembre, o asfalto chegava na Avenida Dom Pedro I. Hoje são duas mãos, né? Mas antigamente era uma mão só, chegava até ali. Dali até a minha casa dava, mais ou menos, uns oito ou nove quarteirões.
P/2- Pra cima ou pra baixo da Dom Pedro, senhor Marcio?
R- Pra baixo da Dom Pedro.
P/2- Pra baixo. Do lado de baixo.
R- Pra baixo. Sentido a Américo Batista.
P/2- Ah, sim.
R- Inclusive, tinha a linha do trem atrás da minha casa. Passava a Maria Fumaça, direto.
P/2- É, lá tinha.
P/1- Tremia tudo quando passava o trem?
R- Ah, tremia bastante, viu? Aquela época lá era... ah, tinha uma brincadeira legal, também. Até não é certo, né, mas a gente fazia muito: roubar os martelinhos da linha do trem. Aquelas presilhas pareciam um martelinho. Então, a gente tirava aquilo pra brincar de martelo.
P/1- Como eram essas presilhas?
R- Deu interferência, agora.
P/1- O que seriam essas presilhas? É o que mantinha a linha presa no dormente?
R- É. Pra prender a linha férrea.
P/1- Ah. (riso)
R- Se você passar perto de uma, hoje, você vai ver que tem. Eu não sei como é, se é daquele tipo. Mas parecia um materlinho. Prendia na linha do trem e no chão. E a gente tirava aquilo pra brincar.
P/1- E até hoje o trem passa aí em Ribeirão?
R- Olha, que eu saiba, não. Não tem nem de transportes. Nada. Nada. Nada. De carga, né? Que na época tinha bastante. Que eu me lembro, não. Porque faz muito tempo que eu não vou pra aqueles lados lá também, né? Mas eu acredito que não.
P/2- Não. Não tem mais. Eu moro aqui pra perto. O Ipiranga era todo cortado de linha de trem, né? Tinha várias. Mas não tem mais.
R- Era.
P/2- Não tem mais ramal aqui, não.
P/1- Então, era gostoso. Era uma época em que se brincava muito próximo da linha de trem, né?
P/2- Sim. Brincava bastante lá, né? E onde o senhor estudou, senhor Marcio?
R- Eu estudei o primário no Fábio Barreto, aqui no Centro. Porque nós fomos morar com o meu avô que morava no Centro, em Ribeirão, ali, próximo à Francisco Junqueira, na Rua Visconde do Rio Branco. E ali tinha, no passado, uma parte importante. E tinha o Abrão, que era o rei da batata, era um mercado. Não tinha muito mercado aqui, naquela época. Ele tinha uma distribuidora de batata. E tinha o Clube Sírio-Libanês, também, que era em frente. E o que mais tinha ali? E do lado a Cervejaria Antártica que, na época, tocava a sirene do meio-dia, das seis da manhã. Era muito interessante, essa parte.
P/2- Que legal.
R- Então, eu estudei no Fábio Barreto, o primário.
P/1- Senhor Marcio, e tinha a fabrica da Antártica aí?
R- Tinha a fábrica da Antártica, o Guaraná Antártica e a Cervejaria Niger, que era tudo um grupo só. Tudo ______ (13:32).
P/1- Ah, sim. E na escola, que matéria que o senhor mais gostava, assim?
R- Matéria que eu mais gostava? Educação Física.
P/1- Educação Física?
R- Eu gostava de esporte. Não. É uma brincadeira. Mas eu gostava muito de arte. Eu desenhava bem. Eu gostava de desenhar.
P/1- Gostava de desenhar. O que o senhor desenhava, geralmente?
R- Ah, paisagens. Desenho. Os personagens de desenho animado, eu gostava muito. Cebolinha, principalmente, Monica, eu adorava desenhar e pintar, quando eu era garoto.
P/1- O senhor continua desenhando hoje? Ou parou?
R- Hoje, não. Não dá mais tempo pra nada. Agora, eu estou tentando ensinar os netos.
P/1- Ensinando a desenhar.
P/2- Aí, o senhor falou que o senhor estudou o primário no Fábio Barreto. Depois do primário, o senhor foi pra alguma outra escola? Como foi essa transição? Porque aí tinha...
R- É. Aí, eu... Tinha? Você ia completar, eu que cortei.
P/2- Da transição, né? Porque tinha o primário. Depois o senhor foi pra outra escola? Como foi isso?
R- Não. Continuou lá mesmo. Só que aí já era terceiro ginásio estadual. Mas era no mesmo local. Aí eu fiz o ginásio ali. Não totalmente. Eu estudei o primeiro e o segundo ano do ginásio, depois eu fui pra uma outra escola. Eu fui transferido pra outra escola. Os meus pais mudaram do Centro, foram morar nos Campos Elíseos. Aí eu estudei no Antônio Diederichsen. Isso eu já estava com os meus catorze anos, mais ou menos, quando eu estava no Diederichsen, catorze pra quinze anos. E depois nós mudamos pro Ipiranga, próximo dali, porque eu morava na Rua Bahia. Não, minto. Eu morava na Rua Caravelas, entre a Bahia e a Espírito Santo. A próxima era a Américo Batista. Aí, eu estudei no Geraldo Correia de Carvalho. Inclusive, com o Heraldo Pereira, eu estudei com ele.
P/2- Olha!
R- Que é jornalista da Globo, hoje.
P/2- Que legal.
P/1- Olha só. E teve algum professor que marcou assim, mais, o senhor?
R- Que me marcou? Demais. A minha primeira professora, a Dona Esmeralda. E marcou porque ela foi a primeira professora minha, na escola. E depois de muito tempo sem vê-la, eu reencontrei com ela aqui no bar, ela passeando com uma cuidadora, bem de idade, bem velhinha já. Isso já faz, mais ou menos, dez anos, que ela faleceu. Então, eu estou aqui há vinte e nove. Mais ou menos isso. Uns dez anos atrás que eu a reencontrei.
P/1- Ela passou aí. E o senhor passou a juventude aí mesmo na cidade? Ou foi pra outro lugar?
R- Não. A minha juventude foi toda aqui em Ribeirão. Toda. Parte de esporte. De tudo. Foi tudo aqui.
P/1- E o que Ribeirão, assim, na época, tinha de diversão? Tinha cinema? O que o jovem fazia pra se divertir, na época?
R- Na juventude? É, tinha, tinha cinema. Logo abriu o Ribeirão Shopping também. Mas eu, por exemplo, comecei a jogar futebol. Por isso que eu não concluí os meus estudos. Eu deixei os estudos por causa do futebol. Mas daí casei muito cedo, também. E eu tive que abandonar o futebol, porque naquela época, você não ganhava, você não recebia, você jogava de graça, tudo, então eu precisei abandonar. Mas tinha bastante diversão. Tinha as discotecas. Tinham as brincadeiras de casa, que era muito interessante, reunia um grupinho, fazia uma brincadeira dançante. Parque, tem o Bosque Municipal que a gente ia muito também, visitar o Jardim Japonês. Tinha bastante coisa pra fazer, sim. Tinha cinema. Tinha bastante diversão. Mais saudável do que hoje, pode ter certeza.
P/1- E como foi isso? O senhor entrou em algum time, na época?
R- De futebol?
P/1- Isso.
R- Eu comecei a jogar com treze pra catorze anos, no Comercial Futebol Clube, aqui de Ribeirão. Não só eu, como muitos, que depois foi jogar comigo no Botafogo, também. Aí eu fui pro Botafogo em 1975, pro Dente de Leite do Botafogo e nós fomos campeões Dente de Leite. E inclusive, nesse time Dente de Leite, teve vários jogadores que se projetaram no cenário do futebol. O Silvinho, por exemplo, jogou no Palmeiras, depois jogou na Espanha, jogou em vários clubes, né? E continuei no Botafogo até estourar a idade dos juniores. Que hoje chama juniores, aquela época era... hoje eles chamam sub 20, na nossa época eram os juniores. E eu fui emprestado pra alguns clubes. Mas aí eu já estava acertando casamento, uma série de coisas. E eu cheguei a jogar na Inter de Bebedouro. O meu segundo clube, isso emprestado pelo Botafogo, a Francana, que é a vizinha aqui. Aí voltei. Aí emprestaram de novo, eu já estava casado. E eu resolvi desanimar de futebol. Aí eu larguei mão. Comecei a trabalhar.
P/1- O senhor era bom, então? O senhor era bom, então, jogando futebol?
R- Ó, modéstia à parte, que muita gente fala, né? E me pergunta até hoje por que eu parei, qual foi o motivo de eu ter parado. Eu expliquei, eu falei: “Era uma vida incerta. Eu não tinha garantia de que ia receber”, né? Tanto é que eu já nem estava mais aqui em Ribeirão Preto. Eu fui trabalhar... mas já é uma outra etapa, depois a gente chega lá. Ou você quer concluir a parte de futebol aqui?
P/1- Pode ser também. A gente pode falar dessa parte aí e já ir pra próxima etapa, como o senhor disse.
R- Certo, então. Aí, foi uma outra etapa da minha vida. Eu comecei a trabalhar. Eu comecei a trabalhar no CPD da Caixa Econômica do Estado. E depois o meu filho nasceu, a situação apertou, eu precisava arrumar outro emprego pra sustentar a casa. E eu fui trabalhar numa loja de eletrodomésticos chamada Mahfuz. Na época era Irmãos Mahfuz. E me destaquei, ali. Logo em seguida, com vinte e dois pra vinte e três anos, eu fui promovido a gerente. E eu fui gerenciar a loja lá em Lins. E lá em Lins eu peguei amizade com muita gente do futebol, lá, né? Por ser novo, às vezes, eu ia treinar com eles lá. Quando dava tempo, né? Às vezes, o treino à noite e eu saía da loja e ia lá. E me convidaram pro jogo festivo, o Fedato, ex-jogador do Palmeiras, que jogou na Itália. E que teriam dois jogos. A Academia do Palmeiras, que vinha aquele timaço que o Palmeiras teve lá, com o Leão, Eurípedes, Pereira, tudo, aquela história toda, né, Leivinha. E nós íamos fazer um jogo preliminar, com jogadores que estavam na ativa e jogadores que estavam parados, que já tinham parado. E eu era um dos casos que já tinham parado. Joguei muito bem, por sinal, fiz até um gol, meio sem querer, mas fiz. E o Cilinho, que foi o treinador do São Paulo, estava na arquibancada e viu o jogo. E aí ele desceu no vestiário perguntando quem era o cinco. Aí o Roqueiro falou: “Ele está amarrando o tênis ali”. Ele falou: “Olha, eu acertei com ao América de Rio Preto. Preciso de jogador igual a você. Você não quer vir? Você está jogando aonde?” Eu falei: “Não”. Eu expliquei pra ele: “Parei” “Não. Você tem muito futebol pela frente ainda. Vinte e três pra vinte e quatro anos, você tem muito chão. Vamos voltar a jogar. E saindo aqui do...” - o América já jogava na primeira divisão, na época - “América, eu já tenho um contrato com o São Paulo, um pré-contrato com o São Paulo. Correndo tudo bem com você aqui, você vai pra lá, comigo”. Aí, balançou, né? Mas a razão, depois de ter vivido tudo o que eu vivi, eu coloquei tudo na balança. E morava no Centro de Lins, a empresa pagava o meu aluguel, eu tinha convenio médico, eu tinha salário garantido, eu tinha uma carreira dentro do comércio também, promissora pela frente. E aí eu resolvi não aceitar.
P/1- E quais cidades, assim, o senhor chegou a passar, jogando?
R- Jogando: Franca, Bebedouro, que é tudo vizinho aqui, praticamente, bairro de Ribeirão, hoje. Franca dá noventa quilômetros. Bebedouro, eu acho que setenta. Limeira que é um pouquinho mais longe. Jogando, né? As três cidades, só, que eu joguei.
P/1- E é aí onde que o senhor conheceu a sua esposa, né? Ou foi antes?
R- Só um minutinho que eu vou colocar um fone aqui, que está passando muito carro e, às vezes, interfere.
P/1- Tudo bem.
R- Está saindo a minha voz.
P/1- Sim. Está legal.
R- A de vocês também. Está perfeita. Melhorou bem.
P/1- Melhorou bem? Eu ia perguntar, né, o senhor já conheceu a sua esposa, então, nessa época?
R- Um pouquinho antes de eu parar de jogar, que eu havia a conhecido. Foi o período que eu ia - ia, não - que eu fui pra Inter de Limeira, né? Mas aí as coisas acabaram não correspondendo, né? E aí voltei. Logo em seguida, também, nós casamos. E tocamos a nossa vida pra frente.
P/1- Vocês namoraram quanto tempo?
R- Dois anos. E nos casamos.
P/1- Dois anos. E como é que vocês se conheceram?
P/2- Como vocês se conheceram, senhor Marcio? Deu uma falhada.
R- Como eu a conheci?
P/2- Sim.
R- Eu tinha uma outra namorada e a gente tinha se separado. E eu lembro que terminou um jogo, o pessoal: “Vamos dar uma saída. Vamos sair, tal”. Eu estava meio assim, meio baixo astral. Eu cheguei em casa e falei assim: “Quer saber de uma coisa? Eu vou sair”. E tinha uma discoteca, aliás, tinham várias discotecas, na época, né? Essa era na Saldanha Marinho, próxima a Francisco Junqueira, ali. Era a Skate Disco Club. E eu fui. Aí tinha aquela parada da música agitada pra música lenta, o pessoal saía e chamava alguém pra dançar e tal. Na verdade, eu fui pra chamar uma amiga dela pra dançar. Mas teve um que chegou primeiro que eu, ficou ela. Eu falei: “Pra não perder o período que eu percorri”, foi ela mesmo. E ali criou-se uma amizade. Ela namorava também, na época. Mas a amizade nossa continuou. Até que ela se separou do namorado e nos começamos a namorar. Mas foi assim que eu a conheci.
P/1- O senhor falou dessa parada, que era música agitada, de repente ficava música mais pra dançar coladinho, né?
R- É.
P/1- O senhor lembra das músicas? Como eram? Quais eram?
R- Vixe, olha, tocava-se muito, na época, Boney M, Abba. O que mais? Ixi, tem bastante. Bastante coisa, na época. Mas os mais tocados eram Abba e Boney M.
P/1- E o namoro naquela época era bem diferente de hoje em dia, né? Sair, como é que era?
R- Totalmente diferente. Ela tinha hora pra chegar em casa. E era aqui mesmo onde nós estamos. Eles moravam do lado. Hoje virou tudo comércio. Mas na época que a gente namorava, tinha a mercearia na esquina, que o pai dela e a mãe tomavam contam. E do lado, eles moravam. Era tal hora em casa e não tinha esse negócio de... às vezes, eu chegava com ela e ficava na porta. Ele fechava a mercearia, a primeira coisa que ele falava: “Gente, amanhã é segunda, é dia de branco. Vamos dormir”. E entrava. Era assim, curto e grosso. Hoje, a molecada dorme em casa, viaja. Tudo mudado, né?
P/1- A mercearia era super próxima, então, da casa do senhor?
R- Não. Ao contrário.
P/1- Da casa dela?
R- A cada dela era do lado. Do lado. Inclusive, a estrutura da frente da casa não mudou, só melhorou por causa do bar, a pintura. Mas a estrutura de entrada, sala, essas coisas, onde é o escritório hoje, quarto, onde é um dos quartos, onde era sala, antigamente, onde era banheiro, sala de passar roupa, hoje, virou tudo cozinha. É bem... mas a estrutura de fora, da casa, é a mesma. Ela morava do lado. Eu que tinha que atravessar a cidade, né? Morava lá no Ipiranga, na época.
P/1- E a mercearia, então, ficava próxima também da casa dela, né?
R- A mercearia hoje? Na época?
P/1- Na época.
R- Era do lado da casa dela.
P/1- Ah, tá. O senhor que tinha que atravessar, então, a cidade.
R- É. Eu que tinha que atravessar a cidade pra voltar, né?
P/1- E como era, o senhor ia a pé, de ônibus?
R- A maioria das vezes a pé, né? Uma, que eu gostava também de andar e pela dificuldade também, né, na época. Não tinha tanta violência. Não tinha violência, né, na época. Então, você podia andar mais tranquilo na rua. Hoje, tem que pensar muito pra ir daqui até a Praça da Catedral, que é quatro, cinco quarteirões.
P/1- E Ribeirão cresceu bastante, assim, dessa época, até hoje?
R- Cresceu. Cresceu bastante. Nossa! Mas cresceu assim, no meu ver, de uma forma desordenada. Agora, cerca de uns cinco, dez anos pra cá, que eles estão começando a ver que, se tivessem feito ou realizado, que é a palavra mais certa, na época, um crescimento mais humano e mais digno, talvez a cidade seria melhor. Mas cresceu muito. Principalmente aquela região que eu morei, ali no Ipiranga, tanto de casas populares, de Cohabs que surgiram ali e bairros bons com pessoas boas, morando. Do lado de cá, por exemplo, o Bancários, São José, o Manoel Penna, bairros assim que, realmente, cresceu e tentou se organizar. Agora, os mais novos, por exemplo, tem um que é pra cima ali, perto da pista ali que vai pro Sertãozinho, que é o que tem o Cristo Redentor. Você conhece lá, né? Então, eu nunca vi um bairro tão bonito. Eu fui duas vezes lá.
P/2- É um espetáculo mesmo.
R- Bonito. Bem sinalizado.
P/2- Bem ordenado.
R- Bem ordenado. Casas bonitas.
P/2- Realmente.
R- E um lugar maravilhoso pra se morar, né? Mas crescer, cresceu, sim. Bastante.
P/1- Mudou bastante também. O senhor teve filhos ______ (34:45)?
P/2- Deu uma cortada. O senhor teve filhos?
R- Tive. Tive três filhos. Dois homens e uma menina.
P/1- Pode falar o nome deles, pra ficar registrado?
R- O mais velho é o Junior, Marcio Pallandri Junior. O do meio é o Felipe de Souza Pallandri. E a mais novinha, a Mariana de Souza Pallandri.
P/1- E eles já têm profissão? Como é?
R- O Felipe é professor de Educação Física; é formado em Educação Física. Ele também tem uma história, ele tentou jogar futebol também, mas o dele foi a parte física que não deixou. Ele jogou até os vinte anos e encerrou a carreira com cinco cirurgias de joelho, com vinte anos. E a Mariana é nutricionista. E o Marcio Junior seguiu o pai, não estudou direito também, hoje trabalha comigo aqui.
P/1- Ah, ele trabalha com o senhor? E o Felipe, que time que ele entrou?
R- O Felipe jogou no Comercial e no Botafogo. Jogou nos dois, também.
P/1- E ele conseguiu cinco lesões?
R- Cinco lesões. Três no joelho esquerdo e duas no do direito. Aí ele já não tinha mais, assim, como é que eu posso dizer? Não tinha mais confiança pra jogar, né? Medo de machucar outra vez. Eu rompi ligamento também. A dor é insuportável. Aí é a cirurgia, o tempo que é de nove meses a um ano de recuperação. É muito doloroso.
P/1- O senhor também teve lesão?
R- É. Eu tive uma de ligamento. Uma só. Mas ele teve cinco.
P/1- Mas isso influenciou, imagino.
R- Não. Não influenciou, não. De eu ter parado? Não. De eu ter parado, não. Não ia ter problema, porque a recuperação minha foi boa até, na época.
P/1- Aí ele resolveu ser professor de Educação Física?
R- Oi?
P/1- Aí o seu filho resolveu ser professor de Educação Física, né? Continuar nessa área, né, só que de outra forma?
R- É. Mas ele já estava estudando, né? Porque, que nem, nós conversamos uma vez, o Vasco da Gama queria levá-lo com treze anos. Aí eu conversei com ele, expliquei, eu falei: “É muito cedo pra ir pra uma cidade daquela. O que você acha?”. Ele falou: “Não, pai. Enquanto eu não tiver o colegial, eu não saio pra lugar nenhum”. Aí, do colegial, logo em seguida ele já começou a faculdade. Aí não teve jeito de sair mesmo, porque aí vieram as lesões, uma seguida da outra. E com vinte pra vinte e um anos ele precisou parar. E seguiu a carreira. Tem academia, hoje, tem tudo.
P/2- Que legal.
P/1- Ah, ele tem uma academia?
R- É. A academia que a pandemia judiou um pouco, né, na verdade. Ele tinha um espaço muito grande aqui na área central, próximo ao Hospital São Paulo. E aí entrou a pandemia, veio uma série de problemas, dificuldades, aluno e para, reabre; para, reabre. E ele precisou, praticamente, assim, não digo desmontar totalmente a academia, ele arrumou um parceiro que tem uma escola de natação aqui na City Ribeirão também. Ele arrumou um espaço, ele conseguiu colocar parte da academia. Então, estão fazendo um trabalho em conjunto, lá, trabalhando em conjunto. E ele tem parte da academia aqui, num dos cômodos da mercearia, tem na minha casa, tem na minha chácara, que não coube no espaço que ele arrumou lá, né? Mas está seguindo. Não é porque é meu filho não, é um bom profissional, dedicado.
P/1- Como é o nome da academia?
R- A dele, antes de desmanchar, era Zona Alvo. Hoje, acho que já está totalmente desocupada. Eu acho que até entregou o prédio, já. Tirou até a placa que tinha na frente, essa placa está até aqui no bar, inclusive. E agora ele está lá com o parceiro dele lá, na escolinha de natação da City.
P/1- O senhor falou que, no caso, ele foi convidado com treze anos pra jogar no Vasco. E seria aquele negócio de alojamento, que você vai pro alojamento?
R- Isso, vai pro alojamento. Hoje ainda não tem, você imagina naquela época. Hoje, o Felipe está com trinta e quatro anos, ele tinha treze. Então, são vinte e um anos atrás. E a gente tinha, sempre teve muito receio em relação a isso, né? É até um termo que eu não gosto muito de usar, eu tenho pavor dessa palavra: pedofilia. Eu tenho pavor. Eu não suporto. E existia muito, nessa época. Como, infelizmente, eu acho que existe até hoje. E a gente optou por ele ficar por aqui até... porque se tivesse que ser, seria, em qualquer lugar, lá ou aqui.
P/1- E o senhor é botafoguense ou Comercial?
R- Um minutinho, só. Eu sou comercialino. Mas sou um comercialino diferente. Porque a convivência minha dentro do Botafogo foi uma coisa muito bacana, com ex-dirigentes, com pessoas que ainda - que dirigiram na época - são vivos, já estão bem de idade. Então, o carinho que o Botafogo me deu nesse período todo, não tem como eu... hoje, por exemplo, se... quando eu jogava contra o Comercial, eu estava jogando, eu estava defendendo a minha camisa, eu tinha que ganhar o jogo, eu estava pra ganhar o jogo. Tanto é que eu nunca perdi. Tem dois, inclusive, de nós que, nunca perdeu do Botafogo, sendo comercialino, jogando pelo Botafogo, nunca perdeu. Empatamos ou ganhamos.
P/1- O senhor nunca perdeu um jogo?
R- Comefogo, não. Nunca perdi. Jogando, né?
P/1- Olha só.
R- Mas não foram muitos também, não. Foram mais em categoria de base. Mas foram vários jogos. Ganhava ou empatava. Perder, eu nunca perdi. Comefogo.
P/1- Comefogo. Na questão do comércio, assim, o senhor falou que já trabalhou numa loja de eletrodomésticos, a Mahfuz. O senhor era vendedor lá?
R- Eu comecei como vendedor. E depois cheguei à gerência.
P/1- Chegou na gerência. É difícil administrar uma loja assim?
R- Não. Hoje está muito mais fácil. Mas naquela época a gente tinha uma estrutura boa de trabalho. A questão difícil da época era que toda compra liberada, na época, que era crédito, era de responsabilidade do gerente. E, às vezes, a dificuldade nossa, na época, era essa daí. O cara tinha uma ficha impecável. Você vendia, o cara pagava uma ou duas parcelas, largava a mão. Você ia atrás do cara, o cara mudou de endereço, não está mais aqui, mercadoria perdida, você acabava pagando.
P/1- Aí, depois de trabalhar como gerente, o senhor foi pra onde?
R- Então, depois que eu saí da empresa, eu voltei de Lins pra Ribeirão Preto. Aí, eu trabalhei na extinta - bom, a Mahfuz ainda existe - a Arapuã que não existe mais. Eu cheguei a trabalhar, praticamente, um ano na Arapuã. E a loja que eu trabalhava na área central, tinha, próximo do café da UNE. E ali o movimento de corretores de imóveis, aquela coisa toda, era intenso. Um dia, eu conversando com um amigo, falou: “Por que você não vai trabalhar com a gente? Você conhece bastante gente”. Aí eu parti pro ramo imobiliário. Aí trabalhei até 1992, finalzinho de 1992. Nessa época eu trabalhava na Impol, na extinta Impol, que quebrou. Aí surgiu o bar. Depois disso surgiu o bar.
P/1- E esse ramo imobiliário é bem diferente, né, de qualquer administração de uma loja, né? O senhor vendia casa, então? Ou fazia...
R- Eu passei a vender imóveis. Inclusive, eu até vou perguntar, pessoalmente, pra ele, a hora que eu tiver oportunidade, que eu vendia muito lançamento de prédios, né, mas até pouco tempo, eu era o recordista de venda de um prédio, de um local só, que a gente vendia nesse prédio. Eu vendi onze apartamentos em uma semana, na época.
P/1- Em uma semana?
R- É. Em uma semana, eu vendi onze apartamentos nesse local, nesse edifício. Fora os outros. E depois de imóvel, surgiu o bar. O bar foi... eu terminei na Impol, já não era mais esse boom de venda do começo, foi caindo, caindo, caindo, caindo. O pai dela, na época, estava montando uma padaria. Não queria vender pra estranho, que aqui nós estamos desde 1977, quando tudo começou. E me ofereceu. Aí eu falei... eu tinha, na época, com a dificuldade toda acumulada do período, o meu apartamento com a Caixa, era financiado pela Caixa, a Caixa já tinha entrado com a devolução do imóvel, tinha que entregar o imóvel. E o meu sogro conversando comigo, eu falei: “Mas eu não tenho dinheiro pra comprar” “Você vai me pagar trabalhando”. Eu falei: “Eu tenho que sair daqui. Eu não sei pra onde eu vou. Nós estamos desocupando a casa lá, tudo o que está parado lá. E você vai, você mora do lado, como nós começamos, na época, também. Você começa a trabalhar”. Aí, era só mercearia, né? E aí, devagarzinho, nós fomos crescendo, evoluindo, criando outras coisas, né, pra melhorar o que já era bom.
P/1- Praticamente, desde sempre então, o senhor trabalhou com público, né, mexendo com público?
R- Sempre. Sempre com público. Eu gosto.
P/1- O senhor gosta. E voltando um pouquinho pra imobiliária, essa questão da venda dos imóveis, como é isso? Como é convencer a pessoa a comprar aquele imóvel, aquela casa, aquele apartamento? Como é isso?
R- O lançamento, na verdade, é praticamente uma venda já feita, porque a construtora faz toda a propaganda, divulga tudo. A pessoa já vai em busca daquilo que ela ouviu, daquilo que ela viu. Agora, o principal, a hora que você atende o cliente, é você ter, primeira coisa, educação, você ouvir bem a pessoa, sentir aquilo que ela precisa. De repente ela não tem, assim, iniciativa, você tem que buscar nela, aquilo que ela, realmente, está querendo. De repente, ela foi ver aquilo ali que ela imaginava e não era aquilo que ela quer. Aí ela fala assim... você tem que tentar descobrir o que ela quer: “Olha, em outro lugar eu tenho assim, assim, assim, assim, assado. O que a senhora acha de dar uma olhadinha? Vamos ver?”, tal. Aí onde eu realizei muitas vendas dessa forma, de vender até imóvel pronto e mobiliado pra uma pessoa que foi comprar um imóvel em construção.
P/1- E já é mobiliado. Tem gente que busca por isso.
R- É. Eu acabei vendendo um imóvel pronto, mobiliado, pra uma pessoa que foi em busca de um apartamento em construção. É você direcionar aquilo que a pessoa quer. Não é muito diferente daqui, não, do bar. É bem parecido com o bar. (risos)
P/1- E quem buscava mais comprar? Eram casais, geralmente?
P/1- Casais. Investidores. Investidores buscavam muito. Eu cheguei a vender, uma vez, quatro... quatro? Eu não lembro se foi quatro ou se foram seis apartamentos. Ele fez uma proposta até absurda na época, era a Copema, a construtora, quando estavam juntos ainda o José Renato Magdalena e o José Roberto Pereira Alvim. O José Renato não aceitou. Mas daí, conversando com o José Roberto, eles entraram num acordo lá, aceitou a proposta. Na época, ele pagou acho que sessenta e cinco mil, cada imóvel. Dois anos depois ficou pronto tudo, ele vendeu por cento e dez cada um, na época. Tinha, tem bastante investidor. Mas a maior parte que procura é casal, né? Hoje eu não sei, porque eu estou fora, totalmente, assim. Tenho amigos meus que são corretores, que vêm aqui. Mas na minha época, muito casal novo, namorado, pessoas de idade que moravam numa casa muito grande, queria trocar por um imóvel menor. Como existe até hoje. Eu, por exemplo, estou passando por isso. Estou só eu e ela em uma casa que tem cinco banheiros. Eu não aguento mais lavar banheiro.
P/1- O senhor está pensando em vender, então?
R- Pra quem só tinha uma fossa, quando era criança, ter cinco banheiros hoje, é muita coisa.
P/1- Sim, é muito, né? O senhor está pensando em vender, então? Pôr pra alugar a casa?
R- Picotou, eu não ouvi.
P/1- A casa que o senhor está hoje, está pensando em vender, então?
R- A ideia é vender, trocar, né, por imóvel menor. Só um minutinho.
P/1- A mercearia... pode falar.
R- A ideia é trocar pra uma coisa menor. Está só eu e ela. E a gente tem a chácara, que o espaço é maior, vai lá pra chácara, fica lá uns dias, descansa. Não há necessidade de ter uma casa grande dessa. A ideia é vender. Vender ou trocar.
P/1- Os filhos já têm a casa deles, cada um?
R- Tem. Todos os três têm, graças a Deus. Inclusive, o mais velho, o Marcio Junior, mora num condomínio que eu coordenei a venda, antes de vir pro bar. Foi o último trabalho meu. O condomínio Villa Dei Fiori, aqui na City Ribeirão. Dali, da City Ribeirão, eu já vim pro bar. Eu tive proposta deles, na época, porque eu já tinha conversado, eu falei: “Olha, eu vou coordenar a venda pra vocês, mas eu já tenho um compromisso assumido com o meu sogro”. E foi um sucesso de venda. Lá são cento e quarenta casas. Eu que coordenei todas elas, todas as vendas, contrato, tudo. É aqui na porta do bar, mesmo. Fecharam aqui. Eram três construtoras na época: a Chemin, a ________ (55:26) de São Paulo e a Costallat de Ribeirão, que é de um grande amigo meu. Porque me ofereceram, falaram: “Quanto você quer pra conversar com o seu sogro e vir trabalhar pra nós?”. Eles já tinham dez cidades na região de São Paulo e Grande São Paulo, já com projeto pronto e aprovado, pra construir tudo o que eles fizeram aqui. Aí, eu falei: “Não. Eu não vou romper uma palavra que eu já tinha dado. Eles estão esperando isso de mim”. Porque aí, se eu falo: “Não. Não vou vir aqui”, eles não iam ter tempo hábil pra vender pra alguém. E eu tenho que ficar aqui e respeitar a palavra. Aí eu tinha condições de continuar com eles.
P/1- Agora, falando do bar, então. Como foi o início do bar?
R- O início, que nem eu falei pra ele na primeira conversa que nós tivemos: “Ó, conhecer bar, eu conheço pelo lado de fora. Agora, o lado de dentro é completamente diferente do lado de fora”. Ele falou: “Não. Eu vou ficar com você aqui. Vou te orientando”. Inclusive, me levando nos lugares: “Aqui, você compra isso. Aqui, você compra aquilo. O Makro é um lugar bom pra comprar, mas tem que saber ir lá comprar, porque, às vezes, eles colocam o produto, os produtos estão caros”. Foi dando assim toda aquela dica de quem já está no comércio o tempo que ele já estava. E foi ficando comigo. E eu, um belo dia, conversando com ela, eu falei: “A gente precisa fazer um negócio diferente. Colocar umas mesinhas lá fora. Aumentar o leque”. Porque é uma tradição até hoje, a minha sogra, o torresmo... cortou a ligação, aqui. Interferiu. O quibe que a minha sogra fazia, que a receita é a mesma até hoje, a empada. Então, a gente tinha um movimento muito bom nessa parte. Finalzinho de tarde, aquele happy hour, aquela clientela antiga, era um em cima do outro, em pé, no balcão. E dobradinha, né, a feijoada que fazia todo sábado. Nós resolvemos abrir. Eu conversei com o pessoal da Ambev e eles me arrumaram, eu acho que dez jogos de mesa, na época, de lata ainda, aquelas mesas de lata, antigas. Nós fomos começando. Aí criamos um pequeno cardápio, fazer isso, aquilo. E cresceu, desenvolveu.
P/1- E, no caso, o bar, deixa ver se eu entendi, ele era a padaria do sogro? Como é que é isso? Passou pra vocês?
R- Não. Não. Era uma mercearia.
P/1- Mercearia.
R- É. Uma mercearia. E, além da mercearia, tinham os petiscos que era feitos: o quibe, os pastéis, o torresmo, a dobradinha, as empadas. E nós só fomos ampliando. Aí criamos a porção de frango a passarinho, filé ______(59:33), filé de frango, lanche. Aí foi aumentando. Ao longo do tempo, claro.
P/1- E no ramo, então, do bar, o que o comerciante precisa ter, pra poder evoluir?
R- Pra evolução, hoje... hoje não, eu acho que sempre, né? Em primeiro lugar, a sinceridade. Se trabalhar com produtos honestos. Saber atender, que é importante. Que é o atendimento ligado à qualidade e preço. Então, não adianta nada você ter qualidade e preço e não ter um bom atendimento. Ou você ter um bom atendimento e não ter qualidade e nem preço. Então, você vê que a soma de tudo é que é importante. É o que eu costumo sempre dizer. Hoje, eu estou deixando o Junior mais à frente de tudo, deixando ele obter mais responsabilidade, porque daqui a pouco é ele que vai segurar tudo, mesmo. É isso aí, eu vejo dessa forma: a sinceridade naquilo que você faz.
P/1- E aí é uma área bastante movimentada?
R- É a área central. Próximo a shopping. Bastante movimentada.
P/1- E como é administrar, assim, um bar? Deve ser muito diferente, assim, de uma loja de eletrodomésticos, né? Como é isso?
R- Ah, é bem diferente. Ixi, não tenha dúvida. Você tem, por exemplo, você trabalha com perecível. Muita gente: “A cerveja não é perecível”. A cerveja é perecível também, ela tem data de validade. Então, por exemplo, na época da pandemia, quando iniciou a pandemia, eu tive um problema sério, porque eu estava com o estoque muito alto. Ah, vai passar. Março, abril, maio, não passou. Junho, julho, agosto, setembro. Por exemplo: eu vendi Heineken de garrafa a cinco reais, porque eu tinha uma semana só pra vendê-la, porque ela ia vencer. Vendi a cinco reais, uma garrafa, pra não vencer. Então, a dificuldade é maior ainda na cozinha, a quantidade. Eu estou precisando comprar o bucho pra fazer a dobradinha. Caixa com cinquenta quilos? Eu não vou comprar. Por que eu vou comprar uma caixa com cinquenta quilos? Eu vou comprar uma caixa, talvez pague um pouco mais caro, mas menor, com quinze, vinte quilos, que eu faço tudo de uma vez só e vendo em um período de dez dias, quinze dias. Depois eu vou lá e compro. Então, o segredo é essa parte. Por exemplo: hortifruti, a gente usa muito cebola, tomate, salsa, repolho, tudo, batata, vagem. Tem um Cenourão a quarenta metros de mim aqui, bem tradicional, antigo. Por que eu vou comprar uma caixa de tomate, se eu posso comprar dois quilos no dia, pra trabalhar com ele? Aí eu vou pegar mais dois quilos, amanhã, ele está fresquinho. Eu vou pegar alface amanhã, ela está fresquinha. Todo dia ele tem. Então, são detalhezinhos que vão te levando a tudo isso.
P/1- É muita coisa, né, pra ter ciência ali, pra administrar?
R- É. É muita coisa. É muita coisa pra cuidar.
P/1- E ali na parte da bebida, assim, quais aperitivos, assim, que vocês servem?
R- De bebida? Caipirinha, caipiroska, drinques, coquetéis, cerveja gelada, cachaça de boa qualidade. Eu tenho cachaça aqui, que custa trezentos e trinta, a garrafa. Essa daí não vende dose. Porque é abrir, é um ou outro que vai tomar, então você vai perder a cachaça, tem que vender a garrafa.
P/1- E os aperitivos de comida, assim?
R- De comida? Ó, joelho de porco. Tenho a dobradinha. Tenho a feijoada. Bolinho caipira, que é um prato que participamos do Comida de Boteco, em 2017. Que é um bolinho de arroz com bacon recheado com provolone, tomate, empanado e frito e é um prato que sai bem. O Trio Brasília é um prato também do primeiro Comida de Boteco, em Ribeirão, que é o torresmo, a carne seca acebolada e a mandioca frita ou cozida; serve bem até três pessoas. Diversos, né? Tem carne seca, tem quibe cru, tem quibe frito. Bastante coisa.
P/1- Sim. Esse Comida de Boteco é um concurso, né?
R- Sim, é um concurso. Começou em Ribeirão em 2010. As duas últimas edições não teve, o ano passado, que seria abril e esse ano também não teve, devido à pandemia.
P/1- Esses anos todos, o senhor leva lá, pra poder ser avaliado? Chegou a ser avaliado alguma vez?
R- Pelo Comida?
P/1- Isso.
R- Avaliação? Não. É ranking. É igual futebol. Os vinte e dois bares que participam em Ribeirão Preto, dezoito permanecem e os quatro últimos colocados não retornam o ano seguinte e entram mais quatro novos. Então, é assim que eles vão fazendo a seleção. Graças a Deus, até hoje nós continuamos. Não caímos, não.
P/1- E o que mais sai aí no bar, assim, de comida?
R- O que mais sai? A feijoada é um prato que vende muito. Mas o torresmo não tem jeito, o torresmo é todo dia. O torresmo é um prato que, se você não quiser vender, você não tenha. Mas se você quer vender, pode ter, que você vende.
P/1- O torresmo é garantido, né?
R- É. Apesar que esses dias, tudo, agora com esse lockdown aí, está complicado. Mas, normalmente, esse é o prato que mais sai.
P/1- Como é o público? A quem o senhor serve? É o que mora perto aí? Tem gente que vem de outra cidade? Como é isso?
R- O meu público é diversificado. É o pessoal que mora perto. Tem pessoal que vem de fora, principalmente gente de São Paulo, vem muitas aqui. Porque aqui, o Sócrates frequentou muito tempo. Ele tem até uma mesa que tem uma placa talhada de madeira, com o nome dele: “Mesa do Sócrates”. Isso aí também é uma atração. O pessoal: “Onde o magrão sentava? Vamos lá”. Então, o pessoal vem te pergunta: “Como é que ele era? Ele era assim? Assado? Ele vinha muito aqui?”. Ele vinha muito aqui, ele morava do lado, então ele vinha quase todo dia, né?
P/1- Era o que eu ia perguntar. Tem a mesa ali dele reservada, ali, né?
R- Tem. Tem. Reservada.
P/1- É. Porque, querendo ou não, virou uma atração turística quase, né?
R- É. Acabou virando. Porque na Copa do Mundo no Brasil, em 2014, foi feito um guia pros hotéis. Porque a seleção da França ficou aqui em Ribeirão, né? E veio muito turista, jornalista aqui. O que deu de jornalista, aqui! Bom, eu ganhei presente de jornalista francês, italiano, suíço, chinês. E no guia está a propaganda do bar, a mesa do... o guia que fica nos hotéis. Se você se instalar num hotel em Ribeirão, se você pegar o guia, você vai achar a página inteirinha.
P/2- É um box só pro bar do senhor Marcio. É muito bonito.
P/1- É?
R- Um box só pra ele. É.
P/1- Olha só!
R- E foi uma surpresa, porque eu não sabia que isso ia acontecer. Não foi matéria paga, não foi nada, não. Ele simplesmente falou: “Isso aqui é um presente seu”, depois de pronto.
P/1- Repercutiu, então, geral.
R- É.
P/1- E aí o senhor falou que veio bastante jornalista, veio jornalista da França, Suíça. Eles chegaram falando o idioma? Como era? Como foi?
R- Não. A maioria veio com intérprete, né? Porque... o Nani, por exemplo, da Espn Internacional, eles fizeram uma fusão pra vir pra cá. O Nani gravou comigo aqui no bar, e ao mesmo tempo com o Raí. Foi uma...
P/2- Simultâneo.
R- Foi simultâneo. E foi muito bacana. O intérprete o tempo todo ali do lado, acompanhando. Ele fala um pouco de português, mas como ele estava transmitindo pra Europa, foi... e eu ficava atento no intérprete, se perdesse uma vírgula, eu já me perdia na entrevista. Foi bacana. Foi legal.
P/1- E pensando em bar, assim, a gente pensa também a questão do futebol, em Copa do Mundo, né? Como é quando tem Copa do Mundo, aí no bar? Enche bastante? No Brasil, quando foi a Copa, como é que foi, na época?
R- Olha, pra você ter uma noção, no dia do sete a um que nós tomamos, que na minha coisa, é uma coisa, uma situação que eu senti vergonha, eu estou sentindo hoje, pelas atitudes dos governantes nossos em relação ao problema seríssimo que nós estamos tendo. Hoje, se comparar a vergonha daquele dia com a de hoje, eu acredito que aquele dia lá, a seleção brasileira foi absolvida pelo que está acontecendo hoje. É ridículo como se trata... a filha, como eu falei pra vocês lá atrás, é da área médica e está lá na linha de frente, já está vacinada, é terrível. Nesse dia, por exemplo, do jogo do sete a um, eu estava com uma, duas, três, quatro, cinco televisões de quarenta e oito polegadas. E o total deu trinta e seis mesas, estava lotado: criança, adulto, jovem, pessoas de idade. Inclusive, uma mesa com doze alemães. (risos)
R- Doze alemães. Agora, você imagina a festa que esses doze fizeram.
P/2- Nossa!
P/1- Que tristeza!
R- Então. Mas valeu. Valeu. Valeu como experiência, aquela época.
P/1- Então, enche, né, em dia de Copa, ________ (1:13:36) jogos.
R- É, às vezes, mesmo em jogos do campeonato brasileiro, Libertadores. Não é assim como uma Copa do Mundo, claro. Mas dá bastante movimento. Pessoas que ligam: “Vai passar o jogo do São Paulo? Vai passar o jogo do Santos? Olha, tem um jogo do Cruzeiro. Vai passar?” Eu falo: “Não vai passar o Cruzeiro, porque o São Paulo vai jogar no mesmo dia. A maioria aqui é são-paulino. Então, do Cruzeiro não vai passar”, entendeu? Mas tem movimento, sim.
P/1- É. Porque assistir o jogo num ambiente como um bar, com outras pessoas, com os amigos, é diferente, né, que assistir em casa.
R- Totalmente diferente. Totalmente. Às vezes, eu fico em casa lá, eu tenho a TV na parede, lá. Mas sozinho, sem _______ (1:14:29). A maioria das vezes, o que eu faço? Eu fico com o celular trocando mensagem, olhando o jogo, falando no celular. O jogo mesmo, em si, você acaba não prestando muita atenção. Porque você quer o bate-papo, você quer ter contato. Eu gosto disso aí, gosto de sentar com as pessoas e bater papo, conversar. Às vezes, eu nem ligo tanto pro jogo, não. Mas só o bate-papo, a cerveja gelada, já ajuda bem.
P/1- E assim, em épocas comemorativas, mais no final do ano, no meio, assim, tem diferença assim, do público? O montante de público no bar aumenta, diminuiu? Como é que é? Datas comemorativas, assim.
R- Não. O que eu sinto que aumenta um pouco mais é Natal e Ano Novo. Mais confraternizações. Aqui, se comemora muito aniversário, o pessoal liga muito pra isso: “É aniversário meu. Mesa pra dez pessoas”. Hoje não está podendo, mas antes da pandemia: “Ó, preciso de uma mesa pra vinte, pra trinta”. Hoje não pode. Hoje são seis pessoas, quando pode, que agora não está podendo nada. E provavelmente, deve parar tudo a semana que vem, de novo. Pelo que a gente está sentindo, né? Um aumento de tudo. Mas é como eu te falei, final de ano. Natal e Ano Novo é onde eu sinto que dá mais uma aumentadinha no movimento.
R- Os seus filhos, assim, antes deles se formarem, antes de procurar uma profissão e tal, eles ajudavam alguma coisa, assim, no bar? Ou o senhor nunca gostou que eles ficassem? Como é que é?
R- Não. Não. Essa parte, não. Uma, que a Mariana veio pra cá muito pequenininha. A Mariana tinha dois anos, na época, ia fazer dois anos. O Felipe, sete pra oito anos. Era o Junior. Então, o Junior que ficou comigo, doze pra treze anos, quando nós pegamos aqui. Aí ele me ajudava aqui. Quando começou as mesas pra fora, ele atendia as mesas, vinha aqui no balcão, pegava as coisas, levava. Foi o começo, foi assim.
P/1- E o bar tem essa história, né, de que foi um dos primeiros a colocar as cadeiras, as mesas pra fora, na calçada?
R- É. Eu fui o primeiro a apanhar da prefeitura. Muita gente apanhou, mas eu fui o primeiro. Porque...
P/1- Como foi essa ideia?
R- Tinha mesa na calçada, né? Não que... só que eu fui o primeiro a obstruir a calçada inteira. Tinha bares com mesa na calçada. Só que o meu bar, não sei, graças a Deus, na época, o pessoal gostava de vir aqui. “Pô, mas você não consegue arrumar uma mesa pra três?” Aí você ia arrumando mesa, arrumando mesa, quando você via, você tomava o espaço de toda a calçada. Aí o pedestre não passava. Se o pedestre não passava, a prefeitura vinha e te multava. Aí, até sair uma lei, acho que 1990 e... não lembro se foi 1995 ou 1996, que regulamentava o uso da calçada com mesas. Aí, o que aconteceu? Nós aumentamos o espaço também, que hoje obedece certinho o espaço das mesas.
P/1- Hoje não pode mais colocar na calçada?
R- Não, pode colocar. Só que você tem a regulamentação. Você tem que deixar, tem que fazer uma faixa amarela, da guia, deixando um metro e vinte da guia pra dentro da calçada, pro pedestre percorrer. O restante, até a parede, você pode colocar as mesas. Por exemplo, tem lugar aqui que tem a árvore, que eu não coloco a mesa, porque não vai dar um metro e vinte, vai dar setenta centímetros, então vai estreitar, entendeu?
P/1- Sim. A fachada do bar, aqui em Bauru, pelo menos, tem uma taxa que se paga à parte. Tem isso também aí em Ribeirão Preto, ter o logo do bar assim na frente?
R- Também. Taxa de publicidade.
P/1- Também?
R- É. Você paga a taxa de publicidade, taxa de funcionamento, Iptu, umas coisinhas mais.
P/1- Tem bastante regulamento na área dos bares, né?
R- Tem.
P/1- E o comportamento, né, do jovem? O jovem mudou, assim, a questão das bebidas, Corotes, essas coisas, essas novidades, assim? Tem diferença quando o senhor pegou o bar e agora, hoje em dia?
R- Hoje eu vejo, não tem muita diferença, não, viu? Porque lá atrás, o consumo de bebida pelos jovens era muito grande. Mas hoje, o que eu sinto muito, não é só a bebida, são as drogas. Hoje, infelizmente, a gente está por esse lado. E aí essa parte que você falou: Corote, vinho pra sentar na praça, pra tomar, pinga pra fazer batida, essas coisas. Reuniõezinhas de jovens, tem muito isso aí. Se eu tivesse Corote pra vender aqui, eu venderia uns dez por dias, no mínimo.
P/1- Ah, o senhor não tem? Não vende o Corote?
R- Não. Isso eu não vendo.
P/1- Tem algum motivo assim, ou não?
R- Primeiro, que é uma bebida de péssima qualidade. Segundo, é um público que eu não quero.
P/1- E os pagamentos, como eram feitos? Hoje em dia tem cartão de crédito, débito. Antigamente, assim, tinha fichinha? Como era o pagamento? Fiado?
R- Quando começou? Cheque, dinheiro. Assinava notinha, depois vinha pagar. Cartão, realmente, você falou uma coisa certa, era muito pouco na época. Mas hoje, até Pix. Hoje está muito fácil, né?
P/1- O senhor aceita o Pix já, hoje?
R- Já aceita já, também.
P/1- Olha só! E nas redes sociais, assim, o senhor participa bastante, pra divulgar o bar?
R- Eu não ouvi.
P/1- E na internet, hoje em dia, que é um dos principais meios aí de divulgação, o senhor divulga alguma coisa assim do bar, na internet? Como é?
R- Divulga. Divulga todos os dias: Facebook, Instagram, Whatsapp. E, assim, isso, acho que só esses três canais, que a gente utiliza mais. E uma, que a gente, também, é muito corrida a vida. Então, não tem muito tempo de ficar fazendo muita coisa nessa parte aí. E poucos pra trabalhar nessa área, também. Hoje, quem está cuidando mais disso é o meu filho. Ele não faz nem daqui, ele faz de casa, as postagens diárias. Porque chegou aqui, não dá tempo de fazer mais nada: faz uma coisa, faz outra, daí a pouco, passou o dia, você nem viu.
P/1- Está sempre movimentado.
R- É.
P/1- Então, o bar está desde 1977, né?
R- É, desde 1977.
P/1- Então, vocês passaram por vários períodos, da hiperinflação, vários períodos econômicos, né? Como foi essa resistência até os dias de hoje, assim? Impactou muito?
R- Nossa Senhora! Eu, na verdade, estava, um pouquinho antes, eu assumi totalmente. Mas eu já convivia com essa situação, deles aqui, né? A URV, de manhã era um preço; à tarde era outro; à noite era outro. Essa eu acho que foi a pior situação que eu acho que o Brasil todo passou, essa parte aí. Mas crises tiveram várias, que nós fomos administrando, sempre com o pé no chão, falar: “Ó, hoje eu não posso fazer isso, não posso fazer aquilo. Comprar, vamos diminuir” - como está agora na pandemia - “isso, vamos diminuir aquilo. Ó, precisamos mandar alguém embora? Vamos tentar não mandar. Mas se precisar, vamos mandar”. Foi administrando assim. Como o primeiro ano da pandemia, foi terrível. Foi feito com muita dificuldade, nós atravessamos com muita dificuldade. E estamos tendo, ainda, até hoje. Só que, daqui pra frente, agora, infelizmente, eu não vejo um futuro muito bom pro comércio, não. Se não tiver ajuda do governo, vai ser difícil.
P/1- E vocês já tiveram mais funcionários?
R- Já tivemos mais. Hoje, está com seis. É. Seis, sete. Nós chegamos a ter treze, catorze. Mas acredito que as duas piores situações que nós passamos foi pós Copa do Mundo, pós Olimpíadas. O Brasil jogou dinheiro na lata do lixo com tudo isso daí, não fez, não cumpriu nem os protocolos exigidos pelos comitês internacionais, aí. Porque, se tivessem cumprido, o Rio de Janeiro estava totalmente com saneamento básico, hoje; São Paulo, idem. E quando começou a melhorar, a partir de julho, agosto de 2019, nós tivemos a pandemia. E aí se arrastou o ano todo. Está começando esse ano também assim, mas com um cenário bem mais complicado do que o ano passado, a meu ver. Pra você ter uma noção, o ano passado eu fiquei trancado em casa, eles não me deixavam descer por causa da idade e de um problema que eu tenho, de coração. Hoje nós estamos numa fase pior e eu estou trabalhando, eu não consigo mais ficar em casa. Então, não sei qual vai ser a situação do comércio. Bar e restaurante é o que mais sofreu, né? Isso, principalmente, no estado de São Paulo, mais foi sacrificado.
P/1- E quais foram aí esses aprendizados durante a pandemia?
R- Ah, uma das coisas mais importantes, é que eu era feliz e não sabia. Sabe por quê? Porque você tinha um puta de um movimento e às vezes, você reclamava. “Puta, podia ter vendido mais, podia ter vendido mais”. Hoje, não. Hoje, pelo contrário. Cada moedinha de dez centavos, de um real que entra, é guardada com carinho, com agradecimento, porque não foi fácil, não.
P/1- E como é que o senhor vê aí o futuro pro bar?
R- Uma coisa é certa, né? Continuar, nós vamos. Isso eu não tenho dúvida nenhuma. Eu tenho uma esposa maravilhosa, um filho guerreiro e lutador, como eu também sempre fui. De que forma nós vamos continuar é que não sabemos. Se vai mandar alguém embora, se vai ampliar. Eu espero ampliar, eu tenho muita fé que isso aconteça. Mas que nós vamos continuar, nós vamos. Isso não tenha dúvida.
P/1- O senhor pensa em abrir um outro? Uma outra filial, assim, do bar?
R- Não. Não penso. Nós já tivemos essa experiência com outro estabelecimento. Mas durou dez anos. Durou de 2002 a 2012. Nós vendemos, porque é muito desgastante. Principalmente pra mim e pra ela. Cuidar de dois, ao mesmo tempo, foi... sacrificou demais a gente. A gente não tinha mais diálogo, só conversamos sobre problema, não tinha mais: “Ah, mas aconteceu isso” “Não. Mas lá embaixo também aconteceu isso”. Então, ficou restrito nisso. Eu falei: “Não. Vamos parar. Vamos dar um tempo”. Agora eu quero curtir a vida, curtir os meus netos, mais a minha família, mais tempo pra ela. Porque eu, praticamente, não vi os meus filhos crescerem, direito. Trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando. Agora vamos ver os netos, né? Os netos, dá mais tempo, agora.
P/1- O senhor tem quantos netos?
R- Tenho duas meninas e um menino.
P/1- O senhor pode falar o nome deles?
R- O Miguel, com oito anos, é o primeiro. Aliás, ele completa oito anos agora, no próximo mês. A Alice, que é a segunda, completa oito anos em agosto. E a Ana Luiza é a mais novinha, completa dois anos agora em maio.
P/1- É que agora, os seus filhos já estão com profissões e tudo o mais, mas o senhor acha que eles podem, eles conseguem tocar, ou querem, depois, tocar o bar?
R- Olha, tanto... bom, a Mariana é da área de Nutrição, né? Está muito ligada à gente, né? O Felipe, mesmo sendo da área esportiva, que é a Educação Física, voltado pra outro segmento, sempre dá ideias. Quando voltou, por exemplo, que eles liberaram pra nós o delivery, como ele tem a moto, nós compramos um box pra fazer entrega. Ele foi o primeiro entregador que eu tive. E sugestões: “Ó pai, na pandemia, vamos criar isso. Nós temos isso e aquilo. Temos bolinho de bacalhau. Vamos fazer um combo de torresmo e bolinho de bacalhau. Vamos soltar e vamos vender”. Então, eu acredito que, nesse ponto não vai ter muita dificuldade, não. Talvez até, num futuro, um pouco mais pra frente, talvez até a junção dos três. Mas de imediato, agora, assim, seria o Junior, né, encabeçar tudo______ (1:31:54). O Junior.
P/1- Erica, você gostaria de falar alguma coisa? Tem alguma pergunta?
P/2- Então, tenho uma pergunta, sim, porque quando eu fui conversar com o senhor Marcio, ele contou da expansão. Que, na verdade, era uma porta menor, né, senhor Marcio? E aí, depois, o senhor foi expandindo, né, o bar.
R- Na verdade, Erica, era só aqui aonde fica. As três portas, que é a virada pela Florêncio de Abreu, uma pela Garibaldi e uma frontal, nas duas ruas. Como eu falei anteriormente, do lado era a casa. Daí, descendo pela Garibaldi era uma outra casa, depois outra casa. E nós alugamos. E aonde era a primeira casa, hoje é um espaço kids, pra criança. A parte de baixo da outra casa continua pra guardar mesa, cadeira e algumas coisas que é supérfluo aqui, fica parado lá. E tem o salão que nós montamos, que cabe dez mesas, lá dentro, também, onde foram feitos os outros banheiros. Então, houve um crescimentozinho legal.
P/2- Sim. E na época que a gente conversou, no início, estava na iminência da pandemia, né? Não estava nessa situação que nós estamos agora, foi antes do fechamento. E o senhor tinha quantos funcionários, nessa época? Eu lembro que eu acho que eram uns doze, treze? Foi essa época que o senhor estava com essa quantidade de funcionários?
R- Não. Quando nós conversamos, eu estava com nove.
P/2- Com nove.
R- Não. Não estava com nove, não. Estava com dez.
P/2- Sim.
R- E agora está com sete, só.
P/2- E é por conta da pandemia que está reduzindo? Ou não?
R- É, esses três foram por conta da pandemia. Eu não tinha saída. Tanto é que hoje, por exemplo, eu estou com eles aqui, tudo, praticamente, parado. Porque não tem o que se fazer. Estamos aguardando aí uma situação do governo. Mas a contabilidade não nos passa nada. Está na dependência do que vai acontecer.
P/2- E o senhor está fazendo só delivery, agora?
R- Só delivery e retirada.
P/2- Entendi. Então, é isso que eu fiquei aqui pensativa, porque a gente está aqui perto, né? E percebe, realmente. O bar é uma experiência, né? O Empório Brasília é uma experiência, aqui em Ribeirão. É num lugar bem movimentado, onde todo mundo vê. Então, quando está fechado, quando tem essas restrições, a gente sente bastante. Mas é isso.
R- Com certeza, sente.
P/1- E, senhor Marcio, por que o nome Empório Brasília?
R- Quando o meu sogro comprou aqui, era Bar Brasília. Era um luminosinho pequenininho, acho que do tamanho de uma bandeja, né, da Antártica: Bar Brasília. Só que o meu sogro comprou e o bar pegou uma fama de Bar do Salvador, que é o nome do meu sogro: “Ah, vamos lá no bar do Salvador, vamos no bar do Salvador. Ó, o torresmo lá do bar do Salvador, é bom”. E quando nós viemos pra cá, eu sempre queria um nome pro bar. Bar do Salvador, não tem nada a ver. Chamar o bar de Salvador? Eu cheguei a falar com ele, ele falou que não, que isso aí era o povo que inventou, o bar do Salvador. É um boteco, bar. “Pra mim, não tem nome”, ele falava. E naquela época, eu tinha no balcão, eu vendia ração a granel, arroz, feijão, tudo a granel, naquela conchinha, pesava, punha no saquinho, o pessoal levava. Chegamos até a ter óleo a granel, aqui. Aquelas maquininhas de óleo, chegou a ter. E eu arrumando tudo, um dia, eram umas onze horas da noite – até hoje a gente sempre deixa tudo arrumadinho, tudo limpinho, antes de encerrar – e tinha uma conchinha daquelas, fora do lugar. Aí eu a coloquei no saco de arroz. Quando eu vi aquela conchinha, eu falei: “Está aí o que eu quero: Empório Brasília”, nesse saquinho aqui. Aí foi o que eu fiz. Eu desenhei, eu dei um jeito, mais ou menos. Levei pra um amigo meu que faz arte, falei: “Ó, quero essa marca aqui”, que ela é registrada, inclusive, hoje, patenteada e tudo. E ficou Empório Brasília, no saquinho. É um saco com...
P/1- E uma pergunta que eu acabei me lembrando, aqui, até engraçada: aquela música do Reginaldo Rossi, Mesa de Bar, tem muita gente assim que... ou já teve, né, muitas pessoas que iam aí beber e tudo o mais... e o senhor falou que gosta de conversar muito, né, com as pessoas... que chegaram conversando sobre isso, sobre casos de amor, coisas assim?
R- Ah, tem. Teve várias. Inclusive, um amigo meu, né? Que eu dei uma série de conselhos pra ele, um dia. Eu falei: “Olha, ruim com ela, pior sem ela. Você pensa bem no que você vai fazer”. Passou mais ou menos dez anos ele sentou na mesa, lá e falou: “Você lembra aquela vez, a gente ______ (01:38:53)? Cara, você tinha toda a razão. Eu acabei cometendo um erro. E hoje eu sinto barbaridade”. Ele fez a coisa que não deveria ter feito. Tem. Tinha bastante gente.
P/1- Tem bastante história, então, de bastante gente que... mesa de bar também é lugar pra poder refletir sobre a vida?
R- Também. Também. Também.
P/1- Bom, então eu acho que é isso, né? Eu ia perguntar pro senhor, então, a última pergunta: como foi essa experiência de deixar registrada aqui, um pouco da sua vida, com essa entrevista aqui pro Museu da Pessoa?
R- Foi muito bacana. Voltei lá na infância. E vim seguindo lá da infância até chegar agora, aqui, pra nos despedirmos. Muito bacana.
P/1- Foi bom. Eu não sei se a Claudia está aqui. Se não, eu encerro, então.
R- A Claudia está.
P/3- Estou sim. Estou sim. Acompanhei tudo. Muito bom, senhor Marcio. Obrigada pela entrevista, viu?
R- Eu que agradeço.
P/3- É muito interessante esse pedaço aí com o Sócrates, com o Raí. É bem característico de Ribeirão Preto, né?
R- Com certeza.
P/3- Tá bom, então. Pode encerrar, Wiliam. Depois, a gente faz os combinados com o senhor Marcio.
P/1- Tá bom, então. Bom, então, senhor Marcio, em nome do Museu da Pessoa, do Sesc Ribeirão Preto, a gente finaliza essa gravação aí, de modo oficial. A gente agradece imensamente a sua participação, ela é muito valiosa, com certeza. E quando eu for pra Ribeirão, eu quero muito poder visitar aí, com uma porção.
R- Com certeza. Eu que agradeço vocês, Claudia, Wiliam, Erica. O Tiago, no início. Obrigado. Precisando, é só contar com a gente aqui.
P/2- Obrigada, senhor Marcio.
P/3- Tá bom. Obrigada. Aí o Tiago vai encerrar a gravação.
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