Memória Oral do Idoso
Oficina Memória Oral
Depoimento de Leonides Aparecida Vieira
Entrevistada por Rosa Maria
São Paulo, 13 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
MOI_HV020
Transcrito por Liamara Guimarães de Paiva
Revisado por Fernanda Regina
P/1 - Dona Leonides, vamos começando a senhora dizendo seu nome, local de nascimento, data de nascimento de seus pais e de seus avós, e nome de seus pais e de seus avós.
R - Meu nome é Leonides Aparecida Vieira, nasci em 5 de setembro de 1926.
Nasci em Botelhos, Minas Gerais.
Minha mãe também nasceu em Botelhos, ela nasceu no dia 27 de setembro, o ano não me recordo, foi 1897.
O meu pai nasceu no dia oito de fevereiro, meu pai eu não me recordo o ano.
Meus avós, os pais de meu pai, o pai chamava João (Tomás?) e a mãe Ana.
E o pai da minha mãe João Pedro e, a mãe, Mariana.
P/1 – Eles nasceram onde os pais dos seus pais?
R – Meu pai e os pais dele em Alfenas, Minas Gerais, e os pais da minha mãe em Botelhos, Minas Gerais, minha mãe também.
P/1 – Vamos falar um pouco da sua infância.
R – Minha infância foi maravilhosa.
Eu nasci na fazenda e vivi na fazenda.
Estudava interna.
Foi uma coisa maravilhosa.
Meus pais foram muito legais, nunca deram um grito comigo, nunca deram um tapa, era tudo na base da conversa.
Era aquela brincadeira ali na fazenda, né?
P/1 – Então, fala um pouco dessa fazenda.
R – Bom, a fazenda era em Minas.
P/1 – Como ela chamava?
R – Ribeirão Pequeno, é lá em Minas.
Na realidade eu nasci em Cabo Verde porque a sede da fazenda é em Cabo Verde.
Mas os meus pais tinham casa em Botelhos, a gente frequentava Botelhos, fui registrada lá.
A fazenda está lá até hoje, só que agora está abandonada.
P/1 – Pertence à família ainda?
R – Pertence à família.
Agora, eu não tenho mais parte porque houve um retrocesso na minha vida eu não tenho mais ligação nenhuma na fazenda.
Mas a fazenda todinha ainda é de meus irmãos porque meus pais já são falecidos.
Então, meu brinquedo predileto era brincar na enxurrada.
Adoro água, tomar chuva.
Quando eu estou voltando pra casa eu costumo deixar o guarda-chuva na bolsa.
Em criança o que eu mais gostava era de tomar chuva, brincar na enxurrada.
P/1 – E que outras brincadeiras vocês tinham lá na fazenda?
R – Bom, a gente brincava com as meninas, lá costumava dizer camarada, dos funcionários lá da fazenda.
Brincava de casinha, montava uma casinha embaixo de uma árvore depois mudava, fazia fogão.
Eu gosto mesmo de mexer na terra.
E, brincava de dentista nos galhos das árvores, andava muito a cavalo, eram essas coisas.
E com as primas também, os meninos dos fazendeiros.
.
.
Porque na fazenda a gente costuma visitar muito.
Ia a cavalo, né? Visitar os vizinhos, as tias e é assim, as brincadeiras eram essas.
P/1 – A senhora ficou até quando nessa fazenda?
R – Lá, eu fiquei até me casar.
Bom, eu estudei interna, né? Mas vivi lá até me casar.
Me casei, vivi em fazenda também, na parte que era minha.
Depois eu fui morar em Botelhos e de lá fui pra Poços de Caldas e de Poços de Caldas vim pra cá.
Aí, houve um retrocesso muito grande na minha vida, fiquei sem as terras, separei de meu marido e fiquei com os filhos.
Deixei aqui em São Paulo um filho de 15 anos sozinho.
E, aí, minha vida foi muito tumultuada.
Aí, voltei pra minha terra.
De lá fui para Uberlândia, no Triângulo Mineiro, com quatro filhos, um ficou em São Paulo, e lá eu.
.
.
A minha filha mais velha se casou lá.
Aí, eu fui pra _______, uma cidadezinha lá perto, com os outros três filhos mais novos.
P/1 – Mas vamos falar um pouco da sua escola.
R – Ah, minha escola! Minha escola.
.
.
Estudei em três escolas.
O primário eu fiz em Botelhos.
Era um colégio misto, os diretores eram italianos.
Então, aquela vidinha aquela rotina de internato, né? Ia a cavalo.
Da fazenda lá eram, agora não sei, falavam três léguas, não sei quantos quilômetros tem isso.
P/1 – Cada légua tem seis quilômetros.
R – Então, era.
A gente ia a cavalo.
Depois meu pai comprou carro, fez estrada de lá e melhorou a estrada, então meu pai comprou carro.
Aí, passei a ir de carro, depois ônibus.
E de Botelhos eu fui pra Poços de Caldas, também interna, né? E, depois, terminei, fiz o curso normal em Alfenas.
Tudo interno.
P/1 – Conta um pouco dessa vida de internato, como era?
R – Bom, em Botelhos não eram freiras, né? Depois a vida de internato de freiras, até carta que os pais da gente escreviam, que a gente escrevia para os pais, as irmãs liam.
Agora, a gente sempre dá um jeitinho, né? Brasileiro sempre dá um jeitinho.
A gente escrevia para os namorados.
Uma colega externa levava a carta, punha no correio.
Dava o endereço da colega, traziam as cartas.
Na hora de entrar na sala de aula, bastava olhar pra cara da colega a gente já sabia que tinha carta.
Ai que aflição! Esperar uma oportunidade de passar dentro do caderno.
.
.
E o medo? Se as irmãs pegassem uma carta dessas eu e a colega seríamos expulsas do colégio.
Chamariam os pais, a gente seria expulsa sabe? Eu, tudo bem, assumiria, mas a preocupação maior era com a colega.
Você vê que essa colega arriscou muito, né? Sempre tinha umas que recusavam, mas sempre tinha umas.
.
.
Era assim.
Aos domingos a gente saía para passear na cidade, mas com as irmãs, tudo em fila, né? E, os moços sabiam a hora das internas saírem ficavam tudo nas esquinas olhando a gente.
Os namoradinhos.
De vez em quando a gente saía com os pais na cidade, para passear, né? Então, arrumava os namoradinhos, né? E era desse jeito o internato.
P/1 – E quando fez o normal?
R – Aí, eu terminei o normal e fui pra fazenda ficar com meus pais.
E, depois, eu queria continuar a estudar, eu queria fazer farmácia.
Mas aí resolvi me casar, né?
P/1 – Vamos falar um pouco desse seu casamento.
R – Olha, o casamento não tem muito o que falar não.
Não tem porque foi um casamento, sei lá.
É melhor, prefiro não falar.
P/1 – Me diz uma coisa, na fazenda devia ter muitas festas.
E quais eram essas festas? Fala dessas festas.
R – Tinha.
As festas.
.
.
Até que não tinha tanta festa na fazenda porque a gente morava perto da cidade, a gente ia muito à cidade.
Mas tinha reuniões sim.
Rezava muito o terço depois dançava, cantava.
Me lembro da voz.
Tinha uns moços, uns senhores, cantavam tão bonito.
Era assim, era uma vida assim.
Não era assim muito intensiva não.
A fazenda do meu pai era bastante movimentada porque tinha o engenho.
Fazia rapadura, tinha máquina que limpava o café, o arroz.
Então, os fazendeiros levavam o café para limpar, arroz pra limpar.
Na fazenda do meu pai os caminhões iam pegar os capados, os porcos gordos, então, pegava, reunia lá, lá que pegava café.
A fazenda do meu pai era bastante movimentada mesmo.
Tinha aqueles carros de boi, né? Aqueles carretões, puxava as toras, tudo com os bois, aquela coisa toda.
P/1 – Eu vou voltar a insistir nas festas, nem as festas juninas não tinham?
R – Tinha, mas não era.
.
.
Lá naquela região não eram muito animadas não.
Mas reunia.
Primeiro, rezava o terço para o santo, naquele tempo era Santo Antônio, São João e São Pedro.
Era dia santo esses, tudo em junho, 13, 24 e 29 de junho.
Então reunia, rezava o terço, soltava muito foguete, fazia fogueira.
.
.
Mais assim, cantava, brincava.
Mais ali, ao redor das fogueiras.
Era sobre isso.
P/1 – Quando você terminou o normal você disse que voltou pra fazenda.
R – Voltei.
P/1 – Voltou pra fazenda, e?
R – E fiquei, a gente ficava lá, naquele tempo.
.
.
P/1 – Não deu aula?
R – Não, não dei aula.
Não dei porque na fazenda e também já pretendia me casar logo.
Naquele tempo as moças faziam enxoval, né? Então eu fiquei, adoro bordar.
Bordava os lençóis, camisola de dormir, tudo feito em casa, tudo bordado, roupa de baixo, tudo era feito em casa, bordado.
Eu fiquei fazendo o enxoval, mas me dediquei mais ao enxoval.
P/1 – E quando você veio pra cá?
R – Pra São Paulo? Eu vim pra São Paulo tem 14 anos e meio.
É que, antigamente, há 28 anos atrás mais ou menos, eu morei em São Paulo um ano.
Aí, foi quando houve um retrocesso na minha vida.
Eu saí de São Paulo, saí pra passar uma semana na casa das minhas irmãs lá em Minas, em Botelhos, e não voltei pra minha casa.
E, estava arrumando.
.
.
Meu filho, tinha providenciado um emprego para o meu filho de 15 anos - que é o segundo, a mais velha é mulher - como boy de um banco e ele ficou aí numa pensão como boy.
Aí, eu não voltei, fiquei lá em Minas.
Isso foi há muitos anos atrás.
Aí, quando eu vim pra São Paulo, porque meu filho mais novo, eu contei isso porque esse meu filho, continuou aqui em São Paulo até hoje, esse que ficou com 15 anos.
Meu filho mais novo estava na idade de trabalhar e eu morava no Prato, uma cidadezinha no Triângulo Mineiro e, cidade pequena é difícil emprego.
Aí, esse filho que já morava aqui em São Paulo disse que se ele quisesse ou concordasse arrumaria emprego pra ele aqui.
Vim pra ele trabalhar.
Estou aqui até hoje, adoro São Paulo.
Às vezes fico assim, meio partida, com vontade de morar lá perto da minha filha em Uberlândia.
Mas aqui eu já tenho meu ambiente, eu adoro São Paulo.
Eu acho que se eu for pra lá eu vou ter que começar de novo.
Aqui a gente tem as atividades, né?
P/1 – Aqui você mora onde?
R – Eu moro na Rua Major Diogo, na Bela Vista.
P/1 – No Bexiga?
R – No Bexiga.
P/1 – Há 14 anos?
R – Há 14 anos eu moro no Bexiga.
P/1 – E como é a sua vida no Bexiga?
R – No Bexiga? Eu adoro a minha casa.
Fim de semana raramente eu saio, fico em casa.
Eu gosto de plantas, de ouvir músicas, então eu mexo com minhas plantas, ouço música e gosto muito de bordar, quando tenho tempo bordo um pouquinho.
Agora, durante a semana eu vou à ACM, vou nadar, vou fazer ginástica, agora estou fazendo curso de dança aqui.
É assim minha vida.
E, depois, vai ao banco, arrumar uma coisa, vai comprar uma coisa, vou à casa, como hoje, por exemplo, vou pra casa do meu filho casado, vou dormir lá.
De quando em quando vou à casa do meu filho, de vez em quando durmo lá.
E saio também, vou ao cinema, saio com amigas, amigos, às vezes vou dançar.
Eu gosto muito lá da Casa de Portugal, na Liberdade, e vou, já vim aqui nessa Rua Três Rios.
Não sei como é que chama ali, tem um lugar.
Já vim dançar aí com um amigo, vim duas vezes aí.
Na ACM.
É assim, varia os lugares.
Eu adoro dança, música.
P/1 – Vamos voltar um pouco a falar dos filhos.
R – Meus filhos, a mais velha mora em Uberlândia.
Ela há 11 anos perdeu o marido num acidente.
Ela mora com três filhos.
A mais velha já está com dezoito anos, está fazendo o curso de direito.
E tem uma de 16 e um de 15.
O segundo mora aqui em São Paulo, trabalha no banco.
Ele mora.
.
.
Mudou, até hoje vou conhecer o apartamento dele, morava na Rua Teixeira da Silva, agora mora na Rua Caconde.
Tem a minha nora, chama-se Aparecida e tem duas filhas, um filho.
Uma filha de 16 anos, um filho de 15 e a outra tem 8 anos.
O terceiro mora no (Prata?), também no Triângulo Mineiro, tem três meninos, 16,14 e 13 anos.
Minha nora chama-se Dolores.
Esse trabalha também no banco.
E a quarta mora em Assunção, ela tem quatro filhos.
O primeiro, ela casou depois desquitou, o mais velho é do primeiro marido, está com 17 anos.
Morou com ela até o começo do ano, agora ele veio para o Brasil, está morando com a minha filha, lá em Uberlândia.
Com o segundo marido dela, é paraguaio, então ela tem duas filhas e um filho com o segundo marido.
É uma menina de 10 anos, uma de quatro e um menino de dois anos.
E o mais novo vive comigo, pretende se casar em janeiro.
Ele é assessor do deputado estadual, trabalha na Assembleia.
P/1 – A senhora quer falar um pouco desse retrocesso na sua vida?
R – Retrocesso da minha vida! Hoje eu acho graça, né?
P/1 – É que a senhora falou tanto, né? A senhora falou tanto assim, quando nós estávamos conversando, sobre o retrocesso na sua vida, agora fez menção.
R – É que de repente eu me vi sem um tostão.
Fiquei lá na casa das minhas irmãs, mas depois um tio dos meus filhos me deu muito apoio, meus irmãos também deram, depois meus filhos cresceram e hoje eu tenho uma vida tranquila.
Voltei a ser feliz como fui até meus 21 anos, entende? Hoje eu sou feliz, tenho minhas amizades, sou feliz.
Meus filhos são todos sadios, meus netos, minhas noras, meu genro faleceu, né? Foi uma grande perda.
Mas faz parte da vida.
E, os outros dois, um, que a minha filha já se separou, mas eu tenho um neto que é filho dele, é muito importante pra mim.
Todos são importantes, todos os familiares são muito importantes pra mim.
P/1 – Vamos voltar um pouco de novo pra fazenda, porque a fazenda foi uma parte muito importante da sua vida, né?
R – Foi, foi importantíssima.
P/1 – Deve ter coisas pra serem contadas ainda, serem faladas da fazenda.
Como você morava no interior não havia médicos?
R – Tinha médico na cidade.
P/1 – Como o seu pai, a sua mãe, o pessoal de lá, como eles faziam pra acudir daquelas doenças corriqueiras de criança, “machucadura”, aqueles problemas que normalmente dão em criança? Uma dor de barriga, uma dor de ouvido, o sarampo, a caxumba, como que era feito? Como que era atendido isso?
R – Bom, o meu pai naquele tempo era, digamos, seja convênio com médico da cidade.
Então, se era uma coisa simples dava um chá, como eu me lembro.
Eu gripada, indisposta na cama, minha mãe levava leite, ela escaldava a folha de uma planta lá.
Como que chama? Alfavaca.
Tem um cheiro gostoso.
Então, ela colocava o leite quente naquela folha levava no quarto, eu me lembro como se fosse hoje.
Ela chegava e falava: “Minha filha toma esse leite com biscoito de polvilho”.
Um biscoito feito de polvilho, porque fazia biscoito naqueles fornos grandes.
Biscoito feito de polvilho.
Ela falava “Toma que você vai se sentir bem”.
Agora, se notava que a febre estava alta, qualquer coisa, telefonava.
Meu pai tinha telefone na fazenda.
Telefonava para o médico, o médico ia.
Era estrada de terra, se estava chovendo muito às vezes ia um cavalo para socorrer o médico, tudo.
Ia assim de carro, o médico ia de carro.
Então, até que assistência médica na fazenda que eu morava não, a gente tinha um médico, entende?
P/1 – Mas e os chás?
R – Os chás? É como eu falei, o leite com alfavaca, lembro se tinha ferida a mamãe acendia uma vela passava a folha do fumo, se não me engano é de fumo.
Ela falava que era para desinfetar a folha e punha um azeite de mamona, que fazia na fazenda, e punha aquela folhinha.
Aquilo ali (viava?)!
P/1 – E pra dor de barriga?
R – Dor de barriga era chá, né?
P/1 – E qual chá?
R – Aquela plantinha verde, até eu adoro, eu gosto de coisa amarga.
Punha na água do filtro e a gente ia tomando.
É, “Marcela”, acho que é “Marcela”, uma plantinha verdinha, amarga! Pra dor de barriga era aquilo que ela dava.
P/1 – E pra caxumba, catapora?
R – Aí chamava o médico, né? Aí passava pomada, essas coisas.
P/1 – E quando tinha “dordólio”?
R – Dor o quê?
P/1 – “Dordólio.
”
R – Nos olhos?
P/1 – Isso.
R – Bom, chamava o médico, ele era clínico geral, se ele achasse que tinha alguma coisa que tinha necessidade, a gente ia à Campinas, que era o lugar que tinha oculista.
Porque Poços de Caldas naquela época não tinha.
Que eu me lembre naquela época não tinha.
Botelhos, por exemplo, era só o médico, não tinha hospital, não tinha nada.
Se dependesse de uma radiografia, se quebrasse uma perna iria engessar em Poços de Caldas.
Quando era vista, uma doença assim mais grave, ia pra Campinas.
Porque Poços de Caldas é perto de Campinas.
P/1 – E, voltando à fazenda, que tipo de comida vocês faziam na fazenda? Que tipo de doces eram feitos lá?
R – Ah, doces das frutas, do doce de leite, queijo, aquele queijo gostoso, né? E a comida era as coisas da fazenda.
Era frango, leitoa, pato, paca.
Paca é um bicho do mato.
Não sei se você já comeu, coisa mais gostosa.
Uma paca nova! É uma delícia.
E pato, peru, galinha da angola, eram essas coisas.
Mandioca, que eu gosto muito, batata, verdura, frutas.
Meu pai adorava plantar as coisas, todas as frutas que davam lá naquela região tinham lá no pomar.
Ele fazia enxertos.
Hoje tem essas nectarinas.
Meu pai fazia esses enxertos, ameixa com pêssego e aquelas frutas.
.
.
Quando a gente chegava do internato meu pai amarrava pano na mexerica, nas frutas e a mamãe fazia aquela porção de doces.
Então eu chegava, papai “Ah, minha filha, aquela mexerica”.
Eu gostava das mexericas que amadureciam na sombra, no meio do pé.
Laranja baiana.
Hoje as laranjas baianas não são como aquelas.
Aquelas laranjas enormes, muito gostosas.
Então, eu chegava comia, comia, às vezes durante à noite acordava: “Mãe!”.
Vomitava tanta comida.
Queria comer tudo! A mamãe mandava doces e frutas no internato, mas a gente chega, Nossa Senhora, com saudade.
E, quando voltava, a cavalo - quando eu estudei em Botelhos, quando ia chegando na fazenda - a gente cansada, a hora que avistava a fazenda a impressão que eu tinha que o cavalo ia andando e a fazenda se afastando, a saudade da mãe.
Sempre meu pai que ia buscar, né? Saudade da mãe, saudade de casa e já cansada.
Puxa, como demorava a chegar.
Ah, a hora que chegava era tão gostoso.
P/1 – Você poderia falar um pouco dos seus empregos? Do se trabalho?
R – Trabalho, eu trabalhei pouco tempo aqui num escritório.
Eu era recepcionista num escritório de publicidade.
O que eu fazia era atender telefone e um controle de fitas.
Gostei muito do trabalho, depois parei.
Mas eu trabalhei.
Houve uma época que eu fiz alguns trabalhos manuais pra fora.
Foi muito pouco.
Hoje eu faço as coisas pra mim, sabe? Quatro coisas que eu gosto na minha vida, é água, tomar chuva, nadar e mexer com planta, mexer com a terra, plantar, ver a plantinha crescer, tudo.
Agora a casa que eu moro tem uma área.
Né? Lá eu planto.
Pus uns caixotes, plantei verdura, tem vaso com flor.
As pombinhas estão dando lá, meu Deus do céu! O dono do armazém trata das pombinhas, então, eu falo pra eles “Se fosse incomodar na sua casa você não trataria, incomoda a minha casa”.
Ele brinca “Ah, essa casa é minha e tal, né?”.
Eu sei que eu ocupo meu.
.
.
Bordo e ouço música, né, ah, essa é indispensável.
Raramente vejo televisão.
Estou a procura de um disco, não consigo encontrar.
Foi quando eu morei há 28 anos atrás aqui em São Paulo, era Gilda Lopes, a cantora que eu mais gostei.
Eu tinha disco, mas acabei perdendo.
Então, gostava muito do Anísio Silva, hoje eu gosto muito de vários cantores, Milton Nascimento.
.
.
Então, eu ponho um disco.
.
.
Eu não gosto de rádio porque a gente ouve uma música, se gosta não pode ouvir de novo.
Às vezes eu fico três dias ouvindo um disco de um lado só, por causa de determinada música.
A música que eu mais gosto é “Luzes da Ribalta”.
E, ali é assim, sabe? Eu gosto muito de ouvir, só que eu tenho dificuldade para pronunciar, Almir Sater.
É viola que ele toca, né? Ai meu Deus que coisa linda! Tenho discos dele.
As músicas atuais também eu gosto.
Gosto das antigas, gosto das atuais, algumas não todas.
P/1 – Dona Leonides, um sonho seu?
R – Muitos já se realizaram, né?
P/1 – Mas e um? Que hoje não foi realizado.
R – Ah, tenho um sonho particular que eu não vou falar, né? Deixa eu pensar.
Bom, um sonho, a gente sonha.
.
.
Eu com cinco filhos, noras, genros, 13 netos, eu tenho muito o que sonhar, né? Um sonho é viver ainda bastante tempo, com saúde, conhecer alguns bisnetos.
Conhecer netos, por causa desse filho que é solteiro, caso ele venha a ter filhos será uma alegria conhecer o filho dele, né? E tenho meus sonhos particulares também, que prefiro não falar.
P/1 – Que recado a senhora daria, que mensagem a senhora daria, deixaria pra essa juventude que vem vindo agora? Para esse pessoal, essas crianças, pra esses jovens que vêm vindo agora?
R – Serem honestos.
Porque se o Brasil está como está é por causa da desonestidade.
Serem honestos, acreditarem no amanhã, porque o amanhã deles pode ser muito bonito.
P/1 – Quando a gente contatou a senhora, nós falamos que era de uma memória oral, o que a senhora acha de deixar o depoimento da sua vida? Obviamente que seria assim mais longo, nós teríamos que ter um contato maior pra ficar sabendo de mais coisas mas a senhora está aqui hoje contando essas coisa pra nós.
R – Não compreendi.
P/1 – O que a senhora acha de estar aqui hoje contando essas coisas da sua vida, da sua infância?
R – Ah, o que eu acho? Achei muito gostoso.
É importante a gente conversar com alguém, alguém dar atenção pra gente, sabe? E lembrar as coisas boas é muito bom, e as más a gente lembra também, lembra, mas não deixa que o sofrimento do ontem estrague a alegria do hoje.
Então, a gente lembra das coisas más e eu penso assim, aguentei, acabou, entende? Sofri, sofri muito, mas eu aguentei, então, pronto, acabou.
O sofrimento passado não me atinge.
Agora tem coisas assim muito doídas, como a morte do meu genro, por exemplo.
Eu perdi um filhinho, no quarto mês de gravidez.
Puxa, mas era meu filho.
Eu tinha amor nele.
Foi uma dor muito grande.
A perda dos meus pais.
Bom, meus pais já eram idosos.
Perdi uma irmã.
Ela estava com 18 anos eu com dez.
Eu era muito ligada a ela, me lembro.
Aquilo me dói muito mas se eu pensar assim.
.
.
Aquilo faz parte da vida não sou diferente de outras pessoas, se outras sofrem.
.
.
Sofrimento existe.
Se outras pessoas aguentam sofrimentos, eu penso assim, eu também aguento.
Mas ficar, estar aqui conversando com você foi muito importante.
Nunca enquanto eu for consciente, enquanto eu viver, pretendo morrer consciente, nunca vou me esquecer de você.
Foi muito importante.
Muito gostoso estar aqui.
Falo você porque é você que está conversando comigo, mas ele, você, todos que me atenderam ali, foram todos muito atenciosos comigo, legais.
Me valorizaram, valorizaram uma pessoa idosa.
Agora eu não tenho queixa em dizer que discriminam idosos, felizmente comigo isso não acontece.
As pessoas sempre são atenciosas comigo.
P/1 – Nós é que temos que agradecer a senhora ter vindo aqui e ter contado pra nós sua experiência ter contado um pedaço da sua vida.
Obrigada.
Recolher