P/1 – Então Helio, boa tarde. Primeiro, eu gostaria de agradecer do senhor ter aceitado o convite para essa entrevista. Pra gente começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Helio Reale. Nasci dia 25 de novembro de 24, data de nascimento. Nasci na Ilhabela, mesmo. Aqui no centro.
P/1 – Fala pra gente seu Helio, o nome dos seus pais.
R – Leonardo Reale e Alzira Reale.
P/1 – Fala pra gente um pouquinho da história deles, eles eram já daqui de Ilhabela?
R – Meu pai era italiano, meu pai veio para o cá para Ilha com 12 anos de idade, porque o tio dele era padre aqui, padre aqui na região. Ubatuba (SP), Caraguatatuba (SP), São Sebastião (SP) e Ilhabela, nas quatro paróquias, o tio dele era padre aí. E o meu pai veio pra cá com 12 anos, aqui pra ilha, aqui ficou, conheceu minha mãe, casaram e aqui fizeram a vida deles até falecerem, os dois.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe é santista. Ela é de Santos (SP), filha de Santos.
P/1 – E como que ela veio parar aqui? O senhor sabe?
R – Ela veio menina pra cá com uma senhora que criou ela desde pequena até ela ir para a escola, aí, depois o meu pai é italiano também, veio da Itália pra cá, que o tio dele era parco aí e aí, conheceram, casaram e viveram a vida, né? Aí, tiveram os filhos. Tiveram cinco… nós somos cinco, éramos, né? Já são todos falecidos, só tem eu vivo.
P/1 – E o senhor estava em que lugar nessa escadinha? O senhor é em que ordem de filho?
R – Eu sou o terceiro.
P/1 – Daí, como que era composto?
R – Nós éramos em cinco.
P/1 – Tá, dois mais velhos…
R – Quatro homens e uma mulher, né? E os três mais velhos e a menina que era a última, né?
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Meu pai era italiano, tinha propriedade aqui na Ilha, tinha fábrica de pinga lá em Castelhanos. Já ouviu falar em Castelhanos, né?
P/1 – Não. Conta…
R – É um lugar atrás da Ilha, um lugar que tem lá, chamado Castelhanos. Ele tinha fazenda lá com produção de banana, produção de cana e fábrica de pinga, né?
P/1 – Qual que era o nome da pinga dele?
R – Favorita.
P/1 – E o senhor sabe como que era a produção da cana?
R – Se eu sei…
P/1 – Da cachaça?
R – Sei.
P/1 – Conta pra gente.
R – Tem o engenho de roda d’água, que moía a cana, ia para uns toneis grandes. Ali no tonel tinha o fermento, a calda da cana caía ali, o fermento tava ali no dia, à noite inteira, né? Depois, no outro dia, aquele caldo de cana ia para um alambique. O alambique fervia, num tacho grande. Fervia e corria e o suor da cana corria pinga nos tambores de 100 litros. Tinha uma produção de 18 mil litros por safra, né? Isso tudo lá atrás da Ilha, em Castelhanos.
P/1 – E aí, o que acontecia quando acabava… bom, passou por esse processo que o senhor falou, daí engarrafava, ainda? Punha a rolha?
R – Aí, ia para engarrafar, engarrafava tudo, arrolhava, punha os rótulos e distribuía no comércio.
PAUSA
P/1 – Eu perguntei se o senhor se lembra de como que era o rótulo da Favorita.
R – Era o rótulo da fazenda.
P/1 – Qual que era o nome da fazenda?
R – Fazenda Castelhanos. Lá atrás da ilha. E o nome da pinga era Favorita.
P/1 – E o senhor nasceu aqui na cidade ou lá?
R – Nasci aqui na cidade.
P/1 – E quando o senhor era pequeno, de que o senhor gostava de brincar? O senhor se lembra?
R – Brincadeira de moleque era só jogo de bola, né? (risos) Jogo de bola, correr…
P/1 – O senhor ia para a praia?
R – Ia. Tinham praias boas.
P/1 – Gostava de ir no mar?
R – Eu nadava bem, né? Agora, eu já não faço mais nada, porque a gente vai ficando de idade, vai largando mão das coisas, mas quando a gente era moleque, atravessava o canal aqui de um lado pro outro.
P/1 – Atravessava nadando?
R – É. Tem um lugar aqui bem no meio do canal que é baixo, dá aqui pela cintura e a gente ia nadando até lá, ficava lá, descansava um pouco lá, depois vinha embora aqui pra ponta outra vez.
P/1 – E como é que era a travessia nessa época? Quando o senhor era mais novo?
R – Canoa. Só de canoa. Canoa a remo, né? A gente tinha as canoas aí, precisava ir para lá, atravessava de canoa.
P/1 – E conta pra gente, o que o senhor se lembra da escola? De começar a ir para a escola. Era perto da sua casa a escola?
R – Era perto. Grupo escolar a escola. Morávamos aqui na… Nós não morávamos aqui quando éramos moleque, morava ali nessa rua que tem aqui, Rua São Benedito, travessa daqui, morávamos bem ali na esquina e o colégio dava fundo. O quintal de casa dava fundo para o colégio onde a gente estudava.
P/1 – Então, não tinha nem desculpa pra faltar na escola?
R – Não. De jeito nenhum. Não podia faltar, né? Já não faltava, porque o meu pai era muito exigente com a educação, né? Não faltava na escola de jeito nenhum.
P/1 – E o senhor gostava de ir para a escola?
R – Ah ia. Gostava.
P/1 – O que tinha lá que era bacana? Que era legal.
R – Onde? Na escola? Na escola, a gente brincava na hora do recreio, tinha os brinquedos, né, brincadeira no recreio, era um recreio de 40 minutos, só, não dava pra nada, para a criançada brincar, era só mais para descansar um pouco.
P/1 – O senhor se lembra de alguma professora, assim, importante na cidade ou que foi referência, ficou muitos anos lá escola?
R – Teve, teve. Teve a Professora Celina Cerqueira de Magalhaes que era de Piracicaba (SP), que por sinal, morou com nós em casa, que ela faleceu lá atrás da ilha, em Castelhanos, e nós tínhamos propriedade lá, né? E ela morou em casa com nós, professora. Morou quatro anos com nós, lá. Enquanto ela tava dando aula lá.
P/1 – E como é que era pra ir daqui da vila até Castelhanos?
R – Ia pela estrada, né? A pé. Vai até hoje… Hoje vai de carro, né? Hoje, a estrada já é melhor, você vai de carro, de carro, de jipe. Antigamente, era a pé, era caminho que chamava. A gente ia a pé daqui lá.
P/1 – E a vila? Como é que era?
R – Gastava quatro horas.
P/1 – Quatro horas.
R – Daqui pra lá, gastava quatro horas.
P/1 – E não dava para chegar lá e lembrar que esqueceu, sei lá, alguma coisa, né?
R – Não dava, não. Quatro horas daqui lá a pé. Mas era gostoso.
P/1 – E a vila aqui, como é que era? Tinha a sua casa pegada a escola…
R – Tinha a minha casa… A minha casa já dava fundo para a escola, o quintal da casa dava fundo para a escola, para o colégio, para o recreio do colégio. Era tudo perto, né? Não tinha nada longe.
P/1 – E o chão, a estrutura?
R – O chão era terra, né? Hoje é tudo calçada, mas antigamente, era terra, areia. Era tudo areia. Precisava carpir (risos), criava mato, precisava carpir as ruas, né? Agora que mudou tudo, porque agora já tá tudo calçado… Mudou muito.
P/1 – E como foi quando o senhor já saiu da escola e começou a trabalhar? Os seus primeiros trabalhos? Como é que eram?
R – Eu quando sai da escola, eu fui para São Paulo. Fui para São Paulo, me empreguei numa firma chamada SKS do Brasil. Lá, trabalhei 15 anos nessa firma. Depois, a firma mudou aqui para Guarulhos e eu sai de lá e vim embora para cá.
P/1 – Como é que foi para o senhor deixar a ilha para ir trabalhar em São Paulo?
R – Eu deixei a Ilha para trabalhar em São Paulo, mas fui sorteado para o Exército, né? Naquele tempo, o Exército, a gente era sorteado, para servir o Exército era por sorteio, né? E no sorteio, quem caísse… rapaziada que era sorteada, ia, né? E eu fui um deles que fui sorteado e fui pro Exército. Teve o tempo da Guerra, em 45, eu fui sorteado. Mas teve a sorte que eu me apresentei lá no Exército e fiquei lá pouco tempo, porque logo em seguida, depois de pouco tempo, acabou a Guerra, a Guerra acabou, então, o Exército dispensou todo mundo, mandou todo mundo embora: “Agora não precisa mais de vocês, vai todo mundo embora”, então dispensou todo mundo. Isso em 45.
P/1 – E aí, o senhor resolveu ficar em São Paulo?
R – Aí, em vez de vim pra cá, eu fui pra São Paulo e fiquei em São Paulo. Em São Paulo, eu fui trabalhar nesta firma SKS do Brasil.
P/1 – E o quê que o senhor fazia nessa firma?
R – Trabalhei 15 anos lá.
P/1 – Fazendo o quê? Que atividade?
R – Lá era rolamento, né? Era rolamento de carro, para indústria. E a firma fazia esses rolamentos tudo e a gente vendia.
P/1 – O senhor ficava então, na linha de produção?
R – Na linha de produção.
P/1 – Como é que era essa linha? O quê que o senhor tinha que fazer, o senhor se lembra?
R – Aí, é mais difícil (risos).
P/1 – Tá, mas daí então, ela mudou pra…
R – Ela mudou pra Guarulhos, a firma mudou para Guarulhos e quem foi com a firma, foi, eu não fui. Eu sai.
P/1 – Não quis ir?
R – Não quis. Quando ela mudou pra lá, eu sai da firma.
P/1 – E o quê que fez o senhor voltar pra cá, pra Ilhabela?
R – Voltei para cá porque tem minha família toda aqui, meu pai, mãe, irmãos, estavam tudo aqui, e eu voltei para cá.
P/1 – Como é que foi voltar pra cá e estar perto do mar, estar perto de todo mundo de novo?
R – Foi mais difícil voltar, porque a gente já tinha um outro meio de vida, né, já frequentava um outro meio de vida não sendo o daqui, foi um pouco difícil, mas fui me habituando e me acostumou logo.
P/1 – E o que o senhor foi fazer quando o senhor voltou?
R – Bom, eu quando voltei pra cá, nós tínhamos uma propriedade lá atrás da Ilha, em castelhanos, uma fábrica de pinga, engenho de cachaça e nós fabricávamos a pinga lá e vendia toda. Então, a atividade era essa. Engarrafar pinga, rotular toda e depois, entregar no comércio, vender. Essa era a atividade.
P/1 – O senhor falou, também, da lavoura de banana, né?
R – De banana. Eu trabalhei com banana muito tempo. Eu tinha caminhão, levava banana pra São Paulo. Carregava… plantava, carregava o caminhão e levava para São Paulo. Mas nós já tinha freguês certo lá para entregar, chegava lá o caminhão, entregava a banana, pesava o caminhão, entregava a banana e vinha embora.
P/1 – Qual que era a parte mais difícil dessa viagem da banana daqui até lá? Era aqui dentro da ilha, na balsa ou até São Paulo?
R – O mais difícil era até São Paulo, né? Que a gente ia um caminhão carregado, lá tinha que ir para o comércio, para vender. No começo, foi meio difícil, porque a gente não se entrosava muito, mas depois, a gente já foi adquirindo um pouco de prática, já foi tendo pessoa certa para levar a banana e entregar, né? Então foi mais fácil. Carregava o caminhão, pesava na balança, quantas toneladas tinha, chegava para o freguês certo, já entregava com o ticket da balança, entregava junto para ele, recebia e vinha embora. E isso dependia, na época, quanto tava custando a tonelada da banana, quanto não custava.
P/1 – E que tipo de banana que era?
R – Só banana prata.
P/1 – E como que é o cultivo da banana? Quais são os cuidados que precisa ter para fazer uma lavoura ou um cultivo de banana?
R – Banana não precisa ter muita ciência, não, é só ter a terra, plantar as mudas e tratar, não deixar as mudas tomarem conta. Roçar, limpar, sempre. Estando limpo pra não, para a mata não tomar conta. Se a mata tomar conta dele, ela não vai pra frente, não produz. Mais fácil é tratar, roçar bem roçadinho, tratadinho para ela produzir bem.
P/1 – E qual atividade dessas que o senhor preferia fazer? Preferia estar cuidando das bananas ou preferia a parte do cultivo da cana e elaboração da Favorita?
R – Olha. Nós fazíamos as duas coisas junto, né? Nós tínhamos a produção da banana, tínhamos os bananais que produziam e tínhamos a produção da cana, o engenho. Nós tínhamos engenho de pinga, a produção da pinga. Da cana-de-açúcar.
P/1 – E como é que era o seu cotidiano, assim? Tinha que levantar bem cedo?
R – Nós tinha que levantar cedo, né? Levantar tarde não dava pé, né? (risos) Tinha que levantar cedo pra trabalhar.
P/1 – E aí, como é que era? Tava todo mundo morava junto, você com seus irmãos?
R – Nós morava tudo junto. A gente levantava cedo e ia moer a cana, né, e fazer a pinga… Era trabalhoso, né, porque tinha que pegar os litros para limpar, lavar todos eles, rotular, pôr rotulo da pinga, tudo, engarrafar, depois ia para o comercio vender.
P/1 – E era boa?
R – Era.
P/1 – A Favorita?
R – A pinga era muito boa. Era uma das melhores pingas da ilha. Nós tínhamos uma produção de 18 mil litros por safra. É bastante.
P/1 – E tudo isso fazia sem luz elétrica?
R – Sem luz elétrica, com lampião (risos). Não tinha, porque lá atrás da Ilha, não tinha luz elétrica, né? Luz elétrica era só aqui na frente, lá atrás não tinha. E a gente levantava cedo com lampião, esse lampião à gasolina e trabalhava com ele aceso enquanto era noite. A gente levantava bem cedo, né, bem cedinho, ainda era escuro, aí tinha lampião para clarear.
P/1 – E aí, o senhor falou também que vendia as bananas para São Paulo e que isso estava bastante ligado, tinha que estar atento ao preço da tonelada, tal, mas que outras atividades daí, o senhor também foi fazendo, ao longo dessa jornada, assim?
R – Eu trabalhei muito tempo com banana, né, com venda. Tinham bananas grandes, né, tinha caminhão, tudo. Trabalhava sempre com a venda da banana, cortava, punha no caminhão, carregava o caminhão e ia embora para São Paulo. Em São Paulo, eu já tinha freguês certo, né, eu não ia para o mercado para esperar a coisa, só passava na balança, pesava o caminhão e aí, no freguês certo, tinha o ticket da balança, entregava para o cara, quantas toneladas tinham, recebia o dinheiro e vinha embora, descarregava o caminhão e vinha embora. Esse era o trabalho, o trabalho que dava mais era só carregar aqui, né, cortar banana, carregar e…
P/1 – E produzindo, assim, tanta banana, dava coragem de comer banana?
R – (risos) Se dava coragem de comer banana?
P/1 – É.
R – Dava.
P/1 – Fazer doce, comida…
R – O doce mais se fazia da banana nanica, né? A minha produção mais era toda da prata, da branca que a gente chama, né? A prata, era produção toda era prata. Mas era divertido.
P/1 – E o senhor contou assim, das mudanças aqui na vila, né, o senhor tava falando da chegada da luz, que era tudo de terra com areia, que precisava ter atenção…
R – As ruas eram tudo de areia, depois que com o tempo, foram calçando, agora é tudo calçada. Tudo limpo. Depois da ponta da ilha, da ponta do sul até a ponta das canas é tudo calçada. Antigamente, era tudo areia, era barro, terra.
P/1 – E conta pra nós como que os senhor conheceu a sua esposa, seu Helio.
R – Minha esposa eu conheci em São Paulo. Eu trabalhei muito tempo em São Paulo. Não aqui. Aqui, eu fui sorteado para o Exército, do Exército, eu não vim mais para cá pra casa, eu não vim mais para cá para ilha, eu fui para São Paulo e em São Paulo, eu arrumei um emprego numa companhia, Companhia SKS do Brasil. E trabalhei lá 15 anos. Me empreguei lá e trabalhei lá 15 anos, quando a companhia mudou de São Paulo para Guarulhos, aí eu não quis ir para Guarulhos, vim embora, vim embora pra cá, sai da firma e vim embora pra cá. Mas trabalhava lá há 15 anos.
P/1 – E aí foi nesse período que o senhor morava em São Paulo que o senhor conheceu a sua esposa?
R – Foi que eu conheci minha senhora lá.
P/1 – Como é que foi?
R – (risos) Minha senhora é de Descalvado, não é de São Paulo, né? E eu conheci ela lá em São Paulo, assim, rapaziada, conhecemos, acabamos casando e de lá, viemos embora pra cá. E aqui estamos até hoje.
P/1 – Aí, vocês tiveram filhos?
R – Quatro filhas.
P/1 – Aí, vocês tiveram as filhas lá em São Paulo ou aqui?
R – Minhas filhas, tivemos tudo aqui, né? Nós casamos lá e viemos para cá. Aqui que tivemos nossas filhas.
P/1 – E como foi para o senhor ser pai? E ver nascendo as meninas?
R – (risos) Como que é ser pai?
P/1 – É. O que o senhor sentiu, né, quando viu uma bebezinha?
R – A gente fica entusiasmado, né? Mudar de uma vida para outra, né? Homem solteiro tem uma vida diferente da vida de casado. A vida de casada já é diferente, tem a família, tem responsabilidade, tudo. Solteiro não liga pra nada, né? Não tá ligando se hoje você precisa trabalhar ou não precisa. Casado tem uma responsabilidade que vai precisar trabalhar todo dia, ter a responsabilidade de família.
P/1 – E conta pra gente das suas filhas. Os nomes delas, o que elas fazem…
R – Eu tenho quatro filhas, todas as quatro formadas. Tem uma que é dentista, tem uma que é arquiteta, tem uma que é professora de Educação Física e tem a última menina minha que é fisioterapeuta. Então, todas as quatro formadas.
P/1 – E como foi para o senhor ver que elas se formaram e chegaram na faculdade, cada uma escolheu um caminho?
R – É, cada uma delas escolheu o caminho delas. E eu trabalhava… Engraçado, eu sempre digo, eu formei minhas quatro filhas vendendo banana (risos). Vendendo banana eu eduquei minhas filhas, todas as quatro formadas vendendo banana em São Paulo. Hoje, são todas as quatro casadas, cada uma tem a sua família, tem a sua vida.
P/1 – Haja banana, então?
R – Haja banana (risos). Dá trabalho, mas compensa, né? Vender banana… cultivar dá muito trabalho, mas compensa.
P/1 – E como foi daí, ver que começaram a vir os netos, né, então suas filhas formadas, cada uma já seguindo a sua vida, começaram a ter os netos.
R – Aí tem, começou a vir dois netos, aparecerem. Foram casando, foram aparecendo os netos, tudo, né, e cada um continha a sua vida, né?
P/1 – E como tá a plantação de banana?
R – Aí, eu larguei mão disso. Trabalhei muito tempo com banana e depois, larguei mão. Vai ficando cansado, a idade vai chegando, o trabalho em lavoura é mais difícil, né? Larguei mão, eu não quis mais saber.
P/1 – E o que o senhor foi fazer? O senhor entrou em alguma atividade? Foi fazer alguma coisa?
R – Depois que eu larguei da lavoura, eu fiquei mais sossegado em casa, já com uma vida mais estabilizada, já, né? Não precisei mais tocar a vida na lavoura.
P/1 – O que o senhor sente quando vê no mercado um monte de banana prata?
R – (risos) O quê que eu sinto?
P/1 – É. Você se lembra, assim, de como era, o trabalho que dava? Sabe escolher bem uma banana boa?
R – Não tem dúvida. Lavoura dá muito trabalho, né? Se não se dedicar a ela, você não vai pra frente, precisa levantar cedo, ter roupa já associada para aquilo.
P/1 – Qual que é a roupa?
R – Uma roupa que você chega de manhã, você tem que tirar a sua roupa que você usa para você pôr uma outra, porque a ___00:27:20__ da banana desgraça com a roupa toda, né? Então, vai com uma roupa, chega lá na fazenda, troca de roupa, veste aquela roupa que já é própria, tá toda suja de muda de banana e vai para o bananal. Se você for com uma roupa limpa assim, você perde a roupa, que a ___00:27:41___ da banana acaba com tudo.
P/1 – Gruda?
R – Acaba. Mancha tudo.
P/1 – E qual dica que o senhor daria para mim, por exemplo, que não sei muito de banana para escolher uma bonita ou para saber uma que tá boa? Como que eu…
R – Como saber que tá boa? Madura?
P/1 – É
R – (risos) É fácil. Banana quando é verde, é verde, né? Ela madura, ela é amarela, quando amadurece, ela amarela. Quando tá amarela é que tá na época de comer.
P/1 – E é essa a época de cortar, ou não?
R – Não, a época de cortar, você corta ela verde. Mas ela engorda, a gente chama quando tá gorda, né, que quando ela tá magra, ela tá fininha, ela engorda, ela fica grossa, né? E é a época que você corta ela para ela amadurecer. Para ir para a estufa ou para amadurecer.
P/1 – E conta pra gente assim, seu Helio, como que é a sua relação com a cidade de Ilhabela, né, como que o senhor se sente aqui nessa cidade?
R – Eu me sinto bem, eu sou filho daqui da Ilha. Sou nascido e criado aqui. Eu me sinto bem aqui. Vivi muito tempo em São Paulo, né, quando eu era moleque, eu fui sorteado para o Exército, do Exército, eu não vim mais para cá para a Ilha, eu fui para São Paulo e em São Paulo, eu fui trabalhar numa firma SKS do Brasil, e lá eu trabalhei 15 anos. Depois, conheci minha senhora até hoje, nós casamos e viemos para cá. E aqui estamos até hoje.
P/1 – E ela se acostumou com a ilha?
R – Acostumou. Ela hoje não está aqui, ela foi viajar, tá viajando.
P/1 – E assim, a gente sabe que aqui em Ilhabela tem bastante movimentação cultural, tem muitas festas, conta um pouquinho delas, assim, se o senhor se lembra de alguma que é famosa na cidade ou que vai bastante gente?
R – Festa?
P/1 – É.
R – Festa famosa aqui na ilha é a Festa de São Benedito, não é? Tem a congada, não sei se você… Tem São Benedito, tem a congada que é uma festa mais… que tem mais acúmulo de gente, né? É uma festa boa, tem a Nossa Senhora D’Ajuda que é a padroeira da ilha, é uma festa muito boa, também.
P/1 – E como são essas festas?
R – Essas festas são festas de rua, né? São umas festas de rua. São bem concorridas, são boas as festas.
P/1 – O quê que o senhor sente quando chega o verão na cidade?
R – O que eu sinto?
P/1 – É.
R – Quando chega o verão? Por quê?
P/1 – Fica cheio de turista, mais movimentação, o que muda, se muda?
R – Bom, pra mim, a Ilha boa é assim, né? Agora, que não tem acúmulo de gente, é calma, é sossegada. Na época do verão, ela já fica mais agitada, porque vem muita gente e já fica muito agitada. Mas a época boa da Ilha é agora. É calma. É a época boa da Ilha.
P/1 – E o quê que o senhor gosta de fazer aqui na cidade?
R – Hoje, não faço mais nada (risos), sou aposentado, né? Não faço mais nada. Já trabalhei muito. Trabalhei… tinha fábrica de pinga lá atrás da ilha, lugar chamado Castelhanos e a gente trabalhava muito lá, plantação de cana e fabricação de pinga, dava muito trabalho, porque engarrafar, vender, plantar cana, colher a plantação, depois moer, dava trabalho a beça, mas faz parte da vida.
P/1 – O senhor contou pra gente agora de como é que funciona o cultivo e os cuidados com a banana, né? Conta da cana, o senhor contou também como que faz a cachaça. Conta da cana, como é que faz? Quais são os cuidados da lavoura da cana, quando que a gente vê que uma cana tá doce?
R – Bom, pra cana estar doce, ela tem que estar grande, né? (risos) Pequeninha não adoça, porque não tem caldo, né? Ela par ficar doce, ela está no ponto grande, né? Que ela tem bastante caldo. Aí que chama garapa, né, da cana, que a gente moi a cana, tem aquela garapa, vai para um tacho grande, onde tem um fermento lá, fica ali à noite toda, no outro dia, vai para um tacho grande chamado alambique para ferver aquilo, você põe fogo nela, ferve aquilo e ali vai embora, do suor daquele caldo de cana corre a pinga, né? É feita a cachaça.
P/1 – E para o senhor, quais são as coisas mais importantes, hoje, assim, o quê que o senhor sente que é importante para estar bem ou para se sentir bem?
R – Importante hoje? Hoje, eu já não faço mais nada, né?
P/1 – Mas fez bastante coisa.
R – Já trabalhei muito.
P/1 – Então.
R – Trabalhei bastante, mas hoje não, não faço mais nada hoje. Sossegado.
P/1 – Mas tá sempre com a família?
R – Sempre com a minha família.
P/1 –Tem alguma festa ou algum momento em que vocês juntam, todo mundo para estar junto?
R – Tem a festa aqui, festa religiosa, né, festa do Senhor D’Ajuda, que é a padroeira da ilha, tem a festa de São Benedito, tem a congada, tem umas festas boas.
P/1 – Nesse momento, o senhor junta toda a família aqui?
R – A família toda, né?
P/1 – O que o senhor sente quando vê todo mundo junto? A família toda reunida?
R – Eu tenho quatro filhas, não tenho filho homem, tenho quatro filhas mulheres, são as quatro casadas, tenho os netos, tenho parece que oito netos e de vez em quando, junta todo mundo, né, moram longe, moram separados um do outro, né? Uma mora em São José [dos Campos] (SP), moram separados. Aqui mesmo na Ilha mora só eu com a minha mulher.
P/1 – E quais foram para o senhor ou quais que o senhor considera que foram as maiores mudanças pelas quais a ilha passou assim, de estrutura ou de pelo tempo?
R – Mudança na ilha?
P/1 – É.
R – Ah, mudar, mudou, né, porque antigamente, a ilha era tudo terra isso aí, essa rua era tudo terra. Hoje é tudo calçado, né? Calçado de ponta a ponta da ilha, de lá da ponta da sela até a ponta das canas é tudo calçado. Melhorou muito, né, porque tem um outro meio de vida para todo mundo e se tornou muito mais fácil para se viver. Antigamente já era meio difícil.
P/1 – E a balsa? A chegada da balsa deve ter mudado também bastante coisa, né?
R – Chegada da balsa mudou. A balsa veio para cá em 1958, né? Mudou muito. Antigamente, você queria qualquer coisa para São Sebastião, você tinha que ir de canoa, né? Queria ir para São Paulo, tinha que ir de canoa, tinha que atravessar de canoa para São Sebastião e lá, pegar o ônibus para ir. Hoje não, hoje tornou-se tudo mais fácil, né, tem o ferry, você atravessa na ferry com o carro, tudo, vai embora…
P/1 – Com o caminhão, né?
R – Com o caminhão, vai embora. Tudo que produz, leva no caminhão, vai embora para São Paulo vender. Tornou-se tudo mais fácil, né? Antigamente, tudo era mais difícil.
P/1 – E pra gente ir encerrando, como é que foi para o senhor participar agora dessa entrevista e contar um pouco da sua história pra gente?
R – Foi bom, porque a gente lembra um pouco o passado, né? O passado, sempre vai esquecendo, né, vai esquecendo muita coisa do passado e é bom porque a gente relembra um pouco, né? A gente relembra o passado bastante, porque a vida, parece que fica mais monótona, né, mas é bom.
P/1 – Tá certo. Então, seu Helio, em nome do Museu da Pessoa e também da prefeitura aqui de Ilhabela, a gente agradece a sua entrevista. Muito obrigada.
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