Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Maria Rita Mendes
Entrevistada por Winnie Choe (P1) e Thiago Majolo (P2)
Itinga, 30/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV_027
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 18/03/2008
P1 ...Continuar leitura
Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Maria Rita Mendes
Entrevistada por Winnie Choe
(P1) e Thiago Majolo (P2)
Itinga, 30/07/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número MB_HV_027
Transcrito por Michelle de Oliveira Alencar
Revisado por Viviane Aguiar
Publicado em 18/03/2008
P1 – Dona Rita, para a gente começar, queria que a senhora falasse o seu nome completo, a cidade onde a senhora nasceu, o nome dos pais.
R – Onde é que eu nasci? Foi aqui no Frade, já é no outro município, é lá para riba. Eu nasci no Frade. Pai chamava Quirino Neto Mendes, e minha mãe chamava Rosalina Maria de Jesus.
P1 – E a senhora cresceu aqui no Frade também?
R – Cresci no Frade.
P1 – Conta um pouquinho para a gente como é que foi a sua infância, se você tem irmãos.
R – Se eu tenho irmão? Tenho. Nós éramos seis irmãos, morreu um, ficou cinco. Mas moram tudo para fora, só tem dois, eu e o outro irmão, que moramos aqui. Um mora no Teixeirinha, e eu aqui.
P1 – E com o que a senhora brincava quando era criança, com seus irmãos, por aqui?
R – Nós brincávamos com buzina de coco. Que nem brinquedo o pai podia comprar para nós, que era muito duro o tempo.
P2 – Buzina de coco?
R – Buzina de coco, esses cocos que dão em pé de lajedo. Ele ia lá para o pé de lajedo, chegava lá, cortava o coco e agora trazia aqueles cachinhos para nós brincar.
P1 – E como era a região quando a senhora era pequena?
R – Quando era pequena? Nós vivíamos mais os outros, aqui para acolá, porque o tempo era muito duro, não era fácil para a pessoa dar no braço para poder dar de comer a nove filhos, não.
P1 – E o que seus pais faziam?
R – Trabalhavam para os outros, tadinhos. Nesse tempo, eram 500 réis que pagavam. Nós andávamos passando mais fome do que comia. Aí, nós ajudávamos aqui para procurar, os outros, para poder ganhar.
P1 – Essa coisa de fazer as panelas, a senhora aprendeu como? Como foi que começou isso?
R – Com a minha mãe. A minha mãe morreu com 102 anos, mas nos ensinou a trabalhar para nós caçarmos o jeito de criar os nossos.
P1 – E ela fazia?
R – Fazia. Ela com 100 anos, ela fazia.
P1 – E quando ela fazia, vocês também usavam as panelas?
R – Usava. Sentava mais ela e dando trabalhar para poder… Porque nós vendíamos o cento de panela por 500 réis.
P1 – E era dentro de casa que vocês faziam?
R – É, tudo dentro de casa. E o que nós fazíamos era tudo para comprar trem para comer, roupinha para poder vestir, que nem ganhar roupa nós não ganhávamos.
P1 – Todo mundo fazia panela junto com a mãe para ajudar?
R – Todo mundo fazia. Mas filha mulher que ela tinha era só uma, era eu.
P1 – Dona Rita, eu queria que a senhora falasse o seu nome completo e o nome de alguns dos seus irmãos.
R – Meu nome é Maria Rita Mendes. Meus irmãos, o que já morreu chamava Antonio Mendes, Antonio Mendes dos Santos, e o outro chama Delfim Mendes e o outro chama Dercílio Mendes, que os dois são gêmeos. E o outro chama José Francisco dos Santos.
P1 – E os seus irmãos gêmeos, confundiam muito?
R – Confundia, porque bebia muito. Deus ajudou que um foi embora para Belo Horizonte, e o outro está aí, para o lado de Teixeirinha.
P1 – E todo mundo fazia as panelas?
R – Todo mundo. O pai botava eles para puxar a lenha na cacunda para poder queimar isso, porque era muito difícil, até a lenha.
P1 – E, além de panela, o que vocês faziam com o barro? Conta um pouco para a gente?
R – Com o barro? O barro era muito difícil lá onde nós morávamos, tinha que você apanhar ele, bater ele, cessar ele. Depois de cessado, você amassava ele bem amassado para poder fazer as panelas, que ele era muito duro, que tinha muita areia.
P1 – E os seus pais, eles são de onde?
R – Meus pais são daqui mesmo.
P1 – Eles são descendentes de...
R – É daqui mesmo do lado de Frade.
P1 – Então, o seu primeiro contato com o barro foi dentro de casa, né?
R – Foi dentro de casa.
P1 – E a sua mãe vendia já também?
R – Vendia. Nós vendíamos para Cano Velho, moça. Vendia uma canoada vazia por 500 réis.
P1 – E vocês vendiam onde?
R – Vendia aí no porto. As canoas subiam, encostavam, compravam a nossa mão.
P1 – Aqui do rio?
R – É, nesse rio.
P1 – E a senhora gosta de fazer?
R – Gosto.
P1 – De mexer com barro?
R – Gosto de trabalhar. Eu não gosto de ficar sem dinheiro, que é ruim demais. Se a pessoa adoecer e você não tiver dinheiro... Aqui, onde é que nós trabalhamos, não tem outro movimento para trabalhar, só tem o barro mesmo para trabalhar.
P1 – E que mais a senhora faz de barro?
R – De barro, que eu faço? Eu faço tudo quanto é espécie de vasilha de barro. Eu faço filtro, eu faço panela, eu faço jarra, tudo quanto é espécie. Bujão.
P1 – O modelo que a senhora faz, o formato, ele vem de onde?
R – Vem que a mãe nos ensinou.
P1 – A senhora já criou uns modelos?
R – É, já.
P1 – Qual que você mais gosta de fazer?
R – O que eu gosto de fazer é panela e bujão.
P1 – E qual que mais sai?
R – É trem de botar flor. É o que sai mais. É isso aqui e panelinha assim. A hora que acabar, vou te mostrar ali o tantão que eu tenho lá, que o povo me encomendou.
P1 – Tem muita gente que vem aqui visitar a senhora?
R – Tem muita gente de fora que vem.
P1 – Eles gostam do trabalho, né?
R – É, gostam do trabalho, e diz que adora eu conversar com eles.
P1 – E o barro aqui é de que cor?
R – O barro é preto.
P1 – Mas aqueles jarros ali, eles são mais marrons, né?
R – É, mas ali é por causa que não queimou que prestou. Quando queima, fica assim.
P1 – E como a senhora queima?
R – Como é que eu queimo? Eu ponho no forno. Agora, você põe para secar, depois que seca, fica sequinho. Agora, você enforna e tampa o forno. Depois que você tampa, você vai dando “resquento”. Lá para as nove horas da noite é que ele está queimado.
P1 – Demora muito?
R – Demora.
P1 – E a senhora, a sua mãe, a senhora… Vocês usavam também as panelas para fazer comida?
R – É, tudo de barro.
P1 – E o que vocês faziam?
R – O que nós fazíamos? Quando… Tinha dia que não tinha era nada, minha filha. Quando, no tempo de mãe, não tinha nada aqui. Tem muito mais de 100 anos que eu mexo, que nós conseguimos. Mãe fazendo vasilha tem mais de 100 anos.
P1 – E era costume também da região fazer?
R – Era costume? Não, era pouca gente que gostava de trabalhar. Aqui, já é duro, uns gostam, outros não gostam.
P2 – As panelas que a sua mãe fazia eram diferentes das que a senhora faz ou eram iguais?
R – Não, tudo igual.
P2 – A senhora não modificou nada?
R – Nada. Só negócio de filtro que ela não fazia. Aí, nós aprendemos a fazer. Nós vimos os outros fazerem, que tinha uma Geralda aqui, que ela gosta de fazer vasilha. Ela mudou para Taquará, mas ela vem apanhar barro aqui e levar para Taquará. Taquará, vocês já sabem onde é que é? Sabe, não? Taquará é lá em riba, para cá de Araçuaí. Ela trabalha, apanha barro aqui e leva lá para trabalhar. Aí, um dia, ela estava fazendo uns filtros para mim e falou: “Rita, você bota a camarada para fazer esses filtros.” Eu falei: “Eu ponho por causa que os filtros são mais bem vendáveis que as panelas.” Ela fez um bocado para mim, eu falei: “Por que eu não vou fazer? Eu vou aprender fazer.” Peguei um e pus na frente e fiz do mesmo jeito. Aí, eu continuei fazendo.
P1 – E, quando vocês fazem as panelas, geralmente, você não faz sozinha?
R – Minha filha me ajuda a fazer, aquela que estava sentada.
P1 – E os netos também?
R – E os netos, eu ponho para trabalhar, porque eu não gosto de ver menino à toa, vagabundeando.
P2 – Eu queria só voltar um pouquinho na história, só para a senhora descrever um pouco melhor como era a casa. Era essa mesma casa?
R – Que nós…?
P2 – Quando a senhora era pequena?
R – Era essa mesma casa.
P2 – A mesma casa, não mudou nada?
R – É do mesmo modelo dessa.
P1 – Mas vocês moravam lá em outro lugar?
R – Era noutro lugar, no Frade em que nós morávamos. Nós criamos no Frade. Depois que eu casei que nós mudamos para aqui.
P2 – Queria que a senhora contasse um pouco com que idade começou a fazer panelas?
R – Com idade que eu comecei a fazer? Com sete anos.
P2 – E tinha tempo para brincar também?
R – Depois que nós começamos fazer panela, não tinha tempo para brincar não (risos). Tinha hora que nós fazíamos panela de cedo até meio-dia, do meio-dia à tarde nós íamos ajudar pai na enxada, que ele gostava muito de plantar e ele já estava bem idoso. Aí, nós fundava, ajudando ele.
P2 – Plantava o quê?
R – Nós plantávamos feijão, milho, era abóbora. Era isso que nós plantávamos.
P2 – Vocês mesmos não vendiam plantação, só plantavam para comer mesmo?
R – Só para comer.
P1 – E como que a senhora conheceu o seu marido?
R – Como é que eu conheci ele? É que ele andava trabalhando no garimpo. Aí, ele foi lá passear uma vez, nós já tínhamos mudado aqui para os campinhos. Ele ficou passeando lá. Aí, pai falou assim que ele era muito trabalhador, né? Pai pediu, ele pediu casamento, nós casamos, eu casei com 14 anos.
P1 – E vocês plantam aqui?
R – Planta, do mesmo jeito nós trabalhamos. Ele não trabalha mais, porque ele é doente, ele tem duas hérnias.
P1 – Mas ele também te ajudou a fazer umas panelinhas?
R – Ajudava a cortar, saber ele não sabe fazer, não.
P1 – Queimar também não é tão fácil, né?
R – Queimar, eles tudo me ajudam.
P2 – São mais as mulheres que fazem ou os homens também?
R – Não, só eu e a menina que fazemos.
P2 – Os homens trabalham na...
R – É, as outras tudo faziam. Tudo casou, cada um procurou o seu rumo, não foi fazer mais, não. Só quando vem me visitar que fazem. Quando chegam, elas fazem é bambu de vasilha.
P2 – Tem muita cerâmica aqui. Tem muita coisa de barro aqui no Vale do Jequitinhonha para enfeite só.
R – É isso mesmo. Tem aquela dali do Pasmado, é só para fazer enfeite mesmo.
P2 – E a senhora não gosta disso?
R – Não, eu não gosto. Gosto de fazer panela.
P2 – E qual comida fica melhor na panela de barro?
R – É, nas panelas de barro, não é? Você não acha, não?
P2 – Tem alguma muito boa receita?
R – Sempre eles falam que, na panela de barro, o de comer é o mais sadio que na panela de alumínio.
P1 – O pessoal gosta muito, né?
R – É isso mesmo. Vem gente de Belo Horizonte aqui comprar saco de panela na minha mão.
P2 – E ela é muito frágil para cuidar? Ela quebra fácil?
R – Ah, não quebra assim, não.
P1 – É resistente?
R – É, o barro aqui é bom.
P1 – O pessoal fala muito bem das panelas da senhora.
R – Eu sei.
P1 – A senhora acha que o que a sua panela tem de mais especial, que o pessoal gosta tanto?
R – É por causa que eu boto areia no barro.
P1 – E a simpatia da senhora também, né?
R – É.
P2 – E a senhora aprendia a fazer panela igual a gente viu aqui? Sentava do lado da mãe e ia imitando?
R – É, era isso mesmo. Quando ela sentava, ela não gostava de ver nós para aqui e para acolá. Ela botava um bolo de barro e botava um outro para nós trabalharmos, ajudarmos ela.
P1 – E quantas panelas a senhora faz por dia, mais ou menos?
R – Tem vez que eu faço 25. De primeira, eu fazia 50 panelas. Depois que eu tomei conta dos meus netinhos, para eu poder dar para escola, que eu não faço… Eu faço 25, 20.
P1 – A senhora podia descrever para a gente, bem passo a passo, todo o processo? Pegar o barro, depois até a panela ficar pronta? Descreva para a gente como é que é.
R – O barro você tem que pegar esse daqui. Agora, você pega ele e amassa bem amassado, molha ele. Agora, volta, vai amassar ele de foice e de enxada. Aí, depois que amassa ele bem amassado, ponha ele para poder trabalhar. Não é assim para apanhar ele e trabalhar, não. É mais difícil.
P2 – Depois modela?
R – É.
P1 – Com água?
R – Depois. Agora, vai molhando com água e depois passa a coiteba. Abre o bolinho igual eu faço. E agora abre.
P2 – E demora quanto tempo?
R – Para enxugar?
P2 – Para tudo, desde pegar o barro e ficar pronto.
R – Você faz hoje para cuidar amanhã.
P1 – Aí, depois que a senhora modela tudo...
R – Põe para enxugar.
P1 – Pega a lenha, põe a lenha.
R – É comprada a lenha. É, aqui não usa, não.
P1 – Aí acende o fogo?
R – É. Agora, bota elas no fogo, agora vai dando “resquenta” até aquele “resquentar”. A hora que os cabos estiverem chiando, agora você pode botar o fogo.
P1 – A senhora vende, fora Belo Horizonte? Quais as grandes cidades que vêm buscar aqui? São Paulo, Rio?
R – Vêm. De vez em quando, aparece um, dois. Aqui, compra um bocado de minha mão. Mas nós vendemos mais é por encomenda.
P1 – E a senhora já participou de umas feiras por aqui?
R – Essas feiras daqui? Eu levo todas elas, eu tenho a minha banca, toda feira eu levo.
P2 – E tem gente que vem aqui pedir encomenda?
R – Vem. Tem vez que vem gente encomendar de fora, encomenda agora, aqui para fora. Eles pegam e levam para outro canto. Agora mesmo, essas que estão aí o povo leva para Brasília para vender.
P1 – E como que a senhora faz para fazer panela, pegar o barro, queimar tudo e ainda cuidar da casa?
R – Mas a menina me ajuda.
P1 – Ela faz a comida?
R – Faz. Ela ajuda a fazer comida, que tem duas. Tem a outra que mora comigo também, desde pequenininha. É outra neta que eu tenho. Elas tudo me ajudam.
P1 – Quantos filhos a senhora tem?
R – Tenho nove.
P1 – Aqui por perto tem quantos?
R – Aqui por perto, você diz? Três. Três, não, quatro, com a do outro lado, que é casada.
P1 – E os netos?
R – E os netinhos? Os netos ficam mais eu.
P2 – Tem alguém que vem aqui pedir para a senhora fazer algum tipo de panela diferente, ou então outro tipo de peça, um jarro?
R – Tem. Tem vez que vem.
P2 – E a senhora faz?
R – Faço.
P2 – Não tem problema?
R – Não. Tem hora que eu ponho o da amostra, eu ponho o outro ali e vou olhando e fazendo.
P2 – A senhora usa essa panela também para cozinhar?
R – Uso.
P2 – Fala para a gente uma comida boa para fazer em panela de barro.
R – Comida boa de fazer é um arroz para cozinhar na panela de barro, que é boa.
P2 – Por que, qual é a diferença?
R – É porque fica soltinho.
P2 – Faz igual, como se fosse fazer na outra?
R – É, faz do mesmo jeito, mas fica mais gostoso.
P2 – E o que mais vocês comem por aqui?
R – Que come?
P2 – É, para fazer galinha, porco… O que comem?
R – Galinha também na panela de barro é boa.
P2 – Conta para a gente uma receita?
R – A carne de porco também. Você cozinhar um osso numa panela de barro é muito boa.
P1 – E a senhora, às vezes, sai aqui, encontra os vizinhos, o pessoal aqui por perto?
R – Não, eu não gosto de passear aqui, não. O povo bebe demais.
P1 – E lá em Itinga?
R – Em Itinga, eu vou. Toda feira eu vou. Quando eu não vou, eu mando a menina ir vender.
P2 – A senhora, hoje em dia, é conhecida, né?
R – É, já sou conhecida aqui na região.
P/2 – Como é isso para a senhora? A senhora gosta disso, ser conhecida?
R – Eu gosto, eu gosto de ter visita na minha casa (risos).
P1 – E a senhora gosta de morar aqui na região?
R – Gosto.
P1 – Do que a senhora gosta daqui?
R – É por causa que eu crio os meus porcos e as minhas galinhas, mexo com as minhas hortas. Aqui é duro, o povo fala que é duro ganhar dinheiro. Eu falei que, para mim, não é, porque eu mexo com a horta, eu apanho uma folha e levo para a rua e “dá mode” para eu comprar uma coisa. Eu não acho ruim, não.
P2 – A senhora, como sempre viveu na região, tem algumas histórias que só a senhora conhece, que a sua mãe contava?
R – Que mãe contava? Era no tempo dos índios, né?
P2 – Conta para a gente.
R – É que ela contava que a bisavó dela foi pega no mato com cachorro. A minha mãe era cabocla. Aí, pegou minha bisavó, pegou no mato. Foi indo, lutando, lutando, até ela acomodou. Ficou para dentro de casa, aí ganhou a minha mãe. A minha mãe ficou grande porque eles contavam assim, que casou. Casou a minha mãe. Aí, depois que a velha faleceu, a minha mãe contava muito causo, eu é que não boto aquilo na cabeça, o que ela contava.
P1 – Conta mais um, conta.
R – (risos) Eu não sei mais.
P1 – Alguma música a senhora gosta, cantava quando era pequena?
R – Nós não gostávamos de cantar, não (risos).
P2 – Nem quando trabalhava?
R – Não.
P1 – E contar história para os seus netos, enquanto está mexendo no barro?
R – Ô, eu gosto de contar para eles: “Vamos trabalhar, meninos, que mãe nos ensinou foi trabalhar!” Isso eu gostava, gosto de falar com eles. Não gosto de ver eles brincando.
P1 – E trabalhar, para a senhora, é muito bom?
R – Uai, para mim, eu acho bom, né? Que nós não passamos precisão. Que ele pula de um canto, depois pula de outro.
P1 – E, para buscar água, vocês vão até lá no rio?
R – É, de preferência mesmo, nós apanhamos água na cabeça. Sofria igual o sovaco de um alejado. Aí, depois, ele foi lutando, lutando, até ele conseguiu essa água, pôs aqui. Agora, ficou melhor.
P2 – Água na cabeça... Qual a distância daqui até lá, é muita? É muito longe?
R – É longe, moço! Isso aqui você olha, você fala assim: “Desce ali, está perto, tem uma descida para você ir lá embaixo na beira do rio.”
P2 – Aí, põe a tina na cabeça.
R – É, com o pote na cabeça. Tinha dia que ia fazer de comer, não tinha água, precisava nós tudo corrermos no rio para buscar.
P1 – Pesado, né?
R – É, bota pesado na cabeça.
P1 – O barro também deve ser bem pesado, né, Dona Rita?
R – O barro para boter apanhar? Valei de nós sem o carrinho! O barro eu ponho lá por cima dessa cerca. Passa dessa casa de bichinho, dessa grande aí, de banda de lá.
P2 – A senhora faz o trabalho o dia inteiro? Acorda, começa a trabalhar até a noite?
R – Não, de noite, eu não gosto de trabalhar, não. Eu pego cedo, depois do almoço, depois de 10 horas, e aí eu trabalho até quatro horas. Quatro horas em diante, eu vou zelar os netos.
P2 – E as mãos da senhora devem ficar…
R – Minhas mãos não doem, não. Já acostumei.
P2 – Mas as meninas não reclamam, as mais novas?
R – As meninas reclamam. Se eu peço para ir para a cozinha o dia inteiro, para lidar, elas não gostam, não.
P1 – Depois que a senhora trabalha, deu umas quatro horas da tarde, está chegando o fim de tarde, o que a senhora gosta de fazer, além de ficar zelando pelos meninos, com eles do lado? Como é que é isso?
R – Eu vou dar banho neles, acabo de dar banho neles, vou tratar dos meus porcos, prender galinha.
P1 – A senhora dorme cedo?
R – Eu gosto de dormir é cedo, não gosto de dormir tarde, não (risos). Porque a gente dormindo cedo, a gente tem que levantar cedo, e, dormindo tarde, você pode levantar tarde. Eles ficam aí assistindo televisão, eu vou deitar.
P1 – Como é o tempo aqui durante o ano? Tem tempo que chove muito?
R – Tem tempo que chove. Nesse ano, não choveu muito. Não deu nada de roça porque não choveu.
P1 – Aí fica difícil, né?
R – É. Nem vazante esse ano, que é costume nós colhermos, às vezes dá coisa no vazante. Esse ano deu nada. Tá muito seco.
P1 – Vazante?
R – É a beira de rio em que nós plantamos.
P2 – E, quando as pessoas vêm aqui comprar as panelas, o que elas falam, o pessoal de fora?
R – Eles falam que vão voltar. Aí, saem. Quando eles marcam a ocasião, eles vêm mesmo. Tem hora que ele, esqueci o nome dele. Esses dias, o carro estava buzinando, eu falei: “Os meninos não saem, que não é ninguém, não.” E ele gritou, eu acho que no buraco lá do fogão. Aí, ele gritou: “Ô, Dona Rita!” Aí, eu falei, o Lucimar falou: “Ô, mãe, eu conheci a fala, é o moço!” Ele é de São Paulo. Ele veio comprar um bocado de vasilha e levou.
P2 – Ele vem sempre?
R – Vem, de vez em quando, ele vem.
P1 – Eu vi ali que a senhora faz geladinho também?
R – Faço, nós fazemos de tudo.
P1 – Geladinho de quê a senhora faz?
R – De chupe-chupe, como é que chama? Suco. Esse bicho, ai, meu Deus. Abacaxi. Nós fazemos de tudo.
P1 – O que mais a senhora faz, já que faz de tudo?
R – Nós fazemos de mamão, nós fazemos de coco. Quando eu vou na feira, “pra mode” de eu comprar os cocos.
P1 – A criançada vem aqui?
R – Vem. E esses vizinhos tudo vêm comprar daqui.
P1 – É bom que eles ficam brincando com os seus netos, né?
R – É isso mesmo.
P2 – Quando começou a fazer geladinho?
R – Quando começou? Ô, moço, eu fui lutando até eu comprar uma geladeira (risos). Vendendo panela. Fui juntando esse dinheiro, até que eu juntei. Eu estava em 200 reais, a geladeira custou 500. Eu fui, o moço chegou, eu paguei 200 de entrada e fiquei devendo 300. E fui pagando de 50 em 50, até que Deus me ajudou que eu paguei. Eu consegui ter, se não eu não tinha (risos).
P2 – Faz tempo?
R – Já tem uns dois anos.
P1 – Geladeira é muito bom, né?
R – É.
P2 – E a senhora resolveu fazer geladinho para vender, para ajudar um pouquinho?
R – Não, a menina que faz, eu tenho preguiça de fazer (risos). Tem hora que eu vou ajudar ela a fazer, me falta paciência, eu falo: “Pode fazer que eu não vou fazer, não.”
P2 – Mas é mais fácil que fazer panela, não é, não?
R – Não, é mais duro. Você ficar aquilo, apanhando na panela, num instante você faz. E o geladinho é mais difícil. Você vai bater os trens para poder fazer o chupe-chupe.
P2 – E por que preço a senhora vende as panelas?
R – Panela eu vendo duas por cinco, três reais. Todo preço eu vendo. Pequenininha de dois reais. Pequenininha assim, para pintar.
P2 – E quanto a senhora faz por dia?
R – Panela, eu faço 25 panelas.
P2 – E vende bem? Vende tudo que a senhora faz?
R – Vendo. Quando eu levo na feira, vendo.
P1 – Essa casa, foram vocês que subiram?
R – Foi.
P2 – Como que é feita essa casa?
R – Ela é feita é de madeira. É de aroeira, como é que chamam? Os paus, cabos são de bambu.
P1 – Quanto tempo demorou para subir?
R – Quanto tempo demorou? Umas duas semanas.
P1 – Foi a família toda?
R – É, toda. Todo mundo reuniu para poder fazer.
P2 – E a senhora vai trabalhar na feira. É muito longe essa feira?
R – A feira, acho que é a uns 2 quilômetros. Tem hora que precisa eu fretar o carro para poder vir me apanhar aqui.
P2 – Acontece toda semana?
R – Não, vão 15 dias sem eu ir lá. Depois eu vou. Eu mando a menina levar na cabeça e fico na banca. Se falhar uma feira, eles cortam.
P1 – Esses fornos, vocês que fizeram também?
R – Foi.
P1 – E como é que faz o forno?
R – Esse aí, você fura uns buracos por riba, volta, fura por baixo com enxada.
P1 – Mas ele fica bem firme, né?
R – É, fica forte, mas isso é areia. Você tem que bater um barro assim.
P1 – Mistura o barro, areia?
P1 – Não, não pode misturar areia, porque o barro, o chão já é areia. Agora, você amassa o barro e bate no céu dele.
P1 – E para fazer o telhadinho assim?
R – Para riba? É de tijolo. Aí, para arredondar assim, é de tijolo.
P1 – E dura bastante?
R – Dura.
P2 – E a senhora já andou pelo Vale do Jequitinhonha bastante ou a senhora ficou só mais por aqui mesmo?
R – Não, eu nunca andei, não. Nós morávamos em Taubina. Nós mudamos para Taubina. Depois, lá eu não fazia vasilha, não, que era muito difícil. Aí, nós mudamos para aqui.
P2 – Não tinha barro lá?
R – Tinha barro, mas era difícil demais, que a lenha era muito longe. E era em rua, ninguém podia trabalhar.
P1 – Agora tem que comprar a lenha, né?
R – É, tem que comprar a lenha, que a lenha daqui acabou.
P2 – E esse rio em que a senhora busca barro, que rio é? É o Jequitinhonha?
R – Que apanha barro? Não é, não. É aqui em riba, nos barreiros.
P2 – Sabe o nome dele?
R – Na margem, é Jequitinhonha mesmo. Mas é para riba.
P2 – E a senhora já andou de canoa?
R – Já andei muito.
P2 – Como é?
R – Para poder trabalhar, nós tínhamos roça. Cortava roça de banda de lado, do outro lado. E aqui não tem o mato, acabou para gente fazer roça. Nós íamos fazer de banda de lá, nós tínhamos que ir. Eu, ele e os filhos íamos trabalhar.
P2 – Atravessava o rio?
R – Atravessava o rio para o lado de lá, e ia trabalhar em roça, de remo ainda.
P2 – Demora muito tempo de canoa para atravessar o rio?
R – Demora, não.
P1 – E dá para pegar peixe no rio?
R – Dá, mas, depois da Florestal, ninguém está podendo pescar (risos). Se a gente pescar, eles pegam.
P1 – O pessoal da Florestal?
R – Sim. De primeiro, nós pescávamos. Agora, parou de pescar.
P1 – E que peixe dava para pegar antes?
R – Era traíra, era curimatã, era roncador.
P1 – Mandioca também tem por aqui?
R – Tem. Isso sempre nós plantamos pé aqui, para poder comer (risos).
P2 – E peixe é bom na panela de barro também?
R – Peixe é. Melhor que na de alumínio.
P1 – Pequi a senhora come como? Pequi com arroz?
R – Peixe com arroz?
P1 – Não, pequi.
R – Pequi a gente cozinha. Eu gostava de cozinhar dentro do arroz.
P2 – Tem muita festa aqui?
R – Tem não, moço.
P2 – Tem nada?
R – Ave Maria! Se tiver festa aqui, o povo mata uns aos outros.
P2 – Por que?
R – Porque briga demais.
P2 – Tem muita briga aqui?
R – Tem, o povo bebe demais.
P2 – Bebe nas casas, bebe nos bares, onde bebe?
R – Vai na rua e compra e bebe aqui.
P1 – E é muita família que tem?
R – Tem, isso aqui é igual um comercinho.
P2 – Quando a gente estava procurando a senhora para entrevistar e ligamos para algumas pessoas de São Paulo, ninguém conhece a senhora como Maria, né? Só como Rita.
R – É isso mesmo. É por causa que eles conhecem eu é por Rita, mas eu chamo Maria.
P2 – Por que? A sua mãe nunca chamou a senhora de Maria?
R – Não. Mas é que eles não me chamam Maria. Só me chamam Rita.
P2 – Desde pequena?
R – Desde pequena.
P1 – Não tinha outro apelido também?
R – Não, outro apelido não tinha, não.
P1 – Ritinha?
R – Ritinha eles me chamavam (risos).
P1 – A senhora era a caçula?
R – Não, tinha outra, que morreu.
P1 – Mas o resto era tudo mais velho?
R – É, tudo mais velho que eu. Não, só tem um mais novo, caçula, chama Lica. Chama Maurício, chama Lica por apelido.
P2 – O que a senhora espera daqui para a frente para esse lugar?
R – O que eu espero?
P2 – É.
R – Agora é morrer (risos).
P2 – Para o lugar, para os seus filhos, para os seus netos?
R – Para meus netos e meus filhos, nós trabalhamos para deixar eles tudo de barriga cheia e ter as coisas.
P1 – Tem escola por aqui, Dona Rita?
R – Tem. Não tinha, mas depois eles abriram uma escola aqui.
P1 – E como é que é? O pessoal vai lá, as crianças?
R – Vai. As crianças vão todo dia.
P1 – Vêm buscar eles?
R – Vêm, não. Vai no pé, mas é pertinho daqui. Agora, da rua que a minha menina vai, vai todo dia caminhando e vem de carro. Tem que esperar até uma hora para ela vir.
P2 – Quando ela era pequena, não tinha escola por perto?
R – Tinha escola, moço, mas pai não deixava. Nós trabalhamos para ajudar ele. Não deixava nós irmos para a escola para nós podermos ajudar ele dentro de casa, trabalhar.
P2 – Mas a senhora queria ir?
R – Queria, mas não podia ir, uai! Porque tinha muito menino pequeno. Nós entrávamos, ele mandava nós irmos, ficarmos lá um dia na escola. E voltava. Aí, nós vimos que estava muito difícil. Eu falei: “Ó, sabe de uma coisa, mãe? Nós vamos sair da escola.” Nós saímos para poder ajudar ele trabalhar.
P2 – Mas a senhora quer que os seus filhos vão para a escola?
R – Eu quero que os meus filhos estudem. Essa mesma nós levamos a trancos e barrancos, mas ela está indo estudar. Ela estuda em Jenipapo. Aí, eu peguei, ela passou, passei para a rua.
P2 – Jenipapo é longe?
R – Jenipapo é longe, e tinha vez que eles vinham de lá aqui caminhando.
P2 – Quanto tempo dá?
R – De Jenipapo até aqui? Quantos quilômetros tem, Afonso? Quantos quilômetros tem de Jenipapo aqui? São duas léguas e meia. E tinha vez que ela vinha de lá caminhando.
P1 – Ela está em que ano? Está estudando o quê?
R – Ela tem acho que 17 anos. Ô, Lucimar, o que você está estudando? Primeiro grau.
P2 – Quem descobriu a senhora aqui para vender panela? Teve alguém que veio primeiro?
R – Nós fazíamos e levávamos na rua. O povo via aí, ali. Eles conseguiram uns que vinham comprar peça na mão dele. Aí, trazia eles aqui, para comprar de nossa mão.
P2 – Então, primeiro, a senhora teve que ir lá levar?
R – Era, tinha que ir lá levar. Depois, ele conseguiu, fazendo peça, vinha de lá mais eles aqui. Eles compravam aqui na nossa mão.
P1 – E a senhora acha que, que nem a sua mãe ensinou a senhora a fazer, a senhora está ensinando os seus filhos, os seus netos?
R – É, é isso mesmo.
P1 – O que a senhora acha disso?
R – Eu acho bom que eles vão trabalhar. Se eu faltar, eles têm o jeito de ganhar os mil réis.
P1 – Mas é bonito também, né?
R – É, a pessoa trabalhar.
P2 – Rita, tem hospital aqui perto?
R – Tem, não. Só tem mesmo na rua, e é muito difícil para você fazer uma consulta.
P2 – Médico não vem para cá também?
R – Não vem, não. Sempre diz que… Dizendo o povo, que eles vão em Jenipapo, mas aqui nunca vêm, não.
P2 – E como que é para fazer consulta?
R – Tem que sair daqui de madrugada, chegar lá, ficar no posto até tarde. Se tiver uma vaga, você faz a consulta. Se não tiver, a pessoa fica doente. E esse, se não tiver o dinheiro para comprar os remédios, passa precisão.
P1 – Mas a senhora não tem os remedinhos aqui da terra?
R – Tem. Remédio do mato tem. Eu sempre apanho e faço para eles.
P2 – Quais são?
R – Eu apanho esse bicho, seriguela, eu faço. Hortelã. É arruda, é losninha. Tudo quanto é espécie de remédio que falam comigo que é bom eu apanho ele do mato. E faço e eles bebem.
P2 – E para que serve cada um?
R – Serve para pressão.
P2 – Qual deles?
R – E hortelã amargoso serve para estômago.
P1 – Seriguela é muito bom, né?
R – Seriguela é essa bicha. Acerola também é boa.
P2 – Para que é acerola?
R – Acerola é boa para pressão.
P2 – Pressão?
R – É.
P1 – Seriguela dá para fazer chupe-chupe também, né?
R – Dá.
P1 – O pessoal gosta?
R – Gosta, mas eu nunca fiz, não (risos).
P2 – E como que era quando ia nascer filho? Fazer parto era parteira, era em casa, como é que era?
R – De primeiro, era em casa. Agora, não. Se deu a dor, tem que levar para Taubina. Essa menina minha mesmo, que mora do outro lado, deu a dor e ganhou aqui. Fomos nós mesmos que cortamos o umbigo dela, da menininha que ela tem. Mas ia levando ela para Taubina.
P2 – Tem alguma coisa, algum remédio desses, que é bom para cicatrizar, quando a criança nasce, para botar no umbigo dela?
R – Tem aqui. De primeiro, nós usávamos apanhar a soldinha e torrar para pôr no umbigo. E agora eles já mudaram. É um iodo para poder pôr. O umbiguinho é com iodo.
P1 – Dona Rita, a senhora acha que mudou muito de quando você era pequena para hoje em dia?
R – Mudei (risos).
P1 – E a região mudou muito?
R – A região não mudou, não (risos). São poucos os que gostam de ganhar o pão para dar aos filhos para comer.
P2 – Mas o pessoal faz o quê para viver?
R – Se você não mexer com olaria, ou fazer uma vasilha, trabalha a dia para os outros. O povo aqui quer pagar 12 reais por dia. O que você faz com 12 reais por dia?
P2 – Trabalhar para quem?
R – Trabalhar a dia para os fazendeiros.
P2 – E o preço que eles pagam é esse?
R – É, 12 reais por dia.
P1 – E o que eles fazem, geralmente? Esses fazendeiros plantam, têm boi?
R – Agora, não querem plantar é mais nada, moça, que, com essa sequidão, eles tudo esmorecem de botar camarada.
P2 –Só voltando para a parteira. Tinha parteira na época da sua mãe, mulheres que vinham?
R – Tinha, a minha mãe era parteira.
P2 – Ah, é?
R – Era.
P2 – E ela ensinou a senhora também?
R – Não. Eu tenho é medo de ficar mais a mulher, quando incomoda (risos).
P1 – Você já a viu fazendo?
R – Já. Mas eu tenho medo de ficar. Quando a mulher está com barriga e deu a dor, não me chame, não. Eu tenho medo (risos).
P1 – Mas o que a senhora viu que deu medo?
R – Uai, que eu tenho medo, moça, que eu já vi gente morrer.
P1 – E o seu pai fazia o quê?
R – O pai era serrador, trabalhava no serrote para os outros e plantando os trens dele. Quando ele não aguentava mais, ele foi plantar.
P2 – O que a sua mãe passou… A sua mãe e o seu pai passaram para a senhora, fora fazer panela? O que a senhora aprendeu com eles?
R – Fazer panela? Nós trabalhávamos a dia para os outros.
P2 – Mas fora isso, o que ela ensinou para vocês?
R – Mais nada.
P/1 – Dona Rita, a senhora falou para a gente que acha muito importante o trabalho. Eu queria que a senhora falasse mais um pouco sobre isso, sobre o que é trabalhar assim.
R – Como é que é que você... De trabalhar? Mas é que eu gosto de trabalhar. Nós pegamos para trabalhar, eu com sete anos. Pai nunca deu para nós roupa. Nós trabalhávamos, fazíamos aquelas vasilhas. Vendia. Agora, ia comprar aquelas roupas. Dava a ele o dinheiro na mão, e ele ia comprar roupa para nós vestirmos.
P1 – De antes, quando a senhora vendia com a sua mãe, com o seu pai, as vasilhas, para hoje, a senhora acha que melhorou o movimento? Como é que está?
R – Ah, hoje está melhor. Movimentou mais. Tem gente que não tinha. De primeiro, o povo andava por aí montado em animal, não tinha carro, não tinha estrada. Agora, mudou, porque tem estrada, tem carro para poder sair.
P1 – E dá para tirar o sustento com as panelas?
R – Ah, agora dá.
P2 – A senhora nunca pensou em fazer uma outra coisa?
R – Não, eu gosto de fazer tudo quanto é espécie de vasilha. Quando o povo traz o modelo, eu faço tudo quanto é espécie de vasilha. Eu faço fogão, tudo quanto há. Eu invento fazer, para poder Deus ajudar.
P2 – Fogão de barro?
R – É, fogão de barro.
P2 – Grande?
R – É. Pequenininho, a gente faz para enfeite. Faz para cozinhar quando é uma pessoa só que mora na casa. Eu já fiz.
P2 – E cozinha com lenha?
R – Cozinha com lenha.
P2 – É assim?
R – É assim, ó. Mas tem que ser mais alto um pouquinho.
P2 – A senhora já foi no Festivale? Um festival grande no Vale do Jequitinhonha?
R – Já fui, não. Sempre eu mando peça, aí eles levam para mim. Ulisses levava para mim.
P2 – E é bom? Dá dinheiro?
R – Dá. De Belo Horizonte, também dá.
P1 – E, só para finalizar, o que a senhora achou de contar um pouquinho da sua história para a gente?
R – O que eu achar de contar?
P1 – Você está gostando do nosso bate-papo aqui? O que a senhora está achando?
R – Uai, eu tô gostando que vocês estão aí batendo papo. Ao menos, divertir uma hora mais nós, que aqui é muito difícil. Tem hora que chega um, chega outro. O nosso trabalho é a semana inteira. Só quando vem gente jogar, mexer com sinuca, que nós vemos gente aqui.
P2 – A senhora aluga mesa?
R – Não, eles entram e jogam. Acho que é 50 centavos por ficha.
P2 – Ajuda a ganhar um dinheiro também?
R – É, já ajuda a ganhar uns três, quatro reais.
P2 – Mas a senhora também vende bebida para eles?
R – Vendo. Eu vendo cerveja aqui.
P2 – A senhora faz um monte de coisa!
R – A gente tem que quebrar com a cabeça, moço, para poder ganhar os mil réis.
P1 – Essas mesas são da senhora? A senhora comprou?
R – Ele comprou. Meu marido comprou.
P1 – Ele gosta de jogar uma sinuca também?
R – De vez em quando, ele joga, que tem dia que ele nem mexe com sinuca (risos).
P1 – E os meninos jogam?
R – Só tem um menino aí que joga.
P2 – A senhora quer que seus filhos e netos virem paneleiros também?
R – Uai, quero. Eu ponho eles para trabalhar, que, a hora que a mãe deles sair, eles ficarem zelando a casa para ela. Que elas estão no meio da vida.
P2 – Eles têm talento para panela?
R – Têm.
P2 – Todos eles?
R – Todos eles.
P1 – Então tá. A gente queria agradecer pelo Museu.
R – Obrigada você.
P1 – E que a senhora tenha muito sucesso para esses anos de trabalho, de saúde.
R – Deus que há de me ajudar mesmo! Passa, passa, e eu tô fechando.
P2 – Obrigado!
R – Nada, obrigado vocês também.Recolher