TecBan - Histórias Diversas
Entrevista de Ariane Souza Campos
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 03 de agosto de 2022
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1266
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(0:16) P/1 - Bom dia, Ariane! Tudo bom?
R - Bom dia, Genivaldo! Tudo bem, e você?
P/1 - Tudo ótimo! Eu gostaria que você me informasse o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - Ariane Souza Campos, [nasci em] dezoito de dezembro de 1986, em São Paulo.
(0:42) P/1 -Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Eu nasci num dia de lua nova, numa quinta-feira, às 23:20 da noite. E minha mãe teve muitas, muitas horas de trabalho de parto.
Eu tenho o nome da enfermeira que ajudou a minha mãe no trabalho de parto. Na verdade, a enfermeira chamava Aliane; minha mãe tinha ouvido Ariane, aí ela colocou Ariane.
(1:29) P/1 - Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua mãe e sobre o lado materno da sua família.
R - A minha mãe chama Anália Sabina. Ela é natural de Vitória da Conquista, na Bahia. Ela veio para São Paulo bem cedo, quando ela era criança, com uns oito, nove anos, junto com a família dela. Os meus avós são de Vitória da Conquista, na Bahia, e vieram aqui para a zona sul de São Paulo.
A minha mãe começou a trabalhar muito cedo; a família dela era muito pobre e ela trabalhava em casa de família, desde criança. Ela parou de estudar cedo e em 84, 85, ela conheceu meu pai e eles se casaram.
Eu nasci no mesmo ano que eles se casaram. E minha mãe cuidou de nós três, somos três filhos e mais uma irmã do coração, que é minha prima.
Minha mãe, mais recentemente, voltou a estudar. Ela concluiu o ensino médio, foi fazer alguns cursos. Agora ela é avó, dona de casa, artesã.
Eu tenho muito orgulho dela. Ela é uma pessoa incrível, que está me ajudando bastante, inclusive.
Eu sou bastante conectada com o lado materno da minha família....
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Entrevista de Ariane Souza Campos
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 03 de agosto de 2022
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1266
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(0:16) P/1 - Bom dia, Ariane! Tudo bom?
R - Bom dia, Genivaldo! Tudo bem, e você?
P/1 - Tudo ótimo! Eu gostaria que você me informasse o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R - Ariane Souza Campos, [nasci em] dezoito de dezembro de 1986, em São Paulo.
(0:42) P/1 -Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Eu nasci num dia de lua nova, numa quinta-feira, às 23:20 da noite. E minha mãe teve muitas, muitas horas de trabalho de parto.
Eu tenho o nome da enfermeira que ajudou a minha mãe no trabalho de parto. Na verdade, a enfermeira chamava Aliane; minha mãe tinha ouvido Ariane, aí ela colocou Ariane.
(1:29) P/1 - Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua mãe e sobre o lado materno da sua família.
R - A minha mãe chama Anália Sabina. Ela é natural de Vitória da Conquista, na Bahia. Ela veio para São Paulo bem cedo, quando ela era criança, com uns oito, nove anos, junto com a família dela. Os meus avós são de Vitória da Conquista, na Bahia, e vieram aqui para a zona sul de São Paulo.
A minha mãe começou a trabalhar muito cedo; a família dela era muito pobre e ela trabalhava em casa de família, desde criança. Ela parou de estudar cedo e em 84, 85, ela conheceu meu pai e eles se casaram.
Eu nasci no mesmo ano que eles se casaram. E minha mãe cuidou de nós três, somos três filhos e mais uma irmã do coração, que é minha prima.
Minha mãe, mais recentemente, voltou a estudar. Ela concluiu o ensino médio, foi fazer alguns cursos. Agora ela é avó, dona de casa, artesã.
Eu tenho muito orgulho dela. Ela é uma pessoa incrível, que está me ajudando bastante, inclusive.
Eu sou bastante conectada com o lado materno da minha família. São muitos filhos do meu avô, então eu tenho muitos primos, muitos tios. Passei a minha infância no interior de São Paulo com eles, na zona sul de São Paulo também - nasci no Grajaú e parte da família mora lá, então eu sou bastante conectada. É a família Sabino de Souza, a família do meu avô Joaquim, pai da minha mãe. Eu sou bastante conectada com esse lado materno, acho que é isso.
(3:46) - P/1 - Agora queria que você falasse sobre o seu pai e sobre o lado paterno da sua família.
R - Meu pai se chama Zenário Moreira Campos. Ele é natural de Varzelândia, Minas Gerais; norte de Minas, na região de Montes Claros. O meu pai também veio para São Paulo criança, cedo.
Meu pai também tem bastantes irmãos, mas a família do meu pai sempre esteve entre São Paulo e Minas e eu não tive muito contato com toda a família, porque é uma família muito numerosa e parte sempre morou em Minas.
Eu lembro de visitar a cidade do meu pai quando eu era criança. Foi muito fascinante, porque eu era uma menina que morava em São Paulo, [com] aquela urbanidade toda dos anos 90, e eu viajei para lá, que é uma área bem rural, é uma região que na época não tinha asfalto, luz elétrica, então foi muito diferente, foi uma experiência muito diferente para mim e para os meus irmãos. [Foi] muito divertido, eu gostei muito de conhecer; nunca mais voltei.
Bom, o meu pai é um cara jovem, muito falador, muito simpático. A gente é muito parecido fisicamente, eu sou muito parecida com a mãe do meu pai também, que mora em Minas. Meu pai trabalhou muito tempo de zelador, em condomínios, e atualmente ele trabalha com construção civil, reforma, essas coisas.
Meus pais moram no bairro da Mooca. Eles conhecem todo mundo, meu pai conhece todo mundo, conversa com todo mundo, trabalha na casa das pessoas; ele faz amizade com todo mundo, é um cara muito simpático. Ele voltou a estudar junto com a minha mãe, ele também tinha parado de estudar cedo para trabalhar. Ele gosta muito de bater papo, de conversa; eu acho que esse lado mais social eu acabei herdando do meu pai, [de] debate político, todas essas coisas. Acho que é isso.
(6:25) P/1 - Você sabe como seus pais se conheceram, Ariane?
R - Acho que sim, não tenho certeza. A minha mãe frequentava uma igreja lá no bairro que eu nasci, na zona sul. O meu tio, irmão da minha mãe, era o pastor dessa igreja, e o meu pai era um jovem novo na igreja. Meu pai gostou da minha mãe, eles eram do grupo de jovens e acabaram se apaixonando, ficaram juntos e tal. Eles eram bem novos; acho que meu pai tinha 24, minha mãe tinha 21 anos.
(7:18) P/1 - Queria que você falasse um pouco sobre os seus irmãos.
R - Eu tenho dois irmãos, garotos: o Diogo, que é quase dez anos mais novo que eu, e o Lucas, que é sete anos mais novo que eu. E a Laurinha, que é minha prima que veio morar com a gente quando eu tinha uns sete anos. A Laurinha sempre foi a minha irmã, a gente sempre se considerou irmã; eu sou madrinha do primeiro filho dela, do Pedro.
Eu sou muito fã dos meus irmãos. A gente cresceu juntos, [com] aquele lance de dividir quarto, estudar na mesma escola, de cuidar um do outro para os pais trabalharem, então a gente sempre foi muito próximo, desde dividir a bicicleta até a sobremesa, coisas de irmão. A gente sempre passou muitos fins de semana juntos.
Eu morava ali perto do Ibirapuera. Meu pai trabalhava num prédio ali, no parque do Ibirapuera, então eu tenho muitas fotografias, muitas memórias com os meus irmãos por São Paulo, principalmente no parque. E é muito divertido.
Hoje em dia o meu irmão Lucas mora na Mooca, minha irmã mora no interior de São Paulo e o Diogo mora em Curitiba, então eu vejo mais o Lucas, tenho contato mais próximo com o caçula, mas a gente eventualmente se vê. Agora que tem crianças, é só na época de férias, geralmente nessa época de Natal, férias escolares.
Os meus irmãos são muito… Como que eu vou dizer… Muito [mais] discretos, sérios, que eu. O Diogo é um cara bem tranquilo e o Lucas é um cara bem sério. A Laurinha é super resolvedora de coisas. A gente fazia um bom time de irmãos, a gente sempre se divertiu muito juntos, desde ir para aula de música… Como a gente sempre frequentou a igreja, tem essa coisa da música, os meus irmãos todos tocam, cantam, então essa coisa da música sempre foi muito presente para gente. Os meus irmãos são muito legais, eu sou muito fã deles.
(10:15) P/1 - Do que você gostava mais de brincar? E com quem você gostava de brincar quando você era criança?
R - Por ser a primeira menina… Depois, quando a Laurinha veio morar com a gente, ela já era mais velha que eu. A Laurinha é sete anos mais velha que eu, inclusive aqui na minha frente tem uma foto da gente criança.
Eu fiquei muito tempo como única menina, então eu sempre fui muito amiguinha do Diogo. A nossa idade é muito próxima, então a gente brincava muito junto, de tudo, desde escolinha - eu era a professora, porque eu era mais velha - até bicicleta, porque ele tinha uma bicicleta e [a gente] revezava, uma volta de cada um.
A gente brincava muito no Parque do Ibirapuera; brincadeiras de parque, balança, escorregador, correr, bola, patins, bicicleta. Eu gostava muito.
Eu tinha uma vitrolinha de disco de vinil e tinha os discos de historinha, música. Eu gostava demais disso, de colocar e ficar ouvindo história ou -, apesar de não ser da minha época, ser um pouco depois, mas eu herdei de primo, filho de amigos dos pais - aqueles discos do Balão Mágico, essas coisas, então eu ouvia bastante disco.
Eu sempre gostei muito de ler, então eu tinha muito gibi. Eu e meu irmão, o Diogo, a gente passava muitas e muitas horas lendo gibi; era uma brincadeira que a gente fazia junto, que era muito legal. E particularmente, eu gostava muito de desenhar, sempre gostei muito de desenhar. É uma brincadeira que eu fazia muito sozinha. Eu passava muito tempo sozinha desenhando, e desenhava tudo: desenho de observação, desenho de ideias, desenho de historinha… Eu sempre desenhei muito.
Na minha infância, gostava de ter lápis de cor, canetinha; para mim a grande alegria era a época de material escolar, que aí comprava tudo novo, era muito legal. Era muito chato quando tinha que reaproveitar os lápis do ano passado. Eu gostava bastante dessa coisa do desenho.
(12:54) P/1 - E tinha alguma comida que você gostava mais quando era criança?
R - Eu não tenho certeza agora, porque eu confesso que eu era um pouco chatinha para comer. Eu era aquela criança magrelinha, que a mãe ficava insistindo para comer; talvez seja um julgamento que eu faço agora na minha memória.
Eu lembro de gostar muito do dia da feira livre. Na rua que eu morava tinha uma feira livre, é a coisa inclusive que acho mais legal em São Paulo. Eu ia com meu pai, desde muito pequenininha. Eu gostava de pastel, até hoje eu sou apaixonada por pastel de feira, a melhor coisa de São Paulo é pastel de feira. Eu lembro muito disso, pastel de feira. Agora comida de casa, eu gostava quando era o dia da não-comida, porque sempre tem aquele dia que minha mãe deixava a gente lanchar, comer uma pizza, cachorro-quente, essas coisas; eu gostava do dia do lanche.
De comidinha de mãe, eu acho que purê de batata com carne no molho, carne moída no molho. Gostava demais disso, demais.
(14:26) P/1 - Tem algum momento dessa época, alguma lembrança que você carrega até hoje?
R - Nossa, muitas! Lembrando dessas coisas que eu já falei, eu lembro muito do Ibirapuera, do parque, porque eu aprendi a andar de patins, aprendi a andar de bicicleta; tem as esculturas do parque, a gente brincava nas esculturas do parque e tudo mais.
Eu lembro muito do parque, do caminho que a gente fazia, porque hoje em dia a Vila Clementino, que é esse bairro onde eu morava, sofreu alterações viárias por causa do Ayrton Senna, do Cebolinha e tudo mais. O bairro ficou diferente e agora não tem mais o caminho que a gente fazia, por exemplo, para ir para o parque. Eu lembro bastante disso quando era criança.
15:33 - P/1 - Ariane, você se lembra da casa que você morava nessa época? Como ela era?
R - Sim! Eu morava num predinho. Hoje em dia São Paulo tem esses prédios muito grandes; eu morava num predinho que é bem simples, baixinho, sem garagem subterrânea, sem piscina, sem quadra. Um prédio bem simples, que tá cada vez mais raro em São Paulo. E o apartamento do zelador, que era o apartamento que a gente morava, ficava no térreo. Tinha chão de taco e aqueles azulejos quadradinhos, azuis, na cozinha, armário embutido… Tem vários detalhezinhos do apartamento que eu lembro.
(16:33) P/1 - E você tinha algum sonho na época de infância? Do tipo “quando crescer eu quero ser tal coisa”?
R - Sim! Na verdade tem uma coisa que eu acho que não é uma uma memória construída, que é realmente algo que acontecia. Eu e a minha irmã, a gente dividia a beliche, e a gente confabulava que um dia a gente ia morar junto e fazer tudo que a gente quisesse. Nunca aconteceu, mas a gente tinha esse plano de um dia morar juntas e como que ia ser nossa casa, quem a gente ia convidar para nossa casa. Rolava esse plano mirabolante.
(17:25) P/1 - Tinha alguma coisa que você gostava de assistir na TV?
R - Os meus pais sempre foram muito rígidos com a nossa educação e com as coisas que a gente consumia na TV, as coisas que a gente tinha acesso, então era tudo muito regrado. A gente assistia TV pública, umas coisas educativas; não assistia novela, não assistia noticiário, coisas desse tipo, então essas coisas eram um pouco fascinantes para mim, porque tinha um ar de proibido.
Quando a minha avó visitava a gente, por exemplo, a minha avó assistia novela e na minha mente de criança ela mandava mais que o meu pai, porque quando a minha vó estava em casa tinha uma exceção: “Tá bom, pode assistir a novela”.
(18:25) P/1 - Quais são as primeiras lembranças que você tem de ir para a escola?
R - Eu tinha um grande sonho de ir para escola, queria muito ir para escola. Fui alfabetizada antes de ir para o pré, bem cedo, comecei a ler bem cedo.
Eu comecei a ir para a escola no jardim de infância, na EMEI São Paulo, ali na Vila Clementino. Até hoje ainda existe essa escola. Era uma escola muito legal, muito boa, como parque grande, tanque de areia, brinquedo, horta, ginásio; era uma escola bem gostosa.
Eu lembro que a minha professora do Jardim 1… O ciclo do jardim é Jardim 1, Jardim 2 e o pré, naquela época. Eu lembro muito da professora Cidinha, que foi a professora do Jardim 1. Eu, [com] quatro anos, pituquinha… Ela foi muito carinhosa, marcou demais a minha introdução na educação, eu lembro muito disso. Mas uma coisa que me marcou muito nesse início da vida escolar não é uma memória legal, porque nessa época os meus pais eram bem duros, e o bairro da Vila Clementino é um bairro de classe média, a escola pública tem pessoas de vários tipos. Eu lembro que naquela época, a minha mãe fez um embornalzinho, parecido com os embornais de ciclista, que é uma mochilinha retangular com uma cordinha que estica; hoje em dia eu tenho desse tipo de mochila. A cor da escola era vermelha, então era aquele shortinho bufante vermelho, a camisetinha branca e eu lembro da minha mãe fazer essa mochilinha, porque o material escolar ficava na escola; a mochilinha era mais para levar a escova de dente, uma troca de roupa.
Quando eu cheguei na escola, super empolgada com meu uniforme, as crianças tinham mochila de rodinha e eu fiquei com vergonha, porque eu fui para escola com um embornalzinho. Isso eu tenho como primeira memória, do que foi o balde de água fria, o susto que eu levei quando eu cheguei na escola. Mas de resto eu sempre, de pequenininha, adorava a escola, gostava muito. [No] fim de férias [eu dizia:] “Ai, quando voltam as aulas?"
(21:17) P/1 - Você chegou a mudar de escola, era mais longe? Como foi esse período?
R - A escola infantil era uma escola separada só por um muro; do outro lado tinha a escola do ensino fundamental, que é a Escola Estadual Pedro Voss. Era um grande quarteirão, que metade era escola infantil e metade era a escola do fundamental - nomes diferentes, escolas diferentes. Eu mudei, porque era a três quarteirões da minha casa, então eu mudei direto para essa outra escola, fiz da primeira à quarta série lá. Mas eu acho que foi alguma reforma, alguma questão de gestão, porque as escolas estaduais ficaram divididas. Eu não lembro direito, só sei que teve essa mudança, então a escola que eu estudava só ia atender alunos até a quarta série, e quando eu concluí a quarta série eu tive que mudar de escola.
Fui estudar na escola Lasar Segall, ali na Vila Mariana, e aí eu estudei a quinta e a sexta série nessa escola. Mas quando eu estava na sexta série o meu pai perdeu o emprego nesse prédio que ele trabalhava na Vila Clementino, então a gente mudou para o interior. Ele tem uma casa no interior e a gente morou lá um ano, então eu fiz uma parte da sexta e a sétima [série] nessa escola do interior.
Depois vim para a Mooca; meu pai arrumou outro emprego e a gente voltou para a Mooca. E aí na Mooca eu cumpri a sétima e fiz a oitava série, concluí o ensino fundamental. Fiz em três, quatro escolas, com a escola do interior.
No interior eu estudei numa escola [chamada] José Baltazar de Souza, que era uma escola muito bonita, muito legal. O bairro do interior que eu morava era bem rural, bem pequeninho, então tem aquela escola bonitinha do interior, biblioteca, eu adorava a biblioteca de lá. Eu gostava muito daquela escola.
(23:36) P/1 - Isso te causou algum choque, de você de repente sair de uma área super urbana para o interior, uma região mais rural? Você sentiu algum estranhamento? Como foi?
R - Total! Até porque quando eu fui morar no interior, eu já tinha onze anos, já ia sozinha para a escola, pegava ônibus com os meus irmãos. A cidade que eu morava no interior era muito rural e eu morava na área rural. Uma cidade rural, era bem isolada, culturalmente muito diferente também.
Foi um pouco traumatizante, porque como era a casa que a gente passava as férias, a casa que o meu pai construiu, a gente tinha aquela lembrança da casa das férias, que você brinca, que você se diverte, que você vê os seus primos. E morar no lugar que você passa as férias nem sempre é superlegal. Foi essa a descoberta.
(24:57) P/1 - E quando você foi morar na Mooca, você também sentiu diferença?
R - Sim! Muito, total! Porque a Vila Clementino… Apesar de eu ter nascido no Grajaú, eu mudei para esse prédio da Vila Clementino logo que… Acho que eu tinha uns dois anos. Meu irmão Diogo não tinha nascido ainda, ele nasceu ali no bairro. A minha memória toda era de morar na Vila Clementino, que é um bairro bem tranquilo também, como a Mooca, mas acho que o maior impacto é você ser criança num bairro… Saí de São Paulo e voltei adolescente, foi mais ou menos isso que aconteceu. Eu saí criança de São Paulo, em um ano voltei adolescente, morando em outro bairro, estudando em outra escola.
Atualmente eu moro na Mooca, então….. E é muito engraçado, porque as pessoas que me conhecem adulta me conhecem como alguém da Mooca, essa memória da Vila Clementino é algo totalmente de infância mesmo. Foi muito choque, são bairros muito diferentes, mas a Mooca é um bairro muito sossegado, um bairro bem residencial. Só que ao contrário da Vila Clementino, a Mooca é o bairro menos arborizado de São Paulo, então tem esse choque de morar num bairro cheio de serviço público, agradável, com parque e ir para um um bairro assim, [que] tem casa, casa, casa e construção de prédio.
(26:45) P/1 - Você começou o seu ensino médio na Mooca mesmo?
R - Sim! Aqui na Mooca tem a Escola Técnica Camargo Aranha. Quando eu estava concluindo a oitava série, essa rede, o Centro Paula Souza, fazia muita publicidade dos cursos técnicos, então no poste tinha lambe-lambe, no ônibus. Eu fiz o vestibulinho, que é uma prova de ingresso; passei no vestibulinho e aí eu fiz o ensino médio no Camargo Aranha. Depois eu fiz o técnico também no Camargo Aranha, então eu estudava o dia inteiro aqui na Mooca mesmo.
(27:38) P/1 - Que curso técnico você escolheu?
R - O primeiro curso técnico que eu fiz foi o de Administração. O curso durava a metade do ensino médio, aí eu fiz metade do ensino médio [com o] curso de Administração e metade do ensino médio [com] o curso de Design Gráfico.
(28:02) P/1 - E qual dos dois você gostava mais, você se identificou mais? Você fez administração e não gostou, por isso foi fazer design gráfico? Conta como foi esse processo de escolha dos cursos.
R - Eu entrei no curso de Administração porque eu queria ter uma profissão, precisava começar a trabalhar e era isso. Não tinha muita noção do mercado de trabalho, nada do tipo. No curso de Administração eu comecei a ter mais contato com as disciplinas de marketing e de publicidade. Eu falei: “Acho que isso tem mais a ver comigo”. Só que paralelamente eu fazia o ensino médio e no ensino médio tinha aula de artes. A professora de artes, no final do ciclo, chamava alguns alunos para dar um feedback; essa professora me chamou e falou que o meu trabalho era legal, que eu poderia pesquisar alguma coisa nesse sentido, estudar alguma coisa nesse sentido. Ela indicou: “Olha, você faz técnico?” “Faço administração.” Tem no Brás e na Vila Prudente a mesma rede de escolas, tinha os cursos de design gráfico, e aí eu prestei a prova para o curso de design gráfico no Carlos de Campos, que a gente chama de Cacá, ali no Brás, que é um bairro vizinho da Mooca.
Fui fazer ensino técnico no Cacá, de Design Gráfico, só que esse era noturno, e aí que tudo começou, porque eu conheci a área e logo fui chamada para trabalhar, por um pessoal que já estudou naquela escola. No fim das contas, a minha vida profissional se orientou a partir desse segundo técnico.
(30:15) P/1 - Quando você finalizou o ensino médio e o curso técnico, você tinha alguma ideia de continuar os seus estudos nessa área, ou pensou em outra coisa?
R - Sim! Na verdade, paralelamente, nesse final de ensino médio, foi mais ou menos a mesma época que começaram as políticas de ingresso pelo programa ProUni no ensino superior. Ninguém da minha família fez faculdade, não era uma coisa que eu pensava; eu achava que eu ia terminar o ensino médio e começar a trabalhar.
De fato, aconteceu por causa do técnico. No Cacá os ex-alunos faziam feiras, tipo feiras de ciências, mas de ilustração, design, então alguns ex-alunos lá do Cacá virão meu portfólio e me chamaram para trabalhar com eles.
Eu logo comecei a trabalhar, como ilustradora e design assistente, estagiária, num estúdio de ilustração e design. E na mesma época eu prestei - acho que era com ENEM, enfim, eu não lembro os detalhes - fiz a inscrição para o ProUni. Eu passei em algumas faculdades, mas ou era particular e eu não tinha grana, ou era período diurno, que você tem que estudar o dia inteiro e eu já trabalhava. Na pública eu desencanei. E aí eu consegui uma bolsa integral para fazer Design de Moda.
Fui fazer Design de Moda numa instituição privada, mas eu não concluí porque eu já trabalhava com design gráfico, já não via mais muito sentido. Fiz dois anos nesse primeiro curso e nesse momento eu desencanei de continuar os estudos, naquela época. Fiz alguns cursos livres, esporádicos, relacionados ao trabalho, mas eu já tinha passado o auge da minha carreira acadêmica até então.
(32:40) P/1 - E quando você decidiu fazer Ciências Sociais?
R - Bom, muito tempo passou. Eu sempre trabalhei como designer, [com] design voltado para internet, porque nesse estúdio que eu comecei a trabalhar eles me ensinaram muito. Eu comecei fazendo sites em Flash, já está quase na quinta dose [da vacina de covid] quem sabe o que é um site em Flash! (risos) Comecei programando em Action Script, sitezinhos em Flash, banners em gif, essas coisas, muito design de tela. Segui nisso por um bom tempo, trabalhei em agência de publicidade, e finalmente fui para TV pública aqui de São Paulo, trabalhar com design também, multimídia. Nisso eu comecei a ter bastante contato com programas infantis, que tem muita preocupação com educação, com qualidade e tal. Tive a oportunidade de trabalhar nos dezoito anos do programa Castelo Rá-tim-bum, que marcou muito, muito a minha infância. E aí eu gostei muito dessa questão da cultura, educação; é uma coisa muito interessante de ter acesso ao serviço público, de mídia, foi bem legal.
Paralelamente eu comecei também a me envolver com movimento social, com feminismo, com campanha política, me informar sobre a cidade, conhecer melhor as leis, essas coisas. E na época eu senti vontade de voltar a estudar, porque eu comecei a me envolver com muitas coisas e comecei a perceber que eu sabia pouco das coisas que me interessavam. Não tinha muito saco para vestibular, todo o processo, mas ficou a vontade.
Em 2015 eu resolvi, por muito incentivo de amigos; a pessoa com que eu estava me relacionando na época também: “Vai! Tem tudo a ver!” E eu já estava fazendo bastante trabalho ativista. Eu resolvi prestar o vestibular de Ciências Sociais na FUVEST e passei. Na verdade, eu achava que não ia passar; não estudei, eu fui, prestei e passei. Foi uma surpresa ter começado, porque eu não botava uma fé que ia rolar.
Foi uma experiência muito legal e consegui concluir, porque também era outra coisa: você sabe que entra, mas você não sabe se vai sair para o outro lado. Consegui, concluí, foi uma experiência muito legal. E aí também… Isso foi agora em 2016; eu já tinha 29 anos, já estava com outra experiência de vida. Foi bem diferente fazer uma faculdade com trinta anos, em relação a frequentar uma faculdade antes e cursos completamente diferentes. Foi uma experiência bem marcante.
(35:50) P/1 - Me conta um pouco como foi esse período. Você teve algum choque no primeiro semestre, no sentido de “será que eu vou dar conta disso”?
R - Eu confesso que… Tem duas turmas, o vespertino e o noturno; eu prestei o vespertino porque eu já trabalhava com freelancer, então eu tenho os horários bem livres para remanejar.
O primeiro impacto é que na USP, em algumas universidades públicas, você não chega com a grade pronta. Você tem as disciplinas que são obrigatórias, que você necessariamente precisa concluir, mas você monta a sua grade de acordo com a disponibilidade das disciplinas e com o tempo que você quiser fazer. Eu resolvi seguir o planejamento orientado, porque eles dão uma sugestão, e fazer primeiro as disciplinas obrigatórias, então no primeiro semestre tem todas as introduções de Sociologia, Política, Antropologia e método de pesquisas e estatísticas.
Foi um choque absurdo, porque é muita leitura. O curso de Ciências Sociais não é aquela abordagem de um curso de design, por exemplo, que ele tem uma teoria, mas ele é bastante orientado para a prática. Nas Ciências Sociais não, se começa com muita leitura, com fundamento, para depois a gente ir com a mão na massa. Eram muitas páginas por dia e eu estava numa época que já não lia tanto como eu lia quando eu era adolescente, então foi um desafio muito grande. Eu achava que em algum momento eu ia desistir, porque eu ia ficar atrasada nas leituras. Era aquela loucura, porque no primeiro semestre eu tentava ficar com a leitura em dia, aquele sufoco. E finalmente também, tem a questão de ter uma leitura em outro idioma, mas não é ler um gibi em inglês, e ler um texto acadêmico em inglês, que foi bastante penoso.
O público era muito diferente também, porque eu entrei com 29 anos com pessoas que estavam concluindo ensino médio, em sua maioria, na turma, então eu estudava com adolescente de dezessete, dezoito anos. Isso era bastante chocante, eu não fazia amigos na faculdade. Ainda eram aulas presenciais naquele tempo, antes da pandemia.
Então foi tudo uma grande novidade. Por ser uma universidade pública, o ritmo é diferente, os professores são diferentes, foi um impacto. Só que ao longo do curso, dos semestres, a gente vai se acostumando.
(40:29) P/1 - Quando você concluiu o curso já estava na pandemia?
R - Já! Eu fiz o último semestre em 2019. Durante todo o curso eu tive vontade de fazer algum programa de intercâmbio, porque na universidade pública tem vários editais de programas de intercâmbio, mas infelizmente, nos anos mais recentes diminuiu muito a oferta de editais nesse sentido. Eu tentei alguns, não consegui. Quando eu estava finalizando o curso… Tem um limite de créditos [em] que é possível fazer intercâmbio; se estiver faltando, por exemplo, um semestre para concluir o curso, você não pode fazer fora, então eu decidi em 2019 fazer intercâmbio por conta própria.
Eu fui para Argentina, para a cidade de Córdoba, e fiz umas disciplinas lá. Como são universidades parceiras, os créditos valeriam. Em 2019 eu fui para lá, fiz uns créditos lá e voltei para concluir, só que eu tinha uma pendência de Estatística e precisava ser aprovada nesta disciplina. Essa disciplina ficou pendente e aí entrou a pandemia, justamente nesse último semestre, que eu fiz em 2020. Eu estudei meu último semestre da graduação durante a pandemia.
(42:28) P/1 - Como esse período da pandemia foi para você? Como ficou a sua saúde mental? Você ficou bem, ficou muito transtornada?
R - Inicialmente eu achava que a pandemia ia acabar em quinze dias, que era um surto, um surto de gripe. Aí de quinze dias virou três meses. Quando virou de 2020 para 2021 que bateu, mas os primeiros meses foram muito difíceis, porque eu estava morando em Pinheiros, por causa da USP; eu morava por lá porque era mais perto. E aí de repente eu estava trancada em casa, num bairro longe da minha família, longe dos meus amigos; a universidade fechada, um monte de gente que eu conheço tinha ido para sua cidade natal, ficar com as suas famílias, porque todo mundo foi trabalhar de home office, então foi bem chocante!
Paralelamente eu estava com alguns problemas de saúde, que foram somatizados então eu perdi cabelo, tive uns problemas de somatização absurda. E foi muito ruim, muito assustador, a quantidade de mortes todos os dias, as pessoas lavando as compras, estocando papel higiênico… Apocalíptico, foi bem assustador. Pessoas próximas a mim ficaram muito doentes, conheci gente que faleceu, infelizmente. Foi muito difícil.
A partir do segundo ano, em 2021, eu resolvi voltar para Mooca. Mudei para a Mooca com um amigo e resolvi morar perto dos meus pais; entendi que a pandemia não ia acabar tão cedo e aí foi aquele processo de tentar se cuidar, de tentar tomar sol, manter cuidados, mas ver a família e tudo mais. E adquirir novos hábitos, porque tudo mudou, o tal do novo normal, que acabou virando viver nesse estado.
Eu já tinha vontade de ter um filho. Desde o fim da faculdade, já estava pensando: “Tá, qual o próximo passo?” Considerando que a vacina tinha sido liberada, que deu um super respiro, para mim pelo menos, depois da vacina a sensação era que ia ter uma possibilidade de viver com alguma normalidade. Então depois da vacina, eu falei: “Bom, acho que agora eu posso retomar os meus planos”, e aí eu engravidei.
Bom, a pandemia não acabou ainda, mas sigo com calendário vacinal, novos hábitos, uso de máscara. Apesar do luto coletivo, que ainda não passou, de tantas mortes, hoje em dia o número de mortes é muito menor, então a gente vive sem aquele susto cotidiano de recordes e recordes, que realmente acaba com a cabeça de qualquer pessoa minimamente sensível.
(46:56) P/1- Eu queria que você comentasse um pouquinho sobre esse seu semestre que você passou na Argentina. Como foi? Como você se sentiu fazendo intercâmbio, fazendo algumas matérias em outro país?
R - Eu sou aquela pessoa chata que não superou o intercâmbio, sabe? Que está numa conversa e: “Quando eu fiz um intercâmbio…” Porque eu gostei muito. Na verdade eu estava muito frustrada, justamente por causa do meu envolvimento com o movimento social, com a luta feminista. 2018 foi um ano muito frustrante. Ir para Argentina, de certa forma, foi um pouco um autocuidado, sabe? “Deixa eu cuidar de mim, deixa eu cuidar da minha cabeça, deixa eu ficar um pouco longe dos meus problemas cotidianos”.
Eu já falava espanhol, porque eu trabalhei um tempo como voluntária na igreja que a minha família frequentava aqui no Brás, em São Paulo, e tem muito imigrante latino americano, principalmente boliviano, então eu aprendi com eles. Quando eu fui para a Argentina, eu estudei espanhol e cultura latino-americana. Isso foi muito legal, porque é muito importante, eu acho, a gente do Brasil ter esse contato com a América Latina. A rivalidade com os argentinos existe no futebol, mas cotidianamente eles amam os brasileiros, então foi muito divertido.
Estudava com novinho, com gente nova da faculdade lá também, mas foi muito, muito legal. Fiz amizade com um pessoal, viajei bastante por lá, conheci… Eu conhecia muito pouco, não tive uma formação na escola sobre América Latina, não conhecia nada. E lá a universidade é de Ciência Política, então eu fui estudar a história política argentina, que eu não sabia nada, nada. E é uma loucura, porque é igual uma pessoa aqui do ensino médio, que sabe quem foram os presidentes, a República Café com Leite, coisas da nossa história. Eu cheguei sem essa etapa, então foi um semestre para aprender o que alunos do ensino fundamental e médio de lá [sabiam].
Foi bem legal, foi uma experiência culturalmente muito interessante. Tenho amigos que trago até hoje de lá, me apaixonei pelo rock argentino, escuto bastantes bandas atuais, bandas antigas, gosto muito. Foi uma experiência bem interessante.
E inclusive depois, eu prestei na mesma universidade, na Universidade Nacional de Córdoba, o mestrado; comecei o mestrado em 2021, em Políticas Sociais, lá. Por causa dessa questão da pandemia, ficamos remotamente, então foi possível estar no Brasil e continuar o mestrado, estudando lá. Torço muito pela Argentina, que agora está num momento político econômico bastante complicado.
(50:56) P/1 - Tem alguma história que te marcou nesse período que você passou em Córdoba, nessa época do intercâmbio? Tem algo que você lembra até hoje?
R - Sim! Muitas coisas foram muito marcantes. Eu vivi bastante a vida na cidade.
Acho que um lance muito marcante foi ter trabalhado lá, junto com as garotas trans e travestis, dentro de um partido, o Partido Obreiro. Eu conheci um pessoal do Partido Obreiro e eles me convidaram. Eu contei que trabalhava com tecnologia, educação e eles me convidaram para conhecer as reuniões do movimento LGBT.
Fui à reunião e fiz amizade com as meninas. E lá elas estavam, até hoje elas estão, com uma luta por inclusão laboral, empregos para a população trans. Só que muitas delas, por causa da discriminação, tiveram muita dificuldade no acesso à educação, ao uso de tecnologias, então a gente organizou algumas oficinas para aprender usar e-mail, fazer um currículo, esse tipo de coisa; uma introdução à tecnologia, alguns recursos, usando celulares. E foi muito legal, porque a partir dessas reuniões a gente acabou iniciando uma amizade, então a gente tomava mate juntas e voltava para casa andando juntas, e quando tinha asado as pessoas se encontravam.
Foi muito legal, porque apesar de ter vivido a experiência acadêmica na universidade - eu morava bem do lado, vivi bastante a experiência universitária - consegui também participar desse lado político, que foi super direto, junto com as pessoas que viraram minhas amigas. Foi uma experiência incrível fazer essas amizades.
(53:50) P/1 - Como começou o seu envolvimento com movimentos sociais e políticos? Como isso foi se desenvolvendo ao longo do tempo?
R - Eu não sei muito dizer como começou. Desde pequena eu sempre tive muito interesse por assunto político. O meu pai, como a gente morava em prédio, ele levava muitos jornais e revistas, porque as pessoas dispensam os jornais e revistas do dia, então sempre tinha jornal e revista em casa. [Foi] uma coisa que eu sempre gostei de folhear para ver tirinha, para ver palavras cruzadas, mas também para ficar vendo jornal e revista, então eu sempre me interessei por coisas que estavam acontecendo.
Meu pai sempre foi muito crítico da sociedade, apesar de ser um cara que não estudou. Ele sempre teve uma leitura da realidade, e a gente sempre conversou muito em casa. Quando eu era adolescente, na igreja eu procurava participar das obras sociais, de voluntariado, esse tipo de coisa e me envolver com os problemas das pessoas, com as questões sociais. E bom, depois quando eu estava no ensino médio, tem essa questão do grêmio estudantil da escola, que tem os representantes de classe, tem as eleições, o ambiente de escola - não em geral, mas em algumas escolas tem essa possibilidade de participar.
Os meus pais sempre foram muito ativos na Associação de Pais e Mestres da escola também, então orçamento, essas coisas… Isso para mim, esse desenvolvimento coletivo, ver o público, o político como algo do dia a dia, sempre aconteceu, apesar de não estar relacionado a um partido, ou uma coisa do tipo. Aí depois, na minha vida adulta, eu comecei trabalhar bastante com causas, como designer mesmo, trabalhando desde voluntariado para causas. “Ah, precisa fazer um site, precisa fazer um cartaz”, oferecendo trabalho voluntário para as coisas que acreditava, mas também participando de ações coletivas, por exemplo, a igreja arrecadar mantimento, ou visitar tal comunidade. Até a comunidade feminista que eu fazia parte começou a organizar o 8 de março; as feministas sempre fazem atividades de conscientização, campanha. E como trabalho também, já trabalhei em campanha política, fazendo material de campanha mesmo, site, essas coisas, então acaba se misturando, tanto os meus interesses pessoais, como a questão da religião da minha família, como a questão de educação, porque quando você vai para universidade pública também tem muito forte essa questão dos debates, dos espaços abertos, de discutir a política também.
Eu me envolvi muito… Você acaba conhecendo gente que te convida para uma coisa, você vai para uma outra reunião, aí você participa de uma marcha, aí nessa marcha você conhece mais não sei quem de outra organização, aí você cola na reunião da outra organização para ajudar em tal e tal coisa. Então é meio essa costura, os movimentos interagem muito também.
Recentemente, eu comecei a fazer parte da Escola Nacional Florestan Fernandes, aqui em São Paulo também, em Guararema, que é mais voltada para as questões de agroecologia, comida sem veneno, apoio ao movimento sem terra; são assuntos que me interessam bastante. Comecei a estudar um pouco essas questões mais de produção, de terra; apesar de ser uma pessoa super urbana, todo mundo come, todo mundo come comida com veneno, então eu comecei a me envolver com essas coisas também.
[Foi] mais ou menos isso. Conforme a gente vai vivendo os movimentos, as políticas passam pela gente. Não foi uma coisa muito direcionada. Eu me filiei, participei, sempre essa coisa de estar conhecendo gente, de estar em movimento, estar frequentando lugares. E São Paulo tem essa facilidade também, porque São Paulo tem muita gente, muita coisa acontecendo; é possível participar da gestão da cidade se você estiver envolvido em algum coletivo.
(59:43) P/1 - E dentro dessas questões, como surgiu o Minas Programam?
R - Bom, Minas Programam atualmente é um instituto voltado para educação, mas surgiu como uma ideia de curso de programação. Eu fazia parte de uma ONG feminista, a Casa de Lua, e a Casa de Lua ganhou um edital para realização de oficinas de tecnologia nas praças de wi-fi livre, aqui em São Paulo. E numa dessas oficinas, a gente convidava as pessoas por rede social, enfim, chamada aberta para essas atividades.
Numa dessas atividades, que aconteceu na Zona Norte, a Bárbara Paes apareceu para participar da oficina, e depois ela falou que queria conversar comigo, porque ela gostou muito da proposta da oficina. Ela e uma amiga, a Fernanda, que trabalhavam juntas, estudavam juntas, tinham curiosidade de tecnologia, de aprender a programar, mas não conheciam nenhum curso; tudo que elas procuravam era muito inacessível, custava muito.
Elas conheciam poucas mulheres que trabalham nessa área; internacionalmente, já tinha um movimento de mulheres na tecnologia, nas ciências exatas, matemática, engenharia. E elas queriam, enfim, fazer algo nesse sentido.
Eu já tinha alguma experiência com projetos, por trabalhar na ONG. A ONG cedeu um espaço e a gente começou a organizar as redes sociais, pensar como seria um curso. A gente não tinha dinheiro, mas tinha alguns contatos, então a gente a partir dos conhecimentos que eu tinha de trabalhar na área, o que a gente poderia oferecer como um curso? A gente fez um planejamento de custo, de um primeiro semestre de atividades online, debates, campanhas, essas coisas. E deu super certo, nesse primeiro ano a gente já conseguiu um subsídio para tocar as atividades e tudo mais.
Começou dessa forma também, uma vontade de fazer algo para si, algo para pessoas próximas, algo que no fim das contas acaba sendo para mudar um cenário, mas muito como uma ação pontual. E acabou que deu super certo, muita gente acreditou e continua até hoje. São sete anos, já, de Minas Programam.
(1:03:01) P/1 - Você acredita que tem havido atualmente um crescimento das mulheres na área de tecnologia?
R - Sim! É bem expressivo, considerando que o Minas Programam surgiu em 2015. Em 2015 esse debate era bastante incipiente no Brasil. Os primeiros debates trouxeram essa representação que as mulheres fizeram a partir da tecnologia no seu início e depois elas foram afastadas disso - da programação, especificamente. Mas começava a ter organizações que discutiam isso e que promoviam cursos e atividades para mulheres.
Hoje não é uma ou duas organizações, são várias. A gente tem muitas parcerias com outras organizações, não só de mulheres, mas de pessoas LGBT também. E isso impactou tanto as pessoas que estão procurando essa formação… Eu diria que a pandemia também trouxe uma curiosidade, ou até uma necessidade das pessoas de trabalhar com tecnologia, de aprender, porque você pode trabalhar remotamente. Tem essa ilusão, infelizmente é uma ilusão, de que o trabalho com tecnologia remunera superbem, então você vai resolver os seus problemas trabalhando com tecnologia; dá para ser mãe, dona de casa, trabalhando com tecnologia.
Aumentou a quantidade de mulheres trabalhando nessa área, mas ainda é muito discrepante em relação aos homens, e principalmente quando a gente coloca o recorte racial, que é a preocupação que o Minas Programam tem, porque mesmo entrando mais mulheres na tecnologia, quem são essas mulheres? As mulheres negras têm ainda mais dificuldade de acessar essa área, e os dados demonstram que a participação das mulheres negras, além de ser muito menor, ela também é muito menor, quanto mais alto é o escalão. Então, sim, aumentou e vem aumentando, eu acho que a tendência é continuar aumentando a quantidade de mulheres em todas as áreas da tecnologia.
(1:05:47) P/1 - Você, pessoalmente, já passou por algum tipo de preconceito no mercado de trabalho, por ser mulher, por ser parda? Alguma coisa que você acha que…. Pode até ser velada, mas poderia ter ido adiante e não conseguiu por conta disso?
R - Eu acho que tem duas questões aí. Uma delas é estrutural, que no meu caso não me impediu de acessar esses espaços por tanto tempo. Ela me impediu por algum tempo, mas não por tanto tempo. Por exemplo, a questão de origem: meus pais não estudaram, eu não estudei em inglês quando eu era criança, não tive computador desde cedo, isso tudo restringe o acesso. Se você nunca teve um computador, se você não fala em inglês, isso vai atrapalhar que você conheça mais sobre tecnologia, necessariamente. Então é uma coisa que a gente sempre fala, você não precisa ser fluente em inglês, você não precisa saber inglês para programar, mas é um conhecimento que no mercado de trabalho é exigido, então isso é com certeza um diferencial.
Não concluir uma faculdade não necessariamente te impede de acessar o mercado de trabalho, mas dificulta que você avance, então tem essa primeira questão estrutural.
Agora, coisa que a gente tende a naturalizar e não é reconhecida como um preconceito, como uma violência sofrida… Tem um outro ponto, que esse lado dos acontecimentos individuais… Bom, como mulher, é engraçado até, porque eu trabalhei durante muito tempo sendo a única mulher da equipe, uma equipe grande, só com homens, e só eu de mulher. Um cliente específico, que era de produtos cosméticos voltados para o público feminino, esse era o meu cliente. Eu trabalhava com isso.
Pode não ser visto como uma coisa negativa, mas considerando que por ser mulher eu tinha que trabalhar com aquele produto, porque eu ia entender melhor daquilo… Sendo que não é bem assim que as coisas funcionam. Ou, por exemplo, alguns projetos não chegarem na minha mão, porque eu já tinha meu relacionamento, minha família e não queria ficar trabalhando até altas horas.
No mercado de trabalho, na área de tecnologia, publicidade, às vezes acontece, muitas vezes acontece de você virar a noite trabalhando, de você ter que ficar na agência até tarde; apareceu algo de surpresa, você tem que encarar. E se você tem afazeres, se a sua família depende de você, você às vezes não consegue se dedicar a isso. Isso acontece muito com as mulheres.
Já aconteceu em entrevista de emprego de me perguntarem se eu pretendia engravidar, se o meu marido me deixaria ir trabalhar até tarde, esse tipo de abordagem, e em lugares supermodernos, superdescolados. E de cotidianamente, os caras, que eram maioria, subestimarem a sua capacidade de realização, de entrega, e até intelectual, se você entendeu mesmo aquilo, se o que você está falando é certo. Mas são coisas que vão acontecendo tão todos os dias, aos poucos, que isso é o mais naturalizado de tudo, porque se você ficar chateada com todas essas coisas que acontecem todos os dias, você odeia o seu trabalho, você odeia a sua vida.
Também tem essa questão do embate, quando essas coisas acontecem e você precisa dizer: “Pô, isso tá acontecendo. Eu não tô achando legal”. Eu já tive superproblemas de entrar em conflito e teve que ter uma mediação daquilo, porque um lado não aceita o outro, aí justificar que é por uma questão de gênero é muito complicado.
Eu já passei por inúmeras situações no mercado de trabalho. Atualmente, desde 2014, eu trabalho como freelancer, e eu percebo que nessa experiência desses anos, trabalhando por conta, autônoma, também acontece, mesmo você não tendo uma equipe de trabalho; é o seu cliente a sua equipe de trabalho, seu fornecedor é sua equipe de trabalho. E o que acontece comigo… Eventualmente, eu percebo que as pessoas não aceitam limites quando vem de uma mulher. Quando um outro cara diz as mesmas coisas, as pessoas entendem, por exemplo: “Não dá para programar isso!” Se é um cara que fala: “Ah, tudo bem!” Se é uma mulher que fala: “Sério? Mas por quê? Então me explica!” Você tem que dar uma aula para pessoa, porque ela não acredita em você, necessariamente. Ou [querem] chorar preço, quando você precisa fazer um orçamento. Isso as mulheres discutem muito, que quando você cobra, coloca o seu preço sendo mulher, ele geralmente é mais rebaixado do que quando um cara coloca esse preço. Então são várias discriminações, violências, preconceitos, que vão acontecendo em graus diferentes, mas todo dia é uma pérola.
(1:12:20) P/1 - Você trabalha como freelancer e divide o trabalho com o Minas Programam? Você faz as duas atividades?
R - Isso! Eu tenho uma empresa, mas uma empresa de uma pessoa só. Presto serviços, sou prestadora de serviços. Eu trabalho em diversas frentes, tanto com gestão de projetos de tecnologia, que aí eu trabalho mais na coordenação dos projetos, montando uma equipe de desenvolvimento, ou trabalhando com o processo criativo, enfim, o planejamento.
Eventualmente também trabalho como desenvolvedora web e como designer. Já trabalhei mais como ilustradora, agora é bem mais raro. A minha empresa atende esses serviços, paralelamente eu presto serviço para organizações internacionais com tradução, ou com coisas mais voltadas para políticas e direitos humanos, e aí entra o lado das Ciências Sociais.
Também sou sócia no Minas Programam, que é um instituto, é uma ONG. E no Minas Programam eu trabalho na coordenação de projetos, ajudando a pensar o curso de introdução à programação, oficinas, atividades, parcerias, esse tipo de coisa. Acabo fazendo todas essas coisas, quase todos os dias, então eu tenho várias atividades diferentes ao longo da semana.
(1:14:19) P/1 - Como você avalia o crescimento do Minas Programam, do surgimento até hoje? Você acha que expandiu muito, mudou? Como foi a evolução do Minas Programam?
R - O Minas Programam é incrível, porque começou de uma forma bastante despretensiosa - não sem responsabilidade, mas sem ambição. E pela vontade de fazer uma coisa bacana, uma coisa que fosse pensada, repensada, discutida; a gente foi sempre transformando a nossa ideia.
O Minas Programam sempre teve o curso de introdução à programação, que sofreu bastante alteração, mas é um curso de introdução à programação. Ele não tem o seu propósito alterado, mas a estrutura do Minas mudou bastante. Hoje a gente é uma organização com bem mais gente; a gente começou com três, hoje a gente é sete pessoas, tem muitas parcerias. Agora estamos conquistando novos apoios e conseguindo atingir muitos outros lugares que a gente não sabia que ia conseguir. E principalmente [por] ter sobrevivido a pandemia, porque o Minas Programam é voltado para mulheres e meninas negras e de periferia.
A gente teve algumas parcerias no início que possibilitaram que os cursos acontecessem, mas tudo no centro, região da Paulista e tal. Em 2019 a gente conseguiu uma parceria e a gente foi para a periferia. Veio a pandemia, e quando a gente estava instalado lá, localmente, onde a gente queria atuar, a pandemia impossibilitou. E a gente começou o curso de forma online.
A infraestrutura no Brasil é muito desigual. A gente percebeu que era muito difícil fazer um curso como o nosso num nível de Brasil, levando computador, internet, para qualquer lugar, onde a menina, a mulher, estivesse. Isso trouxe uma realidade para a gente, que…. Sabe aquela coisa que a gente sabe que existe, mas que você não pensa a respeito até que faça parte totalmente do seu cotidiano? Na pandemia, a gente descobriu isso e bom, o curso teve que se transformar, a organização teve que se transformar. E até para conseguir mais grana, mais apoio, conseguir realizar essas atividades, a gente precisou de mais subsídios. [O Minas precisou] até de se institucionalizar; não dava mais para ser o Projeto Minas Programam feito por Bárbara, Ariane e Fernanda. Começou a precisar de mais robustez, mais seriedade, então hoje a gente funciona como uma ONG, com burocracias de ONG. E atuando de forma online, porque a gente ainda não tem segurança para voltar às atividades presenciais, mas temos isso em vista, esse planejamento.
É impressionante tudo que já foi feito, o tanto de pessoas que já foram envolvidas no projeto, nas ações, o tanto de lugar que isso chegou. E a nossa ideia é que isso se expanda, mas não o Minas Programam escalando e virando uma coisa gigante, mas que mais grupos de meninas e mulheres tenham o interesse em fazer os seus próprios projetos, suas próprias iniciativas. A gente inclusive tem essa parte, esse serviço de oferecer apoio para grupos que querem começar, porque a gente sabe que a gente não pode atuar, sei lá, em Garanhuns; a gente pode apoiar um grupo de meninas lá. Cada pessoa, cada grupo conhece sua realidade.
A nossa vontade agora é continuar fazendo o que a gente faz bem, mas também estar em intercâmbio com esses outros grupos, esses outros movimentos que estão fazendo outras coisas e pensando em tecnologia. E não apenas pensando em formar desenvolvedoras, mas discutir a tecnologia de uma forma mais abrangente, como parte da nossa vida mesmo.
(1:19:30) P/1 - Como foi para você ser mãe?
R - Eu passei muito tempo pensando que isso não era uma coisa para mim, a maternidade, bebês, ter filho. A minha vida é muito corrida, trabalho muito, gosto de me divertir, viajar. Mas foi chegando a ideia, a sensação, aí você começa a ser madrinha de uma criança aqui, outra ali, seus amigos todos tem filhos, Enfim, uma época, e também [depois de] muita psicanálise, eu comecei a perceber que eu queria. Eu trabalhei esse desejo e pensei: “Tá, como que eu vou fazer isso acontecer?” Fiz um planejamento da minha vida; justamente por não ter um trabalho fixo, eu precisaria me organizar. Eu fiz uma organização, combinei com a minha mãe, combinei com o meu companheiro, e encomendei a gravidez depois da vacina.
Agora, em maio de 2022, nasceu a minha filha, nasceu no dia sete de maio. O nome dela é Gal, e foi uma coisa fantástica, de descobrir uma força imensa. É um processo que é muito individual porque existem… “Nossa, ser mãe é isso, aquilo.” Eu tinha bastante medo disso. É um processo de descoberta bastante individual e todos os dias…. É uma coisa muito recente ainda, então todos os dias eu vou me descobrindo. “Putz, eu sou a mãe dela! Cadê a mãe dessa criança? Ai, meu Deus, eu sou a mãe dela.” Então, é isso! Eu estou me tornando mãe, é uma coisa que eu estou aprendendo.
Tive muita sorte, porque a Gal é uma garotinha muito tranquila, muito gente boa. Ela está sendo muito gentil comigo e muito paciente com a minha falta total de experiência com crianças. Gosto muito de crianças, mas eu não tinha experiência, então estou aprendendo desde segurar a cabecinha a “ai, meu Deus, e esse chorinho, é de quê?”
Por ela ser menina eu tenho muitas preocupações, mas ao mesmo tempo isso está me fazendo pensar muito sobre ser mulher, sobre o mundo e as minhas convicções, e a vida, e tudo mais. É o processo de descoberta de si, acho que estou me descobrindo muito e dando muita vazão a um lado sensível, legal. Bebês são fofinhos, é muito gostoso.
(1:23:36) P/1 - E quais são os seus sonhos para o futuro?
R - Essa é uma pergunta muito de milhões. Tem aquele sonho grande, sabe? A música… do John Lennon, que é o sonho grande, bonito, coletivo, de um mundo melhor, comida sem veneno, pessoas vivendo com melhores condições, o fim da fome no mundo, mas existem aqueles sonhos também individuais.
Eu sonho bastante com dias tranquilos, com dias bonitos, natureza, tranquilidade, menos horário de trabalho, mais horário de lazer, qualidade de vida. Eu acho que esses sonhos mais banais, eles são os mais difíceis de serem realizados, porque a gente idealiza projetos tão grandes, que às vezes são até realizáveis de tão ambiciosos, mas esse cotidiano prazeroso assim, sabe, essa vida boa? Eu falo para Gal que ela tem uma vida boa! Essa vida boa eu acho mais difícil da gente alcançar, porque sempre a gente tá correndo atrás de algo. Então eu sonho com essa vida boa, com a vida mais tranquila, mais gostosa, menos: “Nossa, uma notícia ruim, que droga! Nossa, outra notícia ruim, que droga!” Eu penso numa vida mais suave..
(1:25:48) P/1 - E qual você acha que é a importância da diversidade pro mercado de trabalho?
R - As tecnologias, elas não são neutras, elas carregam em si as marcas da ideologia de quem as produz, então se a gente não tem uma diversidade em quem faz a tecnologia, no mercado de trabalho de tecnologia, logo a gente tá aceitando que as soluções que são para um grande grupo sejam tomadas por um grupo muito pequeno. Se a gente considerar que a maior parte de quem trabalha com tecnologia é de homens brancos do Norte global, a gente está considerando que a maior parte da população não constrói essa tecnologia. Uma diversidade de vieses não são considerados, então essas tecnologias também carregam violências e também carregam falta de ideias.
As pessoas pensam diferente, fazem usos diferentes das tecnologias, têm culturas diferentes, então ter uma diversidade de pessoas pensando traz uma diversidade de soluções, uma diversidade de possibilidades.
Eu acho que o mundo com uma restrição de quem cria, uma restrição de quem pensa é muito arbitrário. E também concentra muito poder, porque a tecnologia movimenta muito grana, mas não só isso, concentra muito poder de transformação mesmo, de qual cultura vai ser implementada, que hábito vai ser desenvolvido, que violências podem ser perpetuadas a partir disso.
A diversidade é importante porque ela democratiza tanto a tomada de decisão quanto o poder, nesse sentido de decidir o futuro, decidir o que as pessoas vão fazer. E também porque existe a pessoa que faz e a pessoa que consome. Geralmente a gente não se vê como produtores de tecnologias. Tem pessoas que desenvolvem, são elas que criam, e a gente consome, consome, consome, mas eu acho que pensando de uma forma diversa, a gente também consegue ver outras coisas como tecnologia, e não só o smartphone. Quais são as tecnologias ancestrais…. Pensar a tecnologia de forma diversa, não pensar em mercado de trabalho só, sabe?
Acho que a diversidade é uma necessidade para o mercado de trabalho, porque ela é uma necessidade humana. Nós somos diversos, a gente não é tudo igual, a gente não tem necessidades iguais, a gente não se comporta igual, então a diversidade é uma necessidade mesmo.
Eu acho que o que não for diverso está fadado ao fracasso. Acho que a gente está com uma tendência a diversificar as pessoas que pensam e que produzem, é uma necessidade nossa mesmo.
(1:29:43) P/1 - E o que você considera mais importante hoje em dia? Pode ser mais de uma coisa.
R - Nossa, caberia muita coisa nessa resposta. Mas para não polemizar, eu acho que é muito importante descansar. A gente vive numa cultura que para pessoas que trabalham como eu, por conta… Por conta é: você está por conta, você está por você mesmo.
A gente, na maioria das vezes, tem uma necessidade de autoexploração, de trabalhar além das nossas capacidades, tanto é que se você abrir qualquer portal de notícias, vai ter alguma matéria de saúde falando de burnout, falando de crise de esgotamento. Então eu descobri…. Eu trabalho desde bem cedo, de estagiária, e nunca parei, sempre trabalhei bastante. E durante a gravidez eu descobri o descanso, primeiro porque eu tinha muito sono e depois, porque eu já tinha planejado reduzir a carga. E é uma maravilha descansar, dormir, ter um tempo para você, para pensar na sua vida, para ver as pessoas que você ama, para si, para ficar sozinho, é muito bom! Ter um tempo para gozar da vida, porque a nossa vida é só correr, resultado, pagar conta.
Ter um momento para sentir a vida passar é muito importante, viver, sentir a vida nos dedos. Eu acho que ter esse tempo, descansar, é fundamental.
(1:32:01) P/1 - E qual legado você gostaria de deixar?
R - Olha, eu me preocupo bastante com a crise climática, o que está acontecendo agora, para as próximas gerações. Eu queria, na verdade, se eu não deixar muita coisa… Acho que talvez seja o melhor legado no sentido material, deixar mais planeta, produzir menos lixo, ser menos um fator de complicação para o meio ambiente, sabe? Isso envolve uma mudança de hábitos, que nem sempre a gente está disposto, que nem sempre é racional. Se eu puder deixar menos pegadas, menos impactos para as próximas gerações, se eu puder…. É aquela coisa de plantar uma árvore e ter um filho, mas é real; se eu puder plantar uma árvore, se eu puder fazer parte de um mutirão de agroecologia, se eu puder incentivar alguém a se alimentar melhor, a fazer uma produção orgânica, a preservar uma espécie, esse tipo de coisa, sabe? Eu acho que… Se eu puder usar menos transporte com combustível fóssil, se eu usar mais transporte público, acho que esse é o único legado que vai realmente fazer diferença imediata, porque as outras coisas, talvez eu não consiga, talvez… Eu não sei como vai ser, mas essa é uma coisa que eu acho que todos os dias, mudando uma coisa aqui, me envolvendo com que eu acredito, acho que com certeza vai ser um bom legado.
(1:34:36) P/1 - Quem é o seu grupo de apoio, Ariane? Aquelas pessoas que estão ali para te apoiar quando você precisa?
R - A minha mãe! A minha mãe, a minha família, os meus pais, os meus irmãos, o meu companheiro, as minhas amizades próximas. Eu tenho alguns amigos próximos, que a gente se dá bastante suporte afetivo. Mas principalmente a minha mãe.
É aquela frase da [Silvia] Federici, que aquilo que a gente chama de amor é o trabalho não pago. A minha mãe sempre trabalhou muito para família, criou os filhos, dedica o conhecimento de uma vida toda para manter todo mundo saudável, alimentado, bem cuidado. Então minha principal rede de apoio, inclusive para me tornar mãe, é a minha mãe.
E as feministas, em situações difíceis, para arrumar um emprego, porque existe uma grande máfia feminista, que uma mulher indica outra para o trabalho, que indica outra para alugar uma casa, que indica a creche da criança, que indica onde tem uma roupa mais barata, que enfim, indica profissional disso, daquilo, que indica medicina natural, aquela receita da avó dela, de um xarope de não sei o quê. As feministas, com certeza, fazem parte da rede de apoio, independente de serem minhas amigas ou não. Geralmente num espaço feminista eu encontro isso; mesmo com diferenças ideológicas, é possível encontrar apoio. Obviamente não romantizando, nem generalizando, mas dentro das redes feministas já encontrei muita solução, muito carinho, muito apoio, muita força. Sem dúvida, elas são minhas companheiras de jornada mesmo.
(1:37:21) P/1 -Tem alguma coisa que a gente não conversou aqui que você gostaria de comentar?
R - Nossa, eu acho que vocês abordaram até mais do que eu estava imaginando pra essa conversa. Acho que eu me sinto contemplada com as perguntas de vocês.
(1:37:56) P/1 - Como foi para você hoje contar um pouco da sua história para a gente?
R - Olha, foi bem legal! Eu diria que foi bastante emocionante, principalmente lembrar da minha infância, dos meus irmãos, de momentos tão doces, de outra época, de pensar nos bairros daquela época, que os bairros eram tão diferentes, visitar esses lugares de memória. Eu acho que foi bem lindo, bem legal, gostei bastante.
É muito importante a gente registrar nossas memórias, é algo que às vezes passa bem batido para as pessoas normais. Minha memória fica ali na rede social, no backup do arquivo. É legal resetar as próprias memórias, eu gostei!
(1:39:16) P/1 - Então em nome do Museu da Pessoa, Ariane, a gente agradece muito a conversa de hoje.
R - Obrigada! Eu gostei demais! Agradeço pelo convite! Parabéns pelo trabalho!
(1:39:33) P/1 - Obrigado!
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