O pai, Jorge, na terra dos homens de sombreiro, trabalhou, rezou, comerciou. Comerciou, rezou, trabalhou ... até que enricou. No entanto, seu sonho de viajante não terminava ali. Ouvira falar de uma \\\"terra brasilis\\\", a terra que, em se plantando tudo dá... em que os \\\"turcos\\\" eram bem ...Continuar leitura
O pai, Jorge, na terra dos homens de sombreiro, trabalhou, rezou, comerciou. Comerciou, rezou, trabalhou ... até que enricou. No entanto, seu sonho de viajante não terminava ali. Ouvira falar de uma \\\"terra brasilis\\\", a terra que, em se plantando tudo dá... em que os \\\"turcos\\\" eram bem recebidos e o comércio promissor.
Deixou sua riqueza para o irmão, alertando:
- Se eu voltar, pego a casa e tudo que deixo aqui. Caso contrário, fica pra você , Yussef.
E partiu...
Depois de aqui se estabelecer, lutou e lutou e lutou e trabalhou e rezou e comerciou e comprou casas e construiu uma maior. E fez as \\\"casinhas de mantimentos\\\", como era costume em \\\"seu \\\" terra - uma para o trigo feito para o pão, outra para o trigo feito para quibe, outra para o trigo inteiro (para comer com coalhada).
O trigo era a vida daquela região, transformava-se em pão e estabelecia o encontro, a festa, o banquete .
Mandou fazer casinha também para o grão de bico... tudo para receber aquela que, depois de sua mãe, melhor preparava os alimentos para a família faminta e feliz, sua bela Maria.
Enquanto isso por aqui se passava, no pequeno vilarejo de Rahb não permitiam que a \\\"bonequinha de carne\\\" , a filha da bela Maria, saísse às ruas sozinha. Tempos de guerra, tempos sombrios.
E Fauzi - o mais velho que tomou conta de todos quando pai partiu,
a levava às costas para a escola - uma forma de poupar-lhe os delicados pés na terra montanhosa de gelos eternos, e de se divertirem pelo caminho. Brincadeira de irmãos . Tudo era riso e alegria.
Ali,
conheceu Mercedes, a primeira professora, a senhora chique, de roupa preta esvoaçante, manto longo. Era brava, mas assim que a vira, abriu um sorriso feito o nascer do Sol e disse:
- Que menina bonita, jamile, vai ser minha aluna (Enti bat *)
Não estranhou de todo, mas no primeiro dia ficou \\\"meio bobinha\\\". Na primeira semana aprendeu sobre o abecedário. Aqueles desenhos tão bonitos de se ver - não de fazer.
Não gostava de escrever. \\\"Nehrie, caneta ou lápis, tem que escrever\\\". Gostava mesmo era das contas. \\\"Um mais um\\\", perguntava
a jamile Mercedes. E um dedinho se espetava no ar e respondia, rapidamente, \\\"dois\\\".
E a mestre a abraçava, a beijava, apertava suas bochechas , sorria, elogiava - para o ciúme das colegas ( o eterno monstro dos olhos verdes!)
Mas havia Laia, a amiga que a defenderia desde o primeiro dia. Lembrada até hoje, quando narrava suas lembranças.
Com o passar dos meses foi ficando viva, mais viva: cantava, brincava,
pulava,
jogava vôlei
e ganhava. Ganhava reguada na mão também - a doce professora, repentinamente, se transformava em carrasco só por que a aluna querida não queria escrever.
Mas se dava o resultado de uma continha tão depressa! Que lógica era aquela? Não entendia muito o método da professora, porém aceitava
e amava a professora.
Era inteligente a garotinha. Ali
aprendeu oito idiomas. Duas vezes ao ano mudava de sala, saltava para o ano seguinte - tão esperta a menina.
A professora chorou quando ela partiu. E então teve certeza do amor daquela que a chamara de enti bat no primeiro dia da longa jornada.
Voltemos um pouco no tempo - o ir e vir da narrativa e as histórias contadas quando , junto da mãe e dos irmãos, colhia imensas e suculentas frutas no pomar e ouvia sobre o tataravô. Ou então,
ao redor
do fogo, nas noites frias, quando ouvia sobre o homem que
foi pai de vinte e cinco filhos homens! Vinte e cinco! Homens!
\\\"Como se faz filho homem? E filha mulher?\\\" - pensava a garota de olhos
verde-mar
-porém não externava.
E aqueles vinte e cinco homens cresceram, casaram-se, tiveram outros filhos - como era natural - e todos parecidinhos -
aquelas mesmas faces árabes, com marcantes olhos.
- Vamos fazer deste terreno que possuímos uma \\\"daiá\\\" ( uma cidade) .
E assim, cada filho se tornou o chefe de seu quinhão; dentre eles, seis varões do mesmo pai e avós. E expandiu e expandiu o terreno.
Havia ali , não por acaso, 365 minas d\\\'água (Ah! o pão e a água!)
a que deram diferentes nomes: an fuor (mina que ferve), níber ( a nascente) e assim por diante...
E o terreno se transformou em daiá, ali, em Rahb Akkar.
Mas o pai, ah o pai!
Voltemos ao pai. Lembram-se de que o sangue ferveu , teve dedo na cara, insultos, gritos, objetos ao chão, compra de passagem, despedida, partida?
Por que será que
havia tantas partidas ? Por que será que a vida a distanciava daqueles a quem mais amava ? Bahia,
Mercedes, Zaghoul, Jéber (ou Jàber), o pai...
Maktub era uma palavra tão bonita e tão triste ao mesmo tempo! Como uma palavra podia ser tão contrária a si?
Aprenderia mais tarde, bem mais tarde, ao refletir sobre o Amor.
E foi assim:
Pai era tão bom. Doava sacarias de mantimentos aos que necessitassem (Ah! o trigo). Até que um dia, a farinha acabou e pai só tinha 60 libras. Dinheiro sempre foi curto, naquela vila de trabalhadores.
\\\"Peço emprestado para Nahme, um filho
não vai me negar 30 libras que faltam\\\".
Mas o filho não tinha massari.
- Fique com essas 60 libras, filho meu, posso conseguir farinha em outro lugar.
E andou e procurou e perguntou e perguntou e procurou e andou... em vão. Resolveu voltar pra baita, a casa.
- Ô pai de Nahme, já voltou? Teu filho um encanto, acredita que me emprestou 60 libras ? E eu só precisava de 30 para comprar a farinha que faltava.
E houve tremor e ranger de dentes. E houve dedo na cara, insultos, gritos, objetos ao chão, compra de passagem, despedida, partida
- Maria, esse teu filho não quis me emprestar 30 moedas que faltavam (sempre as 30 moedas!). Meus outros filhos sem comida. Eu dei a ele minhas 60 libras e o masnuni emprestou pro nosso vizinho. Por que ele fez isso? Pra quem puxou esse menino?
Não esperou resposta, despediu-se e partiu. Ah! as partidas! Sempre as partidas! E o pai veio para o Brasil.
*transliteração- Ent bat = Minha alunaRecolher