Projeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Andreia Andrade
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 20 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV003
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:18) P1 - Primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o convite. E, para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, sua data e local de nascimento.
R - Andreia Maria Nascimento de Andrade. Eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 16 de outubro de 1981.
(00:34) P1 - E te contaram como é que foi o dia do seu nascimento?
R - Não teve nada demais. Eu sou a primeira filha, então tinha uma ansiedade com a minha vinda, mas nada de extraordinário, não. Do meu irmão que teve, que foi numa época que uma artista famosa faleceu, então o hospital estava cheio de gente. Mas o meu foi tudo em ordem. Nasci lá no Botafogo, carioca da gema, embora eu fale “boa tarde”, boa tarde.
(01:05) P1 - E você sabe por que o seu nome é Andreia?
R - Na verdade, eu sou Andreia Maria: Maria por conta da minha avó e o Andreia porque meu pai achava bonito. E não tem acento porque meu pai não queria também. Hoje está na regra do português, então está certinho, mas até então eu ficava falando que meu nome não tinha acento.
(01:24) P1 - E qual que é a origem da sua família?
R - Por parte do meu pai, são portugueses quatrocentões aqui, muito antigos, já de Brasil, então, brasileiros mesmo. E da minha mãe, italiana.
(01:40) P1 - E eles são do Rio também?
R - Não! Então, a minha família é toda do interior de São Paulo, uma cidade bem pequenininha chamada Duartina: tem doze mil habitantes, fica entre Bauru e Marília. E meu pai e minha mãe são da região, meu pai é de Ubirajara. E, na verdade, o meu pai passou no concurso da Petrobras, aí casou com a minha mãe, depois de treze anos de namoro e de noivado. Aí eles casaram e já foram para o Rio de Janeiro para o meu pai trabalhar lá. E aí eu nasci lá, eu e meu irmão...
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Entrevista de Andreia Andrade
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 20 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV003
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:18) P1 - Primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o convite. E, para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, sua data e local de nascimento.
R - Andreia Maria Nascimento de Andrade. Eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 16 de outubro de 1981.
(00:34) P1 - E te contaram como é que foi o dia do seu nascimento?
R - Não teve nada demais. Eu sou a primeira filha, então tinha uma ansiedade com a minha vinda, mas nada de extraordinário, não. Do meu irmão que teve, que foi numa época que uma artista famosa faleceu, então o hospital estava cheio de gente. Mas o meu foi tudo em ordem. Nasci lá no Botafogo, carioca da gema, embora eu fale “boa tarde”, boa tarde.
(01:05) P1 - E você sabe por que o seu nome é Andreia?
R - Na verdade, eu sou Andreia Maria: Maria por conta da minha avó e o Andreia porque meu pai achava bonito. E não tem acento porque meu pai não queria também. Hoje está na regra do português, então está certinho, mas até então eu ficava falando que meu nome não tinha acento.
(01:24) P1 - E qual que é a origem da sua família?
R - Por parte do meu pai, são portugueses quatrocentões aqui, muito antigos, já de Brasil, então, brasileiros mesmo. E da minha mãe, italiana.
(01:40) P1 - E eles são do Rio também?
R - Não! Então, a minha família é toda do interior de São Paulo, uma cidade bem pequenininha chamada Duartina: tem doze mil habitantes, fica entre Bauru e Marília. E meu pai e minha mãe são da região, meu pai é de Ubirajara. E, na verdade, o meu pai passou no concurso da Petrobras, aí casou com a minha mãe, depois de treze anos de namoro e de noivado. Aí eles casaram e já foram para o Rio de Janeiro para o meu pai trabalhar lá. E aí eu nasci lá, eu e meu irmão do meio. Até que daí o meu pai conseguiu embarcar na plataforma de petróleo, e aí minha mãe voltou para Duartina e meu pai ficou viajando. Então por isso eu sou nascida lá, mas com quatro anos, por aí, um pouquinho menos, eu já fui para Duartina, então eu cresci em Duartina.
(02:50) P1 - E vocês são quantos irmãos?
R - Somos três. Eu sou a mais velha, dois meninos depois de mim. Em quatro anos, minha mãe teve três filhos. Tudo pertinho. A gente [era] aquele: briga em casa e se protege na rua.
(03:04) P1 - E você sabe como seus pais se conheceram?
R - Sim! Eles são de uma região rural, eles eram vizinhos de sítio. Minha mãe é a mais velha de quatro irmãs, meu pai o mais novo de três irmãos homens, então o meu pai, que era mais novo, os irmãos ajudavam o pai na lavoura, e aí o meu pai, mais novo, foi ajudar o vizinho, meu avô. E a minha mãe levava comida para o meu avô e tal, começaram a paquerar no meio do cafezal. (risos)
(03:41) P1 - Eles costumavam te contar histórias?
R - Ah, eu lembro de muitas histórias, mas eu lembro mais do… porque na minha história tem um momento de tranquilidade: eu lembro mais dos três irmãos muito juntos, cantando, gravando em fita cassete, brigando, brincando, sabe assim. Tudo muito junto, eu lembro mais disso.
(04:12) P1 - E o que que eles cantavam?
R - A gente cantava moda sertaneja, Chitãozinho & Xororó, Tonico & Tinoco, são as músicas que eu tenho da gente muito pequeno cantando. Mas tinha o Raul [Seixas] também ali, que eu lembro que os meus irmãos sempre gostaram. A gente sempre foi meio de música, desde pequeno a gente estudou alguma coisa. Minha mãe direcionava a gente para atividade física, música, pintura, essas coisas, então todos os três passaram por essas experiências. E aí os meus dois irmãos tiveram banda. Um pouco de tudo, mas pequenininhos a gente copiava ali o que o meu pai gostava muito, gosta até hoje, que é moda de viola.
(05:01) P1 - E vocês gostavam de brincar do quê?
R - Era de tudo, tinha de tudo. A gente ficava muito na rua, né, cidade pequena, jogar bets, queima, vôlei, paredão. Juntava todo mundo ali do bairro e tinha a rua que a gente ficava o tempo todo dominando aquela rua e às sete horas da noite tinha que voltar para casa, aí a mãe abria a janela e falava: “Andreia! Diogo! Jorge! Vem para casa!”. Sete da noite, que a gente não ia na hora, (risos) e aí a gente tinha que voltar. Mas era tudo muito de rua, mesmo, de esconde-esconde… a gente pegava terreno que estava vazio, fazia campo de vôlei, sabe, essas coisas assim.
(05:49) P1 - E como que era essa casa que você cresceu?
R - Não foi a primeira casa onde eu cheguei em Duartina, mas a casa onde eu cresci é uma casa própria, primeira casa própria da família, uma casa grande, com três quartos, com quintal gostoso, com uma piscina, plaina, térrea, tinha duas salas, um aquário grande, que a gente… era uma diversão também quando de seis em seis meses tinha que limpar aquele aquário, catar pedrinha e não sei o quê. Mas era bem confortável.
(06:29) P1 - Ela ainda existe?
R - Ela existe, mas não é mais a casa da minha família. A gente morou lá por 25 anos, trinta, e aí os meus pais construíram uma segunda casa, que é onde eles estão hoje, mas ainda tem os nossos quartos lá, cada irmão tem um quarto ainda. Minha mãe falou que era casa de vó, uma casa maior, então a gente vai para lá, as nossas coisas todas estão por ali.
(07:00) P1 - Tem algum parente, além dos seus pais, irmãos, que você tem um carinho, que você gosta muito?
R - Eu não tenho nem como listar! A gente tem uma família muito grande e muito unida, então junta ‘panela’ todo domingo, faz roda de história, contando as histórias dos antepassados, do povo. A gente fala: “Quem não tá aqui, a gente pode contar”. (risos) Muita história engraçada. Uma família de… somos dez netos da minha avó materna, meus avós maternos, e nós somos muito unidos mesmo, então as irmãs todas estão sempre juntas com os filhos e agora com os netos delas, que agora são os bisnetos da minha avó. Então somos dez netos e agora já perdi a conta de bisneto, tem muitos. Nasceu um semana passada, dia quatorze, o meu bebê também tem dez meses, então tem… vai bater uns vinte [netos] logo mais. (risos)
(08:00) P1 - E vocês têm algum costume especial? Você comentou que vocês gostam de se reunir. Tem alguma data que vocês gostam?
R - Não tem nada… tudo é motivo. Então, tem uma brincadeira, tem um grupo da família no WhatsApp, então sempre tem brincadeira, todo aniversário: “E o chopp, quando vai ser?”. Então, tem uma marca lá da família, que eu nem sei dizer a origem dela, mas uma tia minha tem um sino em casa, um sino grandão de uma fazenda muito antiga, que meu tio adquiriu, e aí tinha esse sino, daí eles reformaram a fazenda, pegaram esse sino e levaram para casa. Aí, por algum motivo, uma prima minha colocou um sino no sítio dela, aí meu pai colocou no nosso sítio também. Todo mundo tem um ranchinho, alguma coisa assim. Sei que hoje tem sino em todas as casas e quando eles tocam o sino é hora de virar uma pinguinha. Sabe, assim! Então (risos) o povo fica todo arrepiado. Mas são os marcos da família. E aí isso é sempre, sempre mesmo, não precisa ter data especial para a gente se juntar. Então tem o sino, tem a roda de conversa que a gente fica falando sempre as mesmas histórias, sempre todo mundo dando risada disso. E querendo: “Conta aquela!”, e tal coisa, então um provoca o outro. E violão com música sertaneja.
(09:37) P1 - Vocês tinham costume de escutar rádio, assistir TV?
R - Não tanto, mas sim. Assim, a infância foi muito na rua mesmo, mas TV, sim, rádio também. Rádio é engraçado: na minha adolescência abriu uma rádio na cidade, e aí tinha, claro, a gente primeiro ligava para as rádios de Bauru para pedir música, e ficava tentando esperar a música começar para gravar, porque na época quando tinha gravação, o locutor avisava: “Ó, vou tocar tal música”, então tinha aquele silêncio para você gravar a música toda no cassete. E depois quando abriu a rádio em Duartina, [era] direto ligando para rádio, ou pedindo música ou passando trote, na época tinha os telefones fixos também, a gente passava muitos trotes [pra] qualquer pessoa. Era uma diversão.
(10:41) P1 - Tem alguma comida da infância que te marcou?
R - Olha, eu sempre fui muito ruim de comida, muito ruim de comida. Então, de nova, minha mãe tinha muita dificuldade comigo, eu comia certo, [o] bom é que eu comia verdura e era certo que eu comia arroz com azeitona. Então eu lembro muito de arroz com azeitona. Desde a primeira casa, eu tenho essa lembrança, de assistir Xuxa na hora do almoço, comendo arroz com azeitona. Aí teve uma história engraçada de comida, porque minha mãe ficava desesperada para eu comer. Eu cheguei a desmaiar na escola, no segundo ano, aí fiz um monte de exames para ver se estava tudo bem. Tava tudo certo. Minha mãe falava assim, depois de tudo: “Andreia, com tanta criança passando fome, você tem comida em casa, você desmaia de fome Andreia. Por que isso?!”. Eu esquecia de comer, eu não comia! E aí tinha um bolo muito gostoso que ela fazia. Ela e a Tata, que a Tata é a pessoa que ajudou a minha mãe a cuidar da gente, desde pequeno, daí ela ficou um tempo fora, que ela teve a filha dela, depois ela voltou e até hoje ela trabalha com a minha mãe. E aí tinha um bolo muito gostoso, chamava Bolo Americano, que é um bolo de chocolate que já tem a calda, não põe a calda depois, quando você vira assim, ele cai a calda. Tipo um pudim, mas é um bolo. E ele era isso aí: não era nem bolo, nem pudim, nem mousse. Era uma coisa gostosa lá que fazia sempre. Botava na geladeira, geladinho, gostoso. A gente matava aquele bolo amarradão, uma massa meio pesada. Aí teve um dia que eu cheguei na cozinha e eu vi a Tata colocando feijão na massa de bolo. Minha mãe e ela bolaram um jeito de eu comer feijão, porque eu não como feijão até hoje. Então ela fazia a massa de bolo e colocava feijão, por isso que ficava pesada a massa, então ele ficava com uma consistência mais dura, de um brigadeirão, mas não era um brigadeirão, porque tinha um negócio de bolo. E aí eu fiquei super decepcionada, falei: “Gente, como pode? Eu não acredito que você está fazendo isso! Não sei o quê”, fiquei sem comer o bolo. Aí, passado um tempo, acho que eu já tava morando até aqui em São Paulo, eu falei: “Tata, faz aquele bolo lá”, “Poxa Andreia, eu vou precisar buscar a receita e tal”, “Mas sem feijão, maior sacanagem colocar feijão no bolo”. Fez o bolo sem feijão: gente, ficou uma decepção, porque ficou um bolo normal de chocolate. Não que não ficou bom, mas eu queria aquele bolo geladinho, mas durinho e tal. Aí depois ela fez o bolo com feijão, de novo, a molecada lá, as minhas priminhas, comeram, falaram: “Nossa, é gostoso o bolo de feijão e tal”. (risos) Essa é uma história que me marca muito.
(13:41) P1 - Você tinha aquele desejo de ser alguma coisa quando crescesse?
R - Não tinha! Eu demorei para escolher o que fazer. Eu sempre fui bem na escola, eu estudei na Escola de Duartina, numa escola estadual até a oitava série e depois eu fui para Bauru. Então eu sempre fui muito bem em todas as matérias. Que dizer, sempre fui muito bem em todas as matérias porque eu era esforçada, mas assim, a química me matava, de chegar perto da prova e ir chorar no banheiro. Uma coisa que me pegava mais. Mas ia muito bem [em] matemática, física, história, português sempre gostei muito de escrever. E eu tinha muita dúvida do que fazer quando crescesse, sabe? Aí foi chegando perto de escolher alguma coisa, ali, na época do vestibular, fiz aquele testes vocacionais de escola: “Direito é bom, não sei o que lá é bom…”, e aí naquele mundo meio que eu enxergava, escolhi Direito. Então me formei em Direito. E durante a faculdade, eu fui muito empenhada, eu gostei muito de fazer faculdade de Direito. Eu fui estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo, trabalhei em algumas comarcas ali da região, então, trabalhei em Bauru, trabalhei em Macatuba, trabalhei em Lençóis, trabalhei em Duartina também. E eu admiro muito o papel do Ministério Público, que acho que é o imparcial da história: eu consigo pegar uma história, um caso, e decidir se eu sigo ou não com uma denúncia. Então eu acompanhei muito disso. Como eram comarcas pequenas, só em Bauru que eu fiquei mais focada em uma frente, mas em Duartina, em Macatuba, em Lençóis, eu olhava para o todo. Então eu fazia desde homologação trabalhista até os crimes da cidade. Então, investigações mesmo de crimes contra a administração pública, casos de família, questões de adolescente, divórcios, furtos de galinha - que tinha muito lá (risos) -, derrubar torre. A empresa telefônica tinha subido uma torre num terreno que não podia. Tudo isso eu fiz por lá. Eu gostava muito! Então, nessa época, eu tinha um sonho muito forte para mim, que eu queria ser promotora de Justiça na região. Então o que eu pensava para o meu futuro, era ser promotora em Bauru ou Marília, ter a minha família ali e usar o inglês que eu tinha aprendido ali na escola de Duartina para, quem sabe, ir pra Disney, pedir batata frita, tudo certinho. Não tinha muita pretensão de coisas maiores que isso. Mas conforme eu fui caminhando no estudo, mais para o final, foram cinco anos de faculdade, eu comecei a ver algumas questões mais voltadas para o direito privado, então trazia uma questão de direito empresarial ali, eu comecei a achar interessante aquilo também, mas, ainda assim, era o Ministério Público que eu pensava. Vim para São Paulo, depois da faculdade, e fui fazer um cursinho para concurso. E aí fui vendo os meus colegas, gente mais velha que eu prestando concurso durante quatro anos, cinco anos até conseguir alguma coisa: “Poxa, conseguiu e tal”... e eu comecei a pensar enquanto estagiária ali do Ministério Público, ver as histórias, que até eu chegar em Bauru, em Marília, precisava passar por muitos outros lugares, muitas outras comarcas que não, necessariamente, eu escolheria. Você depende de ter a vaga, da pessoa que está ali se aposentar. E essas comarcas são as mais tranquilas, são as mais desejadas para as pessoas para ter a família e tal. Eu falei assim: “Cara, esse caminho, até chegar onde eu estou achando que eu quero, vai demorar (risos) e eu não sei se eu estou com paciência de ficar sentada [por] anos para alcançar isso”. Então estudei durante dois anos, mas no primeiro ano eu foquei no estudo do cursinho, aproveitei os estudos para fazer uma pós em Direito Empresarial. Então, de novo, eu fui um pouco mais para o lado privado e comecei a me aproximar um pouco mais da linguagem da empresa, porque a minha faculdade lá de Bauru, que é a Instituição Toledo de Ensino (ITE), ela é bem concurseira, então eu tinha muita coisa de direito público, muitos professores promotores, juízes, então isso acho que certamente me deu inspiração para pensar nessa carreira. Aí, aqui em São Paulo, eu comecei a ver essa questão de direito empresarial e comecei a me atinar para outros temas. Porque ser advogada mesmo, de estar em escritório, eu fui lá em Bauru por um tempo, não era o meu sonho de vida, sabe? Então quando eu comecei a falar: “Poxa, não é Ministério Público, porque eu não sei se vou querer fazer isso o resto da vida, se eu vou querer passar por tantos lugares. Para onde eu vou agora?”, aí foi um momento, assim, de incerteza. Como eu estava fazendo Direito Empresarial, eu comecei a procurar alguns cursos em Administração, porque para mim, até então, processo era um calhamaço de duzentas folhas, com vários volumes, que eu tinha que estudar: operação era cirurgia, né? Então, eu nunca tinha estudado essas questões voltadas para administração de empresas. E aí eu fiz um curso rápido, de três meses, de Administração, me apaixonei, e aí eu fiz uma pós em Administração de Empresas para graduados. Então ali tinha engenheiro, tinha médico, tinha advogado, tinha de tudo nesse curso. E foi me encantando, tanto que eu fiz mais créditos do que devia, fiquei mais tempo do que devia lá, porque eu fui fazendo de tudo. Então ali a gente tinha que ter uma grade mínima de estudo, tinha que escolher um dos focos mais para o final do curso, eu escolhi para Marketing, mas eu fiz muito módulos… de Finanças, não, não era o meu negócio, mas muitos módulos de Recursos Humanos, Marketing, Competitividade, Estratégia e Inovação. Então eu me encantei com esse mundo. E aí, assim, começa a chegar mais perto de onde eu estou hoje. Então, voltando na sua pergunta de sonho: nunca tive. De ser astronauta, nada disso. Tem uma coisa que me passava pela cabeça, hoje menos, mas já passou muito, que era ser ou Prefeita da cidade ou Presidente do Brasil, sabe, uma coisa assim, mas era uma coisa que eu falava: “Nossa, poxa, eu podia ser”, mas nunca fui militante, sabe, assim, para me envolver com política, essas coisas. Eu me envolvi muito com questões sociais, na vida toda, eu me envolvi. A vida foi me levando, mas eu não deixei a vida me levar. A vida foi me levando para oportunidades, reconheço um privilégio, nesse momento do: “Poxa, eu não vou ser advogada, eu vou ser o que da vida?”, de eu ter um tempo e ter condições ali dos meus pais poderem ‘segurar a onda’ para esse momento de incerteza. E aí, para o momento mais crítico, que foi o fato… assim, eu mandava o currículo para processo de trainee, me colocavam para o jurídico direto, mas eu queria passar pelo processo de trainee das empresas, pelas outras áreas. Aí eu lembro muito assim um dos processos que eu fui - foi no Maksoud Plaza - cheguei lá, processo de trainee de uma empresa enorme, aí tinha uma plaquinha lá: “Jurídico para cá”. Então, assim, eu era muito… poxa, eu queria ir para lá, eu queria ver qualidade, ver questão de operação, de RH, mas quando eu vi isso, falei: “Não, não quero ser advogada”. Então foi quando eu estava na pós e falei: “Agora eu vou direcionar a minha carreira para alguma questão de Administração de Empresas”. Se eu puder continuar, eu continuo.
(22:14) P1 - Eu só queria voltar um pouquinho. Na época da escola, sua primeira escola, como é que vocês iam para ela?
R - Andando.
(22:23) P1 - Era pertinho?
R - Era pertinho, era uma quadra e meia da minha casa, numa subida assim, a gente ia andando. Eu me lembro da gente ir bastante sozinho. O parquinho, o maternal, também era perto de casa, a gente ia andando, mas aí acompanhado. Mas a escola ali, o Gê Barão, que é a escola que eu estudei mais tempo, a gente ia andando. Depois quando eu fui para Bauru, eu ia de ônibus, então pegava o ônibus fretado, fretado pela prefeitura e às seis da manhã passada, pegava, tinha alguns pontos da cidade, pegava aquela galera toda, aí voltava no fim da manhã.
(23:08) P1 - Nesse período da escola, mudou alguma coisa em relação à infância, coisas que você gostava de fazer nessa época?
R - Não tenho grandes marcas. O que eu tenho marcado nessa época de escola, de colégio… eu até estava pensando nisso esses dias. Eu acredito que eu tenho uma natureza tímida. Tem gente dando risada aqui. Mas assim, eu tenho uma natureza tímida, mas eu sempre gostei de me envolver com questões de decisão, com questões que pudessem estar em discussão na escola. Então eu me lembro sempre de estar envolvida com alguma coisa da coordenação ou de estar muito próxima dos professores, sabe? E aí eu lembro muito assim, eu não lembro se era quinta, sexta série, que vai ter representante de sala, aquela coisa de representante de sala, e aí o pessoal começa, “vai ser a Andreia, vai ser a Andreia, vai ser Andreia”; Gente, mas naquela época, para eu estar na frente de uma sala, eu suava, eu gaguejava, eu tremia e ficava vermelha. Toda vez eu me sentia quente, suada, era muito difícil para mim. Mas eu fui desde muito cedo envolvida nessas coisas, talvez por uma liderança de grupo natural, mas que não era natural de eu me meter muito na frente das coisas. Você olha assim, vídeo minha mais nova, foto, eu sempre tô dançando ali no balé, olhando para o lado. Minha mãe até fala disso: “A Andreia estava sempre olhando para o lado”. Porque eu não era aquela pessoa que achava que eu era a estrela do negócio, eu era insegura e ficava olhando para a coleguinha para saber como fazer. Mas essa questão de ser quase que jogada nesse lugar de liderança… Depois disso eu nunca mais parei de ser representante de sala: fui para faculdade, também era líder da sala, depois eu fui presidente de comissão de formatura, fui do grêmio estudantil. Aí eu já não tremia mais. Então, eu gostava de estar nesse papel, gosto até hoje! De investigar, tem a questão do direito também, de investigar os casos, as situações, um tema que precisa solucionar, eu gosto de investigar, mas gosto de ouvir as pessoas, eu gosto de chegar num consenso, pensar na solução que seja mais no meio do caminho ali possível para atender a todos os interesses, sabe? Eu sou essa pessoa mais num perfil mais consensual.
(26:00) P1 - E como que você era na adolescência?
R - Era tímida. Sempre estive com muitas amigas, muitos amigos, tinha um grupo de amigos, mas não era a mais espoleta não, era bem tranquila, comportada, nunca dei trabalho para os meus pais. Cuidava dos meus irmãos, minha mãe fala que teve uma época que ela parou… quando tinha aniversário das minhas amiguinhas, como era os irmãos muito perto, muito próximo de idade, convidava os meus irmãos para ir. Mas teve uma época que a minha mãe parou de deixar os meus irmãos irem porque senão eu ficava só cuidando deles na festinha.
(26:45) P1 - Além de festas, vocês gostavam de fazer o que para se divertir?
R - Esporte, coleção de papel de carta, brincar de gato mia, dormia na casa das minhas amigas, aquele bando de meninas. No sítio do meu pai, tinha a casa antiga lá, que é onde morava a família que ajudava a gente lá, e aí o meu pai construiu uma caixa d'água, mas ele não colocou a caixa d'água sozinha, ele construiu dois cômodos debaixo da caixa d'água para ela ficar alta, então tinha um cômodo embaixo e um cômodo no meio. E construiu um campo de futebol. Aí o campo de futebol, os meus irmãos amavam. Então a parte de baixo era o vestuário do pessoal lá e a parte do meio, assim, não tinha banheiro, não tinha nada, tinha um fiozinho de luz, aí o meu pai botou um espotizinho lá de luz, e a gente ia dormir lá com as minhas amigas. Aí a gente pegava a água do caseiro lá, para escovar os dentes, ficava na maior bagunça lá, quatro, cinco meninas, num espaço super pequenininho, dois por dois, assim, dois e meio por dois e meio, talvez, sei lá! E aí, no dia seguinte, ia para o meio da floresta, com o Cláudio, que era a pessoa que trabalhava lá, ele levava a gente, ou o meu pai ia para lá e levava a gente, aí a gente ficava caçando cipó, ficava caçando pegador de onça, entrava no rio, afundava o pé em barro. Tem fotos mil dessa época, que a gente se juntava para fazer essas coisas. Ou ia para o sítio de outra e andava a cavalo, aí saía a cavalo em disparada, porque era tudo cavalo de lida, não era cavalo de passeio, aquele cavalo que está acostumado com peão bom, não menina que não sabe direito. Mas eram esses os divertimentos. E de final de semana [estávamos] sempre na casa da minha avó, sempre os meninos jogando futebol, a gente ainda ia para os meios dos bosques, da floresta, ficava no chiqueiro, ia para tuia de milho, ficava lá caçando milho. Reformou a estrada, aí derruba aquele monte de terra, a gente ficava escalando aquelas terras. “Ah, caiu a ponte”, aí ficava aquelas erosões tudo, a gente ia lá brincar de argila, brincar de mis coxinha, então rodava no rio, ia para areia, rodava na areia. Teve uma história muito engraçada com a minha prima, que reformaram um barranco, um barranco não, meu Deus! Um mata burro. Não sei se vocês sabem o que é isso, ele é um buraco: tem a cerca, no sítio tem a cerca e tem onde precisa passar os carros, para ter acesso, pode ter uma porteira, mas para não precisar toda hora ficar abrindo a porteira, então põe uma mata burro ali, que é um buraco no chão com madeira, que você consegue passar por cima, mas você vê o buraco; então o gado, o cavalo, não passa por ali porque afunda a perna, por isso chama mata burro. E aí o meu tio reformou o mata burro do sítio da minha avó, então fizeram um buracão bem bonito lá, quadradinho, o mata burro bonito e tal. E tem sempre um vão do lado assim, aí eu e minha prima entramos lá e a gente começou a brincar de casinha lá, e a gente ficava lá brincando, pegando as coisas e levava lá para debaixo do mata burro, a gente ficava lá. Só que a gente começou a fazer prateleira na parede do mata burro, do buraco, então a gente cavava aqui fazia prateleira, tirava a terra daqui fazia um banquinho para colocar as coisas, não sei o que lá. Gente, eu sei que deu a primeira chuva, o mata burro caiu, porque a gente fez tanto buraco no negócio. Meu tio ficou puto, ele falou: “Meu Deus do céu!”. Eu não sei o quanto disso é fantasia para mim, mas a gente fala, eu sempre conto essa história e ninguém me fala que não foi bem assim. Para mim, hoje, eu vejo lá, não devia ser tão grande aquele buraco, mas para mim era grande demais. Os carros passavam, que o povo ia chegando, e a gente tava lá embaixo, porque estava protegida e brincando ali. Então era muito disso que a gente fazia. Pegava bicho de pé direto, porque a gente ficava perto do chiqueiro, que tinha muita coisa. Muito sítio, assim! Dormia na casa da minha avó em época de férias de julho, aí geava, a gente saía de madrugadinha com aquela grama toda branca, escrevendo o nome nas madeiras que estava lá no sítio. Aí o meu vô tava logo de manhãzinha tirando leite de vaca, a gente pegava canequinha de alumínio com café e ia lá para ele tirar direto para a gente com espuminha, sabe assim? São essas as minhas lembranças de infância.
(31:46) P1 - Você comentou de onça, tinha muito bicho lá?
R - Então, tem, tem as áreas de preservação permanente lá hoje. Na época, nem sei se existia essa lei ainda, mas sempre teve parte de floresta com riozinho, então tem bicho e a gente via realmente pegada. O que eu vi muito mais de perto foi lebre e tamanduá, onça eu nunca vi, mas eu vi pegadas, disseram para mim que era de onça e eu acredito. E agora está voltando lá, porque tem essas áreas. Essa semana mesmo eu vi, uma amiga minha veio na minha casa, Taís, ela é lá de Duartina e o marido dela me mostrou, duas onças pintadas na estrada lá da cidade. A gente teve esses tempos gente mandando bezerro morto por onça. Então está voltando os bichos, mas eu nunca vi. A gente brinca que um primo meu, que ele é matador de onça, mas é brincadeira.
(32:51) P1 - Depois da escola você começou a trabalhar?
R - Não, eu fui para faculdade. Meu primeiro trabalho foi como estagiária já na faculdade de direito.
(33:05) P1 - E a faculdade, você teve que sair da sua cidade para fazer, ou lá mesmo?
R - Então, são trinta minutos da minha cidade, à cidade de Bauru. E na faculdade, eu viajava todos os dias. No último ano só que eu fui para Bauru, a gente alugou uma kitnet, porque daí eu já trabalhava por ali, tinha muito trabalho, muita coisa do TCC, então eu fiquei por lá. Fazia aula pra OAB, sabe, essas coisas, então eu fiquei por lá no último ano. Mas eu viajava todos os dias no começo, eu ia de ônibus da prefeitura e depois, como o ônibus da prefeitura, ele ia, a faculdade era bem no comecinho, eu chegava da minha cidade para Bauru, já era a faculdade. E o ônibus passava na cidade inteira, levando o pessoal para todas as outras escolas, faculdades. Então a gente fechou, tinha alguns grupos de carona, que eram cinco pessoas, então cada dia da semana era uma pessoa que ia de carro, porque daí podia sair mais tarde e chegar mais cedo em casa, então era esse o esquema. Aí quando eu precisava ficar em alguma aula mais, ou sair mais cedo, alguma coisa assim, aí era o ônibus mesmo, ia para a rodoviária e voltava para casa.
(34:33) P1 - Você contou tudo sobre o processo de trabalho. E a parte de tecnologia, quando que ela entrou?
R - E a tecnologia? A tecnologia não é antiga na minha vida, mas ela é determinante pro que eu tenho hoje de caminho. Tem um caminho ainda, [que é] quando eu decidi não ser advogada, eu comecei a estudar administração, eu postulei para alguns trabalhos e sempre me levavam para direito, até que eu descobri de uma colega do curso de pós-graduação, tinha uma vaga numa associação do terceiro setor, de música e artes, muito legal! Então tem antes da tecnologia. Chama Abramus, uma das associações do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), então eu trabalhei quatro anos com isso, primeiro com música… Na época, ali, começou a música digital, que tinha o Ig ainda, ouvindo música, Terra, então eu trabalhava…. Foi a oportunidade de trabalhar com o que eu podia trabalhar de direito, porque tinha facilidade de entender todas as regras, todas as leis, as questões de direito autoral e com negócio, porque ali eu não era advogada, eu era uma geradora de negócios para associação. E esse negócio, na verdade, era buscar os novos canais de transmissão, de execução de música, para que a gente pudesse recolher os direitos autorais das músicas que eles estavam tocando. Então, eu lembro que eu trabalhei no setor de música digital, na época, hoje é tudo assim, mas na época eu trabalhei nessa parte, tentando descobrir as maneiras de fazer as medições em canais digitais que começavam naquela época a colocar música em outros canais que não eram rádio, que não era LP, que não era fita, que essas já eram controladas. Então eu trabalhei com isso por dois anos. E aí ali tinha muito claro o fato de eu ser uma executiva, de eu administrar negócios, então, depois, eu trabalhei com essa parte de música digital e tive a oportunidade, a Abramus se juntou com a Autvis, que é a Associação Brasileira dos Direitos de Autores Visuais. E aí eu fui gerente de negócios da Autvis, trabalhando com artistas visuais. Então a gente ali… representa até hoje, a associação representa até hoje: Pablo Picasso, Miró, (Escampano?). Então tem um monte… É um mundo muito diferente, muito interessante, que eu pude participar. E ali também trabalhando com as questões de direitos autorais, de copyrights, com editoras, com museus, para catálogo, com as associações de fora, passando dinheiro para a família desses artistas no mundo todo. Foi a primeira vez também que eu pude viajar internacionalmente a trabalho, então foi muito legal para mim. Mas aí eu queria outros voos. De novo, tive a oportunidade de fazer uma parte final da minha pós-graduação fora, então eu fiquei seis meses morando fora e, lá, estudando questões de competitividade, estratégia e tal. Quando eu volto… o mercado estava bombando na época que eu fui, na época que eu voltei, não estava bombando tanto assim, então eu fiquei oito meses desempregada. Foi muito ruim essa fase. Mas pensando muito, poxa, já que eu tô desempregada, o que que eu vou fazer daqui em diante. Era péssimo, muito ruim! Eu já morava aqui em São Paulo, mas eu ia para Duartina. Daí eu chegava para ver a minha avó, minha avó: “E aí, você conseguiu emprego, fia?”, sabe, na maior boa vontade do mundo, mas aquilo matava, porque eu queria contar que eu estava fazendo entrevista, mas, ao mesmo tempo, que eu contava, dava esperança e eu não queria ficar explicando para as pessoas porquê que eu estava ali. Então assim, eu ficava mais de um mês: “Você tá de férias?”, “Não, eu estou desempregada”. Muito ruim. Mas tudo bem, passou. E aí eu comecei a estudar sustentabilidade, esses outros temas que sempre me tocaram de maneira pessoal, já na minha adolescência. Na época da faculdade, ali, eu trabalhava em paralelo com famílias, com adolescentes infratores, foi o caso do TCC, por exemplo, na faculdade. Então, eu sempre gostei muito desse tema social. E aí a sustentabilidade começou a entrar em voga, eu comecei a olhar um pouco mais para o ambiental e comecei a me aplicar também para esse tema de sustentabilidade. Então sustentabilidade foi a carreira que me trouxe até a porta da tecnologia. Por quê? Porque eu comecei a trabalhar com sustentabilidade, eu trabalhei no projeto do Google Maps, não com sustentabilidade ainda, mas por conta do meu…
[Pausa]
R - Então vamos lá. Voltando, eu trabalhei com direito autoral, então conectou direito com o negócio, aí fui de negócios. Aí eu voltei desempregada, consegui entrar no Google Maps, que era um projeto temporário, mas não fazendo a parte dos carros, fazendo a parte da coleta de imagens dentro de locais de interesse público, então, que precisava de conversa sobre direito de imagem desses lugares, porque não é a rua, então eu precisava negociar como museus, estádios, parques. Então a gente fazia o mapeamento, tinha um robozinho, tinha uma bicicleta e tinha um carro para essas coletas. Mas tinha uma questão de direito de imagem que me colocou lá dentro. Nesse trabalho, a gente foi procurado por uma consultoria e pelo governo do Rio de Janeiro, para a gente fazer um mapeamento de uma comunidade no Rio de Janeiro. Então a gente trabalhava com tripé, máquina, porque a bicicleta não passava, então eu fui pessoalmente fazer com a minha chefe, conheci a consultoria que estava apoiando o governo do Rio de Janeiro para fazer esse mapeamento da comunidade. Então era um time que trabalhava com sustentabilidade e fizemos lá, foi super legal, a gente fez o mapeamento do espaço e eles estavam trabalhando em várias frentes que faziam a comunidade se auto sustentar, dando instrução para os times, fazendo capacitação, foi muito legal! Horta comunitária, esse monte de coisas. E me interessava sempre, eu ficava super animada com essas coisas. Corta! Acabou o meu projeto temporário no Google, eu fiquei desempregada de novo, três meses desempregada, vamos lá procurar! E estudando sustentabilidade. E aí eu participava de alguns eventos gratuitos que tinham. E até um dia, eu lembro que era na terça-feira, estava garoando, tava friozinho, sete da noite tinha um evento, tinha me inscrito num evento da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo). Preguiça de ir e tal! Vai, vai, vamos! Pega o ônibus, vai para lá, que eu nunca tive carro aqui em São Paulo, tenho agora só, que eu tive bebê. Vai lá para a FEA, eu encontro o pessoal dessa consultoria, lá. Eu falei: “Eu conheço esse pessoal de algum lugar. Não acredito! O povo tá aqui, o povo que eu conheci lá no Rio de Janeiro, na comunidade” e fui conversar com eles. Daí a Sabrina Frizzo, minha colega até hoje, de trabalho: “Poxa Andreia, não sei o quê”, aí me apresentou para o time e tal, fui contratada pela consultoria para trabalhar com sustentabilidade. E essa consultoria foi comprada pela EY (Ernst & Young), que é a empresa onde eu estou hoje. Continuei trabalhando com sustentabilidade, mas aí veio a Lava Jato. Então os temas que eu trabalhava de sustentabilidade, que era transparência de empresa, de conselho, eram questões mais estratégicas, assim, elas foram ocupando menos espaço, porque foi um momento de muita questão de compliance, de risco, e não era esse meu trabalho. Nesse tempo, eu fiquei um tempo lá na consultoria, trabalhando com diversas coisas, mas a gente não conseguia vender o trabalho que a gente tinha, que era de consultoria de sustentabilidade, de olhar para temas que eram materiais para as empresas, para uma transformação sustentável e tal. E aí eu caí num projeto - porque na consultoria você fica disponível - com o time de processo, trabalhando lá com o líder de Tecnologia. Fiquei um tempo nesse projeto. E era engraçado, porque eu era muito diferente das pessoas que estavam lá, porque as pessoas se conheciam muito, era na mesma área, todo mundo ali mapeando o processo o tempo todo, trabalhava muito conectado e eu me sentia um peixe fora d'água. Só que eu fui trazendo umas questões para eles, falava: “Poxa, o tal do diretor não está muito envolvido”. Eu falava para o líder: “Ó, fulano, você não quer… conversa com ele. Posso marcar um café seu com ele? Acho que vai ser importante. Vai fazer isso!”. Eu ficava olhando para o comportamento das pessoas, que era o que eu fazia: eu sou especialista em gestão de stakeholder; dentro da sustentabilidade, eu trabalhava com múltiplos em stakeholder, assim. E, certamente, eu adicionei valor nesse projeto, por conta desse olhar para as pessoas. E aí esse sócio, na época, falou: “Vem trabalhar comigo. Se você tá sem projeto, vem trabalhar. Vamos te colocar em tecnologia”, “O que eu vou fazer em tecnologia?”, “Você vai fazer o que você fez, que é agregar esse olhar das pessoas nos projetos de tecnologia”. Então eu fui falar com a líder de Tecnologia, foram batendo de porta em porta. Falei com a minha líder de sustentabilidade na época: “Ai, tá difícil, eu não consigo vender o que você entrega”. Aí falei: “Então vamos mudar para tecnologia. Enfrenta e vai”. Aí a sócia chegou pra mim e falou assim: “O que que uma advogada que trabalha com sustentabilidade quer fazer no time de tecnologia?”. Eu falei assim: “Olha, eu sei lidar bem com ambientes complexo, eu tenho certeza que eu encontro um lugar nos seus times, porque são implementações, são projetos que trabalham com muita gente, geralmente, com a área de TI falando com negócios, ou não falando com a área de negócios, então…”. Ela falou: “Fechado!”. Já fui para um projeto, foi super legal! Eu passei para o time de tecnologia, sendo promovida gerente e em dois anos eu já fui a gerente sênior lá, que foi muito rápido essa alavancada da minha carreira, eu tinha ficado muito tempo como sênior. E tô até hoje nesse time de Tecnologia. Hoje eu tenho um time específico de gestão de mudança, que trabalha gestão de stakeholders, treinamento, trabalho os impactos nacionais que essa implementação traz para empresa e para as pessoas da empresa e comunicação para as coisas ficarem transparentes. Então eu trabalho com gestão de mudanças para projetos de tecnologia. Então hoje eu sei falar de SAP (Desenvolvimento de Programas para Análise de Sistema), principalmente, que é o grande carro chefe do meu time, sou certificada em SAP na metodologia de gestão de projetos, trabalho agregada com o time de implementação o tempo todo. E eu tenho certeza absoluta que esses dois anos, que na empresa são poucos para um gerente, para virar gerente sênior, ele se deu por conta dessa adição de conhecimento, dessa parte mais humana do tema complexo de uma implementação, com um time técnico que tá olhando para o cronograma, tá olhando para o desenvolvimento, tá olhando para outros temas de sistemas e processos, que não são necessariamente as pessoas. E aí eu entro cuidando desse impacto todo nas pessoas. Então, assim, hoje… aí depois de gerente sênior, depois de quatro anos, eu fui agora recém promovida a sócia. Então no dia 1º de julho eu comecei, 1º de julho de 2023 - que é o ano que a gente tá gravando aqui -, eu comecei essa nova posição. E, assim, eu tenho certeza absoluta que tudo isso se deve ao fato de eu ter juntado a minha expertise com pessoas, com gestão de stakeholders, com esse olhar mais humanizado das questões, com tecnologia. Sou fãzassa de tecnologia. Hoje, eu também trabalho ali dentro da EY com a liderança de um programa que chama Women in Tech, então a gente tem encorajado muitas mulheres a entrarem para o mundo da tecnologia, mesmo que elas não sejam formadas em tecnologia. Então ali a gente conseguiu montar um programa de trainees, por exemplo, que chama pessoas inscritas no programa, mulheres inscritas no programa, que não são de tecnologia. “Quem de vocês quer aprender sobre tecnologia, quer conectar sua carreira com tecnologia? Pode se inscrever que a gente te forma dentro de casa.” Então tem tido muita gente, assim, engenheira ambiental, astrofísica, o povo tudo entrando e tendo muito sucesso em tecnologia.
(48:12) P1 - O objetivo disso é juntar conhecimento?
R - Exatamente, porque assim, no mundo de hoje, acho que a pandemia também acelerou demais isso. Isso já era uma realidade hoje [e] a pandemia acelerou demais. Você precisa ser um psicólogo que entenda de tecnologia para otimizar ou escalar o seu trabalho. Você precisa ser um médico, um engenheiro, um advogado… então, assim, tendo esse conhecimento de outros temas, que não seja especificamente técnico e juntando com o time de Tecnologia, a gente consegue fazer das tecnologias mais completas e do nosso trabalho mais otimizado. Então, assim, eu falo que hoje a gente usa tecnologia a favor…. A tecnologia é um meio que pode gerar N informações para a tomada de decisão, de modo que as pessoas fiquem dedicadas a trabalhar de maneira mais estratégica e não tão operacional, assim. Então, eu encorajo nas falas que eu tenho junto de universidades, com times de escolas, sempre: “Gente, vai para tecnologia”, “Ah, mas eu não sou de Bit e Byte!”. Não faz mal, porque você pode juntar a sua expertise em qualquer outro tema com tecnologia e vai dar sucesso.
(49:32) P1 - Tem algum momento que foi muito marcante para você durante esse trabalho?
R - Eu me recordo de quando eu tinha dois anos já no time de tecnologia, e aí como que eu comecei, eu tenho essa questão de gestão de mudança, mas hoje a gente tem muita gente de gestão de mudança trabalhando especificamente para essa área de tecnologia, que é o meu time. Mas na época não tinha isso, e aí eu comecei como gestão de projetos. Então eu comecei a fazer gestão de projetos. Então a primeira… quando eu cheguei com aquela líder, que é Bete Waller, que falou: “O que que uma advogada de sustentabilidade está fazendo aqui?”, ela me deu algumas metas, alguns objetivos. Falou assim: “Então tá, vem para o time, mas olha, eu quero que você… como que tá seu inglês? Como que tá seu espanhol? E eu queria que você tirasse uma certificação de gestão de projetos”... que mais? Então eu comecei como gestora de projetos, com o time de tecnologia, então, coordenando o trabalho de tecnologia. Eu fiquei dois anos, aí eu fiquei como gerente sênior, aí eu bati com uma grande implementação de SAP, com um time bastante técnico, que eu tive muita dificuldade e era o meu case de promoção: “Agora você virou gerente sênior, você vai para tal projeto…”, foi muito difícil assim, porque a maneira como eu via que a governança daquele projeto tinha que ser feita, ela batia com a cabeça do líder do projeto. Eu aprendi muito com ele e ele disse que aprendeu muito comigo também, porque a gente era muito diferente. Nesse momento, eu falei: “Gente, será que é aqui que eu tenho que ficar? Talvez eu tenha que ir para o time de estratégia de inovação, sabe, eu preciso ir para outro lugar”. E aí eu tive algumas conversas, então tive uma conversa com a Bete, que eu lembro que ela me apresentou um olhar da liderança da empresa, para os temas de Tecnologia, falando assim: Andreia, tecnologia é o futuro e você tem que estar nessa onda. É nessa onda que você tem que estar, então não desiste disso agora, a gente precisa de gente como você na tecnologia”. E ela me mostrou ali que tinha: “Olha, tem um market share (quota de mercado) gigante, a gente vai focar nisso, você vai ter espaço”. Então foi uma conversa que me deu coragem para seguir por ali. E aí, assim, eu sempre agradeço aos líderes que, dentro da EY, sempre têm as portas muito abertas. Eu conversei, depois dessa conversa com a Bete, com o Ricardo Nastri, que era líder da consultoria na época, e aí ele, num olhar dele assim para mim: “Poxa, Andreia, você é desenrolada, você tem que continuar com isso. Você tá [com projetos] em empresa de saúde há cinco anos já, olha para esse market segment (segmento de mercado) também”, outra que me direcionou também. Então eu olhava para tecnologia dentro do mercado de saúde, e a gente fez diversas implementações em várias empresas de saúde. Então isso tudo foi me dando coragem para seguir, porque em muitos momentos, muitos momentos, muitos, eu me sentia olhada como a pessoa: “A Andreia não é técnica! Vamos falar de promoção, puxa, mas a Andreia não é técnica”. A avaliação: “A Andreia não é técnica”. Até que um dia chegaram para mim e falaram assim: “Você não queria fazer uma certificação (light?), um (colbit?)?”. Eu falei: “Eu não estou aqui para isso, gente!”, que era certificação de infraestrutura. Eu falei: “Não, não. Se é essa pessoa que vocês estão buscando, não sou eu, porque o que eu trago aqui, que é o que eu quero viver para sempre aí, até quando esse sempre durar, é olhar para as pessoas dentro de tecnologia, mas eu não quero ser uma pessoa de tecnologia especificamente”. Mesmo porque eu ia ter que correr atrás de muita coisa, o povo de tecnologia tá nisso há muito tempo! E não é o meu perfil, é minha zona de esforço total. Mas eu consegui me conectar, então foi muito legal. E hoje tenho sucesso certamente por conta dessa conexão, de ter mergulhado na tecnologia. E a gente trabalha a gestão de mudanças com muita tecnologia por trás, então todos os dados… a gente vai coletando dados, a gente mede muita coisa da gestão de mudança, a gente tenta nas entrevistas que a gente faz com as pessoas, eles não sabem disso, mas a gente coleta dados ali que por trás geram indicadores que ajudam a gente, às liderança dos projetos a tomar decisão. E aí a gente consegue trabalhar especificamente para se dedicar a atenção às pessoas, para se dedicar, o que que tem aqui de impacto, como essas pessoas estão sendo tratadas, tentar deixar aquele ambiente deles um pouco menos ruidoso e mais fácil de topar a mudança e adotar a mudança que vem pela frente.
(54:45) P1 - Como é que é a sua rotina de trabalho?
R - Olha, hoje em dia, é assim: depende. Quando eu estou em projeto, como é o caso de agora, é dedicação total para o cliente. O meu trabalho é uma consultoria, então eu trabalho na EY e eu trabalho na consultoria, você tá em diferentes clientes, em diferentes setores, empresas de diferentes culturas a cada tempo, então por projeto você vai mudando com isso. Então, quando eu estou com um projeto, eu estou mergulhado na cultura de um ou dois clientes ao mesmo tempo e gerindo [um] time, fazendo com que esse time consiga se coordenar para entregar as coisas que a gente precisa, que sejam entregues com a qualidade que a gente precisa. Então eu tô muito interface ali com as lideranças dos clientes e tentando fazer o time focar nos trabalhos. Então, hoje, no meu papel de hoje como líder, é por aí. Mas, assim, tem muita entrevista, tem muita revisão de materiais de comunicação, de treinamento. A gente está sempre dentro de um ambiente onde o projeto está seguindo, ele está andando, tá andando e a gente vai indo por trás, olhando. Se isso aqui está mudando, eu preciso comunicar tal pessoa, eu preciso treinar esse time, eu preciso avisar aquela área que vai ter mais gente ou menos gente, então a gente vai mapeando isso para direcionar esses temas dentro da empresa, de modo que… imagina, já teve caso de um sistema ‘virar’ e as pessoas não usarem o sistema, daí a empresa chama a gente e fala assim: “Dá uma olhada que tá tudo errado nesse tema, certamente foi feito coisa errada aqui”. E aí o time entra, o time técnico entra olhando, “Tá tudo certo com esse tema, tá tudo certo com esse processo. Sabe o que aconteceu? As pessoas não toparam, não adotaram, não foram treinadas, não foram comunicadas”. Então era uma parte de gestão de mudança. Então eu tô sempre ligada com o que está rolando com as pessoas.
(57:01) P1 - A usabilidade é importante né?
R - Usabilidade, essa experiência que esse usuário tem em relação àquela tecnologia, por vezes a gente consegue melhorar essa experiência, mas tem vezes que a gente não consegue melhorar e a gente tem que fazer… como que a gente fala para essas pessoas que o mundo dela não vai melhorar tanto, mas que é importante para a empresa ter esse sistema adotado por ela? Então, é esse o meu trabalho.
(57:27) P1 - E quanto tempo você trabalha já com tecnologia?
R - Tem seis anos.
(57:34) P1 - E de quando você começou para cá, o mercado de trabalho para mulheres teve algumas diferenças? Tinha oportunidade para mulheres no início?
R - Olha, como eu te disse, eu também sou apaixonada pelo programa da EY, lidero junto com outros líderes esse programa que chama Women in Tech e a gente mede muito o mercado. Então o que eu sinto é que era muito ruim, tá muito ruim ainda, mas está melhorando. Então, eu vejo mais espaço, acho que a pandemia trouxe essa possibilidade também das mulheres se permitirem seguir no mundo de tecnologia. Que a gente fala, as mulheres existem duas vezes mais, mas elas não entram e quando elas entram para o mundo de tecnologia, elas desistem duas vezes mais que os homens. Certamente por questão de rotina, de família. E eu acho que essa questão que a pandemia acelerou do home office ajudou muito as mulheres seguirem para esse caminho. Mas, assim, os números seguem muito ruins, mas melhorou muito desde 2018.
(58:48) P1 - O que você espera desse futuro?
R - Eu quero 50/50, eu quero um punhado de mulheres trabalhando com tecnologia. Porque eu falo: “Gente, é um pouquinho mais da metade do mundo”, a tecnologia ela está para atender a população no fim do dia. Se você faz a tecnologia com um viés único de homens, brancos, cis, de classe média, você tem o atendimento de uma parte da população só. Então aquela tecnologia, as pessoas se adequam a ela, tudo bem, mas ela não vai ser uma tecnologia que poderia ser muito melhor, abrangendo outros olhares. Então, para mim, é determinante que a gente tenha essa diversidade dentro dos times de desenvolvimento, de ideação de soluções, porque essas tecnologias podem ser muito melhores. Então eu quero sim times muito, como fala, multidisciplinares, times diversos, para montar essas tecnologias do futuro. Não é realidade… Eu acho assim, nas consultorias é até mais fácil encontrar mais mulheres, mas em muitos clientes que a gente vai o time de tecnologia, ele é predominantemente masculino. As nossas mulheres de tecnologia, por exemplo, as grandes dificuldades que elas encontram em barreiras em relação a questão de preconceito, aquelas brincadeirinhas bobas, tal, são mais em clientes, sabe? Porque dentro da empresa, ali, a gente trabalha muito isso, muito forte, mas para fora ainda é complicado.
(01:00:26) P1 - Voltando um pouco, aquele seu trabalho de música digital, direito autoral. Queria saber, porque também é ligado à tecnologia, então acho interessante…
R - Então, é legal isso, porque assim, eu deixei a vida me levar, mas não deixe a vida me levar. Eu sempre falo, gente, segue a sua intuição que as coisas se conectam. Pois é! Contando essa história alta aqui, na época ali de desvendar, a gente trabalhava em medir frequência, tentar fazer com que a tecnologia medisse frequência, para descobrir que música que era aquela. Que hoje é o Shazam. Sabe, assim? Porque as associações trabalharam nisso, por exemplo, pra que o Ecad conseguisse capturar de maneira mais assertiva os direitos autorais. Porque, antes, eles cobravam de rádios blocão de direito autoral e dividia para todos os autores de um único montante. Hoje em dia, eles sabem que música está tocando. “Mas eu peço uma música que pode ser de um autor diferente.” Hoje se capta tudo isso! Então, assim, eu estava muito próxima desse time ali de tecnologia, desde essa época, e conseguia trazer o time de tecnologia para falar com o time de negócios das empresas, os próprios times de tecnologia se conversarem também, mas tinha que ter alguém de negócios junto. Então a tecnologia está na minha vida há mais tempo.
(1:02:03) P1 - E tem algum momento muito marcante dessa época também?
R - Em relação à tecnologia, talvez não. Eu tive muita sorte de ter pessoas que aceitavam o fato de eu não conhecer tecnologia e me explicar as coisas, sabe? E o que eu carrego hoje, por exemplo, é uma facilidade de estar com um time técnico. A gente acompanha muitas implementações de SAP, então a gente fala que tem os SAPs, o povo entra… Vem um time que vive SAP a vida inteira, entra numa empresa que nunca teve SAP, que está implementando pela primeira vez e que não conhece os termos. Então, hoje, eu tenho a facilidade muito grande de traduzir essas linguagens entre tecnologia e leigos de tecnologia e isso faz muita diferença. Então, desde aquela época, ali, eu tive muita gente que teve paciência de me dar abertura, de conversar, de estar nesses ambientes onde se discutia tecnologia, que eu consigo traduzir essas falas, essa linguagem para as pessoas que não entendem nada disso. Então isso foi importante para mim.
(01:03:17) P1 - É interessante, passaram para você e agora você passa para os outros.
R - É! E eu tento ser bastante consciente para não me contaminar com essa linguagem muito técnica também, sabe, para tentar continuar simples, porque se é de todo dia, vira normal para a gente falar assim. Igual tem os memes aí, esse pessoal que brinca dos Faria Limers, que fala: “Eu vou fazer um call, na daily, do meeting, não sei o quê”, de ficar falando em inglês. Da mesma maneira, a gente fala o SAPs, a gente fala a linguagem técnica dentro dos projetos, então eu tento não cair nessa. Eu caio, mas eu disfarço.
(01:04:08) P1 - Voltando um pouco para a parte pessoal. Você comentou bastante sobre o seu bebezinho. Como é que foi ser mãe pela primeira vez?
R - Eu demorei? Demorei. Eu estou com 41 anos, eu tive o meu bebê com quarenta, ele tem dez meses e meio, se chama Noah. E eu quis muito ter esse bebê, demorei muito, então para as meninas que estão me ouvindo, não demora muito não gente, porque o nosso corpo passa mesmo. E tem a Ivete Sangalo com 46, a Claudia Raia com 55, não é normal! Não, não é normal não, não é comum. Então eu tive dificuldade para ter meu bebezinho, mas foi um sonho. Eu fui vivendo essa gravidez trabalhando muito, eu gosto muito do meu trabalho, então, assim, no meu trabalho, esse menino ouviu durante nove meses eu falando tanto das questões do Women in Tech, quanto das questões de gestão de mudança, então ele tem a minha voz o tempo inteiro falando disso. Tive uma gravidez bem tranquila, sem muitas complicações; eu tive alguma complicação um pouquinho no final. Aí ele nasce para desacelerar, fiquei seis meses de licença, vivendo esse bebezinho e descobrindo o que que era ser mãe, descobrindo o correr dos meses ali. Hoje ele está um ‘pirulito’, ele não para, tem muita energia, que bom, né! Foi maravilhoso! É maravilhoso! Tá sendo maravilhoso! Eu sempre fui muito ligada com criança, eu sempre fui a tia mais legal, sabe. Eu acho, se alguém tiver escutando isso aqui, da minha família, mas eu sou a tia preferida das minhas menininhas lá da família, levo para brincar, tal. Mas é diferente ser seu e você viver aquilo ali, de descobrir. Eu tinha muito medo de amamentação, muito medo de dor, embora eu seja resistente. Mas foi tudo maravilhoso, foi tudo bem!
(1:06:20) P1 - E como é que você se dividiu em papel de mãe e seu trabalho?
R - Depois que eu voltei de licença, eu caí já num projeto bem completo. A minha liderança até sinalizou… Porque eu não sabia como que era ser mãe e trabalhar. Então ela até sinalizou: “Andreia, se tiver dificuldade, levanta a mão que a gente troca”, porque era um projeto bastante profundo e complexo. Eu tenho, de novo, privilégio de poder ter uma babá maravilhosa, que ama meu filho, que tava comigo já antes. Eu nem sabia que ela podia ser a minha babá. Ela acompanhou toda a minha gravidez, ela estava me ajudando em casa, e aí quando nasce o bebezinho: “Andreia, eu queria ser a babá dele”, “Como assim Mari? Daqui a pouco ele cresce, aí você não vai ser mais babá, e aí?”, “Não, eu quero ser babá dele!” e ela tá com ele hoje lá. Ela vai para Duartina comigo, adora ir para Duartina, a Mari, passear. Então, eu consigo por conta disso, porque eu não sei como seria. Eu fico pensando nas mães de mais de um filho, mães que não tem alguém para ajudar, que não tem rede de apoio, porque minha família é toda do interior, então assim, eu não tenho como ligar para minha mãe e falar: “Passa aqui”, segurando a onda aqui. Ou uma tia, madrinha, então eu preciso dela.
(01:07:52) P1 - E entre essa calmaria do interior e essa rapidez de São Paulo, quando você chegou aqui pela primeira vez, você sentiu muita diferença?
R - Eu senti muita diferença, muita diferença. Primeiro, eu desconfiava de todo mundo, porque eu não conhecia, lá na minha cidade eu conheço todo mundo. Hoje, não mais, mas eu conhecia todo mundo, todo mundo. Então eu desconfiava de qualquer história que me contasse, se alguém me falasse, a pessoa pode ser quem ela quiser, é muito difícil. Dois, eu ia para o trabalho, eu via gente na rua, eu ajudava todo mundo, aí eu comecei: “Gente, eu vou ficar pobre desse jeito”. Até que um dia eu encontrei uma velhinha que tava pedindo ajuda com a perna toda enfaixada, aí eu tinha um cartão de refeição, eu falei: “Olha, eu não tenho dinheiro aqui, mas eu posso…” - Tinha um Subway do lado. - “Eu posso…” - Porque eu tinha hora para chegar. - “Eu posso ir ali pagar um lanche”. Ela falou: “Eu não gosto de lanche”. Eu fiquei com aquilo, aquilo me marcou. “Tá bom, não tenho dinheiro”, atravessei o sinal. Abriu a faixa ali, atravessei, fui embora. Fiquei com aquilo na cabeça. Deu duas semanas, essa senhora estava lá de novo, falando a mesma história, que ela estava no hospital… ela vive disso! Brava! Eu comecei a ajudar de outras maneiras. Isso me impactou muito. As pessoas serem quem elas quiserem, para mim impactou muito também. Comida, porque lá a gente almoçava em casa, não tem restaurante, assim e tal. Na minha adolescência abriu McDonald's em Bauru, “McDonald's é legal!”, então quando eu ia para Bauru eu sempre passava no MC para comprar alguma coisa. Quando eu cheguei aqui, eu podia ter MC todo [dia], mas eu podia também ter comida japonesa todo dia, podia ter massa todo dia, podia ter churrasco todo dia. Então, os almoços, eu fui engordando na época, porque eu podia comer o que eu quisesse todo dia. Então, eu tive que me conscientizar disso, essa variedade, essa possibilidade gigantesca de tudo a todo momento. De ter tudo aberto à noite, farmácia, pizzaria, sabe, assim? Isso foi muito novo para mim na época. E hoje é difícil quando eu chego lá em Duartina e eu quero comer um pastel e de terça-feira a pastelaria não abre. Então, putz! Hoje a pastelaria não abre, e aí o que que a gente vai comer? Sabe, assim? É diferente.
(01:10:27) P1 - Você voltaria a morar lá?
R - Eu amo Duartina, eu amo! Mas eu acho difícil manter minha carreira, voltar para lá, manter a minha família. E voltar para lá, é muito complexo.
(01:10:43) P1 - Na época da pandemia, como que foi?
R - Pandemia foi legal! Foi legal, não! Não foi legal! Foi péssimo! Eu fico olhando para trás é um filme de terror. Eu estava morando num apartamento muito pequenininho, sozinha e sozinha eu fiquei. Aquele apartamento não pegava sol na janela. E aí eu tava com tosse. O prédio onde eu trabalho, foi o prédio do segundo caso de covid, então eu achava… eu tive tosse, peguei covid. Pega como? Pega de todo jeito. Na sexta-feira daquela semana fatídica, 13 de março, 18 de março, eu não lembro. Eu lembro que na quarta fechou o escritório, na sexta-feira anterior eu já não fui trabalhar, porque estava tossindo, eu já achava que eu tinha covid. Aí me tranquei no apartamento e lá eu fiquei. Mas eu fiquei bem ansiosa, tive crise de ansiedade. Aí a gente ficava assistindo aqueles vídeos do YouTube, descobrindo as coisas. Mas, assim, foi logo, começaram as reuniões, não impactou o meu trabalho. Mas eu fiquei um tempo, eu fiquei uns quarenta dias aqui, sem voltar para Duartina, porque lá não tinha caso de covid ainda, então o covid estava aqui, mas não estava lá, aqui estava tudo parado, mas lá a vida seguia. “Eu vou chegar lá e vou levar covid no meu sapato, eu vou infectar a minha família inteira”, então ficamos morrendo de medo. Até que a gente viu que não voltava, não vai voltar, não vai voltar. Eu fui para lá e entreguei meu apartamento aqui, voltei a morar lá em Duartina, fiquei um tempão lá. Meu irmão que mora aqui também, o Diogo, voltou para lá com a família dele, então. E o outro irmão mora do lado da casa da minha mãe. Então a gente voltou a viver os irmãos em família, churrasquinho de final de semana, só a gente, só a gente se virando ali na mesma casa, sentando na sala para ficar jogando conversa fora. Foi interessante, foi bem legal! Essa parte foi legal! Mas era pandemia, né?
(01:12:58) P1 - E vocês ainda brigavam que nem criança?
R - Não! Umas rusgas assim, às vezes a gente se pegava ali. (risos)
(01:13:06) P1 - Como é que a sua mãe se sentiu com todo mundo em casa?
R - Foi legal! Acho que ela gostou! Coitada… primeiro ela teve que se acostumar com o povo em casa, mas uma rotina diferente, mercado mais tempo. E aí o meu irmão ia para o mercado comprar coisas, ou eu ia, aquela coisa de pegar a sacola e deixar a sacola fora. Mas foi uma delícia! Aí a minha sobrinha, Helena, ela tava com um ano e meio, mais ou menos. A minha cunhada também mora em Duartina, ela ficava na casa da mãe dela, e aí durante o dia meu irmão vinha trabalhar na casa da minha mãe, então a sobrinha ficava a tarde toda com a gente, então ela ficou o tempo todo lá. A gente estreitou mais ainda a relação. Ver ela crescer, foi legal! Muito bom!
(1:13:58) P1 - No aspecto profissional, nessa época, como é que foi?
R - Olha, para o meu trabalho não mudou, as coisas se adaptaram muito rapidamente. A gente já tinha estrutura para se mover, porque a gente vai para qualquer cliente no tempo que precisar. O que aconteceu, foi assim: no mundo de consultoria, especificamente, talvez setores de serviço que não precisem estar no local, a gente trabalhou muito mais, porque acho que teve uma impressão de que a gente estava disponível o tempo todo. Porque não pode sair de casa, né? Até você falar: eu tenho alguma coisa para fazer. “Mas você está saindo de casa? Você vai no médico?”. Tinha julgamento. Então a impressão que eu tive, do coletivo mesmo, isso aconteceu comigo, mas eu sei que aconteceu com outras pessoas, é que parecia que a gente precisava estar disponível o tempo todo, até ter uma autoeducação, uma autoconscientização, de não, eu tenho que viver, ainda que eu esteja dentro de casa, eu preciso me exercitar, eu preciso comer direito. Porque, para mim, o que que teve foi uma época assim, de almoço na frente do computador, janta na frente do computador, vai tomar banho e volta para o computador, porque parece que você não tinha mais nada para fazer da vida. Aí as coisas foram se adequando. Mas levou um tempo, viu? Eu acho que essa é uma realidade que aconteceu com muita gente.
(01:15:24) P1 - Tirando o trabalho, tem alguma coisa que você gosta de fazer, um hobby?
R - Olha, eu gosto de arrumar as minhas coisas, o guarda-roupa, eu gosto de jogar conversa fora com os amigos, tomar uma cervejinha, eu gosto bastante. Não gosto de correr, não gosto de bicicleta, vida de esporte eu não gosto. Tô me esforçando, mas não é, é o contrário totalmente. Quem sabe um dia eu vou falar: “Não, eu não gostava e agora eu gosto!”. Eu quero ter esse momento, [mas] não chegou ainda. Gosto muito de música. Não sou aquela pessoa de série, porque se eu pego uma série para assistir, eu tenho que maratonar, não aguento esperar, então não é bom para mim, eu passo madrugada. Agora com bebê, eu prefiro dormir. Mas é isso! Não tem uma coisa super diferente que eu faço da vida não.
(01:16:29) P1 - Quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - A minha família, eu, meu filho, meu marido, mas minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus primos. Eu nem sei o espaço que eles tomam na minha vida, é uma conexão muito potente, é muito potente. O dia todo a gente interage on-line, a gente se ama muito, não tem ‘brigueiro’, é tudo conectado, então é minha base. E minha rede de amigas, eu tenho um grupo de amigas, a gente se chama de únicas, desde a adolescência. E eu estou bastante afastada delas ultimamente, por conta do bebê, por conta da pandemia, daí vem gravidez, aí você tem medo de encontrar, aí o bebê, agora eu quero dormir na hora que eu podia estar tomando um vinho com elas, eu tenho que colocar isso na minha agenda de novo, porque eu voltei nessa questão de projetos e sinto falta. Mas é uma rede também muito importante para mim, elas são uma extensão da minha família, mesmo porque elas são todas do interior e a grande parte delas é do interior e a gente tá todo mundo conectado, então, assim, a mãe é amiga. A gente fez um encontro no final do ano na minha casa, foi mãe, fomos nós, foi a filharada tudo, então tá tudo muito conectado, porque as famílias são muito próximas também. É quase uma família também! Essas são as coisas mais importantes para mim, minha família e minhas amigas.
(01:18:19) P1 - Eu esqueci de perguntar do seu marido. Como é que vocês se conheceram?
R - A gente se conheceu na consultoria. E ele também trabalha com tecnologia e a gente se apaixonou ali e dali a gente tem um bebezinho agora.
(01:18:35) P1 - E qual é o seu maior sonho? Se você tem mais de um também, pode falar vários.
R - Eu sonho, assim, eu almejo poder tomar uma cervejinha com meu filho, ter saúde para vê-lo crescer, vê-lo formar uma família. Eu quero me divertir com ele. Ser mãe mais velha me dá um pouquinho de frio na barriga, por conta disso. Mas eu tô na academia por conta disso também, por ele, porque eu quero poder viver com ele o que eu vivo com os meus pais, com os meus tios. Essa conexão que eu falei que é poderosa, eu quero que isso siga com ele, quero que ele esteja perto, que a gente continue nesse vuco vuco, dos primos. Ele não está crescendo lá no interior, mas eu quero muito que ele passe férias lá, que ele se conecte com esses valores.
(01:19:41) P1 - O que você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Olha, eu tinha tendência de não olhar muito para o valor das coisas que eu faço, de me deixar um pouco na sombra. Isso é uma fala muito consciente, de alguém que ficou se analisando por um tempo. E nessa trajetória de promoção, que eu vivi muito recentemente, olhei muito para o meu caminho, para me convencer de que eu merecia pleitear por isso, para me convencer que eu merecia estar nessa posição: “Poxa, estão considerando. Por que que estão considerando?”, Então eu precisava me convencer disso. E eu acho que eu deixo uma liderança transformativa. Eu acho que o meu legado vai ser na minha vida profissional inspirando pessoas a sonharem com uma carreira sem limite, a sonhar que elas podem fazer parte do que elas quiserem, colocar isso no plano. Então, meu propósito é assim, fazer com que as pessoas sigam seus sonhos, coloque no plano, e eu ajudo executá-los. Porque eu falo de sonho, eu já tentei colocar isso por uma palavra menos subjetiva, mas é sonho mesmo, é pensar grande, é pensar em chegar na liderança da empresa. Eu acho que a gente tem caminhos pelo estudo e pelo trabalho, no caso de tecnologia, tem tanta tecnologia nova, que tem gente que não precisa estudar aquela tecnologia ali, vai trabalhando aquilo, aprendendo e conseguindo sucesso naquilo. Então, assim, eu acho que o meu legado é deixar essa liderança transformativa, eu quero inspirar pessoas também a serem esses líderes que pensam em outras pessoas. E mais do que isso, é ter mais mulheres na tecnologia, porque eu quero, eu sou apaixonada por esse tema, a tecnologia me trouxe aceleração para minha carreira, visibilidade, eu não tenho dúvida de que eu fui acelerada por conta de estar conectada com tecnologia. E eu tô dentro da minha empresa, mas esse programa afeta, assim o nosso sonho de afetar o ecossistema mesmo, então a gente trabalha, imagina, eu sou de uma consultoria multinacional, que trabalha em diversos setores, em empresas de diversos tamanhos, de diversas culturas, em qualquer lugar do mundo, e lidera um programa global de mulheres na tecnologia. A gente tem conectado nossos parceiros, nossos clientes, nossos concorrentes, a gente tem conectado diversas empresas, que é o privado que vai fazer isso acontecer. Hoje acho que a gente tem a esperança de que o setor público realize essas transformações, ela não é grande, ela é demorada, então o setor privado tem que fazer essa transformação. E a gente tem que conectado empresas incansavelmente, um grupo de voluntários gigantes, que é super engajado, de dentro da empresa, para conectar voluntários de outras empresas, para a gente se conectar como ecossistema, para a gente fazer programas em conjuntos, para a gente impactar mais gente. E sempre olhando para as questões sociais, para as questões de outras adversidades. Se eu tenho um sonho é realmente ter um time que eu entro assim, não um time meu, as empresas, vou entrando num cliente, vou vendo gente diferente, sabe. E se aceitando, topando, tá tudo bem ali. Olhando para LinkedIn, essas coisas assim, vou olhando ali, tem premiação, todo mundo igual, todo mundo igual. Hoje já tem me incomodado um pouco olhar, eu sigo muitos movimentos de mulheres, mas me incomoda olhar para os movimentos… Pô, só mulheres brancas, tudo padrão. Eu to consciente para questionar esse tipo de coisa. É uma conquista de caminho. Eu sou essa pessoa, eu vou conseguir impactar o ecossistema.
(01:24:16) P1 - E tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R - Assim, tem uma parte de mim que a gente não chegou a falar aqui, que é uma Andreia viajante. Eu já fui mochileira, hoje eu não sou mais. Eu viajei sozinha, viajei para muitos lugares. Então eu não tenho mais tanta frequência nessas viagens, mas eu tenho os meus mapas, tenho no Google Maps o meu mundo mapeado, eu tenho um livro de todos os países do mundo, que eu vou mapeando as coisas que eu vou visitando, sempre que eu tenho oportunidade eu tento escapar para algum lugar que eu não tenha ido ainda. Então, desde o Atacama, para o Solari na região Sul, para Israel, para Suécia. Então, assim, são lugares que eu já fui. Eu gosto muito disso! Eu falo pouco disso, porque eu vivo mais para mim mesmo, mas é muito bom. Eu amo viajar.
(01:25:41) P1 - Tem algum lugar mais diferente que você já foi?
R - É difícil! Se eu pudesse escolher algumas viagens, talvez eu escolhesse uma que eu fui a trabalho, foi a minha segunda viagem internacional a trabalho, eu fui para o Japão, foi sensacional, que lugar legal. É que é difícil chegar lá, mas é muito diferente e não é um japonês daqui, o japonês daqui já é tropicalizado. É muito diferente. E aí a outra experiência muito diferente que eu vivi, foi três dias no deserto do Atacama, que eu fui para o Solari Uni, que eu dormi no deserto, no hotel de sal, dormi num acampamento, não tem água encanada, não tem energia elétrica, não tem nada disso, no meio do deserto. Então faz calor durante o dia, faz frio durante a noite. Foi um lugar muito legal. Eu gosto desses lugares diferentes. Eu fui para o Egito em 2019, antes da pandemia, que foi uma viagem também muito especial, uma realidade muito diferente.
(01:27:03) P1 - E você ia sozinha? Você ficava em hostel, essas coisas?
R - Mais adolescente eu ficava em hostel. Quando eu morei em Amsterdam, durante seis meses, quando eu estudei lá, eu tinha aula de terça, quinta, período todo, aí de sexta e segunda era para a gente fazer trabalho e tal. Então eu conseguia manejar de modo que eu conseguia no final de semana sair para viajar. Então eu ficava com um mapinha embaixo do computador com marcas de onde eu queria, que eu gostaria de ir, sempre eram lugares mais diferentes, porque eu falava assim… igual, a minha mãe foi lá me visitar com um dos meus irmãos, com uma amiga minha e tal. Ela vai querer ir para Paris, para Londres, para algum lugar mais famoso, então eu guardava esses lugares para quando alguém viesse me visitar e ia para lugares diferentes. Então eu pegava passagem de promoção. Então, essa época, eu fui bem… era mochila, bicicleta até o trem, vai de trem ou vai de avião para outro lugar e tal. Em hostel, sempre, aquela cama com cortininha, o banheiro compartilhado e tal. Agora já não, agora já dá para ir em hotéis legais. Que daí já é uma experiência a mais. Na época, o hotel, lugar onde ia ficar, não importava, que eu não ia ficar, eu ia deixar minha mochila, eu ia dormir, era passando de um lugar para o outro, então ali não importava. Agora importa, agora já o hotel também é uma experiência.
(01:28:48) P1 - Como é que foi contar um pouco da sua história para a gente hoje?
R - É legal revisitar um monte de coisas que a gente não fala alto, sabe que tem, mas a gente não conta numa linha do tempo. E é interessante pensar nisso. Tem uma coisa que eu queria contar, que eu falei do meu privilégio. Eu sou nascida num ambiente de privilégio, mas de um pai e uma mãe que não tiveram privilégio, então eu queria registrar o orgulho que eu sinto do meu pai e da minha mãe pela trajetória deles como parceiros de vida. Meu pai, ele era, os dois, da zona rural, e aí para estudar, pegava uma kombi, um transporte lá para ir para escola. E aí na época da escola dele, ele criança, houve um acidente que matou treze crianças, meu avô falou: "Você não vai mais para escola". Então, ele fez até a quarta série, aprendeu a ler e tal e parou de estudar. E depois, adolescente… meu avô materno, já ao contrário, ele levava minha mãe e as irmãs para escola, então assim, vocês vão estudar. As quatro fizeram magistério na escola. “Eu vou dar um jeito de vocês irem até a escola para estudar”, então elas tinham um caminho. O meu pai já tinha trabalhado, então ele trabalhava na roça, então ele, depois de grande, decidiu voltar a estudar e ele não parou de estudar. E é por conta dele ter tido essa determinação muito forte, ele é muito diferente dos irmãos dele, que têm outra realidade, eles já são falecidos, mas é muito diferente, por conta da determinação dele de se meter em estudar. Então o estudo é tudo que a gente pode ter. Até ele fala assim: "O que vocês precisarem de ajuda com relação a estudar, para seguir adiante, eu vou ajudar". Ele sempre falou isso para a gente, para mim e para os meus irmãos, colocando isso como prioridade. E aí ele foi fazer supletivo, teve a época de estudar de manhã e à noite e trabalhando no sítio, então indo com o cavalinho branco dele, que tem a foto lá do escritório do cavalinho branco dele. Estudou, fez faculdade, ralando, passou no concurso da Petrobras, se mudou. A minha mãe, parceira também dele, absoluta, de largar tudo no interior, largar o sítio. Porque morava no sítio até então, aí vai para uma cidade grande, longe da família, para apoiá-lo. Porque ele ficou no escritório nos primeiros anos, até conseguirem embarcar. E depois de embarcado também, ele foi crescendo lá dentro, tem muito orgulho da carreira dele e muito orgulho do potencial da minha mãe, de segurar a onda, porque aí criar três filhos com o marido ficando quinze dias fora de casa… então, assim, a metade da nossa vida o meu pai não estava com a gente, até os meus quarenta anos, porque meu pai se aposentou com 72. É louco por trabalho, adora o que faz, é muito bom no que faz também, então ele se aposentou já passado a pandemia. E eles estão juntos até hoje, firmes e fortes e conseguiram prover para a gente oportunidades que nos trouxeram até aqui. Então eu queria deixar registrado.
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