Memória Oral do Idoso
Depoimento de Maurício Nogueira Lima
Entrevistado por (Vacilic?)
São Paulo, 07 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: MOI_HV009
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - Meu nome é Maurício Nogueira Lima. Eu nasci em Recife, Pernambuco no dia 18 de abril de 1930, oficialmente, eu nasci no dia 21 de abril de 1930, isso por uma razão curiosa porque eu sou prematuro, fui prematuro, nasci de 6 meses e meio quase 7 meses, a posição certa para nascer e, evidentemente, a minha sorte é que eu estava em Recife, Pernambuco que é um lugar quente que se tivesse nascido em São Paulo, onde eu fui feito eu tenho impressão que não teria sobrevivido porque aqui é muito mais frio, e naquela época não havia condições técnicas para que um bebê sobrevivesse sendo prematuro, não tinha nenhum quilo, tinha 950 gramas. Então, ninguém foi me registrar porque achavam eu que ia morrer logo, logo, depois que eu consegui sobreviver por algum tempo é que meu pai foi correndo registrar, fazer o registro em cartório. E acontece que tinha que pagar uma multa, então para ele não pagar a multa, que eu acho que ele estava sem grana nessa época, ele resolveu botar uma data limite, então colocou no dia 21 de abril. Nasci em Recife, Pernambuco e meu pai chama-se Manoel Mendes Nogueira Lima e a minha mãe chama-se Maria de Assis Nogueira Lima, mas o nome dela de família dela é Maria de Assis Pereira de Arruda e ela é de Limoeiro que é uma cidade perto de Recife, a cidade dos coronéis, ela era filha de Coronel, provavelmente, isso é uma das razões que meu pai não se deu muito bem morando lá. Viemos para São Paulo em 1932, como eu estava dizendo a vocês por um problema, não tanto político da parte do meu pai, mas da procura de melhores condições de trabalho por ele. Na realidade, São Paulo estava começando a crescer na época, era uma cidade mais cosmopolita do que Pernambuco que ainda era uma pequena cidade, com esses...
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Depoimento de Maurício Nogueira Lima
Entrevistado por (Vacilic?)
São Paulo, 07 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: MOI_HV009
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - Meu nome é Maurício Nogueira Lima. Eu nasci em Recife, Pernambuco no dia 18 de abril de 1930, oficialmente, eu nasci no dia 21 de abril de 1930, isso por uma razão curiosa porque eu sou prematuro, fui prematuro, nasci de 6 meses e meio quase 7 meses, a posição certa para nascer e, evidentemente, a minha sorte é que eu estava em Recife, Pernambuco que é um lugar quente que se tivesse nascido em São Paulo, onde eu fui feito eu tenho impressão que não teria sobrevivido porque aqui é muito mais frio, e naquela época não havia condições técnicas para que um bebê sobrevivesse sendo prematuro, não tinha nenhum quilo, tinha 950 gramas. Então, ninguém foi me registrar porque achavam eu que ia morrer logo, logo, depois que eu consegui sobreviver por algum tempo é que meu pai foi correndo registrar, fazer o registro em cartório. E acontece que tinha que pagar uma multa, então para ele não pagar a multa, que eu acho que ele estava sem grana nessa época, ele resolveu botar uma data limite, então colocou no dia 21 de abril. Nasci em Recife, Pernambuco e meu pai chama-se Manoel Mendes Nogueira Lima e a minha mãe chama-se Maria de Assis Nogueira Lima, mas o nome dela de família dela é Maria de Assis Pereira de Arruda e ela é de Limoeiro que é uma cidade perto de Recife, a cidade dos coronéis, ela era filha de Coronel, provavelmente, isso é uma das razões que meu pai não se deu muito bem morando lá. Viemos para São Paulo em 1932, como eu estava dizendo a vocês por um problema, não tanto político da parte do meu pai, mas da procura de melhores condições de trabalho por ele. Na realidade, São Paulo estava começando a crescer na época, era uma cidade mais cosmopolita do que Pernambuco que ainda era uma pequena cidade, com esses problemas e como hoje todo mundo quer ir para Miami ou Nova Iorque, naquele tempo, todo mundo queria ir para São Paulo. Então viemos para São Paulo, eu não tinha nenhuma culpa nisso porque era muito pequeno (risos). Evidentemente, aqui foi onde eu cresci e aconteceu uma série de coisas.
P/1 – O que o seu pai fazia lá em Recife?
R - O meu pai quando ele casou, ele casou muito cedo, que parece que ele casou em 1927, uns 3 anos antes de eu nascer, ele trabalhava como comerciante no estabelecimento do meu avô, do pai da minha mãe lá em Limoeiro, mas houve essa desavença familiar e eles se chatearam lá muito jovem e vieram para São Paulo. Em São Paulo, meu pai começou a procurar emprego, era difícil, tal. Então começou a trabalhar como office-boy, mas queria mais, né? Aí que meu avô, pai dele, que era juiz de Direito, chamou, mais ou menos, 1929 ou 30 pra ele voltar pra Recife pra um emprego novo que ele teria que era na polícia marítima, então ele seria aqueles caras que ficam vendo navios que vêm de fora, vê se vem com drogas, se tem homossexuais que vende, se vende _____, se tem bandido. Ele ia fazer um serviço leve que se o cara fosse esperto podia até ganhar um dinheiro com isso aí, né? Porque o santo dá uma boa grana. Polícia, é um bom negócio, mas, evidentemente, não deu certo aí voltou para São Paulo. Em São Paulo, ele começou a fazer trabalho de pequeno comércio, de balcão, vendendo, porque ele não tinha instrução superior, tinha apenas o colegial completo e a minha mãe tinha o curso normal, naquela época as mulheres só faziam curso normal, então ela era professora. Só que eles tiveram muita sorte na época que vieram para São Paulo em 1932, era plena época de término da Revolução Paulista e, evidentemente, o pessoal do Nordeste... Havia uma certa animosidade do povo daqui com imigrantes do nordeste, então ele teve uma certa dificuldade com aquela voz ainda arrastada, pernambucana, de conseguir um emprego melhor por causa disso. Depois as coisas melhoraram, mas ele sempre trabalhou em vendas, ele sempre foi um grande vendedor. Terminou trabalhando na Colgate/Palmolive, como gerente de vendas. Depois teve uma série de problemas de coração e morreu. E a minha mãe terminou a vida depois que meu pai ficou doente, ela começou a, como ela aprendeu francês perfeitamente, e viajávamos pela Europa, ela começou a dar aula para estrangeiros, principalmente, para o pessoal que vinha, isso já na década de 50, 60 e 70, os judeus que vieram da Polônia, Tchecoslováquia, de Israel, o pessoal perseguido mesmo, judeus soviéticos, fugiam da União Soviética e vinham para cá, ela falava perfeitamente bem francês, então ela criou o método por imagens de ensinar português, curiosíssimo. Foi um grande sucesso, principalmente com a colônia israelita, apesar da gente não ser israelita, apesar de ter cara de judeus, mas não somos, né? Provavelmente, por causa do nome dela Pereira de Arruda e o meu Nogueira Lima, somos o que chamam de cristãos novos.
P/1 – Verdade. Como é que foi a infância? Vocês vieram de Recife pra cá, ficaram morando onde, quais são suas lembranças de infância?
R - Eu estava dizendo aqui, o primeiro endereço que eu lembro com mais precisão foi endereço que eu tinha aqui perto nessa avenida aqui, Avenida Tiradentes mais perto do Clube daquele tempo, o Clube Esperia, que mudou de nome por causa da guerra e morávamos na casa de um casal, numa casa que tinha sobrado, dois moravam em cima, o outro casal morava embaixo. Eu sempre fui filho único, esse casal tinha uma filha também, a gente brincava e a gente ia muito nadar e tomar banho de mar, tomar banho de sol e brincar na areia, nas margens do rio Tietê, na época que o rio Tietê tinha margens para isso e apreciar regatas porque o rio Tietê ainda não tinha sido retificado, canalizado, entendeu? Então ele era cheio de meandros, então havia uma paisagem muito bonita, muito jardins, muita coisa, muita areia para brincar. Essas são umas das primeiras lembranças que eu tive, depois eu me lembro que fui morar numa pensão na Praça da Liberdade, onde tem o Jardim da Liberdade, uma pensão antiga, eu era muito pequeno, devia ter três ou quatro anos, ainda não lembrava daí fomos morar em Santo André. Meu pai começou trabalhar na (Diana?) Motos, fica ainda em Santo André, uma parte dela, naquele tempo era só montagem de automóveis e não fabricava automóveis. Morei muito tempo em Santo André, numa pequena vila operária, mais perto da linha de trem que ia para Santos. Eu tenho uma lembrança curiosa que acordava muito cedo, acordava cinco horas da manhã e ficava brincando no campo ali perto da linha do trem e tinha um trem muito bonito, que era o cometa, um trem moderno, isso foi em 1936, 1937, que era um trem todo fechado, já não era mais uma locomotiva, provavelmente, trabalhava com diesel, gasolina, qualquer coisa assim e que tinha um apito estranho assim “Pom” e passava sempre às sete da manhã, ele com esse barulho, eu ficava ouvindo barulho, achava bonito, moderníssimo, eu era ligado muito em coisas contemporâneas, modernas. Entre outras lembranças de lá, voltamos depois para São Paulo, onde nós moramos muito tempo no centro da cidade, principalmente perto da antiga, onde é hoje em dia a Praça da Sé.
P/1 – Em que rua?
R – Na rua... Não lembro muito bem do nome agora, mas o prédio já foi implodido, já caiu aí fizeram a grande Praça da Sé ali, aliás eu me lembro que antigamente aquele pedaço que um certo governador de São Paulo, resolveu abrir e destruir todos os grandes casarões que tinham ali em uma semana, era o Ademar de Barros, em uma semana ele abriu toda aquela praça que virou a Praça Clóvis Beviláqua que agora juntou com a outra e ficou tudo Praça da Sé, e só tinha naquela época o corpo de bombeiros ali onde existe até hoje, eles tinham um pequeno campo onde eu brincava sempre, fazendo exercício no corpo de bombeiro e depois brincava naquelas ruas por ali por perto que tinham aqueles casarões antigos, que tinham grandes porões e morava gente muito pobre no porão, aqueles porões eram todos loteados pareciam um pombal, moravam trinta, quarenta famílias naqueles grandes porões. E aí os casarões já estavam tão deteriorados que eles já eram pensões, grandes pensões. Eu tinha muitos amigos, pequenos amigos, gostava muito de brincar nos porões porque garotos gostam de brincar em ‘mocotes’, esconder, aquele negócio, aquela sujeira. A miséria em São Paulo, naquele tempo, era um troço terrível. Mas essa minha infância dos 7 anos até os 12, 13 anos, eu sempre passei no centro da cidade, mais tarde já com 11 anos, naquela época, a gente ia sozinho para escola os pais não levavam porque não havia automóvel, não tinha automóvel em São Paulo, só os milionários que tinham, eram todos importados, mas a gente brincava de ir pra escola de bonde e a gente brincava de pegar bonde andando, saltar de bonde andando, levei muito tombo, uma vez quebrei o dente e me arrebentei todo, eu queria pular como um jornaleiro, os jornaleiros, hoje não tem mais isso, mas os caras pulavam de costas do bonde, eu achava lindo pular de costas, fui tentar, escorreguei, caí de boca no chão, me arrebentei todo. Mas a nossa brincadeira era pegar o bonde, quando vinha o sujeito pra cobrar a passagem, a gente pulava e saia correndo, brincava no centrão da cidade, nos domingos íamos ao cinema Santa Helena, no palacete Santa Helena que foi também derrubado, né? Era muito bonito e tinha uma sessão chamada Zig Zag, uma sessão infantil só de desenho animado e de filme seriado, foi lá onde eu vi a primeira vez o (flashgov?), eu tinha 9, 10 anos, foi quando eu comecei a gostar de ficção cientifica, eu já desenhava muito bem, eu começava a desenhar ficção cientifica, os traços, tudo. É a parte da infância que me lembro mais, depois eu passei muita coisa, mudou muito, meu pai separou da minha mãe, depois voltou de novo, então foi pra um lugar, depois ia pra outro, ia pra pensão, mas a maior parte das vezes morava em pensão porque era a forma mais fácil de se habitar, pelo menos com o dinheiro que se tinha na época. Depois da Segunda Guerra Mundial, a minha família melhorou um pouco de vida, aí começamos a morar melhor, aí meu pai adoeceu, morreu logo depois. Eu fiz universidade, comecei a trabalhar e tive um padrão de vida bem mais...
P/1 – Aonde o senhor fez universidade? Qual a universidade que o senhor fez?
R – Bom, eu... Fazendo um parêntese, meu pai foi convidado a ser gerente da filial da Colgate/Palmolive em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, ele estava de bem com a minha mãe, aí nós fomos morar numa casa muito boa, eu estava fazendo o colegial, terminando o colégio. Mas resolvi também entrar na escola de Belas Artes, naquela época, você podia fazer o curso Belas Artes e não precisava ter o colégio completo tendo só os cinco anos de primário você podia entrar e fazer o curso Educação Artística, bacharelado de pintura, escultura, gravura, etc. Então eu fiz o vestibular, entrei no Instituto Belas Artes de Porto Alegre, na Universidade Federal Rio Grande Do Sul. Mas não aguentei, dois anos depois eu achei aquele curso muito acadêmico, muito chato, não gostei, queria um troço mais novo, uma coisa mais livre, mas nessa escola de Belas Artes funcionava o curso de arquitetura, só que para fazer arquitetura tinha que ter o colegial completo para o vestibular. Eu comecei a ficar amigo do pessoal que estava no primeiro ano, então comecei a gostar de arquitetura. Então quando voltei a São Paulo em 1950, eu terminei o colegial, faltava um ano pra fazer no Colégio Rio Branco, com bolsa de estudos do Rotary Club, que eu não tinha grana pra pagar e entrei pra fazer um curso de Artes Gráficas, Desenho Industrial no Instituto de Arte Contemporânea no Museu de Arte São Paulo, Museu de Arte São Paulo foi fundando em 1948, 49 pela Bardi, 1950, na Rua Sete de Abril, Edifício Guinle, onde ficava a TV Tupi, onde ficou a TV Tupi, eu assisti em 1951, no saguão a primeira vez que fizeram o troço de televisão no Brasil, foi em São Paulo perto do Assis Chateaubriand. Eu comecei a fazer o curso de Design, Desenho Industrial, esse curso não foi para frente porque não teve o apoio e o incentivo da indústria nacional da época, a indústria nacional praticamente não existia em São Paulo. O único tipo de indústria que havia, mais importante, mais organizado era tecelagem, o resto não havia, não havia montadora de automóveis, não havia indústria nenhuma, em São Paulo que tinha alguma indústria, no Rio de Janeiro não tinha nada disso, tinha só metalurgia, indústria mais de base, de matéria prima. Enquanto eu fazia o Museu de Arte, passava o dia desenhando, fazendo coisa, foi aí que ganhei em 1951, o meu primeiro premio de cartaz, eu participei do concurso do primeiro Salão Paulista De Arte Moderna que foi na Patriarca, na Prestes Maia, naquela passagem da Prestes Maia, eu ganhei um concurso de cartaz, eu fiz um cartaz e ganhei o meu primeiro prêmio.
P/1 – Porque você despertou para essa coisa da arte?
R – Eu comecei na escola de Belas Artes de Porto Alegre, tinha uma serie de amigos que eram atletas, pintores, pessoal boêmio, claro que em vez de ir para escola, eu estudava à noite, eu ia beber com eles, aí eu comecei a beber, né? Aquele frio de Porto Alegre, enchia a cara fazia poesia, cantava, serenata, tal, naquele tempo ninguém fazia cinema ainda, mas fazia outras coisas de pintura. Voltando à São Paulo, eu já pintava, minha tendência era meio surrealista, acontece que eu queria aprender mais, então comecei a frequentar a biblioteca pública chamada Mário de Andrade, né? Mario de Andrade, tinha recentemente inaugurado, uns quatro, cinco anos e tinha a sessão e arte que era no segundo andar, então frequentava todos os dias, fazia o colégio de manhã, à tarde eu tinha livre, ficava na biblioteca e à noite eu ia para o Museu de Arte, onde lá também estudava, eu ficava lendo todos os livros de artes que tinham, até que em 52 eu arrumei uma cabine lá e foi nesse momento que eu conheci um sujeito chamado Waldemar Cordeiro, que já faleceu e que foi o pioneiro da arte concreta no Brasil, e vendo alguns trabalhos que eu fazia de coisas geométricas, ele falou “Como é que você sabe isso?”. Eu falei: “Eu tenho alguns amigos argentinos, que trouxeram essa informação de Buenos Aires, de grupos de arte concreta”, ele falou: “Então, vamos juntar? Vamos fazer o primeiro grupo do Brasil de Arte concreta?”. Foi dai que nós conhecemos os poetas, o Décio os irmãos ______ e formamos o primeiro grupo de arte concreta no Brasil. Onde fizemos então, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, a primeira Exposição Nacional De Arte Concreta e depois no Rio de Janeiro no Ministério da Educação, a segunda Exposição Nacional De Arte Concreta, com artistas cariocas e todo mundo. Foi um escândalo tremendo na arte. Bom, voltando para trás um pouco. Eu não queria pintar, eu já estava tendo uma atitude mais socialista, lá em Porto Alegre só andava com gente do Partido Comunista, a gente fazia greves, tal, eu era craque em derrubar cavalo na rua, a gente jogava rolha, os cavalos escorregavam, os policiais saiam correndo, eu já tinha aprendido a fazer um pouco de guerrilha urbana naquela época, só que em São Paulo, fazer guerrilha urbana não era brincadeira, a gente levava porrada que era uma coisa. Então, eu desisti, não vou mais fazer pintura, isso de pintar é coisa de elite, burguesia, eu quero fazer um negócio mais social, coisa de garoto, né? Eu vou fazer cartaz, artes gráficas, foi aí que eu comecei a fazer cartaz, capas de revistas, anúncios de publicidade, sem assinar, jamais assinava pra não impor essa parte... Não ter essa característica pessoal, pra ser o mais impessoal possível, quer dizer, a minha arte não sou eu que faço, é o povo que faz, eu faço pro povo, coisa de garoto, né? Foi nesse momento que Waldemar Cordeiro falou: “Olha, arte concreta tem isso, arte concreta é ligada a indústria, ao progresso” quer dizer, ele também não assina as coisas, nossos projetos são para fazer automóveis, desenho industrial, pra fazer máquinas, etc. Quer dizer, o grande artista da época contemporânea, da época moderna, é o designer, é o cara que faz o desenho de roupa, até o desenho dos comestíveis, hoje se faz, hoje existe um premio na Itália de macarrão, você ganha não sei quantos milhões de liras para fazer o desenho do macarrão, existe aí. Então, o negócio era fazer um grande design, não aparecer, ser impessoal e fazer o design. Foi aí que eu entrei na arquitetura, falei “Vou fazer o quê?”, quando começou a televisão em São Paulo em 51, 52, eu fui convidado pra Tv Tupi pra ser cenógrafo, eu falei pra minha mãe “Eu vou ser cenógrafo na TV Tupi”, ela falou “Não, isso é coisa pra vagabundo e marginal”, teatro, coisa e tal... “É melhor você fazer arquitetura mesmo. Na nossa família bla bla bla, advogado, médico”, eu falei “Está bom, se eu não passar na faculdade, eu vou fazer cenografia e vou entrar pra televisão”. Se tivesse entrado, teria sido um cara muito mais conhecido nos meios e tal, mas entrei no Mackenzie em Arquitetura, e aí passei o curso de arquitetura, era horário integral, então passava o dia todo estudando lá, mas Arquitetura E Design era muito ligado, fiz o curso sabendo que arquitetura não dava dinheiro na época, os arquitetos morriam de fome, geralmente, eram obrigados a casar com mulher rica pra ter alguma coisa ou ser de família tradicional, tirar dinheiro do pai ou de fazenda pra conseguir se sustentar. Mas arquitetura é um estudo muito bonito porque das exatas ela não é totalmente exatas, e não é completamente humanas, ela é humanas, exatas, tudo. Então ela não se enquadra no Sistema Americano de Estudos Centrais de Artes, de Ciências ou de Humanidades, ela está em todos. Ela é ciência, é arte, é humanidade porque o arquiteto trabalha exclusivamente para o ser humano, para dar abrigo para o ser humano, beleza para o ser humano, bem-estar do ser humano, e com a tecnologia pra fazer com que aquilo fique estável, tem essas três coisas. Inclusive, estudei toda a história da arquitetura, um negócio belíssimo, quando eu fui pra Europa, uns anos depois, eu conheci tudo aquilo que eu estudava em livros pra mim foi uma coisa bela. Fiquei na Itália muito tempo, estudando, me refazendo. Trabalhei como arquiteto algum, tempo, logo depois de formado, foi aí que eu ganhei muito dinheiro, fiquei, praticamente, rico, comprei meu primeiro automóvel em 1950, aí fui fazer trabalhos pra Willys Overland, que fazia os carros da Jeep, Gordini, Dolfini _____ ______ _____, salão do automóvel, mas uns anos antes eu tinha feito os grandes salões da Alcantara Machado, eu fiz a FENIT, inteirinha, desde a marca, o símbolo, até 1958, depois fiz a UD, utilidades domésticas, fiz a marca, todo planejamento gráfico, todo planejamento arquitetônico da coisa, aí veio o salão do automóvel eu não quis fazer, só queria fazer um stand, peguei o stand da Willys Overland que tinha 2000 metros quadrados, foi um concurso, eu ganhei o (penta?), aí fiquei trabalhando cada ano que passava eu fazia um stand pra Willys Overland, depois virou Ford, a Ford comprou, o último stand que eu fiz pra eles foi em 68 no lançamento do Corcel e do carro Ford Galaxy, depois nunca mais quis trabalhar nisso. Aí desfiz, fechei o escritório e comecei a me dedicar só a pintura, a pintar e a carreira universitária e em 64 comecei a dar aula no Mackenzie, aí tive uns problemas políticos com o golpe de estado militar, fui dar aula no Mackenzie, do Mackenzie eu passei pra Fundação Alvares Penteado onde dirigi cursos de artes durante quatro anos e fui despedido em 69, por problemas políticos, claro. Ai entrei na universidade de São Paulo pra dar aula na faculdade de arquitetura, dei aula um ano de graça porque meu contrato não saiu porque como eu era comunista, naquele tempo, dizem que não houve isso (ironia), mas comigo houve, não sei, só comigo, acho que com muita gente houve também, mas eles rezam de pé junto que não tinha um coronel que via quem entrava. Eles conseguiram lá o contrato e foi lá que eu fiz a carreira. No contrato, eu era obrigado a fazer pós-graduação porque não havia ainda curso de pós-graduação pra arquitetura, o arquiteto formava e ia trabalhar, ninguém voltava pra escola, como os pedagogos, os psicólogos, médicos que trabalha com ciência... Quando abriram o curso de pós-graduação na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em 77, entrei fiz mestrado em 83 e fiz doutorado 85, 86, mas não fiz a tese, pedi um adiamento que está até hoje, não estou muito interessado em fazer tese de doutor. Hoje em dia, eu trabalho mais como artista plástico, mais como pintor.
P/1 – Bom, vamos retornar um pouquinho, você fez universidade, se formou, voltou pra São Paulo, se formou aqui, quando foi que você casou, como é que foi? Quando é que você saiu da casa da sua mãe? Como é que foi quando você casou?
R – Foi justamente, quando eu cheguei em São Paulo de Porto Alegre, fiquei três anos em Porto Alegre, voltei só em 1950, entrei pro Museu de Arte, eu tinha um apartamento na Rua Major Sertório, lá eu conheci uma colega, a Glória, que foi minha primeira mulher, e claro, a gente começou a namorar, esse namoro levou uns dois anos, até que uma época ela chegou e disse: “Olha, eu só dou se a gente casar. Esse troço de... Eu não fui programada pra essas coisas assim”, eu falei: “Mas eu gosto de você, vamos casar”, mas eu tinha 23 anos, eu achava que era muito moço, naquela época o pessoal casava moço, mas 23 anos era muito moço. Ela era um pouco mais velha que eu, tinha uns cinco anos mais, tinha 28 anos, mas eu entrei numa paixão, um amor muito forte, por ela fisicamente porque ela era muito bonita, muito inteligente e gostei dela mesmo e ela não tão fisicamente porque eu não era bonito, era feio pra burro, mas ela ficou mais ligada a cabeça, o que eu fazia na época, os prêmios que eu ganhava, foi mais um fascínio, uma fascinação. Bom, a gente casou, em 53, eu estava no primeiro ano de Arquitetura, pro segundo ano, era estudante, não trabalhava porque nessa época não tinha possibilidade, eu ganhava algum dinheiro porque fazia alguns trabalhos como freelancer, trabalhos gráficos, ganhava uma capa aqui... Então, as vezes, passava o ano sem trabalhar, mas no fim do ano ganhava dois, três concursos e dava o dinheiro pra viver. Mas não tinha condições ainda de ter um lugar próprio, então nós fomos morar no viaduto Maria Paula, no centro da cidade, no apartamento dos pais da Glória. Olha, nós ficamos lá até eu me formar, dois anos depois, nasceu nossa primeira filha em 1955, eu tive que fazer um pequeno tratamento antes de casar porque a minha mulher era Maria de Glória Lemes de família tradicional, exigiu que eu fizesse um exame pré-nupcial, eu nunca imaginei que ia fazer exame pré-nupcial, hoje tudo bem, você fazer um exame de HIV porque é importante, principalmente, cara jovem, artista então, é um meio de risco tremendo, mas naquele tempo não era tão tremendo assim o meio de risco, eu fui fazer um exame de sangue e deu estado latente, duas cruzes de sífilis, sífilis congênita, quer dizer, vinha de família, o médico disse “Eu sabia que você tinha alguma coisa”, eu disse: “Por quê?”, “Primeiro, porque você é nordestino e segundo porque a sua arcada dentária é um pouco pra fora”, ele chutou, sei lá. No fim, tirou o sangue e viu, fiquei um ano fazendo tratamento, a sífilis não estava ainda acontecendo, mas podia vir acontecer, podia atacar a cabeça, a primeira coisa que ataca é o cérebro, que fica louco ou podia demorar muito tempo, também ataca o coração, fiz o tratamento, penicilina com bismuto, era um troço terrível, e ele pediu... Os médicos naquela época eram um pouco ignorantes nessas coisas, eles falavam “Não pode ter filho enquanto tem sífilis”, não tem nada a ver, a sífilis do homem não passa, o problema é mais da mulher se tiver, não do homem. A primeira menina, a Aurea nasceu em 1955 porque aí estava tudo bem, eu fui fazer exame não tinha mais nada, eu estava limpo, limpo, eu estava um paulistano perfeito, não tinha mais nada de nordestino, mas nem a coitada da sífilis. Aí nasceu a primeira, quando nasceu a segunda, a Mônica, em 58, eu já estava formado e já tinha o escritório, aí nós alugamos um apartamento, na Bela Vista, perto da Avenida Paulista, foi aí que, então, eu comecei a trabalhar, tinha um escritório, ganhava dinheiro, tinha apartamento, compramos outro perto da Avenida Paulista, apartamento enorme, 400 metros quadrados, depois reduziu pra 200, veio o golpe de estado e eu não pude pagar, naquele tempo, não tinha prestações longas, se pagava em dois anos, tinha que pagar como se fosse hoje 15 milhões por mês, mais uns 60 milhões de seis em seis meses, não era fácil, tinha que trabalhar feito uma besta, mas com 32 anos você trabalha bem, não tem problema e ganhava muito bem. Depois eu comecei a ficar doente, ser professor, voltei a escola em 64, comecei a andar só com a juventude, aí, claro, tinha uma aluna que eu me entusiasmei por ela, fomos viver juntos, aí eu me separei da família, fomos viver juntos na Rua Maria Paula pegava a Mackenzie em um prédio, onde eu assisti todos os grandes comícios que aconteceram ali na época, 68, 69, 70, todos aqueles quebra pau rolavam no Mackenzie. Mas depois me separei da mulher, minha ex, que era arquiteta também e em 73, eu fui convidado a dar aula em uma faculdade nova lá em Santos, faculdade de arquitetura de Santos, da universidade Católica de Santos, e lá eu encontrei minha atual mulher que também era aluna, a gente ficou indo e tal, fomos morar juntos, e estamos lá até hoje e temos essa nova filha nova a Cleo, que está entre nove, dez anos, a gente está, mais ou menos, bem agora.
P/1 – Me conta um pouco os episódios da Maria Antônia, você viveu bem de perto isso...
R – Os episódios não eram... É chato falar sobre isso, na época, levava aquilo uma coisa, depois que acaba você começa a ficar triste quando lembra, poxa, quanta besteira que a gente fez, podia ser morto. Mas eu dava aula no Mackenzie, morava ali perto, Mackenzie era o reduto da direita, inclusive, uma organização direcionada a CCC Comando De Caça Aos Comunistas. E tinha um cara, o Faringe, não vou dizer o primeiro nome, Faringe é uma família muito grande, fica chato e hoje, ele não tem mais nada disso, que ele era um artista plástico também, mas estudava Direito e era lá no Direito que era o centro da coisa. Eu conheci o Faringe porque a gente expunha junto, na década de 60, eu também fui um artista pop, fazia pop art, pop art americana, esse Faringe fazia tipo histórias em quadrinhos, mas um cara enorme que fazia halterofilismo, claro, o pessoal da direita gosta muito de fazer musculação, não sei para que, não serve pra nada, ninguém lá trabalha com os músculos, mas eles acham bonito fazer para ficar igual aos nazistas, os caras pintavam o cabelo de loiro pra dizer que eram alemãos, andava sempre com uma winchester aquela de repetição, só tirava fotografia com ela vestido de caubói, aquele troço, coisa que você vê os skinheads hoje, mas ele era meio amigo da gente, respeitava a gente porque a gente expunha junto, às vezes, a gente dava até um apoio na arte dele. Mas um dia, as minhas amigas a que eu vivia e uma outra a (Lucidan?) que era mulher do Mário Schenberg, morava junto com Mário Schenberg, morava embaixo, ali em cima. Elas começaram a receber cartas do CCC dizendo que elas iam ser estupradas, assassinadas, não deviam andar comigo, não deviam andar com Mário Schenberg e elas ficavam apavoradas. Um dia, cheguei pra esse cara no Mackenzie, falei: “Por que você está mandando cartas deste tipo? Olha aqui a carta”, “Eu não, eu adoro você, não tem nada, vou falar com meus amigos”. Mas ficou na minha cabeça que o reduto era a escola de Direito e ele era um dos chefes, eu assisti, não vi de perto, mas de lá do apartamento que eu morava na Maria Antônia, o pessoal do Mackenzie subindo naqueles prédios que ______ com espingarda, como é o nome? E dando tiro na faculdade de Filosofia e dando tiro na faculdade Filosofia, mas arrebentando com as janelas todas e querendo pegar o pessoal. Eu não vi ninguém morrer com essa confusão, mas vi aquela tremenda confusão e a polícia não fazia nada, os caras eram a polícia, eles ficavam lá pareciam coisas que eu vi na década de 30 que eu ia ao cinema, passava jornal antes do filme sobre a Guerra Civil na Espanha, 37, que ficava aqueles caras em cima dos telhados jogando granada, os caras de boné, o povo, né, os outros atirando em questão, então meio que o pessoal do Mackenzie atirando na rua, na Filosofia, eu falei “Porra, parece que eu estou vendo a Guerra Civil da Espanha”, eles foram um dia que eu vi. Agora, em vários comícios, passeatas, né? O pessoal andava, depois chegava a polícia, cercava, a turma saia pra cá, saia pra lá, uns enfrentavam, outros corriam, outros iam por trás, pegava a policia por trás, todo aquele tipo de guerrilha urbana, que eu não participava porque eu já estava um pouco velho pra isso, nessa época estava com 38 anos, não era bem a idade de fazer, era mais a idade de dizer como é que faz, mas não de ir lá, isso é coisa pra quando você está com sua força física completa, inclusive, com a perna boa pra correr, porque se não correr te matam mesmo, o pessoal atirava, não era pra cima, eles atiravam mesmo em cima. Vi uma vez que uma... Ali na Consolação com a Maria Antônia, depois tem a Caio Padro, um fusca... Estava ali perto no bar bebendo quando um fusca a noitinha explodiu, era um famoso japonês guerrilheiro, que estava levando bomba não sei pra onde, ele errou não sei o que ali que explodiu, mas foi um cheiro de carne queimada, não sobrou nada. Então, eu vivi esse todo vendo estudante protestando, estudante pichando parede, naquele tempo a pichação era bonita porque ela tinha uma mensagem, tinha um conteúdo, lembrava muito daquela revolução na França, a revolução dos jovens, em Paris, faziam barricadas, o pessoal pichava, ajudei o pessoal de esquerda do Mackenzie, porque tinha um grupo de esquerda lá, o grupo de esquerda era mais o pessoal de Arquitetura porque Arquitetura é sempre um troço mais... Apesar, de ter muita gente rica, mas o pessoal mais de esquerda era da Arquitetura, então fazíamos cartazes, eu ensinei eles a fazer cartazes rápidos, ensinei serigrafia, silk screen, “Olha, Silk Screen faz assim, letras se faz assim, tal” e por causa dessas coisas eu fui indiciado e por isso fui despedido do Mackenzie e depois fui despedido da Fundação Penteado, não é que a gente fazia política, a gente ajudava, vocês querem fazer política? É assim que se faz, mas eu não estou fazendo nada absolutamente, mas não fui preso não, eu consegui, meu processo foi arquivado, mas está o nome lá no DOPS, que depois virou SNI e quando virou SNI que me chamaram pra ajustar as coisas porque antes estava tudo errado, uma bagunça tremenda, o pessoal do DOPS é cretino, SNI é melhor, coisa desse tipo, mas fez só uma ficha lá
P/1 – Tá certo. Você que é artista plástico, lidou com gráficos também, uma série de coisas, você leu almanaques? Como é que eram os almanaques.
R – Eu não era muito ligado, mas se lia muito almanaques, os únicos almanaques que li quando era muito pequeno, dez, onze, doze, até os quatorze, entre os sete e os quatorze anos, eu lia muito almanaque de história em quadrinhos, almanaque do _____ juvenil mensal, que era um troço que vinha com história em quadrinhos, almanaque do Tico Tico, almanaque do gibi, coisas que tinham nos almanaques, agora almanaques mesmo aqueles que te dá receitas do ano todo, com frases, isso eu não lia, minha mãe não deixava muito ler essas coisas, minha mãe é intelectual, ela dizia que almanaque não entrava em casa, tinha esses problemas um pouco elitista, apesar de morar em uma pensão e viver em uma miséria tremenda, mas punha o nariz em pé, se meus pais eram fazendeiros no nordeste, eu estou aqui em uma merda total, mas vou manter essa posição, então almanaque desse tipo não entrava. Eu uma vez ou outra via na mão de um amigo, achava curioso porque almanaque da receita de tudo, é engraçadíssimo almanaque, comecei a ler almanaque muito tempo depois, já mais velho, com 26, 27 anos, mas como pesquisa, pesquisa de coisas populares nesse sentido e de como era a gráfica e a comunicação visual dos almanaques, tem uma comunicação visual completamente anárquica e funciona bem pra burro, todo mundo encontra o que quer ali.
P/1 – Nesse seu trabalho, você fez alguma vez charges, se interessou por essa área ou não?
R – Nunca fiz charges, eu fiz um pouco de história em quadrinhos e na época da Pop Arte, eu fiz quadros que eram quadros de historia em quadrinhos gigante, grandes, na Pinacoteca do Estado tem alguns trabalhos meus dessa época, história em quadrinhos ampliado, quer dizer, seria a elevação da comunicação de massa à obra de arte, muitas vezes você pega uma obra de arte e banaliza, você pega uma música do Chopin e coloca em tons de rock, ao contrário, a banalização da obra de arte, eu fazia o reverso, eu pegava uma obra banal e punha, fazendo o quê? Ampliando. Se a história em quadrinhos tem que ser desse tamanho, claro, maior que isso ela não é uma história em quadrinhos porque não dá mais uma sequência narrativa pra coisa, quando você faz um quadro de um metro e meio por um metro em meio com personagens de história em quadrinhos desenhados com as mesmas características gráficas das histórias em quadrinhos, quer dizer, a cor chapada, a figura delineada com o traço preto, a retícula para dar o claro-escuro e aquela coisa genial da criação da história em quadrinhos que é a onomatopeia do balão, o balão com as coisas escritas, então, eu fazia quadros desses, uma mulher assim, bem o tipo de história em quadrinho, uma cor só no rosto, no fundo vermelho, um pedaço verde e aquele balão e ela falando “Ah! Ih!”, com aquela letra de história em quadrinhos, ampliando. Eu fiz uma série de trabalhos desse tipo entre 67, 69, durante 2 anos quando comecei, nessa época, também fazia uma série de trabalhos sobre futebol, aliás estou fazendo uma exposição coletiva sobre futebol aqui na Pinacoteca, é uma homenagem ao 100 anos do _____ ____ e o diretor da Pinacoteca, convidou porque eu tenho um quadro lá e eu levei mais três quadros, se quiserem ver, estão aí, vão só ficar uns dois meses na Pinacoteca do Estado, é um quadro do Pelé meu que é famosíssimo, viajou o mundo inteiro, esteve no México, na copa do México, depois viajou a América do Sul toda e a última copa ele esteve em Roma, com vários quadros de outros artistas brasileiros, que fazem quadros sobre futebol, como Adriane Martins, Claúdio Tozzi e outros, então essa época, não é que eu fazia charges, não fazia desenhos pequenos, fazia desenhos para depois ampliar, mas fazia coisa parecida com charge, fazia ampliação de histórias em quadrinhos e antes disso, eu fiz uma série de quadros, uns 30, 40 quadros, alguns grandes, outros menores, sobre um grupo que me interessou muito em 62, 63, os Beatles, aquele grupo inglês, foi aí que eu comecei e a me interessar por rock. Engraçado, eu não comecei me interessando por rock americano, eu achava chato, achava que era música caipira, eu comecei me interessar pelo rock inglês que era mais inteligente, pelo menos as letras eram mais inteligentes e a música era muito mais inteligente. Então eu fui, talvez, o primeiro pintor aqui do Brasil a fazer toda uma série baseada em ídolos de comunicação de massa e os primeiros foram os Beatles, praticamente, quase não tem nenhum quadro deles, estão todos em coleções particulares e museus, Museu Da Bahia tem um, aqui na Pinacoteca não tem, mas no Museu de Arte tem e em coleção de artes do Brasil e do exterior. Isso foi uma fase, foi de 64 a 1970, comecei a me libertar de uma fase geométrica de pintura que eu fazia em 64, pelos problemas políticos onde eu fiz o primeiro quadro, que era um poema quadro, com uma série de sinais de transito escrito “Não entra a esquerda, entre pelo cano, vá pela direta, esquerda, direita, Carandiru, não sei o que, Bela Vista, Paraíso” todas as coisas sobre somente o Golpe de Estado na época. Eu acordei em abril de 64, na rua, chateado e foi quando eles começaram a pintar no chão as orientações de trânsito que não tinha em São Paulo, você chegava e não sabia onde ia, o cara ia pro Ibirapuera e se perdia, foi a primeira vez que a prefeitura, Detran, não sei qual, começou a fazer, então acordei e bolei um quadro com sinais de trânsito sobre os problemas políticos, né? Para não entrar diretamente no problema político e sem fazer quadro político, como faziam, não sei se vocês conhecem, o realismo soviético que pintava academicamente o operário com filho do braço, o cara lutando e coisa e tal, quer dizer, não me interessava fazer a figura do pobre, mas fazer a coisa pobre, com material pobre, e assim por diante, então comecei a fazer quadros políticos, desses quadros políticos veio o pessoal de comunicação de massa que me interessaram, os Beatles, a Marilyn Monroe, outros artistas, Ah! O Roberto Carlos, fiz diversos quadros do Roberto Carlos, ele comprou dois até uma vez, no meu ateliê, aquele gesto dele assobiar na jovem guarda, então eu pegava de fotografia, eu inventei um sistema muito ligado aos fotógrafos, que era o sistema do alto contraste, você tirar todos os meios tons e deixar o fundo e a figura, preto e branco, em certo momento você não sabia o que era fundo e o que era figura, então você olhava melhor, você via na hora a figura, como aquele cristo que tem atrás dos automóveis, então eu fazia quadros desse tipo, com cores bem berrantes, vermelho, amarelo, verde azul, três, quatro, cores que era o sistema mesmo pra chocar, escandalizar. Eu tenho impressão que dei uma apanhada meio geral, não sei se chateei um pouco.
P/1 – Não, pelo contrário acho que tem muita coisa pra falar.
R – Na edição vocês cortam.
P/1 - Nosso problema é o tempo. É que nós temos uma série de perguntas, você daria um depoimento riquíssimo porque você tem muita coisa pra contar, mas a gente tem um problema objetivo de tempo.
R – Claro, vocês tem. Inclusive, eu também
P/1 – Pra gente, mais ou menos, ir finalizando, eu queria perguntar, qual seu sonho? E eu vou emendar porque eu acho que você pode dar um apanhado geral, você já passou por uma série de experiencias na vida, o que você diria aos jovens hoje, para as novas gerações?
R – Meu sonho, do ponto de vista... Praticamente, estou realizando um sonho, que eu sempre quis realizar, vamos dizer, as 24 não, porque eu durmo pelo menos oito, o que sobra, mas mesmo dormindo eu sonho com arte, coisas coloridas, sonho muito colorido, mas sonho que é uma loucura... Mas o meu sonho eu estou realizando: vivendo de arte, feliz, numa boa, quer dizer, abdiquei de uma série de coisas, de uma boa vida, de uma grande casa, morar em apartamento tal, automóveis, pra viver uma vida mais modesta, numa pequena casa, alugada porque na minha ação de separação eu perdi tudo que eu tinha, passei tudo pra mulher pra não precisar dar pensão alimentar, passei apartamento, terreno, carro e pras filhas, as primeiras filhas. Então fiquei com a Selma, em uma pequena casa, pequena... Uma casa grande, com ___ em Pinheiros, que a gente tinha alugado há uns 16 anos pra fazer nosso escritório e ateliê, como me separei fui morar lá, eu disse assim: “Vamos ficar aqui morando aqui mais um ano, dois anos, daqui a pouco a gente compra uma casa, ou aluga uma casa maior”, mas até hoje não deu. Justamente, porque eu estou realizando esse sonho de acordar às dez horas da manhã todo dia, sem problema de consciência de pequeno burguês de dizer “Não estou trabalhando, todo mundo acorda cinco da manhã, pega três conduções, dá um duro desgraçado, sofre pra burro, morre por isso e eu não estou fazendo”, eu já fiz isso, agora eu acordo às dez horas numa boa, leio jornal até uma hora da tarde, leio dois jornais, inteirinhos, gostoso. Atendo os telefonemas, tal, depois que eu começo trabalhar, aí vou pro ateliê, o ateliê é na minha própria casa, ai começo a pintar, organizar minhas coisas e, duas vezes por semana, eu passo lá quase que o dia na Universidade de São Paulo, quando eu faço minhas pesquisas que eu sou pesquisador lá também, porque no meu ateliê não tenho condições de fazer pesquisas que faço lá na USP, lá tem computador, então tem uma série de máquinas, de elementos para realizar minha pesquisa. Minhas pesquisas são sempre sobre forma, sobre problemas, inclusive, estou fazendo pesquisa sobre as coisas sensíveis da cidade, as coisas que assim ____ do ponto sensível da cidade, as coisas de arte que tem na cidade, desde a comunicação visual, até a fachada do edifício, até o desenho de um piso, até a gráfica urbana, que é esse workshop que estou dando, eu já devolvi a cidade, já fiz grandes painéis, no Largo São Bento, eu tinha feito um painel enorme lá, dei novas cores pra Praça da República, pra praça Roosevelt, em 84 no governo Collor, fiz uma serie de intervenções urbanas, e estou fazendo minha pesquisa justamente sobre intervenções urbanas e agora estou canalizando essa pesquisa para os rios porque quando morei na Europa, ano passado morei três meses lá, fui lá gastar dinheiro e fazer um trabalho na Itália, eu vi que os rios lá são uma beleza, o pessoal toma banho, o pessoal tem clubes nos rios, as pontes são belíssimas e os entornos dos rios tem um paisagismo belíssimo, tem obras de arte em tudo quanto é lugar. A minha pesquisa é sobre isso: como fazer com que esses rios sejam bonitos, tal, porque não é fácil, e mesmo se eu chegar alguma conclusão sobre isso, ninguém vai fazer porque os órgãos públicos tão mais interessado em problemas sociais, até dou razão, por causa do governo do PT, mais interessado nos problemas sociais, não cuidou da beleza da cidade porque não tinha dinheiro pra isso. Bom, mas esse sonho eu estou realizando, aquele sonho de poder viver somente de arte e não precisar fazer outro tipo de trabalho que não tem nada a ver com arte, que você detesta fazer, eu fiz varias coisas assim, construir, ver obras no interior, falar com a burguesia, falar com cliente, jantar com cliente, não precisar fazer mais nada disso, ser um homem completamente livre, não ter propriedade, não ter mais nada, coisa e tal, ter um dinheiro que eu ganho na universidade que dá pra viver muito bem, então passar três meses na Europa, quase todo ano. Aos jovens, o que eu posso dizer é o que eu digo normalmente pra eles, eu falo com eles desde 1964, quando comecei a dar aula, quando voltei a ter contato com a escola, eu saí da escola em 57, comecei andar de gravata e paletó, fazer negócio, chegou em 64 me convidaram pra dar aula no Mackenzie, aí comecei a conhecer jovens, Beatles, esse troço todo, os bailes, me convidavam para ir ao baile, pra ser paraninfo deles. Muitas vezes, eles casavam eu ia lá ser padrinho de casamento, curioso que todos que fui padrinho, separaram depois (risos). Mas eu sempre falava pra eles “Olha, meninada o negocio é vocês não seguir o que os pais de vocês dizem, aquele negócio de ganhar dinheiro, faturar e viver. O que interessa é ser feliz, não é ser rico, nem ser mais inteligente, nem ser o maior artista, mas ser feliz, fazer alguma coisa que te dá uma grande felicidade, que você tenha vontade de fazer, que você faça com todo prazer, porque toda vez que você faz uma coisa com todo prazer você faz essa coisa muito bem e essa coisa muito bem feita passa a ser uma grande obra de arte, toda grande obra de arte é quando o cara faz querendo fazer e gostando de fazer porque quando você não gosta de fazer a coisa sai só profissionalmente, só pra ganhar dinheiro. Então, eu sempre digo isso pra eles e digo pra eles, claro, do ponto de vista político, que esse país pertence a eles, eu daqui a dez anos já estou completamente fora de circulação, posso ter só a cabeça e eles estão no começo, eles que vão mandar aqui, eles que vão dizer como deve ser a TV, eles que vão dizer como deve ser o centro cultural, como deve ser cidade, como tem que se vestir, como tem que fazer, então eu digo pra eles, vocês tem que fazer isso gostando de fazer, gostando da sua cidade, gostando da população, gostando do seu trabalho porque se gostar vocês vão fazer muito bem feito e o grande negócio é fazer a coisa bem feita que vocês vão se sentir muito bem com isso, agora o resto, cada um faz o que quer, não tenho nada a ver.
P/1 – Essa devia ser as últimas perguntas, mas eu acho que a gente não pode perder a oportunidade de você que é um arquiteto que se preocupa com a questão da cidade, da urbanidade. Como é que você vê, São Paulo?
R – Bom, quem chega aqui a São Paulo, primeira vez, acha uma cidade muito grande, aí já começa o erro, do ponto de vista do urbanismo as cidades muito grandes entram em caos tremendo, é muito difícil administrar uma cidade muito grande, cidade grande são cidades de mais de dois milhões pra cima, São Paulo tem quase 10 milhões e a grande São Paulo vai chegar a 20 milhões, ainda não chega à Cidade do México, mas já chega a Nova York, não chega na cidade de Tóquio, mesmo a cidade de Tóquio a cidade de Nova York, que são cidades de primeiro mundo, tem problemas terríveis, mas problemas de todos que você não consegue resolver, principalmente violência urbana, tem gente pra todo lado, desemprego, não consegue resolver, então as cidades tem que ser pequenas. Qual é a melhor cidade do Brasil? Curitiba, é a melhor cidade do Brasil, uma das melhores do mundo. Curitiba é cidade de primeiro mundo praticamente, Porto Alegre está sendo e Florianópolis por incrível que pareça, está começando a ser, então está havendo um troço perigosíssimo, que é que tá acontecendo na Europa, na Itália, na Itália tem um negócio chamado Liga Lombarda, que o pessoal do norte, quer separar do sul porque o sul é muito pobre. E o Norte é rico pra burro, entra barco, todo mundo é milionário, é uma beleza. Eles querem separar o sul do Brasil, o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que de uns 10 anos para cá subiram e enquanto as grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife entraram em processo de deterioração completo, pelo grande crescimento foi um problema de entropia, a coisa vai crescendo, crescendo e você perde o controle total, não há dinheiro, não há jeito de você organizar de novo a cidade. Então, você organiza o centro ali, olha que legal, Vale do Anhangabaú que bonito, um ano depois o primeiro comício arrebenta todo o Anhangabaú e passa a ser coisa de bandido. Então, você não tem mais controle sobre a cidade, esse, infelizmente é o caminho que uma cidade grande desse tamanho está tendo. Não chegamos ainda a condição da Cidade do México que de manhã você saí de máscara porque tem poluição tremenda. São Paulo tem 4 milhões e meio de automóveis, a Cidade do México, tem um pouco mais que isso, é muito fácil comprar automóvel americano lá é quase que de graça, um americano custa 5 mil dólares, com 2 mil dólares você compra um carro de 3 anos atrás. Todo mundo naqueles puta carrões na cidade do México, a gente só conhece as novelas mexicana do SBT. Que é tudo bonitinho, né? As mulheres são lindas, as mulheres mexicanas são bonitas mesmo, isso é verdade (risos). Mas eu acredito que é muito difícil o controle da cidade de São Paulo, você tinha que parar a cidade, não pode mais crescer, agora como é que você pode parar? E evitar que gente venha pra cá, quando existe miséria no resto do país, São Paulo ainda tem progresso, tem emprego, você não pode evitar que o cara venha pra cá, não sou nazista. Os caras vem, tem oportunidade de emprego e não só vem, como são laçados pra vir pra cá, aumentou a quantidade de nordestinos aqui na década de 70 pra fazer o metrô, o pessoal ia lá e dizia “Quanto você ganha aqui no campo?”, “Eu ganho 20 mil réis”, “Você não quer ganhar salário mínimo?”, “Eu vou pra lá pra ajudar a família e trazer”, é como uma empregada doméstica ganha 800 dólares nos Estados Unidos, você faz as contas, oito vezes sete da tanto, ô, dá pra eu viver lá e trazer minha família, só que 800 dólares você esta em extrema miséria, você não consegue viver, no mínimo 2 mil dólares por mês pra viver lá. Então o pessoal veio pra cá, construiu o metrô, construiu toda essas grandes obras de São Paulo e depois, não teve condições de voltar, se enraíza aqui, vai vivendo lá na zona sul de São Paulo, que eu vi a zona sul crescer de uma forma completamente anárquica e o que dá em Campo Limpo, quer dizer, grande violência em São Paulo. Agora é na zona sul, antigamente era Osasco, ou era zona leste, né? Suzano, Mogi, São Miguel Paulista, onde tinha os grandes bandidos, hoje é zona sul porque grande concentração de gente, com uma exploração tremenda, um barraco custa não sei quanto, aí o pessoal vive numa miséria desgraçada e a violência urbana é isso que você vê, estragando a cidade, a cidade não pode crescer assim, agora ela cresceu, então temos que usar outro tipo de solução que são essas que você vê quando liga às 20:30 da noite, pode ser que todas elas deem certo, todas dão certo. Mas e a grana pra fazer? A Erundina quando entrou aqui, a divida era tão grande que ela teve que pagar essa divida e ainda resolver problema da periferia, não deu pra aparecer as coisas e assim o próximo prefeito vai ter problemas terríveis, enfim, é uma pena porque eu considero São Paulo uma cidade muito bonita, ela tem coisas, não sei se é porque a gente mora aqui, mas a loucura dela, a cultura que ela tem, é uma cidade que você encontra cultura. Eu acho o Rio de Janeiro a cidade mais bonita que já vi na minha vida, embora conheça a Europa, tudo, mas o Rio é uma cidade belíssima, mas não da pra viver no Rio, você encontra o que você quiser, cultura, parece que você está em Milão, uma coisa assim, parece que está em Paris, mas tem esse problema, ela cresce, cresce e cria um cancro, vai crescendo e se não cortar, como não cortaram de cara, ele vai crescendo, então você tem que usar soluções desse tipo porque nunca vai solucionar, só quando houver uma grande mudança estrutural, em todo o país. Eu espero que haja um dia.
P/1 – Nós também.
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