Projeto Mestres do Brasil – Suas memórias, saberes e histórias
Entrevista de Renato Gomes da Rocha
Entrevistado por Larissa Rangel e Inês Gouveia
Rio de Janeiro, 19/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento OFMB_HF12
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Pra começar, eu gostaria que você falasse seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Meu nome é Renato Gomes da Rocha, nasci em 01 de janeiro de 1957 no Rio de Janeiro.
P/1 – E como é pra você nascer no primeiro dia do ano?
R – Isso é bom e é ruim porque já é festa natural então a gente fica sempre em segundo plano (risos). Mas é legal, é gostoso porque sempre tem amigos, a família reunida.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama João Gomes da Rocha e minha mãe Celina Nunes da Rocha.
P/1 – O que os seus pais fazem?
R – Meus pais já são mortos, mas meu pai era lavrador e minha mãe era costureira.
P/1 – E onde ele trabalhava? Em que região?
R – Nós sempre moramos em Vargem Grande numa área rural, ele tinha plantação. Tinha horta e a família da minha mãe tinha bananal no morro. Então ele trabalhava com banana na feira e com hortaliças.
P/1 – E como era para você na infância esse convívio? Você participava junto com seu pai dos trabalhos?
R – Era muito interessante, na época eu lembro que até os meus seis anos de idade saía correndo de madrugada atrás da bicicleta do meu pai para que ele me levasse pra feira porque nem sempre ele estava com vontade de me levar e eu corria atrás da bicicleta como um cachorrinho até no ponto onde ele pegava o caminhão para poder ir pra feira.
P/1 – Você participava com seu pai no trabalho? Ele fazia com que você também trabalhasse? Participasse do trabalho dele?
R – A minha mãe sempre nos colocou pra estudar, ela nunca deixou a gente no trabalho em si, eu gostava de ir pra feira...
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Entrevista de Renato Gomes da Rocha
Entrevistado por Larissa Rangel e Inês Gouveia
Rio de Janeiro, 19/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento OFMB_HF12
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Pra começar, eu gostaria que você falasse seu nome completo, o local e a data de nascimento?
R – Meu nome é Renato Gomes da Rocha, nasci em 01 de janeiro de 1957 no Rio de Janeiro.
P/1 – E como é pra você nascer no primeiro dia do ano?
R – Isso é bom e é ruim porque já é festa natural então a gente fica sempre em segundo plano (risos). Mas é legal, é gostoso porque sempre tem amigos, a família reunida.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama João Gomes da Rocha e minha mãe Celina Nunes da Rocha.
P/1 – O que os seus pais fazem?
R – Meus pais já são mortos, mas meu pai era lavrador e minha mãe era costureira.
P/1 – E onde ele trabalhava? Em que região?
R – Nós sempre moramos em Vargem Grande numa área rural, ele tinha plantação. Tinha horta e a família da minha mãe tinha bananal no morro. Então ele trabalhava com banana na feira e com hortaliças.
P/1 – E como era para você na infância esse convívio? Você participava junto com seu pai dos trabalhos?
R – Era muito interessante, na época eu lembro que até os meus seis anos de idade saía correndo de madrugada atrás da bicicleta do meu pai para que ele me levasse pra feira porque nem sempre ele estava com vontade de me levar e eu corria atrás da bicicleta como um cachorrinho até no ponto onde ele pegava o caminhão para poder ir pra feira.
P/1 – Você participava com seu pai no trabalho? Ele fazia com que você também trabalhasse? Participasse do trabalho dele?
R – A minha mãe sempre nos colocou pra estudar, ela nunca deixou a gente no trabalho em si, eu gostava de ir pra feira com ele, mas era só final de semana, sábado e domingo que eu não tinha aula, quando eu não tinha atividade, mas minha mãe sempre deixou a gente... Por meu pai não, mas minha mãe nunca deixou a gente fazer nada desse trabalho.
P/1 – E sua mãe trabalhava como costureira?
R – Como costureira.
P/1 – E como era o dia-a-dia dela?
R – Ela era uma pessoa maravilhosa, fazia muitos trabalhos manuais além de costura, trabalhava basicamente com roupa de casamento, eram vestidos de noiva, vestido de madrinha, vestido de mãe, de pajem, aquelas meninas que acompanham. Então era esse tipo de trabalho que ela fazia, uma coisa muito detalhada porque eram bordados, aplicações. Então ela perdia horas e às vezes até meses pra fazer um vestido de noiva, mas era muito bonito.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho dois, uma irmã e um irmão, ela mais velha e ele mais novo, sou o do meio.
P/1 – Quantos anos de diferença?
R – É um ano e meio de diferença mais ou menos pra cada um.
P/1 – E qual é o nome deles?
R – Minha irmã chama-se Nancy e meu irmão chama-se Roberto.
P/1 – E como era a infância de vocês?
R – Até meus oito, nove anos a minha infância era maravilhosa, era uma classe média boa, mas depois começou a ter um problema na família, o meu pai virou alcoólatra e tivemos um problema muito grande até um ponto em que minha mãe se separou. A partir dos 14 anos, mais ou menos, fiquei sem o pai em casa, mas mesmo assim dos sete aos 14 anos eu tinha e não tinha ele em casa porque era aquele problema. E aos 14 realmente não deu mais, então ele saiu de casa e foi quando eu comecei a trabalhar para poder tirar um pouco a carga da minha mãe.
P/1 – Mas vamos falar um pouco mais da sua infância, das suas brincadeiras? O que você brincava naquela época com seus irmãos? Qual era a principal brincadeira?
R – Naquela época não tinha muito que brincar em termos do que tem hoje, então a gente tinha que criar e o que eu criava era carrinho de lata de leite, de goiabada, porque a gente fazia e ficava brincando, eu e meu irmão ficávamos brincando de carrinho, puxando, empurrando. E também lembro quando teve o primeiro circo que apareceu lá na região. O engraçado é que nós fomos para o circo e tinha atirador de facas e lá na região faltava água na casa, então tinha períodos que a gente tinha que levar toda a louça pra lavar no riacho que tinha no terreno lá no sítio. A gente levava aquelas louças, botava lá e depois minha mãe vinha pra lavar e eu botei meu irmão no barranco e peguei as facas e comecei a fazer igual o circo, meu pai veio e foi aquela história. Foi a primeira coça que eu levei do meu pai porque eu estava jogando faca no meu irmão lá no barranco.
P/1 – E como era a brincadeira com os amigos do bairro, o convívio?
R – Aquela brincadeira nossa era mais... Naquela época surgiu a televisão, tinha muito Zorro, aqueles filmes de Tarzan e a gente começou a ver aquilo e transportava nas brincadeiras. Então nós morávamos num sítio grande e tinha riacho, ali a gente fazia a nossa brincadeira, brincar de Zorro, de toda aquela história, Tarzan e aquele negócio todo. Então era muito legal, a nossa juventude era muito livre, no meio do campo, jogava muita bola na rua, nos campinhos que tinham de várzea.
P/1 – E como é que era a casa da sua infância?
R – Era uma casa gostosa, de três quartos, grande, que foi dos meus avós. Aliás, eu nasci na casa do meu avô, com parteira, é uma casa que eu nasci e fui criado. Era um casarão e até hoje existe, muito grande, tinha cinco quartos, fogão à lenha, lembro que era bom e depois muito mais tarde é que veio o fogão a gás.
P/1 – E seus avós, você conviveu com eles?
R – Meu avô materno eu não conheci, mas com minha avó materna convivi até meus sete anos, ia muito pra casa que justamente fui morar depois. Com meus avós paternos convivi mais era final de semana porque a gente ia muito só para visitá-los. Era engraçado porque minha família era muito misturada: o meu avô português e a minha avó italiana por parte de pai e por parte de mãe meu avô era nortista e minha avó era filha de índia de Jacarepaguá, era uma mistura danada. Eu nasci na casa onde eu morava.
P/1 – Qual é o nome dos seus avós paternos?
R – Meu avô paterno chamava-se Albano e minha avó chamava-se Alzira e minha avó materna se chamava... Desculpa-me, troquei tudo, minha avó paterna se chamava Luísa e minha avó materna é que se chamava Alzira e meu avô João.
P/2 – E você me contou que eles são italianos, descendentes de portugueses...
R – Meu avô é português e minha avó é italiana.
P/2 – Eles são descendentes ou vieram direto pro Brasil?
R – Vieram direto pro Brasil.
P/2 – E você sabe...?
R – Eu não tenho muito a história deles porque eu tive pouco contato. Então não tenho muita história, sei que tenho família que mora até aqui no alto da Boa Vista que eu não conheço que é da parte do meu avô que ouvi dizer quando era muito criança e depois perdi o contato, não tenho mais essa história. Até tenho vontade de resgatá-la um dia.
P/1 – E qual a memória que você guarda dos seus avós?
R – Minha avó materna que é a que mais tive contato sentava na calçada quando eu ia pra casa dela e no colo da gente... Não sei se você conhece quando a gente jogava aquele feijão guandu no chão e ficava debulhando e contando histórias. E ficava ali ouvindo aquelas histórias e ajudando ela a descascar o feijão guandu, isso a gente ficava horas e horas até anoitecer. Lembro também que ela tinha uma verruga mais ou menos aqui que gostava de ficar brincando, puxando até adormecer no colo dela, era muito gostoso.
P/2 – E como é que era o dia-a-dia da casa, o trabalho do seu pai, da sua mãe e dos seus irmãos?
R – Quando a gente era criança ou estava no colégio ou estava na rua brincando, fazendo alguma atividade ou estudando. Era essa a nossa infância, jogando bola, soltando pipa ou então no colégio. Por eu morar em Vargem Grande e os colégios geralmente eram à tarde perdia muito tempo naquela época na condução, então era às vezes uma hora pra ir e uma hora pra voltar do colégio.
P/2 – Você se lembra do seu primeiro colégio?
R – Lembro, foi na escola Teófilo. Nessa época era perto de casa, mas depois foi sempre distanciando.
P/1 – E você se lembra desse primeiro dia? Qual foi a sua sensação? Quais foram as descobertas dentro do colégio nesse primeiro momento?
R – Lembro sim quando entrei pra escola, era um colégio que tinha uma área muito grande, existia até uma horta onde nós fazíamos plantações e dali colhíamos no final e depois eu fui ver que a gente usava aquela horta pra se alimentar na merenda. Então era muito bom o colégio, lembro que era maravilhoso estudar naquela época lá.
P/1 – Essa escola era próxima à sua casa?
R – Essa era próxima, quer dizer, andava uns 20 minutos a pé, mas era a mais próxima que tinha, ainda existe a escola Teófilo até hoje.
P/2 – Tem algum professor que o senhor guarda na memória?
R – Dona Rosa, a diretora. Sempre foi uma pessoa maravilhosa, a dona Sheila também foi uma professora que eu sempre guardo na memória.
P/2 – E o que elas faziam de diferente para ter essas memórias agradáveis? Qual era a participação dela no colégio em termos de...
R – A dona Sheila era minha professora e era uma pessoa muito meiga, carinhosa, muito atenciosa e a dona Rosa, ela sobressai porque era uma diretora enérgica, que controlava tudo, sabia de tudo. Então isso marcava muito o lado meigo, o lado carinhoso e o lado mais enérgico, puxado pra disciplina mesmo.
P/2 – E esse primeiro colégio você estudou com seus irmãos?
R – Quando entrei para o colégio minha irmã já estava e depois meu irmão entrou, nós fomos de turmas separadas, nunca estudamos numa turma juntos, mas tivemos períodos estudando no mesmo colégio. No início nós estudamos no mesmo colégio, mas em turmas separadas e turnos separados, não tivemos muito contato no colégio não.
P/1 – Você se lembra das brincadeiras do colégio? De que vocês mais brincavam?
R – Brincávamos muito de pique, garrafão, queimada, essas brincadeiras. A gente jogava muita bola de gude. Aí teve um problema: uma vez tinha uma plantação de tomate, botaram aqueles bambus pra o tomate subir e aí a plantação começou a ficar velha e ficaram só os bambus, então nós começamos a pegar os bambus com um grupo de lá e outro de cá e ficamos jogando fazendo de flecha de índio até que uma flecha entrou na perna de um colega e tivemos que ir para o hospital e ficamos de castigo por causa de uma brincadeira da horta.
P/1 – Pelo fato de seu pai ser agricultor e você ter essa experiência dessa profissão do seu pai, você participava dando opinião na horta do colégio?
R – Ah sim, isso aí era muito... Aliás, não era eu que sobressaía porque a maioria do pessoal ali era filho de agricultor, a gente morava tudo numa região que na época era agrícola. Vargem Grande e Vargem Pequena era uma área agrícola, era uma época que tinha 200 hortas, não sei quantas áreas de banana. Então isso era tranquilo pra gente, um ensinava o outro na dúvida.
P/1 – E gostavam?
R – A gente gostava de fazer aquilo, de curtir aquilo, era muito bom.
P/1 – E o uniforme do colégio, você lembra?
R – Lembro. Era aquele traje branco com azul, tinha um EP, escola pública. Eu ainda tenho lembrança daquilo.
P/1 – E nessa escola você ficou até quando?
R – Entrei pra escola e tive um problema no início porque tive que entrar com sete anos por causa da data no meu nascimento. Com seis anos não podia entrar porque fazia aniversário depois... O problema que tinha lá de legislação que eu não entendia. Entrei com sete anos de idade, cursei seis anos de primário, quatro anos de ginásio, três anos de científico e depois que eu fui pra faculdade.
P/2 – E no primário qual era a disciplina que você mais gostava?
R – Gostava muito de Matemática.
P/2 – Pelo professor ou professora ou porque você tinha facilidade?
R – Não, era o desafio mesmo, sempre gostei dessa parte de desafio, era uma coisa que as pessoas sempre achavam ruim, eu achava bom, então gostava... Não sei nem até porque eu não lembro... Não tinha um professor fixo de matéria, o professor naquela época era eclético, fazia quase todas as aulas, não tinha pra esse ou pra aquele. Só mais tarde, no científico, é que eu comecei a ter esse tipo de aula.
P/1 – E na sua infância teve algum livro que foi importante pra você?
R – “O Menino da Rua Paulo”, nunca me esqueci desse livro. Eu quero até reler porque já esqueci alguma coisa, mas o “Menino da Rua Paulo” foi um livro que me marcou.
P/1 – Por quê?
R – Não sei, acho que é porque falava muito da minha infância, do que eu praticamente fazia, curtia aquela brincadeira toda apesar de não morar num lugar ruim, porque eu sempre morei num lugar bom, mas as histórias me traziam muita lembrança.
P/1 – Ele chegou como até você, Renato?
R – Foi através da professora de Literatura na escola que pediu pra gente ler.
P/1 – Você se lembra de um pouco mais da história?
R – “O Menino da Rua Paulo” é um menino que morava num lugar que fazia tudo que eu fazia: jogava bola, soltava pipa e aquela brincadeira toda e eu me identificava muito com isso, com aquilo tudo que tinha no livro e com a minha vida, me amarrei no livro. Eu nem sei... Nunca mais eu tive um contato com o livro, mas eu vou buscar reler ele.
P/1 – E dentro de casa havia uma participação também do que você aprendia dentro de casa com seus pais?
R – Não, era difícil porque como eu te falei meu pai estava mais voltado para o trabalho e não dava muito valor ao estudo, já minha mãe é que forçava, achava que a gente tinha que estudar, mas também estava sempre voltada para o trabalho dela. Então nós ficamos muito soltos mesmo nessa área de estudo e foi mesmo por opção pessoal, tanto que meu irmão infelizmente nunca gostou de estudar e parou no segundo grau e não continuou. E minha irmã infelizmente também casou e não quis mais estudar, então da família só eu que cheguei ao terceiro grau, infelizmente.
P/1 – E depois do primário você mudou de colégio?
R – Fui para o ginásio pegando as reformas, não sei por que, era jogado de um pra outro, nunca tive que fazer uma prova pra entrar.
P/1 – E qual foi o próximo colégio?
R – Estudava no Brigadeiro Short e inaugurou um mais próximo: o Pérola Byington. Transferi, mas dentro do primário fui para próximo da minha casa. E depois passei, fui para o segundo grau no Jornalista Campos Ribeiro que já era no Camburim, um pouco mais distante e dali fui pro Brigadeiro Short que era um pouco mais distante ainda pra fazer o científico.
P/1 – Mas nessas mudanças qual a lembrança que você... Você gostava porque era uma novidade ou era uma coisa que você...?
R – Quando fui pro Jornalista foi quando comecei a ter que pegar ônibus, pra mim era uma novidade, pegar ônibus, ir até a escola, voltar. Comecei a conviver com outras pessoas de outras regiões, conhecer pessoas de outras comunidades porque até então só convivia com o pessoal de Vargem Grande onde eu morava. Depois saí do Jornalista e fui pro Brigadeiro aí aumentou mais ainda o meu leque de conhecimento.
P/1 – No Jornalista era...?
R – Era o ginásio.
P/1 – Então conta essa experiência do ginásio nesse colégio.
R - Ali foi interessante porque a coisa que mais me marcou foi a aula de teatro, por incrível que pareça, foi a primeira vez que eu tive aula de teatro e me colocaram pra fazer um personagem na qual tinha uma namorada que morreu de overdose, era uma peça que falava sobre as drogas. E então essa namorada deixou uma carta e eu tinha que ler essa carta e a voz dela aparecia, eu não sei como é que dá o nome, aparecia a voz dela narrando o que estava escrito e eu com a carta, aí virei o papel só que estava em branco, então foi uma gargalhada só! (risos). Eu estava lendo um papel em branco, mas foi legal, nunca esqueci esse momento do teatro que foi a primeira e única vez.
P/2 – Você comentou que no primário, matemática era o que você mais gostava porque era um desafio?
R – Isso.
P/1 – O teatro de repente...?
R – Também foi um desafio porque foi uma coisa nova que veio e “Faz, faz, tem que fazer”, acabei fazendo e dei essa gafe que foi maravilhosa, hoje a gente ri. (risos)
P/1 – Como era o dia-a-dia do colégio? Quais eram as aulas? Como é que era a dinâmica?
R – A dinâmica não mudou muito do ginásio, o que mudou é que tinha mais professores, uma rotatividade de professor um pouco maior da época. Já tinha mais a Educação Física, outras coisas que não tive muito no primário, muito solto, tinha teatro que foi uma coisa legal, que curti muito, Ciências, na época era Ciências agora é Estudos Sociais. E tinha umas fases também gostosas dos passeios, adorava ir para o museu, Quinta da Boa Vista, todo mês tinha um evento extracurricular que era muito legal, sair para conhecer... Naquela época ainda se fazia isso.
P/1 – Renato, você se lembra do primeiro passeio?
R – Jardim Zoológico e foi uma farra danada, fomos conhecer o Museu, foi uma coisa gostosa, nunca esqueci. Tivemos uma passagem interessante porque fomos conhecer uma múmia... A professora de História estava falando sobre o Egito e levou a gente numa múmia pra conhecer, ela falava sobre o Egito e tinha a turma toda. Ela falou que algumas pessoas iam sentir alguma coisa quando chegasse naquele ambiente. Aí os alunos ficaram todos... Sentir o quê? Chegou lá na hora, eu particularmente senti um aroma de rosas, perguntei depois aos colegas e eles não sentiram cheiro nenhum, era até um cheiro ruim e eu falei: “Mas eu senti um cheiro de rosas!”. E passou. Quando voltamos na semana seguinte ela foi falar sobre o passeio e aí aconteceu um lance muito estranho, uma menina que não tinha ido ao passeio começou a chorar, chorava copiosamente na sala de aula. Ela ficou assustada, começou a conversar com a menina e a menina começou a falar num dialeto que ninguém entendia. De repente ela parou de chorar e as duas começaram a conversar e num dado momento a menina começou até a sorrir sobre aquilo tudo e parou. Todo mundo ficou assustado com aquilo, fomos perguntar pra professora, que tinha dito pra nós que a múmia tinha vindo ali conversar com ela e contando a história de por que ela morreu e aquela história toda de uma vida triste, eu me arrepio quando... Mas foi uma coisa que aconteceu, se foi verdade ou não... Eu sei que a menina falava uma coisa que ninguém entendia, um dialeto muito estranho, disso eu lembro. Foi uma passagem que eu nunca esqueci.
P/1 – E você se lembra de algum professor que te marcou?
R – Essa professora de História era muito bacana, muito sensitiva, mística, sei lá, uma pessoa maravilhosa.
P/1 – Você se lembra do nome dela?
R – Professora Glória. Eu nunca esqueci a professora não.
P/1 – Você tem contato?
R – Não tenho contato, eu perdi o contato com ela. Eu tenho a fisionomia dela sempre quando eu fecho os olhos, é uma loura alta, bonita.
P/1 – E qual era o uniforme do colégio?
R – Do ginásio? Caramba! Também era branco, parecido, só não tinha o Jornalista, o nome do colégio.
P/1 – Mas você gostava do uniforme? Você se sentia a vontade?
R – Eu nunca fiquei preso a esses problemas, nunca tive essa preocupação. Aliás, até gostava porque não precisava estar me apresentado, nunca gostei de me arrumar, sempre fui uma pessoa muito largada, então o uniforme era uma fuga, até facilitava pra não usar esse tipo de roupa. Até hoje eu tenho essa dificuldade de usar roupa combinando, calça, camisa, eu não tenho essa...
P/2 – E dos amigos do ginásio teve algum que te marcou?
R – Tenho até hoje uma amiga que me acompanhou desde o primeiro ano do primário até o terceiro ano do científico, nós só nos separamos quando fomos fazer faculdade porque fui fazer Educação Física e ela, Pedagogia, não, Psicologia. A Eliane foi uma pessoa que por incrível que pareça... Eram dois amigos, mas ela me acompanhou desde sempre e até hoje nós temos contato, nossas famílias estão sempre em contato.
P/2 – E do ginásio?
R – Tem o Zé Mário, é meu compadre, um parceirão! Era eu e ele, é um irmão que eu tenho que não é igual ao meu irmão. É um amigão mesmo. Nunca fui de turma, de grupos, era mais na minha.
P/2 – E você se lembra do que você gostava de ouvir nessa época?
R – De músicas? Flyback, Runtime, aquela músicas bem românticas. Até o rock que depois veio e eu também gostava. A gente se reunia nas casas dos nossos amigos para fazer o baile americano, aquelas festas americanas, então rolava muito flyback, rock era muito bacana.
P/2 – Vocês faziam isso sempre?
R – Todo final de semana tinha. Cada um reunia numa casa, a nossa vida era isso, nossa diversão porque não tínhamos nada, cinema, teatro, não tínhamos nada, então era a forma da gente se encontrar e se divertir.
P/1 Você comentou que o ginásio era num bairro distante da tua casa, você pegava ônibus e ia sozinho?
R – Eu sempre fui sozinho.
P/1 – Então você tinha certa independência?
R – Minha mãe sempre deixou a gente bem livre, bem independente, mas sempre de rédea curta verificando, vendo tudo, olhando bolsa, caderno, essa preocupação ela tinha, mas nunca foi de prender, de deixar a gente preso, ela não tinha nem tempo coitada.
P/1 – Fiquei com uma dúvida, uma curiosidade. Você contou como é que você se aproximava da atividade profissional do teu pai, de tentar ir pra feira com ele. E da tua mãe você teve alguma aproximação na atividade profissional?
R – Aprendi com minha mãe a me virar, se caísse um botão da minha blusa eu botava, se tivesse que costurar uma bainha, costurava, se tivesse que passar uma roupa, sempre passava. Acho que isso veio dela, aprendi com ela também a cozinhar porque ela não tinha tempo, então ela fazia eu e minha irmã que era mais velha... Nós fazíamos muita comida em casa, arroz, fazia isso, aquilo porque ela às vezes estava ocupada atendendo uma freguesa e a gente tinha que estar olhando as panelas. Isso foi legal porque aprendi a cozinhar, a passar roupa, a pregar botão, essas coisas ela passou pra gente.
P/2 – Ela recebia em casa também as pessoas que contratavam o serviço dela?
R – Em casa, sempre trabalhou em casa.
P/2 – Então sua casa de alguma forma era...
R – Era um atelier.
P/1 – Era muito frequentada?
R – Bastante frequentada, era tipo um atelier porque tinha uma ajudante que ficava com ela ajudando na costura e quando tinha muito serviço às vezes ficavam quatro ou cinco costureiras na minha casa. Quando tinha um casamento, por exemplo, era vestido de noiva, vestido de madrinha, roupa de pai, de mãe, de pai não porque ela não fazia, mas de dama, então era muita roupa.
P/1 – E você dava palpite?
R – Não, nunca dei palpite na área dela até porque não aceitava muito não, era uma artista, sabia o que queria, fazia e pronto. Ela até se impunha às vezes para as clientes, quando olhava e via que não ficava bem, se impunha: “Não ficou bom”. Ela não gostava que o serviço fosse criticado pro mal, sempre pro bem (risos).
P/1 – Ela fazia as suas roupas e dos seus irmãos?
R – Não.
P/1 – Nada, nada?
R – Nada, ela só costurava pra noiva e pra minha irmã. Uma camisa ou outra às vezes ela fazia, mas era muito difícil.
P/2 – E você falou que acabou aprendendo a cozinhar. O que você mais gostava de fazer?
R – Na cozinha acho que gosto muito de fazer ensopadinho e gosto de ensopadinho. Então era ensopado de chuchu, de abóbora, o que tivesse fazia e até hoje gosto de fazer, a jardineira, que delícia!
P/2 – E doces?
R – Não. Minha mãe fazia muito doce, mas não aprendi a fazer, sei fazer doce, mas aquele caseiro tipo de laranja da terra, de mamão, esses doces assim...
P/2 – Tudo que vocês plantavam?
R – Isso, justamente aquilo que a gente tirava do pé. A laranja descascava e fazia, o mamão, esses eu aprendi. Agora, brigadeiro eu não...
P/1 – E sua mãe fazia algum prato que você adorava, muito bom pra você e pra família?
R – A coisa que mamãe fazia que eu adorava e que acho que quase ninguém hoje come é dobradinha frita com cebola. É difícil, mas eu adorava, até hoje sinto o gosto, agora como ela fazia também não aprendi a fazer. Sei que gostava, é uma comida estranha, mas era gostoso. Mas ela não cozinhava bem. Era boa costureira, mas ela sabia fazer uma comida.
P/1 – Ela que te ensinou a cozinhar ou foi aprendendo sozinho?
R – Não, ela me orientava e eu fui fazendo, praticamente ela que me ensinou.
P/1 – Você inventava?
R – Depois comecei a inventar, hoje às vezes reúno os amigos e aí a gente faz comida em casa mesmo, às vezes faço comida também.
P/2 – Voltando para o ginásio, naquela época da escola, você trocou também pra outro segmento, foi pra outro colégio?
R – Do ginásio eu fui para o científico que era...
P/2 – E trocando de colégio também?
R – Troquei, fui para o Brigadeiro Short.
P/1 – Era porque esse colégio já não tinha o segmento da...
R – É porque já saí do primeiro ciclo e naquela época era o segundo ciclo, o científico com três anos pra depois ir pra faculdade. O Estado que mantinha, é como se fosse hoje o segundo grau porque até o ginásio era primeiro grau e depois fui para o segundo grau.
P/1 – E no segundo grau foi pra qual colégio?
R – Brigadeiro Short.
P/1 – Era perto de casa?
R – Era um pouquinho mais longe que o outro, mais uma meia hora de ônibus. Fui fazer laboratório médico porque era profissionalizante.
P/1 – E esse era seu objetivo?
R – Não, porque é o que eu te falei no início, sempre fui jogado na escola, nunca escolhi. Tinha as reformas, eu ia pegando e deixava acontecer. Foi quando eu caí em laboratório médico, mas não era nada que eu queria, não sei por que fiz. Porque tinha que fazer, não tinha opção.
P/1 – Era colégio integral?
R - Não, nessa época eu estudava à tarde e chegando à fase do Exército, ia servir a Aeronáutica, estava com 17 anos e ainda tinha que me alistar. Estudava de uma às seis e aí falei “vou perder um ano” e consegui... Entrei pra Aeronáutica com 18 anos, já estava no segundo ano científico.
P/1 – Mas nesse período você já sabia o que gostaria de fazer? Ou ainda estava em dúvida?
R – Não tinha nada definido. Eu até achava que ia seguir carreira militar, entrei pra Aeronáutica pensando na carreira militar, mas não era coisa definida, era uma vontade, mas...
P/1 – Teve alguma influência dos seus pais?
R – Não, eles nunca interferiram em nada, deixavam a gente bem tranquilo pra escolher. Foi até um lance gostoso porque eu fui pra Aeronáutica e ali aprendi que eu não gostava de ser militar. Até porque o comandante da época não era uma pessoa agradável de conviver. Era ditadura e o coronel Correia usava uma Kombi blindada argentina que veio pra ele porque tinha medo. Servi na Aeronáutica e naquele tempo tinha um calabouço lá e aqueles presos políticos, agora é que vim saber disso...
P/1 – Era que ano?
R – Foi no finalzinho da ditadura, já peguei os calabouços fechados, mas tinha a história do pessoal que passou por ali, eu servi no Campo dos Afonsos. Lembro que na Aeronáutica quando estava servindo fui ao rancho dos oficiais porque tinha que ter horário pra estudar. Entrava no rancho às cinco horas da manhã, fazia todo o serviço para os oficiais, servia o café da manhã e o almoço às 11 horas e meio dia eu estava dispensado. Ia para o colégio, pegava à uma hora. Então eu não perdi, consegui conciliar com o colégio. Fora os dias que eu tinha que tirar serviço, mas dava pra conciliar e não perdi o ano de escola. Até porque depois fui transferido para noite no colégio, comecei a entrar às cinco horas e saía às dez da noite, minha vida começou a apertar, saía de casa quatro horas da manhã e chegava à meia noite, então só dormia quatro horas.
P/1 – Renato, você entrou no ensino médio já com 17 pra 18 anos e serviu Aeronáutica, mas nesse período de colégio o que você lembra? Quais foram os momentos marcantes em termos de convivência entre amigos?
R – Ali foi legal por dois motivos: o primeiro é que eu comecei a descobrir a Educação Física, jogar vôlei, basquete, ter uma amplitude da Educação Física. E também na parte de enfermagem porque comecei, pelo curso que estava fazendo, a ver como se fazia um exame de sangue, a conhecer mais o corpo humano, por exemplo, conhecer mais a pessoa e eu acho que ali foi o início. Não foi da decisão, mas de gostar da Educação Física, de trabalhar com gente. Acho que foi ali naquele momento porque conheci os dois lados, o lado externo da parte física e da parte interna que é a parte das doenças, dos exames, da necessidade de fazer aquilo tudo, então foi ali o começo dessa história. Até porque a Educação Física veio pra mim num acaso, foi uma história também de um amigo meu que um belo dia... Só quero voltar um pouco na minha infância, porque eu tenho um, não é recalque, mas é uma coisa que eu não fiz, que deixei de fazer por falta de oportunidade que era surfar. Na minha época com o Rico, o Kaká, inclusive eles “cheipeavam” lá em Vargem Grande, eles tinham fábrica de pranchas. Lá era o início de tudo que está no surfe hoje. Começou em Vargem Grande essa história. O Rico, o Kaká, a fábrica de pranchas deles era ali, a gente os via construindo as pranchas. Eu tinha dito que meu pai virou alcoólatra e por uma necessidade, porque achava que minha mãe não podia dar, com dez ou 12 anos comecei a trabalhar. Ia ao clube perto da minha casa, o Pontal, e ali começava a carregar garrafa e a ganhar dinheiro pra me sustentar no meu dia-a-dia. Trabalhava sábado, domingo e feriado, era justamente os dias que tinha pra ir pra praia com meus amigos e deixei de fazer isso. Todos eram surfistas e eu não, nunca aprendi a surfar porque tinha que trabalhar, queria trabalhar. Fiquei ali como ajudante de garçom na época, fui muito tempo e eu ficava trabalhando. Com 15 anos comecei a trabalhar de garçom e a ganhar mais dinheiro, a ter minhas namoradinhas, dar minhas saídas. Então sempre fui independente mesmo, só mais tarde fui realizar meu sonho, mas isso é mais tarde, conto quando chegar lá, depois.
P/1 – Você se lembra da sua primeira namorada?
R – Lembro, tinha uma vizinha que tinha umas sobrinhas que sempre iam pra lá passar férias, essas sobrinhas, quando chegavam as férias, enchiam a casa. Uma das sobrinhas, a Neide, foi o meu primeiro beijo, primeira namorada.
P/1 – Qual era o nome dela?
R – Neide.
P/1 – E você tinha quantos anos?
R – Tinha uns 13 ou 14 anos, já era um galalau, sempre fui grande (risos).
P/1 – E na época da adolescência, na faixa dos 16, 17 anos, o que você fazia? Qual era a diversão de vocês?
R – Nós não tínhamos muita opção, a gente fazia nossos bailes na casa dos amigos ou então a gente ia pras boates, cinemas. Lembro que a gente já tinha muito cinema na Praça Seca, hoje virou tudo igreja, mas naquela época era cinema de rua, não de Shopping. Íamos ao cinema e do cinema pras boates, bailes. Ou então tinha um lugar que a gente gostava muito de ir: para o Recreio, pra praia quando era verão fazer acampamento, ficava na praia acampando, não tinha problema nenhum naquela época. Lembro que a gente tinha um paraquedas, montávamos na areia e ficávamos ali tocando violão, conversando, era a nossa diversão.
P/1 – E isso era mais ou menos que ano?
R – Olha só, é meio complicado, mas anos 70, por aí.
P/1 – E esse período era da ditadura?
R – Era final da ditadura, já estava na transição, acabando já, lembro que tinha SWAT, a gente tinha um medo. Quando vinha a SWAT todo mundo corria, era um pessoal que pegava mesmo.
P/1 – Vocês discutiam política nessa época?
R – Não, nunca gostei de política, apesar de ler muita coisa, mas nunca fui ligado à política, nunca tive essa preocupação de me envolver com Centro Acadêmico. A minha política era a do meu grupo “não façam isso se fizerem, façam sozinhos, não sou adepto a isso”, no tempo da maconha nunca fumei, nunca cheirei, tinha amigos que gostavam. Optava por não fazer até por uma questão de princípios, não gostava de estar usando as pessoas. Era independente, achava que se entrasse nisso não ia ter condições de me manter. Era opção mesmo de não querer fazer essas paradas.
P/2 – E quando você tomou a decisão de ter como opção a Educação Física pra sua vida profissional?
R – Foi a história que estava te falando de um amigo meu que um belo dia me chamou e falou: “Renato, quero fazer Educação Física, mas tenho que fazer um teste de aptidão e não queria ir sozinho porque é na Gama Filho, você não quer ir?”. Eu falei: “Eu vou, mas fazer Educação Física? Eu não sei...”. Na época eu estava pensando em seguir carreira na Aeronáutica. Ele insistiu: “Eu até pago a sua inscrição!”. Falei: “Mas não é isso!”. Ele insistiu e fui acompanhá-lo porque a gente era de Vargem Grande e quando ia sair para um lugar tinha aquele certo receio de ver outros tipos de gente que não conhecia mesmo. Fui com ele e na época era o filho do dono da padaria e hoje é o dono da padaria de Vargem Grande, era a única que tinha na época. Era o cara que tinha carro, moto, tudo e a gente não tinha nada. Fui de carro com ele, fiz as provas, fiz o teste de aptidão e quando chegou na prova eu passei e ele não passou. Aí eu falei: “E agora?”. Minha mãe falou: “Já que você passou, vai!”. Minha mãe deu a maior força, mas pagar a faculdade Gama Filho e não sei o que, foi quando ela falou: “Eu te ajudo, você vai e faz!”. Eu engrenei na Educação Física. Foi assim, por acaso também, não foi nada escolhido.
P/1 – Na Educação Física você se formou e começou a dar aula? Como foi?
R – Continuava trabalhando como garçom, tinha meus finais de semana ganhando meu dinheirinho e estudando, pagando a faculdade. Foi quando eu consegui 70% de bolsa, já melhorou também. Nesse meio tempo quando já estava no segundo ano um tio meu que é meu padrinho me chamou e falou: “Renato, olha você vai à Rua Santa Luzia, número 15, tal dia e diz que você veio no lugar do Dulcídio”, o nome do meu tio. “Vai lá que é um emprego pra você!” Fui. Cheguei, me apresentei e no lugar de Dulcídio botaram meu nome. Eles falaram: “Vai fazer o exame médico em tal lugar, nesse caminho aqui”. Eu sempre fui sem perguntar, sem questionar muito. Conclusão: era para entrar pra Secretaria do Estado da Fazenda no concurso Seus Talões Valem Milhões, não sei se vocês lembram que tinha na época, trocava notinha por um cupom, depois tinha um sorteio pra forçar o crescimento e a arrecadação do Estado. Fui, comecei a trabalhar na secretaria de Estado da Fazenda no lugar do meu tio, fazia meio período, estudava meio período, terminando a faculdade e trabalhando na Secretaria. Depois me formei, comecei a dar aula, fiquei dando aula em Botafogo, Vargem Grande, na academia, em associações para ginástica feminina, natação. Fui trabalhando na secretaria, dando aula, de repente eu parei com as aulas todas e fiquei só na secretaria. Hoje sou funcionário público e esqueci a Educação Física, quer dizer a minha vida toda foi um acaso. (risos)
P/2 – O que mais te marcou nesse aprendizado como professor de Educação Física? O que a área de Educação Física proporciona para as crianças? Como é que é feito esse trabalho do profissional de Educação Física em termos de valorização da autoestima, da competição?
R – Uma coisa que eu nunca gostei, acho que por eu ser tranquilão, nunca gostei da competição em si, gostei de uma competição menos agressiva, não sei como posso explicar isso, a Educação Física pra mim não é atletismo, o cara ser atleta, ser o melhor, tem que ser o melhor pra ele. Essa foi a minha filosofia dentro da Educação Física, nunca quis criar um atleta, um gênio, sempre quis criar uma pessoa. É com essa visão que fazia minhas aulas, que as pessoas fizessem aquilo que fizesse bem pra elas, se elas quisessem ser competidoras iam pra lá e se quisessem simplesmente manter, orientar o seu corpo físico, ia fazer a Educação Física sem ter essa visão de competição, de prêmio, nunca entrei nessa linha e não é a minha linha.
P/1 – Tinha um esporte que você se mais se identificava, Renato?
R – O handebol eu me identificava como pessoa e o voleibol, era o handebol e o voleibol que eu me identificava. Agora pra trabalhar realmente a natação, pra dar aula era o que eu mais gostava e ginástica feminina.
P/1 – Você disse que teve bolsa num período da faculdade. Foi por algum motivo ligado ao esporte? Alguma coisa que você tenha feito?
R – Minha mãe conseguiu com um rapaz que era casado com a minha prima, ele era segurança de um dos filhos do dono da Gama Filho. Então ele fazia segurança e minha mãe conversando com ele conseguiu essa bolsa de 75% pra mim. Até no final não queria, nunca gostei de me apresentar e aquele negócio todo de formatura era um sacrilégio. Resolvi não ter formatura, foi aquela coisa mais simples, só pegar o canudo e uma recepção só com minha mãe, minha namorada, só o grupinho lá. E ele depois veio me cobrar que não o chamei pra formatura e isso causou um mal-estar entre nós. Achava que se ele me arrumou a bolsa não é porque devo obrigação pra ele até hoje, se ele me arrumou era porque tinha condições de arrumar. Se fosse pra ter obrigação com ele, então ficava pagando o colégio, então isso foi um mal estar, mas já passou.
P/2 – Você como professor de Educação Física comentou que o esporte que gosta ou gostava de trabalhar é o handebol?
R – Não, pra trabalhar é natação.
P/2 – Natação. Mas você gostava também...
R – Eu gostava de fazer handebol.
P/2 – Então, o handebol no colégio público é o esporte que mais se pratica no Brasil, eu acho...
R – É o handebol porque é mais fácil por causa da quadra, o espaço, o material é o mínimo.
P/2 – Você teria como explicar por que o handebol não se torna um esporte com mais representação? Eles só ficam no nível de colégio e o que falta na área são os profissionais? Qual é a sua visão como professor?
R – Você vê, só isso acho que é mais regional até mesmo pela federação também porque tem muito disso. No Sul do Brasil o handebol é muito desenvolvido como é o futebol de salão que não é tanto pra cá, pro nordeste, norte. Talvez seja por causa do clima, de repente no sul é mais frio, o handebol e o futebol de salão são praticados dentro de uma quadra fechada, aqui no Rio principalmente no verão você não fica numa quadra fechada e no sol também você não consegue fazer um handebol legal e nem um futebol de salão. Talvez seja por causa do clima que não leva mais esse crescente, você vê que lá no sul tem o handebol, o voleibol, até o futebol de salão que é muito desenvolvido lá.
P/1 – E hoje o seu envolvimento com o colégio? Você é um representante dos pais?
R – Isso, hoje a minha ligação com o colégio é só ser representante de pais.
P/1 – Como é que foi esse envolvimento? E como é esse trabalho hoje?
R – Fui ser apresentado ao NAVE que é o colégio José Leite onde meu filho foi escolhido pra ir pra escola, não precisou entrar naquele sistema de seleção rígida de prova, está abrindo um caminho pra educação no Brasil que acho que tem que ser natural, tem que ser de graça, tem que dar, o Estado é responsável por isso, pela educação. Então ali meu filho já começou um caminho bem legal e fui conhecer o colégio, a minha preocupação – acho que isso veio da minha mãe de que a educação é tudo para o ser humano, não só a educação formal, mas como a educação cultural senão você não consegue nada – era de como meu filho foi convidado para uma escola. Aquilo caiu de paraquedas, mas você tem que buscar saber o que é. Comecei a buscar o que era aquele colégio, o que é a NAVE. Fui pesquisar, conversar e a partir daí comecei a participar das reuniões, fiz questão de ir a todas as reuniões. E por meu filho também ser um líder dentro da escola – pelo menos é o que as professoras me falam e eu vejo isso – isso fez com que me aproximasse mais ainda porque ele exigia isso de mim e eu também como contra partida não podia deixar. Exijo que ele estude, não posso deixar também de dar esse apoio, foi quando me perguntaram se existia a necessidade de alguém que quisesse ser representante e meu filho pegou meu braço e levantou, eu estava com ele. Aconteceu assim (risos).
P/1 – E como é o trabalho?
R – Eles estão querendo criar um grêmio. Agora me fugiu o nome. São pessoas do colégio representando os pais que formam, não é bem um grêmio, é uma comissão que tem dentro do colégio pra ver os gastos, as necessidades, discutir o que vai fazer e o que não vai. Os recursos são pequenos, então você tem que selecionar pra onde direcionar. Só tive uma reunião até agora porque o colégio começou tem uns seis meses ou nem isso, então não tive ainda uma atuação direta, só mais de reuniões assim.
P/1 – O que você vê de diferencial nesse colégio?
R – Tudo que eu não tive e que não vejo em outros colégios, da realidade da escola de hoje. Tive a felicidade de colocar meus filhos em colégio particular, o meu filho desde cedo entrou para uma creche particular porque o Estado não oferecia creche pra eles, então eu pagava. Depois eles foram para um colégio particular, a primeira série deles foi colégio particular e aí comecei a perceber que isso não estava certo. Eu pago imposto pra tudo e ter que pagar também a educação que era obrigação do Estado é uma coisa que existe, obrigação entre aspas, mas ela está dentro da Constituição, está dentro da nossa Lei, por que não pegar isso e tirar proveito? Comecei a buscar e os passei para o colégio público e tive uma grata surpresa de descobrir que não há muita diferença desde que você saiba onde colocar seus filhos e cobrar. Como moro em Vargem Grande falei: “Aqui os colégios são um pouco precários porque é distante, não tem professor, não tem uma infraestrutura adequada”. Comecei a buscar colégios dentro de condomínios na Barra. Eu falei: “Ali tem pessoas que não querem que o colégio fique depredado...” Pensando assim o colégio sujo, depredado, o cara tem um apartamento, uma casa, vai desvalorizar a área, ele vai manter esse colégio sempre porque vão querer que isso se mantenha, é uma forma política que tem de manter enquanto que esses colégios mais distantes ficam abandonados, largados porque não tem aquela cobrança devida. Fui até egoísta, eu sei, porque deveria estar perto brigando pelo da minha casa, mas era um processo que eu não podia esperar, meus filhos estavam ali, tinham que ser educados. Então fui num que já estava num processo avançado e foi onde parti para o colégio público e comecei ali a participar mesmo das decisões, comecei a entrar na política porque você tem que participar, tem que cobrar se não você não vai ter. Meus filhos, os dois, foram para o colégio público e é uma realidade que a gente tem que brigar, estar sempre ali acompanhando, buscando. A falta de professor mesmo ali dentro dos condomínios era complicadíssima. Veio a NAVE, um telefonema convidando ele pra fazer o colégio, completamente desconhecido e eu falei: “Caramba o que é isso”? Sinceramente eu fiquei até com medo, liguei pra Secretaria de Educação, pra tudo quanto foi lugar pra saber por que a informação que me chegou era mínima. “Seu filho tem que ir tal dia em tal lugar pra se apresentar pra fazer um teste de aptidão para o colégio segundo grau”. Ele já estava matriculado em outro colégio. Vim, comecei a descobrir e a realidade, hoje acho que está além da que o Estado oferece porque já estamos tendo uma preocupação. Um exemplo claro: hoje estamos com uma preocupação de como se manter a alimentação desses alunos.
P/1 – E qual é a alimentação que eles têm?
R – Hoje pela informação que tenho é que quem está bancando, está dando essa alimentação é a Oi através de um convênio com a Quentinha, porque a cozinha não está pronta, mas no momento que ficar é o Estado que vai bancar e é aí que começa a nossa preocupação: o Estado.
P/1 – E os pais?
R – Não, pai não participa de nada a não ser do incentivo ao aluno e o Estado paga, se não me falha a memória, 30, agora me fugiu, mas é uma coisa mínima por aluno que não dá pra tomar um café da manhã. Então isso é preocupante, a gente está começando a se preocupar porque quando a Oi sair e o Estado entrar definitivamente nessa parte como é que vai ser? Pra eles que estão lá o dia todo a alimentação vai sofrer uma qualidade, estamos entrando com essa comissão pra começar a discutir esse processo. Temos que virar isso porque não pode você gastar três vezes mais com um preso e um aluno você não ter verba para gastar. É complicado, a gente tem que rever, o preso precisa, mas e o aluno que está ali se formando? A gente tem que ser mais crítico e acompanhar mais.
P/2 – Em relação a essa questão, quais são as outras propostas ou reivindicações dos pais?
R – Eu confesso que a proposta do NAVE veio de encontro a tudo que eu achava que era contrário à educação, jogos. Eu sempre falei: “Meu filho, tu vai ficar jogando no computador? Ficar usando o computador pra jogar? O computador é tão bom pra outras coisas!”. E vem essa proposta toda contrária ao que eu pensava que é usar o jogo na e para a educação. É uma coisa muito nova pra mim, talvez pra eles não, já vêm dessa cultura, pra ele está sendo o máximo, agora pra mim é uma coisa nova que estou descobrindo, estou apreensivo pra saber lá na frente o que vai acontecer.
P/1 – Me explica um pouco melhor para eu entender? Tem a área de informática no colégio e ele trabalha nos jogos?
R – O colégio é normal como todos os da rede pública estadual. Têm as matérias todas certinhas e uma parte da informática que é voltada pra jogos, jogos de informática mesmo. Então ele, segundo informações, vai sair uma pessoa técnica em informação de jogos.
P/1 – E você saberia informar como é esse projeto na área de informática? Quem organiza?
R – Sei que existe um projeto piloto que veio da Bahia, já foi feito na Bahia pela Oi Futuro, isso já está sendo disseminado no Brasil e nós aqui, acho que somos o segundo pólo dentro dessa visão da OI Futuro dos jogos, desse tipo de trabalho. Essa é a informação que tenho e me parece que em São Paulo também já tem alguma coisa nesse sentido.
P/1 – E lá é horário integral no colégio?
R – Horário integral. Aqui ele entra às sete horas da manhã e sai às cinco.
P/2 – E qual a diferença que o senhor já notou na aprendizagem do seu filho? Já sente alguma mudança?
R – Sinto sim. Toda a minha preocupação até em termos mesmo de comportamento dele ou do uso do computador. Ele já não vê o computador só pra jogo, vê uma ferramenta, como uma coisa que ele pode crescer e fazer as pessoas crescerem. Então acho que isso é uma preocupação que eu tinha que já está acabando, tinha a preocupação dele estar com o computador usando somente para brincadeira e ele está vendo que aquilo ali é uma ferramenta útil, é uma coisa que está mudando ele e vai mudar muita coisa.
P/1 – Existe um consenso entre os pais?
R – Nas reuniões que participo com os pais tem um consenso muito grande sim, só existe uma pequena reclamação de alguns devido à informática ser uma coisa muito cara pra gente que é usuário, pai. Tem pais que não tem nem computador e às vezes tem computador, mas não tem internet. Essa reclamação ainda existe dentro do grupo, talvez uns 20% eu creio, porque é complicado, tem matéria. Meu filho tem sorte porque eu trabalho e saio no mesmo horário que ele, então ele vai embora comigo. Chega em casa sete horas e já está programado que tem que entrar tal horário pra fazer trabalho em grupo pela internet. Eles fazem o trabalho on line, discutem, trocam informações, tem os dias certos de fazer isso e alguns alunos não conseguem porque não têm internet em casa ou não tem computador, então vão ter que ir pagar lan house e às vezes não tem nem como pagar a hora na pra fazer esse tipo de atividade. Isso é minoria, mas é um problema, tem que solucionar isso. E tem uma coisa que acho que difícil pra resolver agora: ele quer um laptop e pra gente andar com um no Rio de Janeiro hoje, não é a questão de ter, é a questão de transportá-lo. Perde toda uma segurança, a cidade já é insegura e você corre risco de assalto. Eu até não dei ainda porque é isso, não vai ficar em casa e para ir pra escola tem que transportar, tenho medo desse transporte porque ele já foi assaltado, já levaram o radinho de ouvido dele, imagina um computador portátil. Mas já é uma questão estrutural e cultural, não mais uma questão do colégio, é uma questão que transcende o colégio.
P/1 – Você acha que o fato dele estar aprendendo a lidar com o computador enquanto ferramenta desperta nele interesse pela educação de um modo geral? Ou pelo ensino das outras matérias, coisas que não estão relacionadas estritamente com informática, você acha que despertou interesse maior nele pra estudar?
R – Olha, essa é uma pergunta meio complicada, ele sempre gostou de estudar, então isso ele não perdeu, continua gostando do estudo. O João Pedro quer ser o primeiro, eu não sei o porquê, ele nunca gostou de ser o segundo. Então, o gosto pelo estudo ele não perdeu, ele consegue ser o primeiro da turma, ele consegue ser o melhor da turma, em termos de educação, de matérias, de tudo. As notas dele são ótimas sempre, quando ele tira nota baixa fica chateado, então ele não perdeu nada não, pelo contrário, acho até que está o ajudando mais ainda. Eu sempre o incentivei a ler, ele lê sempre jornal, eu até peço a ele pra ler mais, ai ele “Mas eu não tenho tempo.”. Porém eu acho que ele está crescendo bastante.
P/1 – Você acha que a informática é um instrumento a mais também pras outras disciplinas, ele consegue trabalhar?
R – Consegue. Ele consegue trabalhar a informática com isso, ele consegue sim, está conseguindo.
P/1 – E existe uma troca de conhecimento entre vocês? Porque a geração é mais antiga, por não ser da geração, não teve contato com a informática, os filhos agora tem essa convivência, existe essa troca de conhecimento?
R – Existem sim. Antes disso, como eu falei, eu lido com informática no dia a dia, me botaram um dia um computador na frente, eu olhei “O que é isso?”, tive que aprender e fui aprendendo, nunca fiz curso de informática, eu aprendi didaticamente. Eu também fui passando isso pra eles, comprei um computador, coloquei lá e falei “Vai, se vira!”. Não fiz curso, não paguei nada, essa troca no inicio com eles foi legal porque eu passava o que eu tinha aprendido, eles me passavam também e a gente foi trocando aquela experiência e isso continua até hoje. Mas hoje eles já estão a cem anos luz na minha frente.
P/1 – O senhor só tem um filho?
R – Não. Eu tenho uma filha.
P/1 – Um casal?
R – É, um casal.
P/1 – Quantos anos?
R – A minha filha tem 16 e o João Pedro vai fazer 15 agora no dia 23.
P/1 – A sua filha de 16 anos também está nesse mesmo colégio?
R – Não, a minha filha está no Pedro II, ela está na área de meio-ambiente.
P/1 – E qual é essa diferença dele estar nesse colégio, em que momento existe alguma interação entre o conhecimento que ela adquire através do Dom Pedro II e ele no NAVE, como é?
R – O João Pedro era mais novo, mas sempre foi mais estudioso, a Carolina já era mais tranquila nas notas. Ela estava um ano a frente dele, terminou o primário e fez prova pro Pedro II e não passou, aí eu tive que pagar um colégio pra ela, comecei a pagar um colégio para o segundo grau, terminou o primeiro ano, ela fez de novo o Pedro II, ai ela passou, preferiu repetir um ano, e está fazendo o primeiro ano de novo, com isso o João Pedro pegou ela, então estão os dois no primeiro ano. O João Pedro também fez Pedro II e também não passou junto com ela, ele estava no colégio do Estado, agora é automático, você sai do primeiro e passa pro segundo grau, o Estado é obrigado a arrumar vaga. Ele estava em um colégio e foi convidado para o NAVE, agora os dois estão no primeiro ano. E ela está adorando também, estudando o meio ambiente, está gostando.
P/1 – Conta um pouco mais dos seus filhos, eles são frutos do seu casamento? Você é casado?
R – Sim, sou casado. É como eu te falei, eu estava no quartel, meu pai havia falecido e eu fiquei morando com a minha mãe, meus irmãos casaram, ficamos só eu e minha mãe, aquilo foi uma convivência de anos, fiquei mais de dez anos morando com a minha mãe e namorando veio a vontade de casar. Eu pensei “Poxa, eu não posso casar antes de morar sozinho” porque na minha cabeça eu ia transferir, não ia ter uma mulher, ia ter uma mãe. Eu morava com minha mãe dez anos, ai de repente eu saio, monto uma casa com uma mulher que eu vou olhar e vai ser minha mãe, né? Eu não posso ter esse cordão. Então eu fui morar sozinho, foi quando eu aluguei um apartamento, foi quando calhou do meu irmão também separar da mulher e voltar pra casa, ai foi o momento que eu aproveitei e falei: “Opa, agora é minha vez”, sai deixei minha mãe com meu irmão e fui morar sozinho. Fiquei quatro anos sozinho e depois eu casei. Fiquei morando no apartamento que eu comprei, eu mesmo montei o apartamento, quando eu fui casar já estava pronto. Então ela só deu os toquezinhos dela, ficamos três anos sem ter filho e depois ela teve o primeiro filho, a Ana Carolina, em seguida ela engravidou do João Pedro, coisa de nem um ano, a diferença é de um ano e pouquinho. Foi uma coisa maravilhosa, eu lembro que eu levava minha filha, eu ia dar aula de natação, ela era bebezinha, eu colocava no carrinho e depois que acabava minha aula, eu dava aula de bebê pra ela, então era gostoso. Ela nasceu dentro da água.
P/1 – Qual o nome da sua esposa?
R – Eleanor.
P/1 – Como o senhor a conheceu?
R – Dando aula [sorrindo]. Eu dava aula na associação de ginastica feminina, ela era minha aluna, a gente se conheceu lá, aliás, foi uma amiga dela que se interessou por mim, essa amiga nem estava na aula, acompanhava ela e começou a se interessar por mim. E ai entrou para minha aula pra poder se aproximar, aquela coisa toda, mas não rolou nada e acabou rolando com a amiga. Ai nos conhecemos ali.
P/1 – E ela fazia o que?
R – A Eleanor na época estudava e trabalhava em loja de roupas no shopping. Depois que nós casamos ela continuou estudando, fez pedagogia, se formou em pedagogia, foi uma fase legal porque eu trabalhava à tarde, e ela estudava de manhã na Gama Filho também e a Ana Carolina bebê, então ela tirava o leite deixava na geladeira, e eu quando acordava aquecia no banho maria e dava para minha filha, depois tinha que dar banho aquelas coisas todas, então eu praticamente fui a baba da minha filha durante um bom tempo, uns dois anos, de recém nascida até dois anos. Depois eu contratei uma babá porque não deu mais, ela ficou muito arisca, mas eu cuidava dela até meio dia, até ela chegar da faculdade, chegava da faculdade eu ia trabalhar, tinha essa possibilidade de conciliar os horários, aí foi uma fase legal, curti muito meu bebezinho. O João Pedro já foi diferente, eu já estava com babá, já estava construindo a casa, não estava morando em apartamento. O João Pedro acompanhou a construção da minha casa, 15 anos é o tempo que eu moro lá hoje, em Vargem Grande.
P/1 – Renato, então você mudou do apartamento, construiu a casa, onde é que é essa casa?
R – Eu morava em Camorim, no apartamento que eu comprei, mobiliei tudo, aí veio a criançada: minha filha, logo em seguida meu filho. Minha filha foi programada, mas o filho não, foi algo que veio de repente, entretanto foi legal. Ele nasceu e a gente ainda estava no apartamento, aí minha mãe nos deu um terreno que tinha herdado da minha avó, ela resolveu dar esse terreno para os três filhos dela, eu fiquei com a minha parte do terreno e resolvi que eu ia construir uma casa lá porque o apartamento já estava ficando pequeno, eram dois quartos, dois filhos pequenos e comecei a construir. Só que eu comprava material e colocava lá, quando eu ia final de semana o material minguava, os vizinhos pegavam emprestado e não devolviam. Ai eu falei assim “Tem que resolver esse problema”, então eu construí dois cômodos e fui morar lá pra tomar conta do material. Construí minha casa, meu filho nasceu e em 15 anos fomos construindo a casa, uma fase em que nós dois construímos, eu, minha mulher e meus dois filhos.
P/1 – E vocês moram lá?
R – Hoje nós estamos morando nessa casa, em Vargem Grande. Voltei pra Vargem Grande, que eu havia saído, foi o único período da minha vida que saí de Vargem Grande, foi esse período que eu fui morar sozinho e uns três anos de casado, mais ou menos.
P/1 – E os seus filhos agora adolescentes vão pro colégio sozinhos?
R – Todos os dois, sempre vão sozinhos. A primeira vez a mãe ainda levava, contra a minha vontade, mas depois passaram a ir sozinhos e vão sozinhos.
P/1 – E quais são suas principais atividades hoje em dia, além de ser representante dos pais?
R – Pois é, aí começa o problema porque Vargem Grande por ter sido sempre uma área rural... Você está a dez minutos da barra e cinco minutos do recreio, uma área que está em expansão galopante e as pessoas estão começando a descobrir Vargem Grande, é uma área que é considerada rural, mas que deixou de ser rural. Onde hoje você tem sítios, sempre teve, então são grandes sítios que estão virando condomínios e com essa preocupação do desmatamento, Vargem Grande é dentro do Parque da Pedra Branca, maior parque do mundo dentro de uma cidade, então a gente tem uma responsabilidade muito grande em cima disso, você manter um parque deste tamanho é complicado no meio de uma cidade. Ainda mais Vargem Grande, Recreio do jeito que está crescendo, que a Barra já não tem como comportar mais, então está vindo para o Recreio e você tem que começar pensar, repensar, como é que nós vamos fazer com o meio ambiente daquela área, uma área que sempre foi rural, tem uma cultura toda, aí as pessoas chegam lá... É interessante porque elas querem o meio ambiente intacto, depois que elas constroem, ou seja, elas chegam destroem, constrói e depois não querem mais que mexam, mas ela já destruiu antes. Esse é o impacto que nós estamos sofrendo, as pessoas chegam em Vargem Grande tem um sítio, compram, a maioria lá não tem escritura, nada, às vezes tem muitas invasões também, nós estamos nos preocupando com isso. E foi onde eu comecei me engajar, tem uma casa aqui que eu quero deixar pro meu filho, então tinha que começar [se engajar], hoje sou presidente da Associação de Vargem Grande, estou lá desde março, que é uma luta que eu venho participando desde sempre para pode minimizar este impacto da destruição do meio ambiente de Vargem Grande. É a luta que nós temos hoje lá, basicamente a Associação de Vargem Grande é contra os invasores e a depredação do meio ambiente. A gente luta muito contra isso, já conseguimos algumas vitórias, conseguimos impedir construção de cemitérios, impedir construção de barreira de tirar _____, essas coisas. Mas a invasão humana, aquela formiguinha do cara chegar e de um dia pra outro ele destruir uma área e construir uma casa, a gente não está conseguindo, até porque nesses últimos tempos o governo está de olhos fechado pra isso. Nós estamos buscando essa parceria pra ver se a gente diminui isso, preocupa-se muito com a lagoa de Jacarepaguá, poluição, não sei o que, mas e os mananciais? De onde vem aquela água pra manter a lagoa? Eles não se preocupam com a nascente lá onde nasce o Rio, em Pedra Branca, que está sendo destruída. Então daqui a pouco não vai ter nem lagoa, nem mananciais. Como é que você vai limpar o que está sujo? Você tem que manter lá em cima limpo, os mananciais, pra que depois a gente consiga limpar lá embaixo e essa troca continuar acontecendo pra poder manter esse ciclo de vida da natureza. Ninguém tá preocupado com isso, quer dizer... Eu acho que o governo com essa expansão mobiliaria o pessoal está preocupado em construir. Mas e o bem-estar? Será que vai valer a pena? Por isso estamos lutando agora, é uma luta que eu estou participando.
P/1 – Renato, nossa entrevista está chegando ao fim, mas antes eu queria fazer algumas perguntas. Quais aprendizados que você tirou da sua vida?
R – Olha, eu acho que todos, né? Tudo que eu sou hoje vem dessa formação. Família é a célula de tudo, educação é a solução pra tudo, cultura... Eu acho que nós precisamos lutar mais para que a cultura seja facilitada pra todo mundo, cultura no nosso país é cara, ela não é palpável para muitas pessoas, não chega em muitas pessoas. Televisão foi algo que brecou um pouco essa parte da cultura, apesar de nós termos... Eu acho, que eu não conheço muito bem, mas nossa televisão é até uma televisão muito boa em certo aspecto, não é ótima, mas é boa. Porém e a cultura foi pra onde? Acho que isso aí atrapalhou um pouco. Então eu tive infância, eu brinquei com terra, é legal isso de você construir e brincar com a tua construção, acho que isso que faz você crescer legal, acho que hoje é difícil você ver isso, as pessoas construírem, as pessoas recebem muitas coisas, muitos dados, elas precisam é resgatar isso. Isso é uma lição que eu aprendi até da minha necessidade, não tanto porque eu tive uma infância saudável, sadia, até meus dez anos, depois eu precisei ir pra vida, mas também foi um aprendizado, essa mudança de comportamento familiar porque houve uma... Não foi uma destruição, mas saiu um elo da família, eu perdi um elo na família, que pra mim é importante, foi importante. Isso é a base de tudo, ter uma família, ter educação e cultura [celular tocando]. Um minutinho que acho que tocou aqui, esqueci de desligar. Mas aí acho que é isso
P/1 – Tem alguma história pra contar, algum relato, qualquer coisa que o senhor queira deixar registrado?
R – História... Minha história é tão grande nessa vida. Não, não tem, eu acho que eu já falei tudo que eu tinha da minha história.
P/1 – E o que senhor achou de ter participado dessa entrevista?
R – Uma experiência impar. Eu sinceramente não esperava nunca fazer um tipo de atividade dessa. Mas como eu te falei, né? Eu topo qualquer desafio, então foi um desafio legal, gostoso, espero que tenha atendido as expectativas do projeto, que tenha atendido vocês.
P/1 – Você já conhecia o Museu da Pessoa?
R – Não, não conhecia. Eu conheci no dia da reunião que eu fui convocado, que eu também não sabia, fui convocado pensando que era participação dos pais e de repente foi outra reunião que não foi me dada antecipadamente o conteúdo dela, ai há um mês que eu conheci o projeto.
P/1 – O que você acha do projeto?
R – Olha, interessante. Acho interessante, dinâmico... E fico pensando qual o objetivo? É uma coisa que eu quero descobrir.
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