Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto 2020/2021
Entrevista de Alcides Lázaro dos Santos - Bar do Cidinho
Entrevistado por: Luís Paulo Domingues e Ana Eliza Barreiro
São José do Rio Preto, 2 de março de 2021
MC_HV074
Transcrito por Selma Paiva
Conferida por Ana Eliza Barreiro
P2 – Bom, ‘seu’ Alcides, pra começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que o senhor nasceu.
R1 – O meu nome completo é Alcides Lázaro dos Santos. Nasci no estado de São Paulo mesmo, na cidade de Guaraci, às dez horas e dez minutos.
R2 – O dia.
R1 – No dia 17 de maio de 1950.
P2 – Ah, legal. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – O nome do meu pai é Alcino José dos Santos. Ele nasceu no dia 27 de dezembro de 1919. O da minha mãe eu não sei ao certo, que quando eu nasci, ela morreu. Eu não sei a idade, a data ao certo, dela.
R2 – O nome dela.
R1 – Nome dela... ela chama Adermina Rosa dos Santos. A data que ela nasceu, aí já não sei.
P2 – Sim, sim. E o senhor nasceu nessa cidade, como é que ela chama?
R1 – Guaraci. Na margem do Rio Grande.
P2 – Ah, na margem do Rio Grande. Guaraci. E o que o senhor… a sua família fazia lá? O senhor nasceu onde, assim?
R1 – Lá nós tínhamos um empório. Meu pai tinha um empório lá que chamava Empório Santos. Na época, o empório vendia de tudo: secos e molhados, armarinhos em geral. Nós vendíamos de tudo lá: bicicleta, vendia colchão de mola, colchão de capim. Produto pra... ferramenta pra agricultura, grade, arado, bico de pato pra preparar a terra, a gente trabalhava com tudo isso. Zíper, botão, linha, tudo, a gente vendia tudo. Vendia de tudo. Tela... muitas vezes precisava de tela, de linha e meu pai vendia, trabalhava muito com… eu lembro, a tela, sempre muito bom. A gente vendia lá, no balcão. O corte, tirava...
P2 – E a família do senhor foi morar lá por que, o senhor sabe? Assim, eles vieram de onde, antes? Sua avó...
R1 – Ah, meu pai é de lá mesmo. Meu pai nasceu em Frutal.
P2 – Sei.
R1 – É vizinho de .... [região mineira de fronteira com São Paulo] até Frutal, né?
P2 – Sim, sim.
R1 – Meu pai nasceu em Frutal. Mas a gente é de Guaraci, mesmo. De Guaraci. Minha mãe, é tudo de Guaraci, mesmo. A gente é de lá, mesmo.
P2 – E o que o senhor lembra, lá da cidadezinha, de quando o senhor era criança, como que era a cidadezinha?
R1 – A cidadezinha era bonita. Até hoje ela é bonita, né? É pequenininha. Pacata. Discreta. Bom pra passear, pra andar de bicicleta. Mas, pra poder aquisitivo, era muito pouco, né? Porque o comércio deles, vivia da agricultura. Mas meu pai mesmo, quebrou, porque ele pegou três anos em seguida, de seca. Que a gente vendia, na época, pra receber na colheita.
P2 – Sei.
R1 – E eu falei: não é que as pessoas não pagaram meu pai porque a pessoa é vigarista, é malandra. Não. É porque realmente é isso, realmente perderam tudo.
P2 – Perdeu tudo.
R1 – Meu pai tinha título no Banco, no Banco do Brasil e tinha um avalista que chamava Davi de Oliveira, que era dono de propriedade em Olímpia, eu não sei o nome dele, vendeu a casa, vendeu o que tinha, pra pagar a dívida. E a gente voltou pra Rio Preto em 1973, começamos tudo de novo.
R2 – Sessenta e três.
R1 – Sessenta e três, começando tudo de novo. E “tamo” aqui.
P2 – Sério?
R1 – Ele já foi, né? Já faleceu.
P2 – E nessa época aí as fazendas ali em volta era tudo café ainda ou mudava tudo?
R1 – Não, não. Lá era milho…
P2 – Milho?
R1 – Arroz. Amendoim. E abacaxi. Até hoje é abacaxi. Mandioca, a gente levava mandioca pra Araras, meu pai tinha um caminhão de açougue, nós “carregava”, mandava pra Araras… fazia, né, bastante.
P2 – Ah, que legal.
R1 – Choveu, quebrou a cidade.
P2 – Quebrou a cidade. Olha.
R1 – Quebrou a cidade. Na época, a fazenda lá era dos “ingrêis” [Ingleses], sabe?
P2 – Ah, era dos ingleses?
R1 – Era dos ingleses. Fazendo as posses do Rio Grande. Então, os “ingrêis” também não colheu, como é que vai pagar os outros? É meeiro, né? Como é que vai dar metade de uma coisa que não foi colhida? Quebrou todo o mundo.
P2 – Sim. Olha. E quando o senhor era criança e o senhor morava lá, o senhor frequentava muito o rio, lá? O senhor ia no rio?
R1 – Não, não, não, não, não. Não, porque meu pai - eu com uns oito anos da idade - fez a gente ficar no bar, né, porque meu pai tinha um caminhão que ficava fazendo frete, buscava areia, tijolo, pras cidadezinhas vizinhas, né? E eu ia no bar, com oito anos de idade. Eu e as minhas irmãs. Que bar, essas coisas, é mais na parte da tarde, ou no fim do mês, né? Aí, no fim do mês ele ia viajar, ficava ajudando a gente lá. O povo vinha da fazenda, ia fazer compra, né? Dava um caminhão de mercadoria. Então ele ia entregar.
P2 – Ah, sim, entendi.
R1 – É, meu pai comprava com trinta, sessenta e noventa, da Ermelino Matarazzo. Francisco Matarazzo. Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Comprava com trinta, sessenta e noventa. Também era pra pagar na colheita, né?
P2 – Ah, certo. E o senhor, quando era criança, morava… a casa era junto do armazém?
R1 – Era junto. Era junto do armazém. Até hoje lá. Hoje, se você for no Guaraci, hoje se você for no Guaraci, onde é a Caixa Econômica Federal, lá em Guaraci, é ali que eu nasci. Rua Casemiro César, número 59.
P2 – Ah, e hoje é a Caixa, lá?
R1 – É a Caixa Econômica. Onde era o bar do… onde era o armazém do meu pai que naquela época chamava armazém, né? Chamava empório. Empório Santos, de Alcino José dos Santos.
P2 – Sim. E aí, quando o senhor era criança, o senhor tinha quantos irmãos lá?
R1 – Lá era em onze.
P2 – Onze irmãos?
R1 – Onze irmãos.
P2 – Olha!
R1 – Escadinha. Na época não tinha televisão, né? Meu pai divertia fazendo filho.
P2 – (risos) Sim, sim. Mas e aí, o que o senhor gostava de fazer quando o senhor era criança, lá em Guaraci?
R1 – Olha, infância a gente não teve, porque meu pai não tinha condições de dar infância pra gente, né, você tinha que trabalhar. Todo o mundo, eu, tanto eu, quanto minhas irmãs, tudo. Tinha onze bocas pra gente tratar, vai dar? Cada um tinha que dar sua parte. Quer dizer: o que o jovem hoje tem de brincar, jogar bola… nessa parte nós não “criou” essa parte, não. Nós não tínhamos condições dessa parte, não, tinha que trabalhar, mesmo. De noite era remarcar mercadoria, que as mercadorias subiam todo dia, né? Trocar o preço da mercadoria, abrir o empório com preço novo, pra não desatualizar.
P2 – Todo o mundo trabalhava com o seu pai?
R1 – Dos meus sete anos, até os meus dezoito anos, não teve infância. Só trabalho.
P2 – Olha! Desde os oito anos. E todos os irmãos trabalhavam com seu pai?
R1 – Todo o mundo. Trabalhava todo o mundo dentro de casa. Ninguém trabalhava de empregado, não. Quando mudamos pra Rio Preto, meu pai quebrou. Aí meu pai arrumou serviço pra minha irmã, uma no Bradesco; o outro numa outra firma desse negócio de encerado de caminhão, sabe?
P2 – Sei, sei.
R1 – E pra receber salário da gente era meu pai. Que ele trabalhava de servente na Igreja Damasceno, aqui. A gente não pegava o dinheiro da gente. Patrão não pagava pra gente. Os pais que passavam, pegando o salário.
P2 – Entendi.
P1 – E isso o senhor já tinha uns oito anos, né?
R1 – A gente vestia uma camisa de “volta ao mundo”, não sei se o senhor lembra, da “volta ao mundo”? De nylon, preta. Trabalhando, aqui.
P2 – Estava escrito “volta ao mundo?”
R1 – Camisa “volta ao mundo”, você lembra?
P2 – Sim.
R1 - A marca da camisa chamava “volta ao mundo”.
P2 – Ah, eu acho que eu lembro, sim. E o que você ia perguntar, Ana?
P1 – Eu ia perguntar se você lembra, lá no armazém, como que era o trabalho? O que você fazia no dia a dia, assim: era ficar no caixa, ou era ficar carregando as coisas, como que era?
R1 – Não. A gente media. Feijão, pesava na balança. Saquinho de um quilo, dois quilos, a quantidade que o freguês pedia. Café, o café a gente a gente moía na hora, lá. Era tipo uma mercearia, né? O que o freguês pedia… pedia batata, pedia cebola. A gente pesava. A gente pesava…
R2 – A gente tem a máquina até hoje…
R1 – Inclusive tem a máquina de moer o café até hoje. Tem a máquina de cortar mortadela também tem até hoje, que é manual.
P1 – É aquela que você tem que ficar fazendo aquilo, né? Tem a maçaneta, né?
R1 – É, tem ela aí. Eu a tenho aqui comigo.
P2 – Ah, é?
R1 – É, aquilo lá eu não vendo, não.
P2 – E escola? O senhor frequentou a escola, quando era criança?
R1 – O quarto ano primário. Só o quarto ano primário.
P2 – Isso foi lá em Guaraci?
R1 – Grupo Escolar Antônio Zuquim.
P2 – E onde fica?
R1 – Primeiro ano até o quarto ano. Ia até o quarto ano, tirava diploma com quarto ano, né? Depois vinha a admissão. Mas nem a admissão nós não fizemos, não. Foi só o quarto ano do primário, mesmo.
P2 – Sei, sei. E aí o senhor ficou lá até quando? Em Guaraci, pra vir pra Rio Preto?
R1 – Fiquei lá até 1973. E eu passei… com dezoito anos tirei carta de motorista e vim trabalhar aqui em Rio Preto. Na Rua Regente Feijó, Irmãos Furquim, em caminhão tanque. E aí, no... na empresa parece que não deu certo e fui viajar pra fazer a linha de Porto Velho. Um de outubro de 1978 eu comecei a viajar pra Porto Velho. De estrada de terra.
P2 – De caminhão?
R1 – De caminhão. E parei o caminhão em oitenta e quatro. Comecei em setenta e oito, parei em oitenta e quatro.
P2 – E como é que era pra ir até Porto Velho? Era tudo estrada de terra?
R1 – Tudo terra. Eu saía de… quando saía por Santa Fé, saía de Rio Preto e ia até Santa Fé. Santa Fé, atravessava a balsa, Aparecida do Taboado, Ceilândia, vai para Paranaíba* e vai indo até… de Rio Preto a Cuiabá dá mil e duzentos quilômetros.
P2 – Nossa senhora! E aí, mas…
P1 – Quantos dias era isso? Quantos dias que levava?
R1 – Ah, não tinha dia, quantidade de dias, sabe o porquê? Porque quando estava na seca era uma coisa. “Nas águas”, era outra coisa, porque encravava. Quem dava assistência pra gente na estrada era o 5º BEC, o exército. Eles que traziam as “coisas” que encravavam a gente, traziam comida pra gente, que no local não tinha. Quem dava assistência pra gente lá na estrada era o 5º BEC.
P1 – Tinha que passar naquela floresta, né? Tinha que passar ali pela mata, né, tudo, também, né?
R1 – É, pra todo lado, era estrada de terra. Eu fazia “pinguela”, pra passar com o caminhão.
P1 – O que é pinguela?
R1 - Tinha uma parte da estrada aqui, chamava “Capela”. Quem vai de Ceilândia ao Alto Araguaia, tem uma capela na cidade. Aí nós passávamos o caminhão dentro d’água. Um ia à pé, “coisando” e o outro segurando a borracha, pra não entrar água no motor, ia assim, e saía do outro lado.
P2 – (risos) Sim. E o senhor chegou a ficar parado lá, porque o caminhão não conseguia passar por causa de lama, essas coisas?
R1 – Já fiquei parado doze dias.
P2 – Doze dias?
R1 – No tempo das águas o exército não dá conta de atender todo o mundo, né? É dois, três tratores, só. Já fiquei “dozinho” encravado.
P2 – Nossa!
R1 – Não tinha lugar pra comer, né? O exército não dá conta… pra você… tinha uma casa lá, pra fazer comida, com uma mulher, né? O que a mulher fazia? Arroz e jiló. No almoço e na janta. Era arroz e jiló. Hoje eu não posso ver jiló nem em banca de supermercado.
P2 – (risos) Sei.
R1 – Não gosto, fiquei com tanta raiva. Mas não tinha outra coisa pra comer.
P2 – E Porto Velho, como é que era, nessa época?
R1 – Vixi, Porto Velho era uma cidade bonita, né? Até hoje é bonita. Ficava na entrada de Rio Branco, quem vai de Porto Velho pra Rio Branco, com o dono do posto…
P2 – Hã.
R1 – … lá de Rio Preto, que chamava Roque. Chamava não, deve chamar, deve estar vivo ainda. Então, a gente ficava ali. Carregava e ia lá pro posto, procurar carregar pra voltar, de volta, né?
P2 – Sei. E aí o senhor ficou nisso quantos anos, hein?
R1 – Ah, na linha de Porto Velho fiquei três anos. Depois fui fazer São Paulo/Rio. Peguei uma São Rio, filho do André Teba, fui através de São Paulo/Rio. A gente entregava no Rio de Janeiro. Todo dia nós fazíamos cinco entregas no Rio de Janeiro. Filho de deputado. Sabe o que é filho de deputado, você lembra desse deputado? Durante o dia a gente ia entregar. São Paulo e Rio. Brasília também a gente entregava.
P2 – E aí o senhor prosperou, nesse emprego aí? Porque, nessa época, caminhoneiro ganhava melhor que hoje, né? Ou não?
R1 – Olha, eu fui ganhar dinheiro em setenta e cinco, setenta e seis. Eu fui trabalhar com carreta. Aí a empresa fazia balcão** de carreta. Carreta seca, a gente só fazia o nordeste, porque ganhava dez por cento do valor do frete bruto e tinha uma ajuda de custo de mil real. Só que o frete…
R2 – Na época não era real.
R1 – É. Só que o frete era caro. Que era café. E era descer, carregando, na Paraíba, até em São Paulo e Recife e Maceió. A gente ganhava bastante. O salário-mínimo era noventa e seis na época, em oitenta e seis, né? Noventa e seis. A gente ganhava quase dois mil por mês. Naquela época já era dinheiro pra caramba. Muito dinheiro. Muito dinheiro. Ganhei muito dinheiro.
P2 – Ah. E aí, nessa época o senhor já era casado ou não?
R1 – Ah, caminhoneiro eu já era casado. Depois mudei na Viação Cometa. Na Viação Cometa, também. Em setenta e dois eu casei. Minha mulher começou a encher o saco de eu estar fora de casa, né, eu peguei, fui, tentei a Viação Cometa e passei. Mas não fiquei nem trinta dias. Regime militar, né, não me adaptei.
P2 – Ah, é?
R1 – Não, não me adaptei.
P2 – Voltou pro caminhão?
R1 – Hã?
P2 – Voltou pro caminhão?
R1 – Buscar boi. Era caminhão de boi.
P2 – Ah.
R1 – Trabalhava com caminhão de boi.
P2 – E, ‘seu’ Cidinho, como é que o senhor conheceu sua esposa?
R1 – Nós somos vizinhos até hoje, aqui. Se eu atravessar a rua, tô na casa do pai dela.
P2 – Ah, é? Conheceu aí em Rio Preto?
R1 – Aqui mesmo, nós somos vizinhos. Quando a gente era solteiro, quando eu era solteiro, ela trabalhava numa fábrica de costura. Que, na época, eu era “de menor”, trabalhava numa loja de armarinho, vendia roupa. Sábado muito sacoleiro ia lá fazer compra, né? Era dum turco. Então, a gente vendia… sacoleiro que ia lá e vendia as coisas, eram sacoleiro.
P2 – Sei. Entendi. E aí, em Rio Preto o senhor morava onde? Aí, já, onde eu fui?
R1 – Mesmo lugar, mesma casa. Na Rua Ararigbóia, 118, até hoje.
P2 – Ah, é?
R1 – Mesmo lugar, mesma casa.
P2 – Mas primeiro o senhor era caminhoneiro, né?
R1 – Primeiro eu era caminhoneiro.
P2 – Não tinha bar nenhum, aí.
R1 – Não tinha bar. Aí, a história do bar, pra chegar no bar… meu irmão, que era do serviço, né, não conhecia o nordeste. E eu só fazia o nordeste, fiquei no nordeste vinte e dois anos. Falava, falava pra ela: “A melhor praia que existe no Brasil chama Fortaleza”. E deu certo que um dia eu carreguei pra Fortaleza, carreguei de Rancharia pra Fortaleza, passei aqui na casa do meu irmão, falei: “Está de férias, quer ir conhecer Fortaleza?” E marcamos de sair no outro dia, às quatro horas da manhã. Mas, nesse intervalo, até meu irmão chegar no bar, tomamos uma pinga, tomamos outra pinga, tomamos uma pinga, tomamos outra pinga, eu acabei comprando o bar onde eu estou até hoje.
P2 – (risos)
R1 – Março de 1984 e estou aqui até hoje.
P2 – Ah, é?
P1 – Ficou por causa da pinga e está até hoje. (risos).
R1 – Hã?
P1 – Ficou por causa da pinga e foi ficando até hoje, olha que coisa boa…
R1 – É, até hoje bebo/gosto de pinga.
P1 – (risos) Bom demais! Tem alguma viagem dessas que o senhor fez quando o senhor trabalhava com o caminhão, que foi muito marcante? Que o senhor lembra até hoje, que te marcou demais?
R1 – É, a minha mulher viajava comigo direto, né? No tempo das águas, a gente carregava pra Serra Pelada, né? Trinta e seis mil quilos no caminhão, pra Serra Pelada. De Goiânia pra lá começou as águas. E quando você pega a Transamazônica, é tudo terra. Aí encravamos demais. Minha mulher não era acostumada a estar sofrendo. “Não, isso aí é o jeito da madeira, pra não mexer”. Quando desencravava um, outro desencravava você, assim é, mas sofremos. Eu, com uma menina recém-nascida. Que até hoje, quando vai, ela vai atrás de mim. Não solta de jeito nenhum.
P2 – Sei. E que ano foi que o senhor comprou o bar?
R1 – Março de 84.
P2 – Oitenta e quatro?
R1 – 1984.
P2 – E aí, a partir do momento em que o senhor comprou o bar, o senhor parou de fazer carreto de caminhão? Ou não?
R1 – Parei, parei. Eu comprei o bar, fui lá em Fortaleza, descarreguei. Vim, falei com o meu patrão: “Ó, aconteceu isso, comprei um bar”, tudo, né? E aí ele mandou eu carregar de novo em Rancharia. Eu falei: “Eu não vou poder ir, arruma outro motorista, tenho que cuidar daquilo que é meu”. O bar fechado, né? Ele falou pra mim: “Quanto você pagou no bar?” Eu falei: “O bar eu não paguei. Eu dei um lote que eu estava pagando e o cara aceitou. Fomos lá na imobiliária, peguei minha promissória, ele assinou a dele, ele ficou com o lote e eu fiquei com o bar” “Quanto vale esse bar?” “Ah, segundo ele vale quatro mil e quinhentos” “Eu vou te dar seis mil. E deixa que eu vendo o bar. Se eu não vender, entrego pra outro dono. Vai trabalhar”. Falei: “Não, ‘seu’ Valfredo. Eu tenho direito de ir. Se eu for e não der certo, a primeira pessoa que eu vou procurar pra trabalhar é o senhor. Se eu estiver precisando, voltamos a trabalhar juntos”. Em 15 dias, me ajudou no bar. Em 15 dias, ajudando. Tinha uma caixa e fomos pegar garrafas vazias, tudo, aqui. Ainda fomos na “Arco-Íris”, compramos Skol. Ele encheu tudo o bar. Tudo que tinha de vazio, ele encheu tudo aqui pra mim. Eu não tinha acertado, nem tinha acertado com ele. Aí, não saiu o assunto de ‘quanto que é, quanto que não é’. Aí pegou o computador dele pra acertar, né? Quando eu encontrei com ele a gente combinou assim, ó: a gente assinava que recebia salário-família, décimo terceiro, tudo. Mas só assinava, nunca recebi. Mas foi tudo, não está devendo ninguém, foi tudo combinado no começo, né? Aí, quando eu fui lá pra acertar, que era pra pagar quarenta por cento a mais, né? Ele olhou em mim, eu olhei nele, o moço do sindicato deu o dinheiro na minha mão, saí de lá, montei, tinha uma Brasília velha, quando ele chegou no escritório dele, eu estava lá. Falei: “Peguei isso aqui, ó”. Ele resmungou/criticou** e disse “não foi isso que nós combinamos”.
P2 – Entendi. E quando o senhor comprou o bar, o bar não tinha nada dentro? Não tinha freezer…
R1 – Ah, nada. Ele deixou tudo pra mim. Tudo, tudo. Não me cobrou um centavo. Não ficou uma garrafa vazia. Ainda vinha de noite me ajudar. Era muito besteirinha, sabe? Gostava de falar bobagem, besteira, mas era pessoa do bem, não era pessoa do mal, não. Todo dia, na hora de fechar o bar, ele era o último a ir embora. Todo dia. Ficou uns 15 dias assim. E ia trabalhando a minha cabeça, pra tentar voltar. “Vou tentar, vou tentar.” E assim foi: estou aqui até hoje.
P2 – E como o senhor arrumou os clientes? Foi fácil? Eles foram chegando?
R1 – Não, não foi fácil, não.
P2 – Como é que foi?
R1 – Os clientes foi um conjunto. Eu e essa aqui, ó, com vinte e um dias de vida viajava comigo, agradando os outros. A minha mulher na cozinha, trabalhava. Era a união, né? Uniu a família inteira, pra trabalhar. E tentando agradar o povo. E até hoje nós fazemos esse serviço, esse trabalho. Até hoje. O bar faz mais parte dela, da minha filha, do que minha. Nós somos tricampeões do Comida Di Buteco, não por causa do Cidinho, por causa da minha filha. Que ela insistiu pra gente bater de frente. Eu não queria participar, ela falou: “Não, vamos participar.” 1917. Participamos com o “Kibertadela”. Ganhamos em primeiro lugar, com o “Kibetardela”.
R2 – 2017.
R1 – 2017. 2018 participamos de novo. Ganhamos com o “Carga Pesada”. 2019 participamos de novo, ganhamos de novo com o “Pilãozinho Caipira”. E ainda fomos disputar o nacional, em São Paulo.
R2 – E a gente passou várias etapas, já.
R1 – Três dias de competição, né? Nós ficamos três dias lá. E seiscentos bares do estado. Ganhamos em segundo lugar do Brasil. E estamos até hoje, trabalhando no mesmo esquema.
P1 – Que bacana! E como que foi pro senhor ganhar esse prêmio, né?
R1 – Pra mim não foi tanto, eu fiquei mais contente de ver a satisfação da minha filha. Minha filha eu adoro.
P2 – E quantos filhos o senhor tem? Só ela?
R1 – Só ela. Não dei conta de fazer outros, não dava tempo.
P2 – Não dá tempo. (risos)
R1 – Mas é bom.
R2 – Ó, licença. O Comida Di Buteco, pra gente, é um marco divisório.
P2 – Sim.
R2 – Eu ouvi o senhor perguntando sobre como é conquistar um cliente, né? Deixa eu só dar uma viradinha, pra dar uma enquadrada aqui. Como é a questão de conquistar cliente. Cliente se conquista com amor e muito respeito. Né? É respeito na hora de você escolher o ingrediente. É amor na hora de você cozinhar. Na hora de você fazer o preço. Não adianta você fazer um preço abusivo e aí você não vai ter pra quem vender, né? Então, você precisa pautar a tua venda e o teu trabalho sempre na questão do respeito e da qualificação. Então, quando você respeita o outro, o outro percebe o carinho que a gente tem por ele e isso volta pra gente também, entendeu? E pra gente é base, isso. E o Comida Di Buteco veio numa época muito difícil pra gente, porque a gente era um bar que tinha muito… um movimento extremo. Que a gente fazia música ao vivo. Só que, naquela época, né, não tinha aquela questão de…
R1 – ... barulho.
R2 – Daquela coisa, da Lei do Silêncio, aquelas coisas, né? E, quando surgiu aquele negócio da Lei do Silêncio, os vizinhos começaram a se incomodar com a questão do barulho que fazia o bar. Não que eles estivessem errados. Se é a lei, a lei tem que ser cumprida, né? Só que, pra gente, a gente gosta do barulho, né? A gente gosta do cliente, a gente gosta disso. Mas o vizinho se incomodou.
R1 – E denunciou.
R2 – E denunciou a gente, né? E a gente foi… chegou numa situação tão grande, que a gente… se o senhor ligasse um celular aqui, a gente tinha que pedir pra você desligar, porque era vizinho que pedia, chegava a escutar o barulho. Televisão não podia ligar, né? Tanto que, na Copa… foi Copa, né, pai?
R1 – Copa.
R2 – A gente colocou a televisão…
R1 – ... na rua.
R2 – Do outro lado da calçada é a casa do meu pai. Então, a gente improvisou uma cabaninha lá e colocou a televisão lá, pra não falar que foi no bar, né? Jeitinho brasileiro, sabe como é que é.
R1 – E doze garçons. Três escolas de samba. Parava uma, começava a outra.
R2 – Fechamos a rua.
R1 – Fechamos a rua. Por nossa conta, viu?
R2 – É. Só que, assim, você precisa seguir uma lei, né, então, quando o… a gente não tem, assim, eu não tenho nada a reclamar do fiscal também, porque…
R1 – ... é o trabalho dele.
R2 – Com a mentalidade que a gente tem hoje, quanto mais fiscalizado você é…
R1 – ... melhor é.
R2 – ... mais você vai aprender a fazer o correto. Você não pode virar a cara pra fiscalização, entendeu? Você tem que… assim, olha, se ele está me ensinando assim, é alguma coisa que eu não sabia, então eu vou aprender a fazer o correto, né? E a gente veio nessa. E chegou numa época que ficou assim: ou se adequa, ou fecha o bar. O bar, pra mim, pro meu pai, pra minha família, né, é a nossa vida. É o nosso coração. Nosso coração bate ali. E eu falei: “Pai, a gente não é bandido, a gente não é nada, a gente é trabalhador. Só que a gente também não tem dinheiro. A gente não tem dinheiro pra poder fazer as coisas”. Só que você não tem dinheiro, mas você tem estoque. Então, vamos vender estoque, vamos trabalhar mais ainda e vamos fazer a reforma. Então, o que era a reforma? Era você colocar acústica no bar, né? Então, antigamente, não sei como chama aquela telha. É zinco que fala?
R1 – É “telha sanduíche”.
R2 – Não, antigamente.
R1 – Antigamente era “telha galvanizada”.
R2 – “Galvanizada”.
R1 – A cobertura, aqui.
R2 – Então, a gente teve que trocar aquilo lá e colocar a telha sanduíche. E o fiscal falava pra gente assim: “Olha, eu quero telha sanduíche de três milímetros”.
R1 – Cinco milímetros.
R2 – Três, na época. A gente colocou de cinco.
R1 – Cinco milímetros.
R2 – Não precisa… colocamos lã de vidro.
R1 – Colocamos lã de vidro de dois milímetros e meio.
R2 – Tudo que ele falava que ele queria um pouquinho, fazia um pouquinho a mais.
R1 – Um pouquinho a mais.
R2 – Pra ficar com uma qualidade, pra não ter o que reclamar, né?
R1 – Vidro de dez milímetros.
R2 – É. E a gente foi sempre fazendo assim: um pouco a mais, um pouco a mais…
R1 – No final, gastamos cento e quarenta e seis mil reais.
P2 – Uau!
R1 – Desses cento e quarenta e seis mil reais, sabe o que eu tinha? Eu tinha quatrocentas e cinquenta caixas de cerveja guardadas.
R2 – É.
R1 – Aí não deu pra nada, né? Aí é que eu comecei. Minha filha é funcionária pública. Fazia empréstimo no nome dela. Estourei o cartão dela. Estourei o nome da minha mulher. Estourei a família inteira, mas graças a Deus já paguei todo o mundo, né? Mas fizemos. Em trinta e três dias fizemos as coisas.
R2 – Aí foi onde eu falo assim: “Quando Deus… quando alguma coisa acontece, que fecha um espaço pra você, fecha uma janela, uma porta, Deus vem e coloca a mão”. Eu lembro que, na época que a gente fazia música ao vivo, a gente correu pra fazer… pedir autorização, abaixo-assinado, sabe? E a maioria dos vizinhos falava assim pro meu pai: “Você não precisa perguntar o porquê. Eu vou assinar”. Desse jeito, os vizinhos falavam pro meu pai.
R1 – Até hoje. Até hoje.
R2 – Porém, dois vizinhos não assinaram, né? E um deles falou pra gente assim: “Por mim você pode quebrar. Eu não quero nem saber. Isso está me perturbando.” Eu falei: “Ô, fica em paz, viu?” (risos) Igual meu pai. A gente tem que fazer o bem sempre. Uma semana antes, tinham roubado o caminhão do genro dele. E como o bar tem câmera, né? A gente cedeu a...
R1 – ... a imagem.
R2 – ... a imagem, pra ele tentar recuperar o caminhão dele.
R1 – Recuperou.
R2 – Recuperou, tudo. E ainda assim agiu desse jeito. Magoou o nosso coração. Mas hoje a gente fala assim: “É vida que segue, a gente tem que trabalhar e não pode olhar pra trás”.
R1 – Eu falo pra minha filha assim: “Quando a pessoa te ofende, a trato melhor ainda. A maior surra que tem é o carinho. O cara te maltrata, tem que agradá-lo. É melhor do que você xingá-lo, tudo”.
P2 – É verdade.
R2 – E aí a gente fez essa adequação. A gente pode funcionar com música ao vivo dentro do bar, com todas as normas da acústica, do jeito que tem que fazer lá, né, do fiscal lá, do meio ambiente. Nossa, a gente tem muito carinho por eles, porque teve uma paciência enorme com a gente, também.
R1 – Ó.
R2 – E hoje, a gente, enfim, chegou numa época, que eu também sou professora e a gente chegava, eu cheguei no bar, estava minha mãe, meu pai, meu marido, sentados lá, falando que não tinha entrado ninguém no bar. Depois que o bar reformou, o bar ficou um bar muito bonito, né?
R1 – Chique, né?
R2 – Ficou chique, o povo passava… não que ele é chique, mas o povo…
R1 – Ar-condicionado, vidro…
R2 – ... olhava e falava: “Nossa, aí vai ser tudo caro.” Só que a gente era a mesma pessoa que estava ali dentro, né? Só que as pessoas não olhavam isso. E eu falei: “Pai, a gente…” - porque tudo que é novo assustava as pessoas naquela situação, né, não estava acostumado com aquilo - “se a gente não consegue vender pras pessoas que estão aqui, a gente precisa buscar novos clientes.” Né? Mas aí, como buscar novos clientes, né? Aí quando foi um dia, foi assim: um dia eu cheguei da escola, estava todo o mundo sentadinho lá, conforme eu comentei pro senhor agora e eu falei: “Nossa, mas que coisa!” Eu dava aula à noite. E sentou mais eu lá, pra ficar meio que sem entender, buscando solução, né? Quando de repente chega um carro que era o pessoal da Comida Di Buteco, só que a gente não conhecia, achou que era cliente. Até brinquei com o pai: “Ó lá pai, dei sorte, chegou cliente”, né? Mas não era, era o pessoal da Comida Di Buteco, oferecendo pra… falando que a gente tinha sido…
R1 – ... escolhido.
R2 – ... indicado, né, pelos clientes, pra poder participar desse Comida Di Buteco. Só que meu pai ficou assim, falava assim: “Ah, eu acho que não vai dar certo, não”. A gente não acreditava na gente. Sabe? Quando você tem medo de… o Comida Di Buteco é uma coisa grandiosa demais pra gente. E a gente tinha medo de participar.
P2 – Quem que criava as comidas de boteco aí do bar de vocês?
R2 – Então, aí, o primeiro ano, a gente tinha que escolher um prato, fazer um prato que tivesse cereal. Ela explicou direitinho pra gente como é que era, né?
R1 – Tinha que ter cereal o prato.
R2 – A gente foi muito bem assessorado pela Comida Di Buteco. Mas a gente tinha que criar um prato nosso. Não podia ser alguma coisa que era copiada, né? E meu pai, antigamente, fazia uma bolinha de carne que, nossa, vinha gente de longe pra comer essa bolinha de carne. E eu perguntei pra minha mãe, né, na época já com setenta e alguma coisa, né, a mãe estava, né, se ela sabia fazer kibe. Ó minha inocência, né? Se a mãe sabia fazer kibe. E ela falou: “Lógico que eu sei, fia. Sei fazer kibe, sim.” Falei: “Mãe, vamos juntar o tempero da bolinha de carne do pai, que vai cair muito bem, né, no…
R1 – ... kibe.
R2 – ... kibe e vamos ver como é que faz, né? Vamos ver… vamos fazer ‘negócio’ de kibe”. E tá, fomos fazer ‘negócio de kibe’.
R1 – E a gente não estava pensando em ganhar a Comida Di Buteco, não.
R2 – Não, a gente estava pensando em fazer o kibe. Fazer o kibe.
R1 – Nós estávamos mais preocupados em participar da Comida Di Buteco.
R2 – Pra poder atrair gente.
R1 – Atrair gente.
R2 – Ó, você não paga nada, ainda tem um monte de propaganda…
R1 – Jornal de graça, você não paga.
R2 – Tudo de graça.
R1 – A divulgação é muito grande.
R2 – É, a gente estava pensando na divulgação. Nem acreditava que a gente podia ganhar. Eu assistia muito… sabe aqueles programas da madrugada? Que aparece o povo chique da cidade, que sempre vai num país ou no outro, sabe esses programas assim? E lá sempre falava do Mercadão, que lá tinha …
R1 – ... pastel. Pastel, até o Maluf vai comer lá.
R2 – Não, um sanduíche de mortadela, no Mercadão lá de São Paulo.
R1 – Mercado Municipal.
R2 – E falava que nesses países de fora aí, tipo nas “Europas” da vida, nesses lugares chiques aí, mortadela era prato chique. E eu falei: “Espera aí.” Lá na escola, quando a gente vai fazer uma reunião ou alguma coisa, é pão com mortadela e todo o mundo ó, plissssssss. Eu, desde criança, gosto de pão com mortadela. E lá pra esses lados era chique e no Mercadão tem uns negócios… é a mortadela que vai.
R1 – No kibe.
R2 - Escolhemos colocar o recheio da mortadela. Minha mãe falou: “Mortadela?” e eu falei: “É, mãe, mortadela! Vamos colocar a mortadela”. Aí eu já juntei o nome: kibe, mortadela: “Kibetardela”, né? Aí já piquei a mortadela lá, a mãe tinha feito o kibe e eu já recheei. Tinha uns clientes ali no bar, né? Tinha um pouquinho de cliente naquele dia. Eu já fiz umas bolinhas, uns kibinhos pequenos, assim, já servi pra eles, pra ver o que que eles achavam, né?
R1 – Qual era a reação.
R2 – Qual que era a reação. Mas não servi igual. Servi normal, assim, o kibe. Não servi num prato todo ajeitado, não. Servi normal. E todo o mundo gostou do kibe. E nós tínhamos que entregar a receita mesmo, né? Falei: “Mãe, é isso mesmo. Vamos nesse negócio de kibe, né?” E a gente viu o cardápio do povo, rapaz do céu! Tudo aqueles cardápios chiques e a gente com “Kibertardela”: O kibe com mortadela. Falei: “Ah, mas pelo menos a gente vai ganhar a propaganda.”
R1 – E quando nós fomos levar o prato lá, na televisão, na TV Rio Preto, todos os concorrentes estavam lá também, né? Teve uns dos concorrentes que comeu o kibe, falou: “O campeão está aí, ó.”
P2 – Ah, é? (risos)
R1 – Estavam tudo junto: “O campeão está aqui, ó!”
P2 – Onde foi o concurso?
R2 – Na TV Rio Preto, esse daí.
R1 – Foi na TV Rio Preto.
R2 – Essa entrevista. Mas, tipo assim, no decorrer do concurso, a gente, tipo assim, achou que ia vir um monte de gente. Mas não vieram também um moooooonte de gente. Foi indo devagar, porque o concurso tem uns dias pra poder… aí a gente começou... um dia vinha um pouquinho de gente, outro dia vinha mais um pouquinho, outro dia vinha mais um pouquinho ainda. E aí a gente já começou a ficar feliz!
R1 – Chegamos a fechar a rua.
R2 – Nossa, foi muito gostoso.
R1 – Quarenta e cinco jogos de mesa. Na rua, no meio da rua.
R2 – E a aprendizagem que o Comida Di Buteco dá… é um… nossa, é fantástico.
R1 – Ele orienta. Ele orienta muito a gente.
R2 – Só pro senhor ter ideia: até hoje, dentro do bar… até hoje não, por conta da pandemia, né? Mas até, assim, pós-pandemia, ali, né, nesse marco aí, a gente atendia o cliente pensando no Comida Di Buteco, independentemente de ter jurado ou não. Por conta que… o banheiro ele é olhado… a gente tem um pago para olhar o banheiro. Então, vai um garçom, olha o banheiro.
R1 – A cada dez minutos, vai um.
R2 – Passa um tempinho, vai outro. Aí passa um tempinho, vai eu. Passa um tempinho, vai meu pai. Revezamento, limpeza…
R1 – Fantástico. Se não está no bar, você não está participando, mas tem gente te julgando.
R2 – Temperatura da cerveja…
R1 – A parte do banheiro é a mais exigente.
R2 – É fantástico. O concurso do Comida Di Buteco é fantástico. Ele te dá uma visão que, olha…
R1 – Sabonete, álcool em gel. Tinha que ter tudo.
R2 – Álcool em gel, hoje pede tanto álcool em gel, né? Eu já colocava álcool em gel desde o início do Comida Di Buteco.
P2 – Sei. E foi mudando os clientes? E aí começou a chegar de todo o lado, de Rio Preto?
R1 – Veio gente de Curitiba, aqui, pra conhecer o bar.
R2 – A gente já teve até cliente de outro país.
R1 – Da França, vem aqui... os caras que trabalham, tem a Avenida França, quando vem, quer conhecer esse Bar do Cidinho. Quando nós fomos vice-campeões nacional, nós estávamos lá em…
P2 – São Paulo?
R1 – ... São Paulo, no hotel lá, não tinha nem saído o resultado, ainda. Um amigo meu estava no Japão e ligou, falou: “Tô aqui e estou torcendo por vocês, viu?” Lá do Japão.
R2 – É.
R1 – Muita divulgação.
R2 – É muito grande. Só que a gente não tem… é tudo muito grande, pra quem é muito pequenininho que nem a gente, né? Pra gente, a gente assusta, né, porque é uma mídia muito grande. Nossa, mas é fantástico. Eu sou apaixonada no Comida Di Buteco. E sou apaixonada pelo boteco, também.
P2 – Sim. Esse concurso de São Paulo aí, saiu na televisão de outras cidades também, né? De outros lugares.
R2 – É, do Brasil inteiro.
R1 – Do Brasil inteiro.
R2 – Esse concurso acontece assim…
R1 – Ele nasceu em Uberaba.
R2 – Ele é regional. Ele tem uma fase regional e aí, vamos supor, se você ganha na sua cidade, você concorre ao nacional, né? Aí, no nacional vem três jurados de qualquer lugar do Brasil, sendo que um é dali da cidade e dois de fora. Aí ele vem te julgar aqui. E quando você vai lá, você vai só pra poder fazer a premiação. Então, você tem que levar o teu petisco pra festa, né? Então, a gente faz, no caso do kibe, nós levamos oitocentos kibes pra lá.
R1 – São Paulo.
R2 – Tudo congelado, bonitinho, né, armazenado, levamos lá, foi no Rio de Janeiro, o kibe. E o do “Carga Pesada” e do “Pilãozinho Caipira” foi em São Paulo. Você leva o seu petisco e aí lá tem a premiação. Você o frita lá, é muito bonito.
R1 – Os convidados são da Globo. Mil e quinhentos convidados.
R2 – Um povo bonito.
R1 – Todo o mundo com pulseira de identificação. Todo o mundo. Até a gente, pra entrar, tem que se identificar.
R2 – Eu lembro que, no concurso do kibe, foi lá no Rio de Janeiro. Menino, nunca vi um lugar tão grande na vida. A moça falou assim pra mim…
R1 – Muito chique.
R2 – “Ó, você não pode sair da cozinha, viu?” Você está com o avental, que não pode sair da cozinha com aquele avental. Menino, só que aí eu esqueci. Eu até desci andar. E eu falei: “Nossa!” E aí ficou meu marido e minha mãe fritando os kibes e eu e o pai…
R1 – ... entregando a mesa.
R2 – ... montando nos pratinhos. E eu falei: “Nossa, eu saí da cozinha!” Ela falou: “Não, você está na cozinha ainda.”
R1 – Sabe quantos garçons tinha lá, pra atender o povo?
R2 – Muitos.
R1 – Cento e vinte garçons.
R2 – Muito, muito bonito.
R1 – Nós enchíamos a mesa, assim, você olhava pra trás, não tinha mais nada. O garçom já tinha pegado tudo.
R2 – É, foi muito bonito.
R1 – Muito bonito.
R2 – Nossa!
P2 – Aí depois que vocês voltaram desse festival aí, desse concurso, aí em Rio Preto estourou, né, ficou famoso?
R1 – Estourou. Até hoje, lá.
R2 – A gente colhe frutos do Comida Di Buteco até hoje. A graça de Deus!
P2 – Voltou a música ao vivo agora?
R2 – Hoje? Na pandemia?
P2 – Não, hoje… por causa da pandemia. Mas aí pôde voltar a tocar?
R2 – Ah, aí a gente já tinha acústica, né?
R1 – Já tinha acústica.
R2 – Aí a gente pôde.
R1 – Tinha dia que nós… dia de domingo nós íamos até seis horas da manhã.
P2 – Olha!
R1 – Não saía o barulho.
R2 – Não saía o barulho, então a gente podia fazer.
P2 – E abre de que dia a que dia, o bar?
R1 – Segunda-feira a segunda-feira.
P2 – Segunda-feira a segunda-feira?
R1 – Segunda-feira a segunda-feira.
P2 – Então, quando eu fui no Sesc aí, a gente estava falando do projeto Memórias do Comércio, o pessoal do Sesc falou: “Você tem que ir nesse bar, no Bar do Cidinho. Você tem que ir lá”. Então, já ficou… já tinha sido esses concursos, já estava famoso, já.
R1 – A Grazi, é. Foi a Grazi que falou com o senhor?
R2 – A Grazi Nunes?
R1 – Foi ela que falou?
P2 – Ah, foi ela. Foi ela mesmo.
R2 – Ah, maravilhosa.
P2 – Agora ela mudou pra São...
R1 – Ah, é. Ela é minha puxa-saco. Pode estar errado, ela fala que está certo. (risos)
R2 – Ela é maravilhosa. Ela, o Sílvio. Todos maravilhosos.
P2 – Ela mudou agora.
P1 – Helena, e você sempre ajudou seu pai, sua mãe, no bar? De onde que começou essa paixão? Que eu vejo que você tem uma verdadeira paixão, mesmo, em continuar o legado do seu pai no bar. Como é que começou isso?
R2 – Eu comecei dando muito trabalho pro meu pai. Comia todo o chocolate que ele punha…
P2 – ... pra vender.
R2 – Se tinha chocolate, eu comia tudo.
R1 – Falava que ela ia arrumar o balcão, né? E a mãe dela: “Você não viu o chocolate, é papel, a menina está comendo o chocolate”. Como que eu sou filho de comerciante, nós éramos em onze irmãos, meu pai nunca regulou nada pra gente, né? Meu pai falava... às vezes minha madrasta vinha falar alguma coisa: “Já, já não vai um mês e para. Não fica enchendo o saco do moleque não, deixa o moleque fazer as coisas dele”. Inventaram de arrumar um garçom pra comer chocolate, arrumaram… mesma coisa minha filha, minha mulher vem falar: “Ah, chocolate…” “Deixa a menina comer, pelo amor de Deus. Não fala nada. Não dá uma semana, para.” Depois, verdade, comeu, parou, enjoou.
R2 – É. (risos) Eu enjoei. Vai acostumando, assim: nunca tinha visto tanto doce na vida, eu era criança. Mas eu, sempre, desde criança, eu ajudei meu pai a servir…
R1 – Eu nunca falei pra ela: “Não come”, ou “Come”, nada. “Fica à vontade. A boca é sua”.
R2 – Eu varria o bar. Eu brincava no bar.
R1 – Até hoje.
R2 – Era muito gostoso.
R1 – Brincar, nós brincamos até hoje, no bar.
R2 – É. Andava de bicicletinha no bar, servia...
P2 – E vocês chegaram a fazer propaganda na rádio, fazer panfleto?
R1 – Faço. Eu faço na Kboing. Faço na Kboing.
R2 – Faz na Kboing.
P2 – O que é isso?
R2 – É uma rádio.
R1 – É uma rádio de rock, aqui.
R2 – O rock chegou pra gente por causa do meu marido, que gosta muito de rock, né?
P2 – Sei.
R2 – E ele falou: “Não, faz coisa de rock, aí, propaganda de rock,” né? E a gente não tinha muito essas ideias de propagandas, porque o Comida Di Buteco fazia bastante propaganda pra gente também, né?
R1 – O jornal.
R2 – Mas todo o mundo falava dessa…
R1 – ...Kboing.
R2 – ... Kboing, né? Aí a gente começou a fazer propaganda na Kboing, que é muito boa também, por conta que sempre vem alguém e fala pra gente: “Ó, ouvi você na Kboing!” e aí a gente fica feliz.
R1 – Muito freguês vem e fala: “Tô aqui, a Kboing que me trouxe aqui”. É muito, muito bom*, né? Dá retorno e muito retorno.
P2 – É o pessoal que ouve rock, então, né, agora?
R1 – As pessoas com dinheiro, que vêm pra gastar, né?
R2 – É. Aí a gente, durante o percurso do bar, passou por vários gêneros musicais, né? Eu falo que a linguagem da música é uma linguagem que chega no coração de todos. A gente já tocou samba, a gente já… samba-raiz, maravilhoso.
R1 – Pagode, pagode.
R2 – A gente já tocou pagode. Por fim…
R1 – Sertanejo.
R2 – ... os nossos clientes pedem mais... hoje, eu quero dizer, antes da pandemia, pediam mais rock e MPB. Foi quando a gente conheceu o Luís Dillah, que é maravilhoso, também. Vocês o conheceram, já? O Luís Dillah?
P2 – Não. Quem que é?
R2 – Músico, nossa, ele é maravilhoso. Ele gravou um CD com o Zeca Baleiro.
P2 – Ah…
R2 – Ele é uma pessoa maravilhosa. Ele vinha tocar aqui pra gente.
R1 – Quando esse Luís Dillah vinha cantar aqui, ele começava às nove horas da manhã e ia até às seis da manhã.
P2 – Nossa!
R1 – Ia até às seis horas da manhã. Ele canta, ele é apaixonado pela música. Ele não para de cantar.
R2 – Ele é.
R1 – Ele vira a noite, vira a noite.
R2 – A gente via o sol nascer, com ele.
R1 – Várias vezes.
R2 – Os clientes iam embora, né e a gente fica lá conversando. Muito bom.
P2 – E no carnaval? Aí vocês chamam o bloco pra tocar aí na frente, na rua, ou não?
R1 – A Grazi, a Grazi fez o aniversário de carnaval dela, aqui.
R2 – Ah, é.
R1 – A Grazi fez o aniversário dela de carnaval, aqui. Todo o mundo fantasiado, inclusive eu e minha filha.
R2 – Eu fui de Chiquinha e o pai foi de Chaves.
P2 – Ah, é?
R2 – Foi maravilhoso.
P1 – Ah, eu quero foto! (risos)
R2 – E a Grazi também estava muito bonita. Estava com uma roupa dourada, assim, muito bonita. E foi uma alegria muito grande.
R1 – Foi.
R2 – Todo o mundo feliz, todo o mundo sorrindo.
R1 – Todo o mundo contente. Gostoso. Aquele dia também foi até as quatro horas da manhã.
P1 – Qual que é a época que o senhor mais gosta, assim: é carnaval, é Natal? Qual é a época que vocês mais gostam aí, mais?
R1 – Ah, eu gosto do barulho. Tendo, fazendo barulho, pra mim tá bom. Eu só não gosto de silêncio. Caminhoneiro há trinta e seis anos, eu nunca gostei de silêncio. Dá um desespero, silêncio. Hora que eu abro o bar de manhã cedo, eu abro o bar, eu ligo a televisão, ligo o rádio, ligo tudo de uma vez. Eu gosto do barulho. Não gosto de silêncio.
P2 – Sei, sei. E Rio Preto faz frio, né?
R1 – Calor demais, calor demais.
P2 – Tem cidade que, quando chega no inverno, o pessoal para de ir no bar. Aí não tem isso, né, em Rio Preto?
R2 – Não.
R1 – Está muito quente.
R2 – Não tem, não. É a graça de Deus.
R1 – Graças a Deus, o povo gosta.
R2 – Na pandemia, o povo falava pra gente que estava com muitas saudades do meu pai e do bar.
P2 – Claro, ninguém se encontra mais, né? E o que vocês sentiram, quando ficaram sabendo desse vírus e que ia ter que fechar o bar? Fechar, não, né? Vocês podem entregar comida, talvez.
R1 – É o que nós estamos fazendo.
R2 – Primeiramente, o primeiro impacto é a questão do desespero: “Rapaz do céu, que vírus doido é esse, a gente tem que usar máscara”, uma coisa que você nunca passou, né? Então, é muito desesperador pra gente.
R1 – E a fiscalização em cima.
R2 – E aí você tem que pôr a sua cabeça no lugar e se reinventar. A gente não pode parar e ficar no desespero, entendeu? Você tem que pôr a sua cabeça pra funcionar e se reinventar. No nosso caso, a gente trabalhava mais à noite, da tarde pra noite, né? E eu falei: “Pai, vamos colocar marmita. Vamos vender marmita.”
R1 – E estamos até hoje vendendo marmita.
R2 – E estamos até hoje vendendo marmita. E o povo gostando da marmita. Cada dia mais, tendo cliente novo com a marmita. E a gente foi se reinventar, porque você não pode ficar parado.
P2 – E vocês entregam? Como que faz isso?
R2 – Entregamos.
R1 – Eu entrego.
R2 – O pai…
P1 – Eu que entrego.
R2 – O pai entrega. Quando eu tô aqui com ele, eu vou junto.
P2 – O que vocês usam pra fazer as vendas? É Facebook, Instagram, Whatsapp? Como é que é?
R1 – Tudo.
R2 – Ó, hoje, vou ser bem sincera: a gente usa mais a questão, a rádio, ela anuncia a gente, publica a gente. A fama do Comida Di Buteco ajudou muito, ajuda até hoje. As pessoas procuram o bar por conta do Comida Di Buteco, pela confiança que têm no nosso trabalho também. O boca-a-boca, o Whatsapp e o Facebook e o Instagram a gente até divulga, mas eu peco muito nisso, poderia utilizar muito mais essa ferramenta, que é uma ferramenta muito rica.
P2 – E também tem gente que liga aí no bar, pra pedir?
R2 – Oi?
P2 – Liga no telefone?
R2 – Liga. Liga, tem… ah, tem o iFood, também.
P2 – Ah, ele entrega pra você?
R2 – E às vezes meu marido entrega também, quando é longe, muito longe assim, a gente tem uma caixinha de entrega, sabe? E meu marido tem uma moto, aí ele leva pras pessoas, quando ele está aqui, à noite.
P2 – Eu lembro que, quando eu fui aí, foi quinze dias, vinte dias antes de começar a pandemia, quando eu fui no bar de vocês aí. Aí teve um período que ficou fechado, né? Aí, depois a prefeitura deixou abrir de novo, vocês abriram? Como é que foi?
R1 – Abrimos.
R2 – Foi. A gente sempre seguiu… foi um desespero, também. A gente sempre…
P2 – A regra…
R2 – Todas as regras da prefeitura, tudo, né? Só que, quando abriu, as pessoas estavam com muita vontade de vir no bar. Extrema vontade. Então, as pessoas começaram a chegar… a gente montou a mesa com distanciamento de dois metros e meio. Na época eram seis cadeiras que podia colocar. Aí a gente colocou. Só que a gente não conseguia.
R1 - ... segurar o povo.
R2 - Começou a encher de gente.
R1 – Fechou a rua.
R2 – Fechou a rua. Não conseguia passar gente.
R1 – Nem a fresta passava.
R2 – Aí, pra gente não ficou bom, né, a situação. Só que aí veio a Vigilância, né e eles viram... pediram pra todo o mundo ir embora, só que eles viram o nosso esforço, de dizer que… de não atender quem estava em pé. Só que as pessoas traziam cooler, pediam comida de fora, porque quem ficava em pé a gente não servia, eles queriam comer, mas eles queriam comer aqui na frente. Então, foi uma loucura. Mas aí, conforme o tempo foi passando, você vai orientando o cliente. Você fala: “Ó, precisa de máscara. Ó, precisa disso, precisa daquilo”.
R1 – Aquele que não tem, a gente não serve.
R2 – “Ó, cadê sua máscara? Deixa eu ver sua máscara. Deixa eu ver. Vai no banheiro, precisa colocar máscara” e sempre mantendo… eu coloquei até umas faixinhas na calçada na época, que podia né, pra poder separar, assim: num espaço eu colocava, noutro espaço, não. Não podia ter ninguém naquele espaço. Se alguém chegasse ali, a gente já falava: “Ó, não pode”. Então, você já faz um pouco do papel da Bruxa Keka, mas a Bruxa Keka do bem, né? Pra cuidar da pessoa.
P2 – Sim. É.
R2 – E a gente foi trabalhando assim.
P2 – E tem outra história de vocês aí, que o pessoal do Sesc contou pra mim, do Sesc aí de Ribeirão… de Rio Preto…
R2 – Rio Preto.
P2 – Que vocês, é… o pessoal que é de esquerda em…
R1 – Eu sou petista.
P2 – Vai aí. É verdade?
R1 – E tenho muito orgulho de ser petista. Tô adorando a liberdade do Lula.
R2 – Somos. Somos petistas.
P2 – Do pessoal do Lula, do pessoal…
R2 – Lula em 2022. Lula, presidente da República em 2022.
R1 – Somos petistas de coração.
R2 – Lula.
P2 – Sim. E de onde veio… desde a época do…
R2 – Espera aí. Oi? Cortou um pouco.
P2 – Ah, é. É que de vez em quando dá um cortinho, aqui. E de onde vem o gosto de vocês pelo PT? É desde a época do caminhão?
R1 – Ah, não, eu vou te explicar, vou te explicar. Eu era motorista de caminhão, eu fazia o nordeste. Na cidade que o Lula nasceu, em Garanhuns, eu carregava aqui em Araçatuba, carne seca. Começava fazendo entrega em Garanhuns, terminava em Recife, supermercado Bom Preço. O Lula, eu comecei em oitenta e nove, comecei no negócio de política, né? “Lula, mas é comunista”, cada um falava uma coisa e, dentro de mim, eu pensava: se esse homem pegar o poder na mão um dia e não fizer nada pro povo, nem Cristo faz, que a pobreza é exagerada. Não adianta falar. A pessoa tem que ver, pra compreender. Se o cara passar por aquilo e não fizer nada pro povo, ninguém faz. Toda vez que ele é candidato de novo, toda vez eu voto nele. Até ganhar. Eu voto de novo.
P2 – Agora deu certo, ele foi… acabou os processos, lá.
R2 – É.
R1 – Acabou! Se Deus quiser, em 2022, se o senhor vier aqui, vai ver na minha parede a foto do Lula, do tamanho da parede.
P2 – Tá certo. E aí o pessoal vai aí e faz reunião, o pessoal que é de esquerda?
R1 – Faz, nossa! O dia que sair a prisão do Lula, o bar vai estar lotadinho de gente.
P2 – (risos) Sei.
R1 – Vai lotar de gente. Muita gente. O povo sabe que eu sou petista, né? O único bar petista de Rio Preto aqui sou eu.
P2 – É?
R1 – Pode ter muitos, mas o povo tem vergonha de falar o que é, né? Eu, não. Eu tenho orgulho de falar que eu sou petista.
R2 – Mas, ó. Tem lógica. Porque, quando eu era criança, a gente tinha uma vida mais regrada, né, no sentido financeiro. E eu lembro que eu ganhava presente no dia do aniversário, ganhava presente no dia do Natal, assim como roupa nova, né? Era sempre nessas datas. Uma data importante, que ganhava roupa nova.
R1 – E eu tenho outra história do Lula pra falar.
R2 – E, menino, depois que o Lula foi… ihhhhhhhh, comprei muita roupa, muito sapato, muita coisa! Agora voltou a crise de novo, você viu? Pagou as dívidas, agora voltou tudo de novo.
R1 – Quando o Lula entrou, no primeiro ano da presidência da República dele, que ele entrou, eu pagava aluguel de onde eu trabalho, pagava aluguel da casa onde eu morava… hoje a casa que eu moro é minha, o bar onde eu trabalho é meu, a casa onde minha filha mora é minha. Graças aos doze anos de PT. Tudo comprado aqui dentro. Não ganhei na loteria, não, derramei foi suor, né?
R2 – Quer dizer: toda vez que foi direita, a gente sofreu muito.
R1 – Sofre muito, bastante.
R2 – E quando foi o PT, a gente conseguiu comprar coisa. Agora, ó, Centrão, o que acontece? Ó a gente sofrendo de novo.
R1 – O Rui Falcão…
R2 – Ó a gente sofrendo de novo!
R1 – O Rui Falcão veio aqui conhecer o bar. Conhece o Rui Falcão, deputado?
P2 – Sim, conheço.
P1 – Conheço.
R1 – Ele veio aqui conhecer o bar.
P2 – Ah, é?
R1 – O João Paulo Rillo o trouxe aqui.
P2 – Ah, que legal.
R1 – Conhece João Paulo Rillo?
P1 – Conheço.
P2 – Não, esse não.
R1 – Era deputado estadual. Hoje é vereador de Rio Preto. Pai dele é o Marco Rillo, petista roxo também.
P2 – Sim. Que bom.
R2 – A gente gosta muito do PT.
P2 – Viu, e nas contas, como é que fica aí? A contabilidade, pra saber o que tem que comprar, onde comprar mais barato. Quem é que administra tudo?
R2 – Ó, hoje tem computador no bar, também.
R1 – Tem computador, tem tudo…
R2 – Tem computador no bar.
R1 – ... mas eu gosto do boca-a-boca. Eu vou, ligo pra um, ligo pra um… igual, semana passada fui comprar pancetta, no mercado estava vinte e cinco e sessenta o quilo. Eu comprei a mesma pancetta por dezessete reais o quilo.
P2 – Ó.
R1 – É.
R2 – A gente, hoje, tem computador no bar. Mas a...
R1 – Se eu ponho a mão nessa cabecinha aqui, no dia que eu passar, tem que fazer.
P2 – Sim.
R1 – Senão, não sei por que não aprende. Onde eu vou, eu a levo.
R2 – ... gente consegue ver, assim, do quanto que a gente vendeu, né? Assim, eu posso pegar um relatório do começo do ano até hoje, ou do ano passado até hoje, pra saber quanto que a gente vendeu, né?
P2 – Sim.
R2 – E a gente vai pesquisando preços… sempre tem um Whatsapp que fala: “Ó, tem lugar barato!” e você já vai e dá uma pesquisada nos mercados, também.
P2 – Correr atrás.
R2 – A gente não precisa fazer muito estoque, porque a gente tem mercados grandes aqui perto. Tem o Muffato, tem Porecatu, tem Atacadão, tudo muito próximo da gente, pra não ter que ter muito estoque, pra estar com o produto velho, tem produto novinho.
R1 – Não tem necessidade de estar comprando todo dia, né?
R2 – Todo dia a gente pode comprar.
R1 – Que antigamente a gente comprava bastante, que você comprava hoje um preço; amanhã é mais caro. Hoje é ao contrário: você compra hoje e amanhã está mais barato.
P2 – Sim.
R2 – Sim, é. Hoje, não tanto. Hoje, com a pandemia, não tanto. Hoje está mais caro as coisas. Mas…
R1 – Mas de tudo isso aqui do bairro, eu tenho uma lembrança muito grande: eu devendo pra caramba, não tinha mais cartão de quem que eu ia estourar, mais: da minha mulher, da minha “fia”. Aí nós precisávamos de vinte mil reais, né? Vinte mil reais. Nossa, será que vai, será que não vai? Mudou uma senhora de Londrina, na frente do bar. E aí ela veio no bar pra comprar não sei o quê. E eis que tô eu e minha filha conversando, ela foi embora. Aí voltou na casa dela, com o documento do carro dela, um Honda: “Tome o dinheiro é seu, o carro é seu”. Um bocado de carro na garagem. Ela nunca tinha me visto.
R2 – É, isso foi quando a gente foi fazer a reforma. Pra ajudar a gente na reforma, ela fez isso. Ela deu o carro da gente pra gente financiar…
R1 – O carro dela…
R2 – ... refinanciar, né? E depois passou o carro pro nosso nome, depois a gente voltou o carro pro nome dela.
P2 – Sei.
R1 – Nunca tinha me visto. Morava em Londrina.
R2 – É. Vivia… ela era nova, na época, aqui no bairro. Ela mora até hoje, bem em frente ao bar. Ela tem uma imobiliária.
R1 – Isso nem irmão faz. Isso nem irmão faz, você sabe disso, né? Isso nem a família faz.
P2 – Foi uma baita sorte.
R1 – E nós não pedimos pra ela também não, viu? Quando a gente quer conhecer… ela mesmo se ofereceu.
R2 – É.
P2 – E a Helena trabalha o que, na prefeitura, lá?
R2 – Não, trabalho pro estado.
R1 – É estado.
R2 – Trabalho pro estado. Sou professora.
P2 – Numa escola?
R1 – Ela é artista. Ela é formada em arte.
R2 – Sou professora de Artes.
P2 – Que legal!
R2 – Pro estado. Tenho dois cargos, em duas escolas.
P2 – Duas escolas? Que legal.
R2 – Uma com trinta e duas aulas. Outra com dez. São quarenta e duas aulas semanais. E eu saio da escola e venho pra cá.
R1 – Ela nem entra na casa dela, desce pra cá e vem ajudar.
P2 – Já vem ajudar.
P1 – Eu ia perguntar isso: como que é pra conciliar, né, porque dar aula, ser professora de Artes, depois vai, ajuda o pai…
R1 – Ela bate a porta do carro, nem vê às vezes a casa dela como é que está, fica dentro do bar. Já cansei de fechar o bar três horas, três e meia da manhã e ela junto comigo. E ela tem que sair cedo pra trabalhar no outro dia. Ela tem o sangue de meu pai. Eu falo pra ela que ela é o sangue de meu pai.
R2 – Aqui em casa, a gente tem a sorte assim, ó, de todo o mundo ajudar.
R1 – Todo o mundo. Todo o mundo.
R2 – Então, minha mãe ajuda, meu marido ajuda.
R1 – Todo o mundo ajuda.
R2 – Todo o mundo ajuda. Todo o mundo junto. Todo o mundo junto. Então, isso facilita muito.
P1 – Como é que chama a esposa do senhor, a sua mãe?
R1 – Zaine de Melo Santos. É nome de turca.
P1 – Zaine?
R2 – É. Minha mãe.
R1 – Você já veio aqui, também, né?
P1 – Eu, já… (risos)
R1 – Você já tomou uma pinguinha aqui, também.
P1 – Nós somos tudo petista, gente.
R2 – Aêê! (palmas) É bom.
R1 – Vocês vão ver o barulho que o PT vai fazer esse ano, 2022.
P2 – Sim.
P1 – Se Deus quiser.
R1 – Aguarda o barulho que nós vamos fazer.
P2 – É… viu?
R1 – Oi?
P2 – E quanto ao futuro? A gente pergunta isso pra todo comerciante: o que vocês imaginam que dá pra fazer no futuro? Dá pra fazer um bar maior, dá pra abrir uma outra filial em outro bairro… vocês pensam nisso?
R1 – Não, não, não.
R2 – Não.
R1 – O que eu penso é o seguinte: eu tenho uma filha só. Ela ganha bem. Ela não precisa disso. No dia de amanhã, se eu chegar a faltar e ela não querer tocar o bar, ela ganha o suficiente pra ela.
R2 – Ó, mas professor não ganha bem, não, viu?
R1 – Agora, o que nós pensamos: eu trabalho pra dar conforto pra minha filha. O que ela pede, eu procuro dar. Não tem intenção de comprar uma casa, de comprar um bar. Eu quero viver. Quero viver. Não regulo nada pra ela. Nada, nada. “Ah, empresta o cartão?” Dá o cartão. A gente vive pra isso.
R2 – Eu gosto da história, sabe?
R1 – Não tem aquela ganância de querer comprar o quarteirão, de querer comprar nada. Quero viver.
P2 – O que importa é a tradição, né? A tradição do bar, de ter essa comida boa, de ter essa…
R1 – É, é.
R2 – É, a gente gosta de, assim, você ter uma localidade, pra você ter como referência. E, se Deus quiser, logo, logo vai ter Comida Di Buteco de novo e a gente vai participar.
R1 – De ganhar mais vezes o Comida Di Buteco, isso que a gente pensa.
R2 – É! A gente pensa em trabalhar pra buscar ganhar o Comida Di Buteco…
R1 – Mas conseguir mais coisas, adquirir mais coisas, não. Quero dar todo o conforto pra minha filha. Minha filha e minha mulher. Trabalho pra isso.
R2 – ... e viver, assim, pensando nos nossos clientes, buscando criar coisas novas, né, pratos novos. E buscar estratégias, né, pra você chegar até o cliente, o cliente chegar até você, porque também não pode ficar parado, né, no tempo, senão você fica pra trás.
R1 – Trabalhar, nós não paramos de trabalhar.
P2 – Sei.
R1 – Trabalhar, nós não vamos parar.
P2 – Vocês ficam experimentando tipos de comida diferentes, pra fazer?
R1 – Ah, minha mulher fica até as tantas!
R2 – É.
R1 – Na internet, vendo que comida vai fazer… hoje mesmo está fazendo não sei o que lá.
R2 – A gente… tem bastante site que você pode pesquisar de gente que faz negócio de… depois do Comida Di Buteco, a gente descobriu essas coisas.
R1 – 2018…
R2 – É. Site que tem chef de cozinha.
R1 – O prêmio de 2018… eu sou caminhoneiro, né? Fui caminhoneiro trinta e seis anos. Então, a gente cozinhava na estrada. Arroz carreteiro. O que nós vamos fazer? Vamos fazer o arroz carreteiro. Aí qual o nome que ela deu? “Carga Pesada”. Aí a gente faz o arroz carreteiro, aí o transforma em massa, recheia com queijo, frita e come. Fica muito gostoso. Daí, nossa, arrebentou. E até hoje todos os três pratos que ganharam vendem muito. Vendem muito. Pelo contrário: não caiu a venda, aumenta todo dia a venda.
R2 – É. O pessoal gosta bastante.
R1 – Gosta muito, graças a Deus.
R2 – Então, é sempre, assim, buscar se renovar dentro daquilo que você tem. Entendeu?
P2 – Sim. Sim, entendi.
R2 – E deixar a tradição do bar, né?
R1 – Agora essa aqui inventou uma pancetta recheada. Mas ela que vai ver. Com queijo e tudo, muito bonito. Está vendendo bem. Está vendendo bem.
P2 – Assim que acabar a pandemia, eu vou aí em Rio Preto, aí no bar.
R1 – Vem aqui. Será um prazer de receber o senhor aqui.
R2 – Vem, sim.
R1 – E a Ana também. Vou deixar essa menina de fogo.
P1 – Opa, vou! (risos)
P2 – Ô, Ana, você tem mais alguma pergunta?
P1 – Eu queria perguntar: vocês têm alguma mensagem pra deixar pras pessoas que forem ver esse relato que vocês estão deixando, de toda a sua história? Vocês têm alguma mensagem aí, não sei, pra quem for assistir?
P2 – É, porque vai pro mundo inteiro isso. É.
R2 – Óia, que legal. É… de início, a mensagem é, primeiramente, agradecer pelo carinho que as pessoas dedicam pra gente e a gente fez com muito carinho e muito amor aquilo que a gente faz e então a gente agradece muito e que a gente…
R1 – ... a oportunidade que vocês estão dando…
R2 – Você quer…
R1 – Não…
R2 – Ah, espera aí. É… a gente agradece as pessoas que… os clientes que vêm aqui no bar, né? Agradece vocês, que deram essa oportunidade de a gente aparecer aqui. E pra que as pessoas acalmem o coração, porque a gente tem que fazer o nosso papel nesse momento, que é um papel de luta: ser guerreiro contra esse vírus, pra gente poder sobreviver. Hoje, o que é mais importante é você se recolher, usar máscara, para que isso passe logo. Então, quanto mais rápido a pessoa entender que precisa da máscara, que precisa manter o distanciamento e, ainda assim, mesmo mantendo o distanciamento, mesmo usando máscara, a gente tem um monte de recurso, porque hoje a tecnologia é muito grande, né? Você consegue ter o Bar do Cidinho ali dentro da sua casa. Você pode pedir pelo aplicativo, pode ligar aqui no bar, que a gente tem todo o prazer de poder te atender. Então, não precisa entrar em desespero. É seguir aquilo que a gente tem que seguir, seguir os protocolos, né, pra que a gente consiga sair logo disso e aí poder dar aquele abraço…
R1 – Um abraço mais ou menos assim, ó… (risos)
R2 – ... e poder estar junto novamente, igual era antigamente, né? Mas acho que numa nova versão de mundo, né?
R1 – Você, quando chegar aqui, vou dar um abraço “nocê”, ó: Ai… (risos)
R2 – (risos) A gente vive... a gente fica junto o tempo todo, viu, gente.
P2 – Eu imagino!
R2 – A gente fica na mesma casa o tempo todo.
P2 – Tá certo. Olha, eu queria agradecer muito pela entrevista e também, essa entrevista vai ficar no portal do Museu da Pessoa e lá no Sesc, também. No futuro, quando acabar a pandemia, é possível… porque todo Memórias do Comércio, de todas as cidades que já foram, deram origem a um livro, bem legal também, né? Então, também acredito que vai sair o livro de Rio Preto, da editora do Sesc. E o nosso fotógrafo vai ligar pra vocês, pra marcar um dia que vocês puderem, pra eles fazerem uma sessão de fotografia aí no bar.
R2 – Ah, que legal.
R1 – Legal.
P2 – Pra poder ficar no site, né, pra ilustrar. E, se vocês tiverem fotos antigas que ele puder copiar, a nossa produtora liga pra vocês, ela copia naquele negócio lá, naquele scanner e devolve as fotos pra vocês, pra poder ficar no acervo e, quando sair o livro, pôr a foto de vocês no livro também, tá legal?
R2 – Tá bom.
R1 – Não esquece de pôr no seu o seu contato “Lula livre”, viu?
P2 – Ah, eu vou colocar! (risos)
R1 – Lula livre!
P1 – Lula 2022!
P2 – Tá bom, então, gente.
R1 – Não esconde, não.
P1 – Gente, eu quero agradecer também, muito, depois vou continuar conversando com você, Helena, a gente combina quando a pessoa for, o fotógrafo. Agradecer novamente, é muito importante a gente ouvir a história de vocês, tá bom?
R2 – A gente agradece muito. Muito obrigada pelo carinho e pela oportunidade.
R1 – Obrigado pela oportunidade.
P2 – Tá legal. Muito obrigado! Abraço!
P1 – Um abraço, gente! Boa noite.
R1 – Um abração do jeito que dá. Tchau, tchau.
P1 – Tchau!
R2 – Boa noite! Tchau!
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