P/1- Seu Romeu, queria que o senhor começasse dizendo seu nome completo, o local e a data de nascimento
R- Romeu Silva, nascido em Taubaté. Residente à Rua Dr. Jorge Winter, número 241.
P/1- E o ano que o senhor nasceu?
R- 25 do 1 de 1927.
P/1- E os seus pais, Seu Romeu, nasceram aqui também?
R- Natural de Tremembé.
P/1- O seu pai?
R- (Benedito?) Philadelpho da Silva
P/1- E o que que ele fazia, Seu Romeu?
R- Antes de ser comerciante, ele era barbeiro.
P/1- Ah, ele era barbeiro?
R- Barbeiro.
P/1- Lá em Tremembé ou aqui?
R- Não, em Taubaté.
P/1- Em Taubaté. Onde que era a barbearia dele?
R- Barbearia dele era no Largo do Mercado.
P/1- E o senhor lembra, quando o senhor era pequeno, se o senhor ia lá?
R- Não, quando eu nasci, já ele era comerciante.
P/1- Aí ele foi barbeiro durante quantos anos?
R- Poucos anos.
P/1-E por quê que ele veio pra Taubaté, Seu Romeu?
R- Ele veio porque Tremenbé era uma cidade pequena, então ele queria se expandir, então ele veio pra Taubaté.
P/1- E ele chegou aqui em Taubaté, o que que ele fez?
R- Barbeiro. Abriu uma barbearia.
P/1- E depois?
R- Depois comerciante.
P/1- E que comércio que ele tinha?
R- É, cereais e ferragens.
P/1- E o senhor pode falar um pouquinho sobre essa loja, onde era, como era?
R- É, a loja foi instalada no Largo de Santana, hoje chamada Praça Eusébio Câmara Leal, número 65. Ele iniciou com comércio de alimentos e ferragens, no varejo. Mais tarde, ele foi, varejo e atacado. Por longos anos, ele foi um dos maiores atacadistas de Taubaté. Depois com o desapareci... não. Depois, antigamente, o comércio antigamente era fornecido direto das indústrias para os atacadistas do interior. Depois, mais tarde, as indústrias começaram a distribuir para os atacadistas de São Paulo e estes revende... fazendo a revenda para o interior. Foi aonde aniquilou com o comércio atacadista. Hoje, é... a loja, o armazém trabalha mais com atacado, pequeno atacado e varejo, que nós chamamos de varejão.
P/1- E nesse primeiro comércio do seu pai, nessa época em Taubaté, como que era a vida de um comerciante em Taubaté? (pausa) Ele comprava as mercadorias aonde, como é que chegavam as mercadorias?
R- Não ele recebia as mercadorias diretamente das industrias.
P/1- E como é que chegavam as mercadorias? De trem?
R- Não, também. Por via férrea e por rodovia.
P/1- Desde essa época.
R- Hem?
P/1- Por rodovia, pela antiga Rio-São Paulo?
R- Antiga Rio- São Paulo e pela estrada de ferro Central do Brasil.
P/1- E como é que ele fazia as compras, Seu Romeu?
R- As compras, os viajantes visitavam a firma, os viajantes das indústrias, o que hoje não acontece.
P/1- E nessa rua, onde ele tinha esse comércio, o que mais que tinha, o senhor lembra, de comércio?
R- Não existia. Só o Mercado Municipal, era... na época era cidade pequena, né? Uma cidade com 30 ou 35 mil habitantes, agora hoje Taubaté deve ter de 270 a 300 mil habitantes, né?
P/1- E o senhor lembra como que era sua vida, quando o senhor era criança aqui em Taubaté?
R- Eu trabalhava em compra e venda com ele, né?
P/1- Mas desde que idade?
R- Ah, foi dos 18, 19 anos em diante.
P/1- É , mas e antes de o senhor trabalhar, na sua infância mesmo, como é que foi a sua infância em Taubaté?
R- Ah antes eu trabalhava com ele no balcão, atrás do balcão. O que hoje o armazém trabalha atrás de balcão, mesmo. Não mudou nada, desde o início, até agora, o modo de trabalhar é o mesmo.
P/1- E o senhor trabalhou, começou a trabalhar com quantos anos?
R- 7 anos, mais ou menos.
P/1- E como é que era pra uma criança trabalhar, dava pra ir na escola ao mesmo tempo, como que o senhor estudava?
R- Dava. Dava, eu fiz o primário no Primeiro Grupo de Taubaté, o Lopes Chaves, depois à tarde trabalhava no balcão, com ele.
P/2- O senhor estava falando que o comércio do seu pai era o maior atacadista de Taubaté. Vinham pessoas de outras cidades do Vale Paraíba pra vir comprar?
R- Sim, sim. Nós fornecíamos para São Luís do Paraitinga, Redenção, Natividade da Serra, a zona rural todinha
P/1- E como é que as mercadorias chegavam lá, Seu Romeu?
R- Pelo transporte próprio.
P/1- Ah, o senhor tinha transporte próprio?
R- Transporte próprio.
P/1- Desde quando, Seu Romeu, que tinha, quando que começou a ter esse transporte próprio pra entrega de mercadorias?
R- Ah...
P/1- O senhor lembra?
R- Desde que o armazém passou a ser atacado.
P/1- E quando foi isso, Seu Romeu?
R- Depois, ele trabalhou no varejo, o comércio varejista foi uns 10 ou 15 anos depois. Ele trabalhou por longo tempo no atacado, como já falei, Taubaté tinha na época uns 10 atacadistas, uns 10 grandes atacadistas, entre ele a Casa Philadelpho.
P/1- E todos esses atacadistas vendiam pra toda a região do Vale?
R- Vendiam.
P/1-Quer dizer, a gente poderia dizer, que em termos do comércio do Vale, Taubaté, nos anos 40, era um centro distribuidor, digamos assim?
R- Distruibuidor.
P/1- E essas mercadorias vinham de onde?
R- Vinham de São Paulo, do Rio.
P/1- Vinha de São Paulo.
R- Do Rio também.
P/1- E depois, Seu Romeu, ele ficou um tempo atacadista...
R- Aí, o comércio... a casa Philadelpho passou a reduzir o movimento de uns 10 anos para cá. Porque com o advento de supermercado e essas firmas atacadistas distribuindo no interior, aniquilou com o comércio atacdista do interior.
P/1- E naquela época anterior, nos anos 40, Seu Romeu, como é que o seu pai fazia a contabilidade da empresa?
R- Por intermédio de contador, né?
P/1- Tinha um contador?
R- Tinha um contador.
P/1- Porque eu vi que o senhor se formou, né, em contadoria, também.
R- Mas, eu num... eu só trabalhava em compra e vendas com ele.
P/1- Em compra e vendas. E os funcionários? Como é que eram os funcionários, eram daqui, também, de Taubaté?
R- É, de Taubaté. A firma tem 5 funcionários. Hoje ela tem 5 funcionários.
P/1- E naquela época, quando era atacadista, quantos funcionários chegou a ter?
R- Naquela época tinha uns 10. 8 ou 10 funcinários.
P/1- Chegou a ter tudo isso? Pôxa. E dava conta de fornecer pra toda essa região?
R- Toda a região.
P/1- E quem eram os compradores, Seu Romeu?
R- Os compradores, bom, por nome?
P/1-Não, não. Das cidades. Eram donos de que tipo de loja?
R- Ah, não sei. Porque antigamente, antes com o aparecimento dos supermercados, em todos os bairro eram armazéns. Não existia supermercado, como hoje que cada bairro existe três, quatro supermercados. Quer dizer, eram pequenos armazéns e a Casa Philadelpho fornecia para esses armazéns da cidade e da zona rural, inclusive São Luiz, Paraibuna, Natividade, Catiçaba, toda essa região.
P/1- Entendi. E como era feito o pagamento?
R- O pagamento era à vista ou por cheques pré-datados.
P/1- Mas isso desde o começo, desde lá aquela primeira época, tinha cheque pré-datado?
R- Desde a época. Ele não, não usava vendas a prazo.
P/1-Nunca, nunca trabalhou assim?
R- Nunca trabalhou.
P/1- E como é que fazia pra transportar? Porque o senhor vendia a granel, né?
R- Hum,hum. Mas, transporte próprio. A firma tinha o transporte
P/1- E que carro que ele tinha? Qual foi o primeiro carro que ele teve, o senhor lembra?
R- Uma caminhonete (Study Backer?).
P/1- Que ano que foi isso?
R- 40, 40, acho que 40, 45, por aí.
P/1- E onde que ele comprou, o senhor lembra?
R- Taubaté, mesmo.
P/1- Comprou aqui mesmo? Tinha revendedora de carro aqui?
R- Tinha revendedora aqui em Taubaté.
P/1- E carregava quanto essa caminhonete, carregava bastante?
R- Mil e quinhentos quilos
P/1- Quer dizer, dava pra lotar... e como que era a embalagem, como é que se embalava esse...?
R- Era por, era por caixa de madeira. Na época usava caixa de madeira.
P/1- Caixa de madeira e, aí, que tipo de mercadoria na caixa de madeira?
R- Ah, toda, né? Toda pequena, pequena mercadoria. Agora as grandes iam direto para a caminhonete, né?. Sacaria etc ia direto.
P/1-Já ia direto.
R- Ia direto.
P/2- O senhor estava falando dos, ela estava perguntando dos vendedores, eles recebiam algum tipo de treinamento, eles eram da cidade, eram parentes?
R- Não. Tinha, a firma tinha uns três viajantes. Tinha um que atuava na cidade. Tinha dois viajantes, um que atuava na cidade e outro na zona rural.
P/1- E aí esse viajante percorria a zona rural para estar pegando os pedidos
R- Pegando os pedido.
P/1- Entendi. E esse viajante ganhava como, assim, ganhava uma porcentagem?
R- Não. Tinha seu salário.
P/1- Era salário, também.
R- Salário.
P/1- Entendi. E o senhor, como é que esses viajantes o senhor contratava? Quer dizer, eles já eram viajantes de outras empresas?_______________
R- Não, não, não, não. Era exclusivo.
P/1- E como é que eles viajavam? Eles viajavam de trem?
R- Eles viajavam por conta própria.
P/1- Mas era de trem, de ônibus?
R- É de ônibus, né? Porque essa zona aí, era São Luis, Paraibuna, Catiçaba, era tudo por rodovia.
P/1- É. E o senhor podia falar um pouquinho sobre essas cidades, como elas eram nesse período?
R- Ah pequenas cidades, né? Porque hoje ainda é, ainda são pequenas cidades.
P/1- Mas todas elas tinham um armazém...
R- É, era a época era de armazém, né?. Era armazém.
P/1- E o que vendia num armazém, quais eram os principais produtos de um armazém?
R- Arroz, feijão, óleo, açúcar, sal, fubá. E depois tinha enxada, ferragens, chapéu de palha, esteira, tudo da época, né? Tudo material da época.
P/1- E tinha muita diferença dos produtos que eram pro pessoal do campo dos produtos...
R- Ah, sim. Na época o pessoal do campo usava, por exemplo, açúcar mascavo, açúcar rapadura, açúcar cristal, o que hoje não acontece, né?
P/1- E era muito diferente, então, o consumo, o que as pessoas compravam? E o senhor vendia desde pequena quantidade, até...
R- Hum, hum.
P/1- E o senhor chegou a vender pra outras lojas aqui em Taubaté?
R- Não. Só para pequeno, só para pequenos comerciantes.
P/1- Aqui de Taubaté?
R- Taubaté. Não, Taubaté e da outra região, como já falei, São Luis, Capuçaba, Paraibuna, Natividade da Serra, essas cidades vizinhas.
P/1- Entendi. E sobre o comércio aqui de Taubaté, quando o senhor morava aqui em Taubaté em que lojas que o senhor comprava, onde o senhor comprava sua roupa? O senhor lembra?
R- Na época era loja de russo, né?
P/1- Que que é loja de russo?
R- Então comprava já roupas feitas, já, de russo.
P/1- Como assim, de russo?
R- É, a loja é de russo, né?
P/1- Que quer dizer isso?
R- Hem?
P/1- Que quer dizer isso, loja de russo?
R- Ué, nacionalidade russa.
P/1-Ah é, tinha muito russo aqui?
R- É.
P/1- É mesmo?
R- Na época era. Na época tinha várias lojas e era só de russo.
P/1- É mesmo?
R- Hum, hum.
P/1- Nossa. Ninguém nunca disse isso. Mas o que que eram, imigrantes, pessoas que vieram da Rússia pra cá.
R- Não, vieram da Rússia pra comerciar, ganhar dinheiro.
P/1- E o senhor lembra o nome dessas lojas?
R- Não, não. Lembro uma.
P/1- Ahn?
R- Casa São Paulo.
P/1- Casa São Paulo? O dono era russo?
R- O dono era russo.
P/1- E o que que vendia essa loja?
R- Roupas feitas.
P/1- E aonde que ficava?
R- Ficava no Largo do Mercado.
P/1- Ah, é? E todo mundo ia comprar lá na loja do russo?
R- Hum, hum.
P/1- (riso)
R- Naquela época era.
P/1- Isso o senhor comprava roupa. E sapato onde o senhor comprava?
R- Ah, tinha várias lojas de, de... tinha sapataria, né?
P/1- E o senhor lembra alguma?
R- Não. (pausa)
P/1- Não lembra.
R- É Casa de Calçados Popular
P/1- É essa nós ouvimos, o senhor ia comprar sapato lá?
R- Hum, hum.
P/1- Como é que era a loja, o senhor lembra?
R- Na época era pequena, né? Ela ficava no Largo do Mercado. Tudo, a zona comercial, era no Largo do Mercado
P/1- Era tudo em volta do mercado?
R- Era tudo ali em volta do mercado.
P/1- E como chamavam as ruas que saiam por lá, o senhor lembra?
R- Chamava ... Rua Dr.Silva Barros, é... Coronel Jordão, Rua do Comércio.
P/1- Rua do Comércio? Como que era a Rua do Comércio, o senhor lembra?
R- Rua do Comércio era uma travessa do Largo do Mercado
P/1- E o que que tinha lá?
R- É... Na época, o que que tinha? Hoje é, são casas de ração, vidraçaria, restaurante.
P/1- E na época tinha o que, o senhor lembra?
R- Na época eu não lembro.
P/1- Quer dizer que o senhor comprava sapato na Popular, roupa na loja do russo (riso). E tinha mais, mesmo, fiquei interessada nesse negócio da loja do russo. Tinha mais, mesmo, imigrantes russos aqui?
R- Tinha. Tinha várias lojas de russos, que comerciava roupas feitas. Roupas feitas, guarda-chuva, esse negócio todo.
P/1- E isso em que ano, mais ou menos, Seu Romeu?
R- O que, eu tinha o que? 15 anos.
P/1- Han. E o que o senhor fazia aqui por Taubaté, quando o senhor tinha 15 anos, conta pra nós.
R-15 anos?
P/1- É.
R- Eu estudava, fazia...o que? 15 anos, 15 anos, 15 anos eu fazia...
P/1- O senhor estava estudando?
R- Não, estudando não estava. Estudando, já tinha terminado. Tinha terminado, aí eu terminei o... terminei o primário em 38. Daí, eu deu uma folga, comecei, voltei a estudar em 42. Em 42 eu fiz a Escola do Comércio.
P/1-E como que era essa escola do Comércio, Seu Romeu?
R- Escola do Comércio, ela está situada até hoje na Rua Conselheiro Moreira de Barros, Antiga Rua das Palmeiras. Lá funcionava o ginásio e o técnico em contabilidade.
P/1- E o que que o senhor estudava lá? Quer dizer, quais eram as matérias, quem eram os seus colegas?
R- Ih, agora vai ser difícil.
P/1- Não, o senhor lembra.
R- Matéria era Português, Matemática, História, Geografia... História, Geografia.
P/1- E especificamente, o senhor...
R- Isso na parte, na parte... que naquela época era primeiro,segundo, terceiro, quarto propedêutico, que usava. E depois passava pro primeiro, segundo e terceiro ano técnico.
P/1- E era o técnico em comércio?
R- Técnico, é. Técnico em contabilidade.
P/1- E os seus colegas, quem eram os seus colegas? Aqui de Taubaté, também?
R- Taubaté.
P/1- Mas já comerciantes também?
R- Alguns.
P/1- Por exemplo, o senhor lembra de algum?
R- Sei, o Gil Danelli
P/1- Ah, o Danelli?
R- É, o Gil Danelli foi meu colega, como a gente fala, o Jacó, a gente fala o Jacó, e outros que agora eu num...
P/1- Quer dizer, eles já tinham comércio e eles foram procurar a escola técnica. E tinha algum apoio de alguma entidade?
R- Não, não.
P/1- Era paga? Era uma escola paga?
R- Era paga. Era escola paga.
P/1- Mas era caro, não?
R- Não. Na época era 10 reais. 10... 10 cruzeiros, acho que era 10 cruzeiros, 10 cruzeiros a mensalidade.
P/1- E era de noite?
R- À noite.
P/1- E os professores, Seu Romeu, vinham de onde?
R- De Taubaté, mesmo.
P/1- Também de Taubaté. Também donos de comércio, não?
R- Não. Eram, eram professores... no... colégio do estado e à noite funcionava na Escola do Comércio.
P/1- E o senhor aprendeu alguma coisa na Escola do Comércio que o senhor não sabia já trabalhando?
R- Eu aprendi a contabilidade, né?
P/1- Isso o senhor não sabia?
R- Não.
P/1- Era isso, mas o senhor acha que isso ajudou no seu trabalho?
R- Ah sim, ajudou. Eu já peguei a teoria e depois com o comércio eu peguei a prática. Quer dizer, teoria e prática. Ela serviu mais, ela serviu como teoria.
P/2- A Escola do Comércio que o senhor estudou, vinham pessoas de São José...?
R- Não, não. Eram todos de Taubaté.
P/2- Só pessoas de Taubaté.
R- Todos de Taubaté. Eram professores do colégio do estado, que à noite fazia, acho que isso é bico, né? Faziam bico na Escola do Comércio, porque eles já eram, já eram funcionários públicos, né?
P/1- Entendi. E o senhor sabe quando foi fundada essa Escola do Comércio, Seu Romeu?
R- Escola do Comércio... Não sei.
P/1- Por que o senhor estuda lá em que época, mais ou menos?
R- Eu estudei, eu entrei em 1942.
P/1- E ela já existia faz tempo?
R- Já existia. Antes de, antes de ela ser instalada nessa Conselheiro Moreira de Barros, ela atuava na Rua Dr. Jorge Winter.
P/1- Quer dizer, deve ser dos anos 30, mais ou menos, né? E aqui no Vale, Seu Romeu, tinha outras Escolas do Comércio?
R- Não, não.
P/2- Essa foi a primeira escola?
R- É.
P/1- É, então provavelmente, tinha gente de fora que vinha estudar aqui, né?
R- Tinha.
P/1- O senhor não lembra?
R- Não lembro.
P/1- Eu queria só voltar um pouco, Seu Romeu, tentar contar um pouquinho sobre as suas memórias aí de Taubaté, quando o senhor era criança, depois quando o senhor ficou jovem. Que que o senhor lembra aqui da cidade, como era sua vida, como era a casa, o cotidiano na casa de um comerciante, acordava muito cedo, não acordava, como era?
R- Não, o comércio abria, normalmente, 8 horas. E, antigamente, o comércio, às segundas-feiras, ele abria só às 12 horas.
P/1- Às 12?
R- Às 12 horas.
P/1- Por quê?
R- Nas segundas-feiras.
P/1- Por quê?
R- O motivo eu não sei. Agora é o inverso, né? Agora ele trabalha aos sábados até à 1 hora e segunda em diante começa normal.
P/1- Quer dizer que na segunda-feira só abria meio-dia?
R- Só meio-dia.
P/1- Mas vocês tinham trabalho interno ou só abria pro público?
R- Não, não. Só abria ao meio-dia.
P/1- Ué, por quê isso?
R- Era, era, eu acho que era lei municipal.
P/1- Ah é?
R- Lei municipal.
P/1- Que engraçado. Por quê será, né? E aí, abria meio-dia, então na segunda-feira dava pra dormir até mais tarde?
R- É.
P/1- E aí, acordava, como era?
R- Acordava, tomava seu lanche, almoçava e ia.
P/1- E como que era a sua casa?
R- Hein?
P/1- Como era a sua casa?
R- Ah, a minha casa na época era modesta, né, era no fundo do armazém.
P/1- Ah, o senhor morava no fundo do armazém.
R- No fundo do armazém. Depois, o velho adquiriu uma pegada e a casa do fundo ele ampliou, como depósito.
P/1- Então era pertinho.
R- Pertinho.
P/1- Aí, aí então, abria a loja e ficava até que horas... voltava pra almoçar em casa depois?
R- Não, não. Já vinha já almoçado.
P/1- Na segunda-feira.
R- Era meio-dia, né? Funcionava até às seis horas mesmo.
P/1- E depois das seis?
R- Depois das seis, se quisesse ficar aberto até sete, oito horas, não era problema.
P/1- Mas era comum isso?
R- Era comum.
P/1- Mas por quê, Seu Romeu?
R- Porque a lei permitia, né?
P/1- Ficava aberto até oito horas.
R- Sete, oito horas, não tinha problema.
P/1- Então, não dava muito tempo pro senhor se divertir por aí.
R- Não, não dava.
P/1- E que que tinha em Taubaté, assim, pra um jovem fazer?
R- Em Taubaté, Taubaté tinha futebol, tinha o clube... tinha o... tinha a Associação Comercial, Associação Comercial, não... Comercial, era o nome da sede, Associação Comercial. Que ela era localizada na Praça da Catedral, na Rua Marquês (Herval?). E tinha futebol, tinha snooker, tinha tudo, né?
P/1- Na Associação Comercial?
R- Não. Na Associação Comercial tinha o baile e a sede com... Como esporte tinha pingue-pongue.
P/1-Pingue-pongue?
R- É jogo de pingue-pongue, é.
P/1-E quem eram os sócios dessa Associação Comercial, Seu Romeu? Seu pai era sócio?
R- Não. Eu era.
P/1- Ah, o senhor era sócio.
R- Eu era sócio.
P/1-Desde que ano.
R- Desde os 17 anos.
P/1-E eram donos de comércio que participavam dessa Associação?
R- Não, não, não. Era independente.
P/1- Ah, era completamente independente?
R- Era completamente independente.
P/1-Mas chamava Associação Comercial?
R- Associação Comercial.
P/1- Que engraçado, né? E não tinha nada a ver com comércio?
R- Não tinha nada a ver com comércio.
P/1-Era um clube?
R- Era um clube.
P/1- E tinha uns bailes bons lá?
R- Tinha.
P/1- O Biriba Boys vinha tocar aí?
R- Tem Biriba Boys. (riso)
P/1- Era bacana dançar com o Biriba Boys?
R- Na época era bom, né? Na época era um bom conjunto.
P/1- Eram bons os bailes.
R- Bom o baile. Bom. E depois tinha o (Taubaté Camp Field?), né? (Taubaté Camp Field?)
Eu entrei de sócio em 1942, hoje eu sou sócio remido.
P/1- E dava pra namorar, Seu Romeu?
R- Dava, tinha, dava tempo. Não. porque antigamente, antigamente não era como hoje. Hoje 9 horas, 8 horas, você não pode ficar mais na rua, né? Porque é violento o negócio. Antigamente não. Antigamente ficava 10 horas, 11, 2 horas da manhã, ficava na praça conversando e não tinha problema nenhum.
P/1- E dava pra namorar na praça?
R- Dava pra namorar.
P/1- E aí, o senhor namorou muito?
R- Um pouco. (riso)
P/1- E aí, um dia, o senhor conheceu sua esposa? Como é que foi isso?
R- Olha, foi num baile de São João, viu? O pai dela tinha padaria e eles fizeram um bailinho no, no fundo da padaria. E ali eu fiquei conhecendo.
P/1- E aí?
R- Aí foi, né? Aí eu namorei uns 6 anos.
P/1- 6 anos?
R- 6 anos.
P/1- Ficou pensando, hem?
R- Não, porque ela, ela fazia... ela tinha curso de adulto, sabe?
P/1- Como assim curso de adulto?
R- Curso de adulto. Ela dava aula à noite. E foi adquirindo ponto, porque daí ela passou a ser professora municipal. Daí, com os pontos adquiridos, ela ingressou no estado. Daí, ela, na época, ela deu aula em vários bairros. Ela deu aula em Natividade da Serra, deu aula no bairro do Macuco, no bairro do Ipiranga. Deu aqui...pegado em São José, como é que é a cidade, pegado em São José...
P/1- Jacareí?
R- Não, entre Caçapava e São José...
P/1- Que que tem entre...
R- Eugenio de Melo, Eugenio de Melo.
P/1- E aí, teve festa de casamento, Seu Romeu?
R- Teve.
P/1- Como é que foi? Onde foi?
R- Foi na residência, na residência dela.
P/1- Daí foi uma festa, veio todo mundo?
R- Festinha, de lá nós fomos pra São Lourenço.
P/1- Lua- de- mel.
R- Lua-de-mel em São Lourenço.
P/1- E como é que foi lá pra lua-de mel? Foi de ônibus? Como que foi?
R- Não, foi de carro.
P/1-Ah, foi de carro, o senhor já tinha carro.
R- Carro particular, não. Alugado.
P/1- E aí, o seu pai ficou na loja até quando, no armazém?
R- Ele faleceu, ele foi... ele deixou o armazém um mês antes de falecer. Ele faleceu no dia 11, 11 de outubro de 1984.
P/1- Nossa, ele ficou...
R- Ele trabalhou até um mês antes, um mês antes de falecer ele estava no armazém.
P/1- Então, o senhor trabalhou com seu pai, praticamente a vida inteira.
R- Toda a vida.
P/1- E como é isso, trabalhar com o pai? Dá muita briga?
R- Não, não dá. Ele era autoritário, ele era um senhor autoritário, compreendeu? Mas a turma levava a um bom termo.
P/1- E o senhor lembra ,assim, alguma situação em que o senhor entrou num conflito maior com ele?
R- Não.
P/1- Pode contar, pode contar.
R- Não... não houve nada, não. Às vezes tinha um arranca rabo etc, etc, mas, depois acalmava e ia tudo bem.
P/1-O senhor lembra alguma situação assim, que o senhor tinha uma idéia diferente da dele?
R- Não, não, porque, como eu já falei, ele era autoritário, era o que ele dizia, entendeu? Ele não admitia, ele não admitia palpite.
P/1- E a sua esposa nunca trabalhou, também na, nem sua mãe?
R- Não.
P/1- A sua mãe nunca trabalhou no armazém?
R- Não.
P/1- Que que ela fazia, Seu Romeu?
R- Ela fazia serviço de casa, né?
P/1- Cuidava da casa... E o senhor assumiu, então, em 84?
R- Não. A sociedade começou em 1952. Era ele, o irmão Acácio, eu e uma irmã, a Julieta. Hoje ficou só a Julieta. Há uns três anos atrás, o Acácio aposentou; eu há um ano atrás saí. Agora ela que administra.
P/1- Ah, sua irmã. E o senhor tem quantos irmãos.
R- Eram 13, o total.
P/1- 13? Nossa, e como é morar numa casa com 13 irmãos.
R- Morava bem.
P/1- Mas como que era, assim, pra organizar tanta gente?
R- Ah, organizava.
P/2- Os irmãos, um ajudava o outro? O mais velho cuidava de um?
R- Todos, todos participavam do armazém.
P/1- Todos trabalhavam lá?
R- Todos trabalhavam.
P/1- Quer dizer, que tinha 13 circulando por lá?
R- É, de acordo com o que foi crescendo, né? Eles foram ajudando.
P/1-E o senhor tem outros irmãos que permaneceram no comércio?
R- Não. Só ficou, agora, só tem a Julieta que ficou com a Casa Philadelpho.
P/1- Entendi. Então, depois que o seu pai faleceu ficou o senhor...
R- Ah, três sócio, depois saiu o Acácio, o Romeu e permaneceu a Julieta.
P/1- E mudou muito depois que o seu pai faleceu, ou não continuou exatamente...?
R- Não. Continua a mesma coisa.
P/1- Não mudou nada?
R- Não.
P/1- E o que que o senhor acha que mudou mais desde o começo, lá, da Casa Philadelpho, aliás, de onde vem o nome, Seu Romeu?
R- Casa Philadelpho é o sobrenome dele, é o nome dele, que o nome dele é Benedito Philadelpho da Silva.
P/1- E de onde que vem esse nome? O senhor sabe?
R- Deve ser...dever ser de origem portuguesa, né? Porque o pai dele era filho de português.
P/1- É deve ser. Mas escrevia tudo com ph?
R- PH. Bom, antigamente, era farmácia com ph, então, era tudo com ph, né? E como é nome próprio permanece, né?
P/1- Então, quantos anos ficou funcionando a Casa Philadelpho?
R- A Casa Philadelpho está como 80 anos
P/1- Então, e nesse 80 anos, Seu Romeu, quais que foram as grandes mudanças que ocorreram, desde o começo?
R- A grande mudança foi que começou com pequeno armazém e depois passou a ser um grande atacadista. A Casa Philadelpho permaneceu vários anos como um dos maiores atacadistas de Taubaté. Depois com a entrada de... porque, ultimamente, as industrias fornecem para os atacadistas de São Paulo e esses revendem pra o interior, então, foi aí que enfraqueceu o atacadista do interior.
P/1- Hoje não tem mais atacadista no interior?
R- No interior não tem.
P/1- E o senhor acha que teve até que momento, quer dizer, até quando que tinha atacadista?
R- Até uns 10 anos atrás.
P/1- Ainda tinha?
R- Ainda tinha. Bom, até uns 10 anos atrás permanecia a Casa Philadelpho, porque as outras desapareceram. Que em Taubaté tinha, tinha (H J Boot?), atacadista, (Abdo Rechilan?), atacadista, Elias (Aisara), atacadista, Moisés (Arzur?), atacadista, Irmão Marioto, atacadista. Existia uns 8 ou 10 atacadista. E a Casa Philadelpho permanece até hoje, não como atacadista, mas como pequeno atacado e varejo, o que nós chamamos de varejão.
P/1- Entendi. E o senhor acha que a queda desse espaço de trabalho do atacadista se deve a quê?
R- Deve com o aparecimento de supermercados, porque hoje em qualquer bairro em Taubaté tem 2, 3, 4 supermercados, então... E esses atacadistas, e os atacadistas de São Paulo que revendem no interior, eles fazem a entrega em qualquer quantidade, em qualquer bairro aqui em Taubaté, eles qualquer quantidade, eles fazem entrega. Então, aniquilou com o atacadista local
P/1- O que é uma pena, por que isso significava uma autonomia regional, né? Você ter o atacadista aqui, na região do vale,né? Não ficar na dependência.
R- Hoje não existe mais. Hoje não existe porque cada bairro tem 2, 3, 4 supermercados. Esse, as indústrias não têm mais viajante, quer dizer, antigamente as indústrias todas tinham viajante para o interior. Então, você comprava diretos das indústrias. Hoje não acontece isso, hoje você é obrigado a comprar do revendedor. Já não tem mais condições de você permanecer com o atacado, porque a indústria fornece para os atacadistas de São Paulo e esses quando revendem, já não tem mais, você já não tem mais condições. Então quer dizer que você tem que trabalhar no varejo ou no varejão.
P/1- Entendi. E o senhor, então, viajou muito. O senhor lembra a primeira viagem que o senhor fez pra São Paulo, por exemplo?
R- Eu comecei, comecei a fazer compra por causa da firma em 1948 e foi até 55. De 48 a 55, eu fazia 3, 4 viagens pra São Paulo.
P/1- E como é que eram essas viagens? Não tinha a Dutra ainda?
R- Não, era a estrada velha. Quando, porque a Dutra, eu acho que o aparecimento da Dutra foi quando eu parei, em 54, 55. Foi que apareceu a Via Dutra.
P/1- E como que era viajar pra São Paulo?
R- Viajar pra São Paulo, você pegava a estrada velha. Que pegava aqui por Quiririm, passava por Caçapava, Jacare... São José dos Campos, Jacareí, é... antes São José, _______, Jacareí, Suzano, São Miguel Paulista, até chegar em São Paulo. Era uma viagem de 5 horas, 5 horas e meia
P/1- E como que o senhor ia, ia dirigindo?
R- Não. Eu ia ao lado. Eu tinha motorista, a firma tinha um motorista.
P/1- Ah, o senhor ia com o motorista, daí chegava em São Paulo, ficava onde?
R- Chegava em são Paulo, ele... porque na época, o transporte de Taubaté para São Paulo era Pedra da Caieira ou tomate, que aqui plantava-se muito tomate, hoje não acontece isso. Hoje, hoje a pessoa pega, ele pode ir com pedra, ainda, Pedra da Caieira é o único transporte pra São Paulo, Pedra da Caieira. E depois chegava lá, fazia a distribuição lá na Santa Marina, no Jabaquara, no aeroporto. E...
P/1- No mesmo dia que chegava?
R- No mesmo dia. Chegava de manhã e quando, e quando ia carregado de tomate aí tinha que chegar 15 para as 6 no mercadão porque senão não descarregava. Depois das 6 horas não descarrega normalmente.
P/1- Quer dizer que o senhor levava mercadoria daqui pra lá e de lá pra cá.
R- Contrato da firma.
P/1- Mas essa mercadoria que o senhor levava pra lá era de onde, daqui do vale?
R- Daqui do vale, daqui de Taubaté. O tomate era do vale, do vale não, daqui de Taubaté, Caçapava, quer dizer, fazia a cata nessa cidade.
P/1- E o senhor vendia lá pra quem?
R- Não, não. Só transportava.
P/1- Ah, só transportava.
R- Só transportava.
P/1- Mas o senhor recebia por esse transporte?
R- Ah, sim, era, era, cobrava-se o frete.
P/1- O senhor fazia frete, então.
R- Fazia frete.
P/1- Ah, entendi. Aí chegava lá descarregava...
R- __________ da firma. Agora quando a firma estava carregada, daí, então, pegava mercadorias em empresas de transporte lá.
P/1- E aí o senhor voltava no mesmo dia?
R- Voltava no mesmo dia.
P/1- Ia e voltava no mesmo dia? Mas não demorava 5 horas?
R- Demorava, mas chegava aqui alta hora da noite.
P/1- Nossa.
R- Chegava, descarregava de manhã. Fazia as compras até 5, 4, 5 horas. 5 horas e meia, 6 horas saia de lá, ia chegar aqui 11 horas, 11 e meia.
P/1- E o senhor fazia isso duas vezes por semana?
R- Duas, três vezes por semana.
P/1-Nossa. E onde que o senhor comprava lá em São Paulo?
R- Paula Souza, é Barra Funda, é Florêncio de Abreu, Praça Mauá.
P/1- Que que o senhor comprava e aonde?
R- É, comprava feijão, milho, arame farpado, enxada, cimento e outros artigos.
P/1- E trazia tudo? Nossa, era cansativo, hem?
R- Cansativo.
P/2- As ferramentas que o senhor vendia na casa elas vinham de onde?
R- De São Paulo.
P/2- Tudo de São Paulo. Eram importadas?
R- Não, não, era fabricação...
P/2- Fabricadas aqui.
R- Fabricadas aqui. Era nacional.
P/1- E não tinha vantagem usar o trem, Seu Romeu?
R- Tinha só quando era feita a compra pelo Rio. No Rio, daí sim, porque antigamente o sal vinha muito do Rio. Hoje não, hoje você compra no Rio Grande do Norte e essas carretas trazem pra você, não é? Antigamente não, antigamente a compra do sal era toda feita no Rio. Companhia Salinas (Perinas?) Souza Bastos, era tudo do Rio.
P/1- Quer dizer, tinha algumas mercadorias que era melhor comprar do Rio, em vez de...
R- Do Rio do que em São Paulo.
P/1- O que, além do sal?
R- Sal, bacalhau, sardinha, é... (pausa)
P/1- Mais, mais comida mesmo.
R- É.
P/1- Que vinha do Rio?
R- Vinha do Rio.
P/1- E aí vinha de trem?
R- Vinha de trem.
P/1- Mas como é que o senhor comprava? Tinha o viajante?
R- Tinha o viajante. Era feito, a compra era feita por intermédio de viajante.
P/1- O senhor comprava, vinha de trem, aí o senhor ia lá na... como é que o senhor recebia essa mercadoria?
R- Na época, na época não existia caminhonete, não existia transporte, era tudo feito por carroça. Então, você pegava, chegava por exemplo um vagão de sal, com 333, na época eram 333 sacos de sal. Então, você chegava no Largo do Mercado, na época era no Largo do Mercado, tudo é feito, quase tudo feito, aqui em Taubaté no Largo do Mercado. Então, tinha aquela carreira de carroça, então você pegava 8, 10 carroça e ela transportava da estrada de ferro para o depósito do armazém.
P/1- Mas isso em que época, mais ou menos, Seu Romeu, a carroça?
R- Eu tinha o que? 10, 12 anos. Há 55, 60 anos atrás. 70, 65 anos atrás.
P/1- Quer dizer, nos anos 30, nos anos 40, ainda chegava de trem, ia lá...
R- Hum, hum. Foi pouco antes da guerra e pouco depois da guerra. É, entre 37 e 45, ou 37 e 40, 42, por aí assim. Antes da guerra era tudo feito por, o transporte era feito tudo por carroça
P/1- Entendo. E, Seu Romeu, durante a guerra, o senhor lembra de alguma mudança na vida das pessoas aqui, como é que era?
R- Não.
P/1- As pessoas continuaram tendo vida normal, não faltava alimento, não chegou a...
R- Tudo normal. Não. Por exemplo, sal e açúcar, tinha, tinha, a prefeitura fornecia ticket para ser retirado no comércio.
P/2- Então tinha quantidade limitada.
R- Tinha quantidade limitada. Açúcar... Açúcar, só.
P/1- Só açúcar?
R- Só açúcar.
P/1- E por quê será que era o açúcar?
R- Acho que caiu muito a produção, não é? Não sei qual o motivo, não sei.
P/1- E era a prefeitura que organizava isso?
R- A prefeitura que, que distribuía os ticket.
P/1- E o senhor não lembra de mais nenhum produto que faltou durante a guerra?
R- (pausa) Não. Sal e açúcar, isso era quase certo. Era certo. O sal e o açúcar.
P/1- E não afetou em nada o comércio da época?
R- Não.
P/1- Nem o transporte?
R- Não, não.
P/1- É. Nem pãozinho, não faltava na padaria, a farinha?
R- Pão era, o negócio era feito controlado.
P/1- Controlado, né?
R- Controlado. O pão era controlado.
P/1- Eu lembrei porque o senhor falou que o seu sogro tinha uma padaria.
R- É. Era controlado sim.
P/1- Não podia comprar quantos pães quisesse?
R- Eu acho que não. Porque na época faltou, a farinha de trigo faltou. Muitos padeiros, eles faziam o pão com o macarrão.
P/1- Como assim?
R- É. Diluía. Deixava o macarrão, eu acho que em água, durante um determinado tempo, ele transformava, e daí eles faziam o pão. Muitos padeiros da época trabalhou com mais macarrão porque faltou o trigo.
P/1- Mas o seu pai, na época, já era atacadista, nessa época da guerra?
R- Na época era.
P/1- E o senhor lembra de algum problema mesmo, de ele ir pra São Paulo tentar trazer mercadoria e não ter mercadoria, faltar mercadoria?
R- Faltava. Trigo, arame farpado. Porque arame farpado era, é um artigo que sai muito e na época da guerra desapareceu. Porque eles usavam muito, acho que pra trincheira, qualquer coisa. E na época era, na época era tudo importado. Agora não, agora é fabricado aqui mesmo. Mas na época era, até usava-se o arame farpado belga. Então faltou muito no comércio.
P/1- Aí, depois da guerra normalizou.
R- Depois da guerra. Assim mesmo, levou muito tempo, entendeu? Depois da guerra, após guerra, uns dois anos após guerra, trabalhava-se muito com arame farpado enferrujado. É, que eles usavam em trincheira, e daí faziam aquelas rodilhas e mandavam pra São Paulo.
P/1- E revendia isso?
R- Revendia. Revendia porque era o único arame que tinha na época, era o arame enferrujado.
P/1- Que engraçado.
P/2- E o preço do arame enferrujado, ele era mais baixo, por estar deteriorado?
R- Ah era. Era bem reduzido o preço, né?
P/2- Fiquei curiosa com uma coisa, o senhor falou da questão do pão que se fazia com macarrão. O gosto era o mesmo?
R- A mesma coisa.
P/2- Mesma coisa.
R- Eles dissolviam o macarrão e daí fabricavam o pão.
P/1- E, Seu Romeu, estou aqui pensando um pouquinho em 80 anos, né? Que o senhor viveu aí, 80 anos no comércio de Taubaté. Que que o senhor acha que mudou, no comércio como um todo de Taubaté, na vida comercial de Taubaté, como eram, mudaram os clientes, mudou a forma de atender?
R- Não, não mudou. Só que a, antigamente era mais fácil você adquirir mercadoria, hoje é mais difícil porque o dinheiro desapareceu do mercado, não existe dinheiro. Então a venda hoje...quem trabalha à vista, como a Casa Philadelpho trabalha à vista, quer dizer, reduziu o movimento dele. Por que hoje em dia, você pega o supermercado, eles fornecem cheque pré-datado por 30, 60, 90 dias, não é? Então isso facilitou para o comprador. Então é por isso que ele freqüenta mais o supermercado devido os cheques pré.
P/1- Entendi.
R- Agora a pessoa, o comércio que trabalha só à vista sofreu um enfraquecimento.
P/1- E nesses anos todos o seu pai nunca precisou fazer um empréstimo, Seu Romeu?
R- Não. Ele trabalhava, ele era metódico, ele trabalhava de acordo com a posse.
P/1- O que hoje já é difícil.
R- Hoje já é difícil, porque dinheiro hoje é coisa curta.
P/1- E tem uma diferença muito grande entre ser atacadista e ser varejista, assim, no atendimento ao cliente?
R- Não, não é... Não, mesma coisa.
P/1- Não tem alguma coisa própria que o atacadista tem que saber que é diferente do varejista? Não?
R- Bom, o atacadista leva vantagem de ele comprar em larga escala e ele compra em menor preço, não é? Já o varejista não, o varejista já sofre as conseqüências de um preço maior
P/1- Mas, eu estou pensando na passagem que ele fez, do varejo pro atacado. Por quê que ele deu esse salto, o senhor tem idéia? O que que se passou na cabeça dele?
R- Não, é devido ao aparecimento de supermercado, né?
P/1- Não antes, antes. Quando ele se tornou atacadista.
R- Ah, mas é porque o movimento foi aumentando, então ele teve que ampliar o comércio dele. Então foi que de varejista ele passou para atacadista.
P/2- Foi por necessidade mesmo, que ele viu que estava...
R- É, o negócio foi, é, o comércio foi aumentando, foi melhorando, e ele foi ampliando, e quando ele percebeu, ele já era um grande atacadista.
P/1- É, foi quase que... E ele tinha contato com os outros atacadistas aqui da região?
R- Tinha.
P/1- Não tinha uma associação só dos atacadistas?
R- Não, não, não.
P/1- Não chegou a ter?
R- Não. Era só amizade entre eles, né?
P/1- E o que que o senhor faz hoje, Seu Romeu?
R- Eu, hoje? Eu, hoje, tenho uns imóveis e (riso) sou aposentado e a minha senhora é aposentada, então de uns anos pra cá eu estou na vida mansa (riso).
P/1- Quando que o senhor saiu da Casa Philadelpho?
R- Há uns 6 meses ou 7 meses, mais ou menos.
P/1- E como é que foi sair, sair do trabalho depois de tantos anos trabalhando?
R- Ah, porque eu queria descansar um pouco mais. A verdade é essa. Eu queria descansar um pouco, porque eu nunca descansei, nunca tive férias. A única férias que eu tive foi uma semana depois de casado.
P/1- É mesmo?
R- É. Nada mais.
P/1- Nunca mais parou?
R- Nunca mais.
P/1- Nunca foi viajar? Só a trabalho.
R- Só trabalho.
P/1- E seus filhos?
R- Eu tenho dois filhos. Os dois são engenheiros. Um mora em São José dos Campos e outro em São Paulo.
P/1- Nenhum foi pro comércio?
R- Não. Aliás, eu não quis.
P/1- Ah, o senhor não quis.
R- Eu não queria.
P/1- Por quê?
R- Porque não. Eu queria que ele fosse independente. Nada de depender do comércio.
P/1- Por quê depender do comércio?
R- Não, depender porque hoje, por exemplo, é, tinha que depender, a família toda tinha que depender daquela loja, daquele armazém. Hoje não, hoje ele vive independente. Eu tenho, eu tenho o mais velho, que é engenheiro metalurgista, tem um bom emprego em São Paulo. Aliás, hoje ele é, hoje ele é comerciante, até. E tenho o menor, que é engenheiro químico, trabalha na Petrobrás.
P/1- É comerciante o primeiro?
R- Não, não. Os dois. Ah, o primeiro é.
P/1- Que comércio que ele tem.
R- Ele trabalha com essas placas de ferro, entendeu? Ele faz sociedade com um americano.
P/1- Então foi pro comércio... É verdade. E quais lições que o senhor tira do comércio? O senhor ficou, a vida inteira o senhor se dedicou ao comércio, que lições o senhor tira disso? Que que o senhor aprendeu de vida em termos de...
R- Ah, aprendi muita coisa, né? Abriu o cérebro, o comércio abre. Então, você aprende muita coisa no comércio.
P/1- E é muito diferente o Seu Romeu que começou lá, com 13 anos, e o seu Romeu hoje?
R- Ah, sim, não tenha dúvida. O Romeu hoje tem uma larga prática, aí. O que antigamente ele não tinha, não é? Ele tinha apenas teoria.
P/1- E o que que o senhor acha que foi o mais importante que o senhor aprendeu no comércio?
R- O mais importante? O mais importante foi compra e venda, prejuízo, lucro, enfim, coisas comerciais mesmo.
P/1- Mas em termos de vida, assim, que que o comércio ensinou pro senhor?
R- Ensinou a viver, né? Abriu a mente.
P/1- Mas o senhor acha que o senhor foi, por ser de outra geração, o senhor foi um comerciante muito diferente do seu pai, por exemplo?
R- O meu pai, o meu pai era semi-analfabeto, mas era um senhor de um tino comercial elevadíssimo. É, vários comerciantes, pequenos comerciantes, quando conversavam com ele, chamavam ele de professor, de tão... de um tino elevado no comércio.
P/1- E de onde o senhor acha que ele tirou isso? Quer dizer, como é que ele adquiriu isso?
R- Da prática.
P/1- Não foi com o pai dele?
R- Não. Ele era oriundo de uma família humilde.
P/1- E o pai dele fazia o quê? O senhor lembra?
R- O pai dele? O pai dele parece-me que tinha lenhador em Tremembé, tinha depósito de lenha.
P/1- É mesmo?
R- É.
P/1- E ele foi criado assim?
R- Foi criado, depois ainda jovem ele veio pra Taubaté, abriu uma barbearia e da barbearia ele foi para o comércio. E de um pequeno comerciante ele tornou-se um grande atacadista em Taubaté.
P/1- Incrível, né? Tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar, que o senhor não tenha falado?
R- Não, eu acho que eu falei, eu acho que tudo, né? Sobre o comércio, eu acho que falei tudo. Sobre a Casa Philadelpho, eu acho que eu falei tudo. Porque começou pequeno, depois com o tempo ele foi ampliando o comércio, ampliando, e chegou a ser um dos maiores atacadistas de Taubaté.
P/1- E que que o senhor acho de ter dado essa entrevista?
R- Achei ótimo, agradeço a oportunidade.
P/1- Está bom, nós que agradecemos então, Seu Romeu, obrigada.
R- Por nada, às ordens.
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