Projeto Conte Sua História
Depoimento de Ana León
Entrevistada por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 17/09/2015
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Bom, então vamos dar início, Ana. Inicialmente, muito obrigado por ter vindo, para dar um pouco do seu tempo para contar a sua história. Então, em n...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Ana León
Entrevistada por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 17/09/2015
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Bom, então vamos dar início, Ana. Inicialmente, muito obrigado por ter vindo, para dar um pouco do seu tempo para contar a sua história. Então, em nome do Museu, muito obrigado. Para o nosso registro, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Ana Elisabete de León Gonzales. Eu nasci no dia seis de junho de 1988, na cidade de Palmira, Valle del Cauca, Colômbia.
P/1 – Perfeito. Ana, antes da gente começar a falar de você mesmo, a gente vai voltar um pouco para as suas origens. Você conheceu os seus avós, bisavós? Você conhece a história da sua família?
R – Tenho meus avôs e minhas avós vivos ainda. Tenho uma relação boa com eles. Os meus bisavós, não. Não sei muito. Agora, por parte da minha família, estão nesse momento, construindo essa árvore familiar, uma parte da família materna, mas eu não sei. Eles estão fazendo essa história. Agora, eu não conheço muito bem, não (risos).
P/1 – Mas dos seus avós, conta um pouquinho. Parte de mãe, por exemplo, conta um pouquinho a história deles.
R – Bom, então…
P/1 – Nome, de onde vieram.
R – Meu avô chamava Gonzalo e ele, bom, era uma pessoa que fazia muitas coisas, sabe, na área rural da cidade, onde ele morava. Conhecido pelas pessoas dessa cidade por ser médico, eletricista, dessas pessoas que fazia muitas coisas. Não sei o momento em que ele conheceu a minha avó. A minha avó, eu sei que ela era filha única, que foi cuidada por uma tia, sofreu uma rejeição por parte das primas e sei que a história da minha avó foi um pouco nessa… com esses elementos de não ter boas relações, não ter pais por perto dela, não sei porque não estavam, acho que morreram, não sei muito bem. E casaram em algum momento (risos), tiveram cinco filhas, todas mulheres. Eles criaram uma escola, os dois, uma escola nessa cidade que até hoje existe, onde eu estudei. Meu avô morreu já, minha mãe tinha 17 anos. E minha avó chamada Beiba está viva. Isso por parte da minha mãe.
P/1 – Isso em Palmira?
R – Isso em Palmira.
P/1 – Eles nasceram lá também, vieram de outros lugares?
R – Eu acho que a minha avó nasceu em Palmira, mas meu avô, não. Eu não sei essa história, não sei (risos). Eu vou descobrir, talvez, com essa…
P/1 – Primeira lição de casa (risos).
R – Sim, sim! É que essa família já está fazendo essa recuperação aí, se juntaram, os Gonzales. Todas as pessoas provenientes, assim, desse laço familiar estão criando essa história.
P/1 – Legal e por parte paterna?
R – Então, por parte paterna, eu tenho a minha avó que chama Cecilia e o meu avô que chama Ranizeto, vivos os dois, ontem foi o aniversário do meu avô, de fato. E eles já são de outra região da Colômbia. Eles são, vamos dizer, do estado, mas lá chama departamento de Cundinamarca, também não lembro muito da vida deles (risos). Bom, sei que eles casaram muito jovens, assim, minha avó tinha 16 anos e o meu avô também. Ele trabalhou na empresa como eletricista, também. E moraram em Bogotá, que é a capital da Colômbia, mas também numa região um pouco mais distante, onde eles têm uma casa também, onde foram criados os meus tios, também, o meu pai. A casa existe ainda, mas eles já não moram lá, porque são muito velhos para ficarem afastados, sozinhos. Eles tiveram seis, sete filhos e…
PAUSA
P/1 – Então, a gente estava falando sobre os seus avós da parte paterna. E você estava falando que eles vinham de uma outra região que é…
R – Cundinamarca, que é o centro do país, vamos dizer…
P/1 – Perto de Bogotá, né?
R – Isso, Bogotá. Da história, minha avó nunca terminou os seus estudos primários, assim, básicos e nem fez algo diferente a cuidar da casa e dos filhos. Meu avô trabalhou com várias coisas, foi fazendo instalações elétricas e algo assim. Porém, meu avô conhecia também a terra e animais e naquele sitio, eles tinham em vários momentos, eles criaram galinhas, criaram outros animais assim, produziam café, por exemplo. Mas nunca para vender em grandes quantidades, não, era pouco. Foi assim. Das duas partes, meus avós tinham uma ligação com a parte urbana, mas também, com a parte rural.
P/1 – E Palmira, por sua vez, era rural?
R – Então, Palmira tem uma parte rural e eu falo que uma parte da minha família materna tinha essa ligação, porque meu avô que trabalhava em várias questões de como advogado, como médico, era uma pessoa que sabia muitas coisas, então por ser uma cidade pequena que também tinha a parte rural, ele comprou também uma casinha, um sitio que é onde minhas tias e minha mãe, também, visitaram, era o lugar de férias, porém minha avó nunca gostou dessa casa, ela… eu não sei a influência da família dela, que ela foi criada por essa tia, por essas primas, sempre criaram mais um jeito bem conservador, bem de estar assim, e minha avó, essa coisa de campo, de mosquito, de… isso ela não gostava muito. Quando o meu avô morreu, ela vendeu esse lugar. Meu avô morreu porque ele estava, junto com outras pessoas, abrindo caminho para essa região del Valle, não de Palmira, del Valle e eles estavam abrindo… como se diz carreteira?
P/1 – Literalmente? Fazendo estrada?
R – Sim, fazendo estrada e colocaram dinamite na montanha, como antigamente se fazia para derrubar e tirar, né, e a montanha caiu em cima dele, não sei bem os detalhes, mas foi o único morto e esse sitio, então, já a família nunca mais teve contato, até uns anos atrás, que eles, principalmente, minha mãe voltou para essa região del Valle com uma história bem particular, porque meu avô, como trabalhava nessa região, ele conhecia muitas pessoas, tinham pessoas trabalhando com ele, incluindo jovens, camponeses e
na época em que a minha mãe era criança, eles passavam as férias lá, minha avó, meu avô, minhas tias e tinham umas famílias, assim, perto, sempre ajudando e muitos anos depois, minha mãe casou, pela segunda, vez com uma que na época em que o meu avô existia, era um colega jovem de trabalho, assim, que trabalhou com o meu avô quando jovem. Ou seja, quando o meu avô estava lá, minha mãe tinha contato com outros jovens, outras crianças da idade dela, tipo, 40 anos depois, num reencontro, eles… não sei, acho que já tinham namorado, acho que foi o primeiro amor, uma coisa assim. Hoje em dia, esse é o esposo da minha mãe. E ele mora por lá, nessa região.
P/1 – Olha! Fantástico! Uma questão da minha curiosidade, né, como que a seu avô aprendeu tantas coisas assim, de eletricista, agricultor, medicina, direito? Da onde veio isso, você sabe?
R – Eu acredito que como sempre, a família tem uma influência enorme em como que a pessoa é. Então, acredito que a família do meu avô, que também era numerosa, tinham também pessoas formadas. Meu avô, ele não se formou, mas recebeu essas informações e o tempo, né, a vida nesses tempos era aprender a fazer muitas coisas pelo bem dos outros, pelo bem do núcleo familiar. Então, o meu avô era reconhecido nesse pueblo, que eu diria, assim, pueblo, o povo.
P/1 – O povoado, né?
R – Isso. Cidade pequena, bem…
P/1 – Só para eu entender. Então, tem uma família de uma região mais central, né…
R – Frio.
P/1 – E esse pessoal de uma área mais rural, Palmira, que é essa região, que é do estado, Departamento del Valle e esse sitio, essa cidade que você comentou da sua mãe, é de um outro lugar ainda, não é Palmira? É um outro…
R – É porque Palmira é uma cidade, vamos dizer que tem outros municípios mais rurais, menores, onde estava esse sitio.
P/1 – Ok. Seus pai, agora. Conta um pouquinho sobre sua mãe, sobre seu pai, enfim.
R – Aí, eu acho que eu vou ter mais informação (risos).
P/1 – Sim.
R – Bom, minha mãe chama Maria Fernanda Gonzales. Tem 53 anos, vai fazer 54. Meu pai chama José Willian León, vai fazer 53, tem 52. Minha mãe, então, se criou com minha avó, principalmente, né, meu avô morreu quando ela tinha 17 anos. Minha avó sempre, por essa questão da educação, sempre foi muito forte na família, em se formar e ir para a faculdade, então se não tinha faculdade nessa cidade, mandava os filhos para fora. Então, as tias todas estudaram em cidades diferentes e minha mãe também foi, aos 16 anos de idade, para Bogotá, para capital, quis assim, mudar de vida, enfim. Minha mãe sempre recebeu… sempre teve influências ou interesse pelas questões sociais, talvez pelo meu avô ter sido assim. E ela queria estudar algo das Ciências Sociais, mas uma tia que estava estudando Sociologia resultou deixando a faculdade, ela largou e a minha avó proibiu que as filhas estudassem algo semelhante. Aí, ela teve que escolher entre uma Engenharia, escolheu Engenharia de Alimentos, uma coisa que com certeza, ela não gostava, acredito que não e fez o dever de estudar isso na capital, onde ela conheceu o meu pai. Meu pai tentou fazer faculdade, mas ele sempre esteve engajado em coisas sociais, sempre, desde jovem. Também recebeu essa herança por parte dos meus avós. Aí, minha mãe se formou em Engenharia e teve um trabalho, sabe, dessas organizações que fazem trabalho voluntário para desastres naturais, para socorrer pessoas em situações x, ela sempre estava vinculada a essas coisas. Eles se conheceram e foram morar juntos sem que a minha avó soubesse, porque minha avó é bem católica, não ia gostar e minha avó mandava o dinheiro para a minha mãe se sustentar na capital e ela dividia para os dois (risos). Era escondido. Que mais? Eu sei que o meu pai trabalhou em muitas coisas, com juventude, trabalhou com adultos, trabalhou com questões de comunicação, então, rádio, televisão comunitária, pincipalmente, em bairros, assim, tipo periferia e minha mãe…
P/1 – Você sabe quais eram as grandes bandeiras deles, assim?
R – Como assim?
P/1 – De luta, né? Por exemplo, aqui, a gente tem vários momentos, né, eu conheço bem a história daqui, né, a gente teve a ditadura militar, teve o engajamento de… enfim, de estudantes, a gente tem, depois, todo o período da redemocratização, depois tem o aumento dos movimentos sociais, como o MST, como… enfim, então a gente tem alguns marcos, assim, digamos, que… no caso deles, qual que era a bandeira deles? Era uma questão humanitária, religiosa, também? Era de esquerda? Era… o quê que os movia?
R – De esquerda, mesmo, de esquerda. Religião nunca mexeu muito na vida deles, eu acho. Era aquela época dos anos 70, 80, que foi assim, para a Colômbia, uma época forte em termos de movimentos sociais, porque foi impactada, pelo menos nos anos 80, muito mais nos 90, pela questão do narcotráfico, da criação das guerrilhas que veio antes. Então, para suportar um estado historicamente com direitos, porque a Colômbia não teve muita representação política de esquerda nas presidências, nunca tem sido isso forte, mataram os candidatos, mataram os lideres sempre de esquerda. Então, nessa luta de defesa, meus pais estavam engajados com grupos, com outras juventudes, fazendo comunicação alternativa, fazendo alfabetização, tudo com formas de fazer as pessoas reagirem e fazer as pessoas se coletivizarem para suportar aquela época no país. Então, sempre teve essas mortes eletivas, Colômbia tem história nisso, de todos os líderes de direitos humanos de esquerda são mortos.
P/1 – Eu vou te perguntar sobre alguns temas que têm a ver com isso daqui a pouco, mas com a sua relação com isso, né? E daí, você que horas que aparece, Ana? Em que momento na vida aí deles? Você tem irmãos também?
R – Bom, então eu apareço quando eles… bom, minha avó faz casar meus pais, porque como não ia casar?
P/1 – Católica, ainda!
R – Sim! Católica, minha mãe aceitou, e eles casaram, foram morar na cidade… eu não fiquei muito tempo de criança na cidade onde eu nasci. Na verdade, isso, na verdade, eu nasci e três dias antes, minha mãe estava em Bogotá e teve que pegar o ônibus, meu pai estava viajando a trabalho, dessas questões de movimentos sociais e minha mãe teve que pegar um ônibus, estava sozinha na cidade, ele foi para onde minha vó… aí, ela pariu e aos 45 dias, a gente voltou. Depois, fomos morar numa outra cidade e assim, eles ficaram juntos, em total, acho que 12 anos. Quando eu tinha quatro anos, morávamos em Medellín e não sei se… não, em algum momento eu morei em Medellín, depois aos quatro anos, eles se separaram, acho que estava morando de novo em Bogotá e tem uma história assim, de viajar por muitas cidades, por muitos bairros da cidade…
P/1 – Isso, você?
R – Isso…
P/1 – Você tem essa memória assim?
R – Quando criança, sim, sim, muito! Não sei, teve um ano que eu acho que a gente morou em três casas diferentes e em outra cidade. Sempre teve essa questão de deslocar-se.
P/1 – Mas por motivos políticos, financeiros? O quê que…?
R – Eu acho que tudo junto. Onde estavam as necessidades deles de trabalho, onde estavam também a segurança para subsistência e sim, acho que teve essa questão aí. Eu nasci, eles se separaram aos quatro anos e a gente morou por muito tempo em Bogotá. Então, eu passei sete anos da minha vida em Bogotá.
P/1 – A sua infância primeira foi em Bogotá?
R – Isso.
P/1 – Depois dos quatro anos, vocês ficaram sedimentados ali, você e a sua mãe?
R – Meu pai também morava em Bogotá, já era em outra casa e tudo. Ainda que a gente estava ali, fixado, eu ia sempre para Palmira. Desde os dez anos de idade, eu pegava e ia sozinha e me mandava para a casa da minha avó. Eu tinha a minha família por parte de mãe nessa região e a família por parte de pai em Bogotá. Então, como eu morava aí, minha avó sempre esperava em férias, em páscoa, em dezembro. Aí ficamos sete anos morando em Bogotá, mas eu sempre viajava…
P/1 – Então, no fim, você não chegou a estudar na escola deles?
R – Isso foi assim, aí eu voltei… quando a minha mãe decidiu voltar para onde a minha avó…
P/1 – Você já estava mais velha, assim?
R – Eu já estava tipo 11, 12 anos.
P/1 – Voltou para Palmira?
R – Isso.
P/1 – Mas então, calma. Em Bogotá, como foi essa infância, você lembra assim de coisas, você lembra de escola? Lembra de amigos?
R – Sim, acho que…
P/1 – Foi uma fase legal, enfim… vocês moravam onde? Conta um pouco, sua casa, por exemplo, onde era? Amigos do bairro, não sei…
R – A gente morava num bairro da periferia de Bogotá, populoso, às vezes, tinha água, coisas assim, muito longe da onde eu estudava. Meus pais me inscreveram numa escola particular, alternativa, de pedagogias diferentes, onde não tinha uniforme e eu tinha que sair às cinco horas da manhã, minha mãe contratou um carro nessa época para eu ir até essa escola e voltar. Bom, foi a parte da minha vida que eu sorrio ainda, porque nessa escola foi reafirmado todos esses gostos, também, pela literatura e por outras coisas que hoje em dia me fazem ser… então, morávamos muito longe, minha mãe também trabalhava longe até que ela decidiu sair… a casa era tipo, um pequeno apartamento, tínhamos muitos vizinhos que cuidavam de mim, eu brincava na rua e coisas assim, de bairro. Era frio, Bogotá é frio…
P/1 – Mas você ficava sozinha?
R – Sempre tinha alguém que cuidava de mim.
P/1 – Mas não com sua mãe, digamos. Você ficava sozinha? Indo na casa dos amigos, assim, alguém te olhando, é isso?
R – Sim, sim, minha mãe sempre trabalhou muito! Eu tenho uma experiência muito forte dessa parte porque eu tenho essa sensação ainda viva em mim, de estar na escola que era longe, né, e nunca… às vezes, sentir que ninguém ia me pegar, ninguém ia ir por mim, sabe? Porque era a última, eu morava longe e minha mãe ia sempre depois da hora e aí, eu ficava com a cozinheira, com a moça… (risos)
P/1 – Ela trabalhava um monte… hoje, adulta é mais fácil de entender, né?
R – Sim, sim!
P/1 – Mas quando você estava criança… eh, laiá…
PAUSA
P/1 – Então, sua infância, Bogotá, uma educação diferenciada…
R – Sim.
P/1 – Que eu imagino que não deveria ser barato, também, então teve uma preocupação, né, da sua mãe, dos seus pais para você estudar ali. Hoje, adulta, você lembra qual que é a pedagogia disso? Qual o método?
R – Olha, não sei.
P/1 – Você falou da falta de uniforme, mas assim, tinham outras dinâmicas de sala?
R – Sim, sim.
P/1 – Estudo do meio, enfim, tinha…
R – Sabe que a gente aprendia Matemática de outro jeito, a gente tinha nome da sala e criávamos um projeto em relação a esse nome escolhido pelos estudantes.
P/1 – Pelos próprios alunos.
R – Viajávamos muito, conhecíamos as coisas assim, de outras coisas, promovíamos muito a leitura. Essa escola chama “Centro Educativo Liberdad” e as pessoas que eu conheci, todas são muito especiais, filhos desses tipos de pais preocupados…
P/1 – Você tem contato até hoje?
R – Tenho, tenho. São todos artistas (risos), tem por aí um físico, enfim, todos muito especiais, porque essa escola criou uma marca. Essa questão de horta era muita novidade, pelo menos para mim. Uma visão sobre a natureza diferente, sobre educação. Com certeza, influenciado por Paulo Freire, tudo estava por aí, agora, eu não sei o nome da pedagogia.
P/1 – Que legal. Já chamar Liberdad, já tem algumas dicas. Mas tudo bem, e daí, essa infância num bairro mais populoso, estudando fora, daí teve que ir para Palmira, é isso? Você sabe os motivos, porque e como foi para você, né, esse choque, porque no fim, foi um choque grande! Como foi essa mudança para uma cidade bem menor?
R – Sabe que acabo de perceber que não foi para Palmira que a gente voltou, foi para outra cidade. O motivo foi, principalmente, saúde. Minha mãe é asmática e eu sempre fui alérgica também a coisas assim, humidade, coisas assim, então estava me afetando muito o clima de Bogotá, que é muito contaminado, é muito parecido com São Paulo (risos).
P/1 – Eu não ia falar nada, mas estava pensando: ‘o quê que você tá fazendo aqui?’ (Risos)
R – Burrice!
P/1 – Escolheu o lugar certo (risos).
R – A diferença é que Bogotá é frio, geralmente, na Colômbia não tem estações, então, é frio, geralmente, um frio contaminado, muita humidade. Então, minha mãe doente, eu ficava muito tempo doente, ela falou: “Esse não é o clima”, mas também acho que tem a ver com esse divórcio, essa separação dos meus pais. Isso foi muito difícil de superar. Então, acho que vai também por aí. Meu pai estava em Bogotá, eu visitava ele…
P/1 – Ele era presente?
R – Sim, e era muito especial sempre comigo. Ficava no apartamento dele, na casa dele e fazíamos várias coisas que não fazia com a minha mãe…
P/1 – Tipo?
R – Tipo… ah, não sei, sempre tinham questões do trabalho dele, onde eu acompanhava, reuniões com grupos, juventude…
P/1 – Dá um exemplo pra gente. Conta uma, aí que você foi.
R – Eu, por exemplo, lembro ter ido no projeto onde ele trabalhou bastante numa o que aqui chamam de favela com jovens e eles tinham também esse esquema de ensinar a fazer pão, escola política, escola não sei o que lá e eu, assim, no meio de muita criança, vendo também, como se articulavam outras pessoas, outras crianças nesses bairros. Para mim, escutar o meu pai educando, ensinando coisas era especial, ele formando assim…
P/1 – Você se lembra de alguma situação que te marcou assim, pontual assim, um dia, um tema, de uma viagem, do que você viu?
R – Talvez… assim, não é dessa época que eu estava em Bogotá, porque depois que eu sai de Bogotá, comecei a viajar para lá, assim, talvez já um pouco mais adulta. Mas quando era criança era isso, as reuniões do meu pai, ver ele trabalhando com jovens, enfim… não eu vou lembrar (risos).
P/1 – Normal. Bom, daí foi essa mudança, né? E aí, choque muito grande?
R – Então, pela saúde, minha mãe foi morar em outra cidade…
P/1 – Uma cidade pequena, né?
R – Pequena e eu não queria mesmo, porque essa escola estava me deixando…
P/1 – Você estava com 11, 12, né, você falou?
R – Não. Eu cheguei em Palmira com 11, 12.
P/1 – Ah, então você era menor?
R – Era menor. Estamos falando de uma faixa entre os seis e nove anos. Aí, essa escola, os amigos, mas pela saúde, enfim, nós fomos morar num quintal. Um quintal, uma escola privada que eu estudei, com uniforme, com professora e a lousa, com horários, mas por ser uma cidade tipo, do interior, era engraçado, você tinha o contato… tudo era muito perto, eu fazia natação e sozinha, aos nove, dez anos, sozinha a fazer natação depois da escola…
P/1 – Brincava na rua?
R – Pouco, porque era… quintal não é tipo essas casas que tem pra cultivar… como que chama aqui? Plantar, que tem árvores, que tem animais, não chama assim?
P/1 – Não sei o que você quer…
R – Não é sitio, não é fazenda, é uma casa assim…
P/1 – Não, isso onde você morava, mas tem a cidade! Você brincava com outras crianças?
R – Eu morava numa cidade tão pequena que era cheia disso, tinha uma escola, uma pequena prefeitura, a igreja e casas assim.
P/1 – Entendi, mas vocês brincavam do que, por exemplo? Você falou de natação, da escola, mas e aí, do quê que brincavam? O quê que vocês faziam?
R – Eu acho que brinquei muito pouco, porque não tinham crianças nesse lugar onde eu estava morando. Eu assistia muita TV com a senhora que me cuidava, que era bastante agressiva comigo (risos), aí, muito brava, uma senhora velha (risos). Ela me chamava de… aí que horror, eu não gostava dela e eu tinha que ficar aos cuidados dela e minha mãe trabalhava na prefeitura nessa época, fazia natação, que era o espaço assim, para interagir com outras crianças, mas…
P/1 – Daí, vocês ficavam assistindo desenho? Interessante. Eu pergunto, porque aqui eram outros desenhos, eram outras coisas, né, a gente não conhece. Tinha um programa predileto? Vocês tinham a Xuxa de vocês?
R – Ah sim! Xuxa, a gente… eu ouço por aí, eu lembro coisas, eu cantava as músicas dela e tinha…
P/1 – Mas passava Xuxa?
R – Sim, passava! Passava e depois, teve uma versão colombiana que chamava Xiomy, assim também, loirinha, branquinha, de olhos claros (risos), sabe?
P/1 – Com as meninas atrás?
R – Esse Chaves, sabe o Chaves?
P/1 – Claro! Chavo.
R – El Chavo del Ocho nunca assisti muito.
P/1 – Não? Pô, um clássico!
R – Eu tinha… alguma coisa, na verdade, era dessa época também, era da época de todos esse programa, mas eu não assistia muito, parece que não era interessante para mim.
P/1 – E daí, vocês mudaram dessa cidade? Ficaram um tempo, mudaram?
R – Eu fiz um ano de escola lá e aí, já falaram: “Vamos voltar para a casa da sua avó”, minha mãe falou, e voltamos. Ficamos…
P/1 – Você não tem irmãos?
R – Eu tenho irmãos do segundo matrimonio do meu pai.
P/1 – Nessa época, você estava ainda sozinha?
R – Isso. Até os 15 anos, eu fiquei filha única.
P/1 – Foram para Palmira?
R – Aí, fomos para Palmira, que também, eu não queria, já estava me sentindo confortável nessa pequena cidade, mas não queria porque a minha avó era muito rígida. Então, como eu sempre viajei para visitar a minha avó, ela fazia coisas que eu assim, não gostava, por exemplo, eu era bem mais… com o cabelo mais claro, muito, muito mais claro e minha mãe deixava o meu cabelo aqui. Quando eu viajava para visitar a minha avó, ela cortava aqui, assim, tipo militar, uma coisa horrível, eu chorava, chorava e coisas nesse estilo, minha avó era com o horário, sabe, comer no horário, na mesa…
P/1 – Roupa?
R – A roupa, como eu morei em Bogotá, eu tinha que me vestir de um jeito e como a cidade da minha avó é quente, eu tinha que me vestir de outro jeito. Isso me custou também, um pouco. E a questão religiosa um pouquinho, a família… eu tenho uma prima da minha idade e com ela, essa foi também a minha infância. Quando eu morava em Bogotá, visitava ela nas férias, brincava com ela e depois que eu fui morar para lá, também foi… acompanhou toda a minha adolescência…
P/1 – Você passou a adolescência em Palmira?
R – Sim. Aí, eu comecei a estudar na escola da minha família.
P/1 – Que era um estilo mais tradicional ou era um estilo mais…
R – Bem tradicional! Bem e na adolescência, isso me criou muitos conflitos, eu não me sentia bem, queria outra coisa e como era a sobrinha da diretora, ai, todos os sonhos postos na pessoa, aí…
P/1 – Foi taxada de sobrinha da diretora (risos).
R – Tinha que ser…
P/1 – Tinha que seguir à risca!
R – Mas eu terminei…
P/1 – Mas a cidade, enfim, lá era todo mundo conservador, não era só a sua avó? Ou… o que eu imagino, né, era uma cidade conservadora? Como que foi, assim, ser adolescente ali? Balada? Vocês saiam, tinha festa, bebida? Não sei… como que é, como foi a sua adolescência?
R – Era uma cidade não tão conservadora, tinha de tudo, sabe, como se diz? Metaleiros, de todas as tribos urbanas e eu transitei por todas, também, sabe, punk?
P/1 – Sim.
R – Então, eu curtia com eles, depois ia com os outros de metal, assim, também com os colegas de escola, eles eram de baladas de outro tipo, não rock, nada disso, mas também ia com eles. Então, tive amigos de muitos tipos. Muita bebida, eu quando estava na escola, assim, adolescente, eu acho que eu bebi bastante (risos), muita festa, altas coisas…
P/1 – Tinha a questão das drogas?
R – Tinha muita questão. Eu, com os punkeiros, que a gente chama, show de punk, eu vi muita coisa, assim, pessoas assim, bem… mas eu nunca senti pressionada a fazer nada, meus amigos faziam se quisessem, não era obrigada e eu nunca me interessei, porque queria ficar só natural, nunca me interessou muito, assim. Eu experimentei, mas não fiquei, assim, interessada.
P/1 – Uma fase?
R – Isso!
P/1 – É, que a gente tava falando em off, né, sobre o “Narcos”, não sei o quê… tinha essa coisa em Palmira, também, tráfico de drogas? Tinham esses grupos organizados? Ou era uma cidade muito pequena?
R – Nessa época, não estava tão presente, assim, violência urbana teve, mas essa questão de drogas não estava chegando tão forte. Agora, é outra história.
P/1 – Agora é outra história?
R – Sim, agora, segurança… porque já misturou várias coisas, né, então misturou esse tipo de que aqui chamam de pacificadores, eu acho que lá tem esse esquema assim, bem mais…
P/1 – As UPPs, você está falando? Unidade Pacificadora que está nas favelas?
R – Esse! Isso, isso. Então, lá também começou isso muito forte, então…
P/1 – Começou quando, você sabe, mais ou menos? Quando você estava lá morando ou quando… ou é um fenômeno mais recente?
R – Não, quando eu estava morando na minha adolescência, que não faz pouco tempo (risos), tipo…
P/1 – (risos) É verdade!
R – Não, mas assim, não sei datas, mas finalizando os anos… começando o ano 2000, que foi o começo da minha adolescência, um pouquinho, eu acho que isso já estava se organizando. Eu não presenciei muita coisa…
P/1 – Você, pessoalmente, você sentiu isso? Porque você era uma criança, né, uma adolescente, você sentiu isso, o recrudescimento de ver polícia, UPP… era um tema que foi discutido entre seus amigos?
R – Não dessa forma, agora… eu sabia que isso estava existindo, minha mãe também me explicava o que que acontecia na cidade, mas a minha experiência era a escola, a balada, os shows de rock, bebida e assim, não estava em contato com aquilo.
P/1 – Muita influência dos Estados Unidos, não? Cultural… influência de quem? Com você?
R – Sim, na Colômbia tem isso marcado muito forte, musical, de outros tipos, de roupas etc., agora, nunca eu me aderi muito a isso, ainda gostando de coisas culturais, nunca eu quis seguir algo, nem dos Estados Unidos, nem de outra coisa.
P/1 – E as tradições culturais indígenas, essas coisas, essa raiz colombiana, você também teve contato com isso, tradições, essa tradição cultural, assim, mais autóctone, digamos? Dança… não sei, na verdade, tô perguntando…
R – Não sei bem, também (risos). Pela região, as culturas também… microculturas são diferentes, então Bogotá tem mais isso, porque é a região que fica onde você consegue ver mais essa cultura dos Andes. Os Andes são essas montanhas gigantes que atravessam a América do Sul e vão até a América… e isso cria também umas práticas, uns símbolos. Em Bogotá, eu tinha mais contato, vamos dizer, essa cultura indígena poderia se dizer que estava mais perto quando eu estava em Bogotá. Agora, em Palmira, não. E em Palmira, minha família foi muito burguesa, então minha avó tinha um carro que era dirigido por alguém, não sei como chama aqui, chofer, condutor e nada disso, então era… não mexemos com essas coisas…
P/1 – Mas você tinha amigos indígenas? Na escola? Tinha essa integração ou era separado? Era uma questão para vocês isso, ou…?
R – Não. Assim, a gente reconhece, sabia, sabe dessa parte cultural da Colômbia, mas se eu conheci comunidades indígenas, se eu interagi, já foi em outros espaços, não na escola, não nos meus amigos. Calle, por exemplo, Calle é a capital de del Valle, e Palmira é uma cidade perto de Calle, 35 minutos. Calle tem uma presença muito forte de pessoas negras, muito, porque tem litoral. Isso era mais perto da gente do que a parte indígena. Comidas que são mais próprias do litoral e práticas culturais, músicas são mais presentes que indígenas.
P/1 – Enfim, dessa sua adolescência, assim, qual que é uma história que você poderia contar pra gente, assim, que foi revolucionaria, marcante, que você fala: “Nossa!”, uma viagem ou: “Quando eu fiz não sei o que”, enfim… tem várias, mas…
R – Sim, sim, sempre tem várias. Teria que tentar pensar em alguma…
P/1 – Uma viagem, ou alguma situação, ou enfim… que tenha sido bem marcante na sua adolescência.
R – Não sei, eu acho que na adolescência, talvez, eu não me lembre de tudo, mas acho que essa questão de eu estar nesses grupos de roqueiros, de shows, de viajar com grupos, assim, dessas tribos urbanas, eu ia… eu morava em Palmira e ia sempre, cada ano, a um festival de rock em Bogotá em um parque assim, grande, gratuito e eram três dias, assim que a gente ficava. A gente alugava um ônibus e juntava toda essa galera, então era cigarro, droga, cerveja no ônibus, indo para o show, três dias de só festa, e voltava.
P/1 – Sem banho!
R – Sim! Da chuva… mas era heavy, assim, era punk! Além de que o show de rock era só amanhã…
P/1 – O quê que vocês pegaram que foi um puta show, assim, um show legal? De quem?
R – Aí, não sei… bandas de punk. Colombianas também, não sei se quais internacionais naquela época, mas aí, extremo! Muita coisa assim…
P/1 – E me fala uma coisa, Ana, tinha essa pressão do vestibular? Passar numa faculdade, você ter que estudar… porque aqui, a gente tem… não sei se você conhece, os vestibulares, né, então muita escola é muito preocupada com que o aluno passe no vestibular, sabe?
R – Sim, lá tem…
P/1 – Lá tinha isso, essa pressão? As melhoras faculdades que tem que entrar?
R – A diferença contextual é que Brasil tem mais escolas e mais universidades públicas. Mais universidades públicas significa que o vestibular é mais importante. Colômbia tem menos, então a maioria das pessoas que conseguem entrar na faculdade, o vestibular não é um elemento assim tão forte porque as faculdades privadas não são tão rígidas. Eu já sabia que não passaria numa universidade pública… eu me apresentei…
P/1 – Você prestou?
R – Eu prestei, sim, o vestibular. Acho que não foi o melhor, não foi tão bom…
P/1 – É uma prova também, é isso?
R – É uma prova de conhecimentos gerais, que você tira uma pontuação e que dependendo da escolha da carreira, você tem que ter um mínimo, não é isso?
P/1 – Isso.
R – Eu tentei.
P/1 – Você tentou onde?
R – Eu tentei na Universidade del Valle, que é a única… não, é a segunda, mas é a mais importante universidade pública de del Valle, ou seja, do estado. E me apresentei em Sociologia porque a pontuação não dava para Psicologia, mas eu sabia que queria estudar Psicologia.
P/1 – Você já sabia?
R – Sim, isso acho que já estava vindo… não sei quando ficou claro, mas em algum ponto…
P/1 – Isso que eu ia perguntar, por que Psicologia? Da onde?
R – (risos) Vamos dizer que das Ciências Sociais, já eu tinha todo um campo assim, na família, nã, nã, nã… mas Psicologia não sei, eu fiquei interessada pela questão da subjetividade, ou seja, da pessoa, um interesse pela pessoa, pela mente, pelas emoções, isso me criou esse interesse especifico e aí, eu escolhi. Queria mais Psicologia do que Sociologia, isso sim. Meus pais queriam que fosse uma coisa mais Sociologia ou Antropologia, mas Psicologia acharam meio burguês, também, tipo: “Você vai virar… paciente, psicóloga”, isso não era interessante pelo menos para eles. Aí, eu escolhi uma universidade privada, cara e também aprendi muito, sim, é uma universidade bem burguesa com pessoas que nessa época, você já sentia, ou eu, pelo menos, pela consciência, já sentia essa influência dos grupos de narcotraficantes, porque nessas… você começa a ver nas paisagens, as pessoas com certos perfis, e essa universidade tinha isso, mulheres muito com cirurgias, na Colômbia isso é muito forte, mulheres com próteses de silicone…
P/1 – Estéticas?
R – Isso, cirurgias estéticas, que eu falo, isso é um dos danos maiores que o narcotráfico tem feito ao país, que é mudar essa visão do corpo, então, as mulheres que são mulheres dos narcotraficantes, são mulheres que todas têm próteses, ou seja, de silicone, todas estão com a forma e um protótipo muito especifico. E nessa universidade onde eu estudei, eu via… olhava muito esse protótipo, mas outros também, né?
P/1 – Então você teve que mudar? Teve que mudar para estudar? Saiu da casa da sua mãe? Ou você ia e voltava?
R – Ah não! Então, eu morei com a minha avó nesse tá, tá, tá… terminei a escola, minha mãe, um ano antes, comprou uma casa em Calle, estava em Palmira, estudava em Palmira e fui para Calle…
P/1 – Você foi para Calle e foi fazer a faculdade?
R – Isso. Como eu morava com ela…
P/1 – E aí, você já estava mais adulta, certo?
R – Certo.
P/1 – E você sempre foi politizada, imagino, pela sua família, ali sempre discutiu, né?
R – Sim.
P/1 – E como foi, então, essa discussão, né, enfim, daí você já estava na faculdade, como que as questões políticas que foram feitas, como que isso chegou em você, ali, essas decisões de UPP, de intervenção militar, as guerrilhas, os… você tá falando de uma parte que você tava vendo no seu dia a dia, né, a própria mudança física, jeitos culturais. Que mais assim, que você percebeu que tava… as pessoas discutiam sobre isso? Ou você era a chata socióloga que…
R – O mais engraçado é que eu fiquei muito distante dessas discussões. Ter morado com minha avó, eu acho que me fez fechar os olhos para muita coisa. Eu sabia, minha mãe sempre colocava sempre as coisas com um olhar crítico, mas eu fiquei ausente, eu não queria saber. Eu queria a minha vida, as minhas coisas, os meus amigos, minhas… quando já estava nessa época, eu comecei a me interessar pela faculdade, já tinha namorado, fazia coisas assim, atividades de lazer, mas nunca me envolvi em nada, nem com colegas de universidade, nem por fora sobre algo político. Eu acho que por muito tempo, isso estava do meu lado, mas eu não tinha olhado para essas questões. Minha mãe e o meu pai sempre estiveram envolvidos em coisas desse tipo, ou na educação, ou de outras formas e como eu escolhi, também, uma carreira que parece mais clínica, mais… pelo menos, nessa faculdade, era bem mais clínica, então as questões sociais chegavam, assim, não tinha discussões, chegavam pelo jornal, a gente se assombrava, mas…
P/1 – Você foi trabalhar com o quê? Você tava fazendo faculdade, qual foi o seu primeiro trabalho, por exemplo?
R – O meu primeiro trabalho, eu acho que foi a primeira experiência já do mundo real (risos). Eu sai do ovo, tudo eu tinha na minha mão, sabe, eu arranjei um trabalho na puta merda da Colômbia (risos), que ninguém conhece, litoral atlântico, um dos municípios mais pobres e mais ricos em recursos naturais, população negra, na sua maioria, ou afro colombiana e eu trabalhei como coordenadora aos 23 anos…
P/1 – De?
R – Coordenadora de um centro de família e crianças. Era um projeto sobre primeira infância e foi muito importante, não só porque eu tive que sair de casa primeira vez, nesse sentido, ir morar numa cidade que era na frente do mar…
P/1 – Qual é o nome?
R – A cidade chama Acandí e o estado chama Chocó. Chocó tem parte no litoral pacifico e no litoral atlântico. Essa é a única cidade que é do litoral atlântico. Então, era um contraste muito grande. Eu, menina de cidade, urbana, de universidade privada, eu chego num contexto onde não tem água potável, não tinham carros nesse lugar, porque era na frente do mar, eu era coordenadora de mulheres…
P/1 – Como você foi parar lá? O quê que… da onde saiu isso?
R – Quando eu me formei, eu obviamente, acho que como todo mundo, não sabia o que ia fazer, o que queria, essas coisas, eu só queria trabalhar porque eu não sabia, nunca fui especialista, assim, de gostar de uma coisa só, então minha mãe, meu pai começaram entre amigos: “Ela…”, meu pai falou: “Vem para Bogotá, começa a trabalhar numa organização, mas eles só podem te reconhecer como tipo voluntária, pagarão para você o transporte”, falei: “Não, eu vou… quero uma coisa que tenha todas as garantias nesse sentido”. E por aí, chegou a minha mãe: “olha, perguntei para não sei quem, manda um e-mail. É um projeto com crianças”, que eu sempre também gostei de crianças. “Olha, você nessa quinta-feira, precisa estar aqui”, me avisaram na segunda e: “onde que fica?” “Aqui na cidade não sei que lá”, pesquisei na internet e falei: “Como vou chegar lá? Como é possível?”, aí começou! Em quatro dias, fiz minhas malas, comprei remédio, comprei coisas para mosquito, tudo, porque eu não sabia como era, já sabia que não tinha água potável, que eu não ia ter luz as 24 horas. Eu tinha que chegar, alugar uma casa, não conhecia ninguém. E fui como coordenadora, que foi incrível, assim, coordenar um centro de primeira infância, eu com 23 anos…
P/1 – Conta um causo dessa sua experiência.
R – Olha, uma coisa que me marcou muito que foi já… muitas coisas me marcaram muito desse lugar, mas uma vez, eu comecei em trabalhar em março e em novembro, a gente estava fechando o projeto. Se renovava a cada ano. Eu estava arrumando o centro que era bastante grande, com salas, tudo e fazendo inventário, tudo mais, quando uma moça se aproxima e me diz: “Você tem o telefone da polícia?”, e eu muito estressada, aquela correria, falei: “não tenho agora, posso procurar depois” “Ah tá, sim, sim”, depois ela vai embora e volta: “Moça, é que temos um problema. Minha filha está com uma faca na mão e ela está ameaçando o filho dela e a gente precisa da polícia”. Eu fui nessa casa com esta mulher e eu vejo uma adolescente de 15, 16 anos num surto, com uma faca na mão e uma pessoa tentando parar…
P/1 – Acalmar.
R – Isso e o bebê estava no colo de outra pessoa. Quando eu… só olhei assim, tudo rapidinho, fui procurar as professoras com as que eu trabalhava: “vamos, vamos, chama a polícia”, pedi para a outra, não sei o quê, uma delas entrou, pegou o bebê, assim, a gritaria foi… depois, chegou outro homem e segurou muito forte essa mulher, tirou a faca, uma adolescente. Quando chegou a polícia, o bebê estava no centro, porque a professora pegou aqui, colocou numa sala e eu comecei a me articular junto com as outras colegas, coordenadoras, também: “Olha, está acontecendo isso aqui, vem aqui para me ajudar…”. A polícia chegou, pegou a menina… a menina foi em algum momento atrás de mim, queria me bater, eu tive que sair correndo e a polícia pegou ela. Quando pegou ela, ela estava com tanta força, tanta agressividade, que eles tentaram enforca-la, tipo para acalmar e eu assisti tudo isso na frente e foi muito forte, ver a menina num estado de muita agressão e a polícia agressiva também, tentando acalmar. Aí, a gente pensou: “Como trabalhamos com infância”, ligamos para a capital dessa região, vamos fazer uma coisa… mas tudo era por mar, né, o transporte era por mar, então não tinha isso de pegar o ônibus: “Vamos ligar no conselho tutelar, que eles vem”, não. É por mar. E não tinha essas coisas. Depois, eu me derrubei, comecei a chorar e a chorar, a chorar… quando eu vi o bebê, assim, magrinho, que você sabe que o bebê não se alimentou por dias, com alergia e enfim… nossa, foi uma das coisas mais fortes que eu fechei o meu ciclo lá! Mas as paisagens que eu vi nesse lugar da Colômbia, eu acho que nunca mais vou ver (risos), tem umas coisas… eu ia de bicicleta trabalhar, eu caminhava muito nos rios, no mar perto.
P/1 – O trabalho era com crianças? Esse aí foi uma adolescente, mas normalmente, era com crianças?
R – Sim, esse caso foi…
P/1 – Excepcional, porque tá ali, né?
R – Sim, foi uma coisa… mas eu trabalhava com crianças de zero a seis anos e as mães, de 15, 16, 17…
P/1 – E eu imagino que um lugar como esse deveria virar um centro de referência, mesmo, para a comunidade, porque tem muito pouco, né, então normalmente, o que tem, tem que…
R – Era.
P/1 – Imagino que você tenha conhecido muita gente?
R – Muita gente de muitas coisas, também, com essa questão da violência, você também percebia que acontecia. É uma cidade perto de um porto, sabe, então, tem também essa questão de entrada de coisas, tem pesca. E conheci pessoas também que trabalhavam nesse lugar, eram de outras partes da Colômbia e ao final, eu senti que eu era uma estranha, que tive muitos problemas com as professoras por isso, por mínima experiência, por não ter um olhar também mais maduro, elas faziam a aula e eu esperava a aula da cidade, mas não, é com criança que vive outro contexto. Mas eu aprendi bastante. Muito.
P/1 – E daí, o quê que você fez? Saiu? Voltou para Calle?
R – Aí, eu decidi voltar e comecei a procurar emprego e comecei também, a ir numa fundação que trabalhava com crianças com deficiência. Trabalhava numa equipe com terapeutas, fonoaudióloga, eu era psicóloga, aí também fiquei um ano, aprendi da deficiência, que também é uma outra coisa que tem me impactado. A humanidade de uma pessoa com deficiência é incrível. Assim, eu conheci crianças com formas totalmente diferentes de uma criança comum, pela doença, com encefalias, crianças que eram dependentes de máquinas e mulheres… eu trabalhava num serviço que era financiado pelo governo para crianças vulneráveis. Então, misturava duas coisas: a vulnerabilidade com a criança com deficiência. E essas mães, principalmente, são mulheres mais que cuidam com crianças com deficiência, das pessoas com deficiência, muito guerreiras, moram na favela, longe, descem com a cadeira de rodas pelas escadas, quando tinham escadas, quando tinham ruas por lá, para irem para terapia, para levarem a criança na terapia. E as formas de existência, eu tive um choque também, de novo, porque era… você não sabe onde que está a pessoa, quando não fala, talvez, não vê, respira, sorri e uma criança que não se comunica da mesma forma. Então, era deficiência neurológica que estou falando, sabe, que compromete muito as coisas. Aí, também aprendi bastante como psicóloga e a questão social.
P/1 – Percebi que você se afastou, mas depois só mergulhou em questões sociais, né? E como que vem o tema “emigração” para você? Como que surge esse tema?
R – Bom, então nesse trabalho, eu estava quase terminando o trabalho, eu esqueci de contar que em 2006, eu fui para a Venezuela no Fórum Social Mundial e aí, eu tive contato com a língua portuguesa, com o Brasil e eu me apaixonei! Me apaixonei e depois desse dia, nessa época, eu viria estudar no Brasil, porque fiquei apaixonada pela língua portuguesa. Então…
P/1 – Ah, foi pela língua?
R – Sim!
P/1 – Não pelos temas?
R – Não. Eu só… essa forma de falar me pareceu lindo e depois, eu soube que tinha faculdade de qualidade gratuita, que na Colômbia não tem dessa mesma forma, enfim, trabalhei e decidi que viria para o Brasil. Aí, eu terminei um relacionamento e juntou: “Vou para o Brasil, não sei fazer o que, como, quando, mas eu vou”. Em 2013, eu vim como voluntária numa ONG e ainda não tinha chegado essa questão da imigração.
P/1 – A ONG era do quê?
R – Era trabalhando com crianças. Trabalhei com crianças…
P/1 – Qual ONG? Desculpe.
R – Chama ACER Brasil e essa ONG é em Diadema, num bairro, também, mais vulnerável de Diadema e trabalha com crianças com famílias. Fiquei três meses como voluntária e ali, eles me ofereceram para ficar um ano. Aí, eu voltei para Colômbia, fiz o visto de voluntária e vim para o Brasil. Como voluntária, então, eu acompanhava… eu só assistia o que as outras pessoas faziam e aprendi olhando, observando a favela, cidade de periferia, tudo isso. Tive muito contato com famílias que, sabe, envolvidas com o tráfico, crianças envolvidas com o tráfico, todas as questões da periferia, porque a ONG é desse bairro e minha casa foi dentro da ONG, era uma casa de voluntários. Eu morava com voluntários da Europa, geralmente, todos eles de países da Europa que vinham fazer voluntariados nessa ONG. Então, foi uma experiência incrível, por um ano e meio fiquei lá.
P/1 – E tem alguma história que você lembra, uma ação que deu certo, ou não, enfim…
R – Então, talvez, eu tenho… que não é uma história, mas eu sempre trago isso, porque me parece importante. Uma criança que todo mundo conhecia e esta criança começou a se envolver com drogas, com as pessoas do tráfico que usavam essa criança e eu comecei a saber dele, eu nunca falei com o menino, mas eu via ele nas ruas… assim, do lado do banco, na rua e eu sabia quem era ele pelas coisas que as pessoas falavam, ele era atendido da ONG, só que essa coisa que é atendido, que já não tem nada mais para fazer, que a família não tem nada mais, então… e a experiência é assim, os caras de lá torturaram o menino e isso me deixou muito… eu nunca falei com ele, mas é uma coisa que eu ainda lembro, eu escrevi um poema para ele que eu guardo também, porque ficou em silencio. Então, isso me marcou. Foi uma história, não história que eu lembro, além de muitas coisas boas que vivi com voluntários, ter contato com pessoas da Bélgica, de Inglaterra, muitos, amigos incríveis! Aprendi inglês morando com eles, e aprendia português trabalhando, mas…
P/1 – O poema você se lembra?
R – (risos) Não, não memorizei, não. Mas talvez pudesse incluir em alguma foto, que sei lá…
P/1 – Ótimo. Então ele me avisou, tá faltando um pouquinho, então eu vou começar a encaminhar pra gente ir fechando. Me fala, como foi chegar no Brasil? O quê que você achou? Porque não foi para os Jardins, né, já foi direto para um lugar desse, para Diadema, me fala um pouco, como foram essas impressões, foi bem acolhida? Não foi? O quê que você achou desse lugar, São Paulo? Você não foi para uma cidade do interior, você foi para uma megalópole, e aí, o quê que você achou? Como foi essa… você se lembra do seu primeiro dia aqui?
R – Sim, quando eu cheguei no Brasil…
P/1 – Conta pra gente aí, o quê que você tava sentindo? Como foi?
R – Eu cheguei quase à noite e nessa ONG estava tendo um evento também com um pessoal da África do Sul, umas crianças que viriam também, aí eu tive que conviver na casa do secretário da ONG com essas crianças jovens da África do Sul. Eu não falava português, eles não falavam português, eu não falava inglês, eles falavam inglês e afrikaans, que é uma das línguas faladas. Já no primeiro dia, quando eu cheguei, já era outra coisa, não sabia nem que língua falar, não entendia nada e foi incrível, assim, já entendi que aqui viriam pessoas de muitas partes. Trabalhei nessa ONG e foram muito acolhedores as pessoas que eu conheci até agora, pelo menos, quem foi minha chefe é minha irmã, ela foi minha irmã, minha mãe, minha parceira, tudo, porque como eu estava sozinha, morava com voluntários sozinhos, sem nenhuma família, ela me acolheu, me apresentou sua família e eu comecei muito aprender com ela. Brasil, então eu tinha essa imagem da periferia, de Diadema, vinha às vezes, aqui em São Paulo, é perto, mas também é longe, pegar trólebus, ônibus, e posso dizer que eu me mudei aqui para São Paulo em julho deste ano. Até julho, eu morava em Diadema e até agora que eu estou entendendo como que é a dimensão. Eu me mudei porque acabou o meu contrato, que depois acabei trabalhando nessa ONG depois de voluntariar e aí veio esse trabalho com imigrantes e veio o descobrimento da… que nunca acaba, que nunca para, as pessoas também são incríveis, interessantes também, muita coisa…
P/1 – Teve algum problema, por exemplo, de preconceito com você? Ou essas coisas de estigmas: “Traficante”, sei lá, essas coisas, teve esse problema?
R – Muito, muito…
P/1 – Por ser mulher também, não sei…
R – Bolívia! Tinham umas pessoas que falavam: “Boliviana” “Não, Bolívia não é Colômbia”, eu às vezes, brincava, sabe, mas depois eu já… hoje em dia, eu já respondo com um outro tipo de resposta: “Pablo Escobar, FARC, delongas, cocaína…”, então eu já corto ou falo de outro jeito, porque eu já entendi que não é brincadeira isso. Um país com essa diversidade e com esses preconceitos e essas imagens estereotipadas, não adianta continuar… bom, acabou que eu seja assim, tão brava, mas agora eu já não…
P/1 – Já dá uma cortada didática! Pedagógica.
R – “Vamos estudar um pouquinho”, mas em geral, foi incrível!
P/1 – Costumes, comida, o quê que você tá achando?
R – É muito parecido em muitas coisas a Colômbia com o Brasil. Eu posso dizer que esse carisma também, esse jeito de acolher as pessoas, colombianos também temos isso. Das comidas, são parecidas. Comer arroz e feijão todos os dias é algo que eu não consigo, não faço, não me adapto a isso, não vou fazer também, não. Isso pra mim, já foi… ‘como assim, vou comer arroz e feijão todos os dias? Não pode!’. Na Colômbia comemos feijão, mas enfim…
P/1 – Qual que é o prato do dia a dia colombiano?
R – É a mesma base, arroz, um tipo de leguminosa, só que nós variamos, não é só feijão, tem grão de bico, tem ervilha, tem lentilha e a gente se utiliza os outros…
P/1 – E uma carne, é isso?
R – Uma carne e seguramente, outro tipo de carboidrato, seja ou batata, banana da terra que em São Paulo, quase não come, eu como muito e na Colômbia se come muito. Sucos naturais, aqui é bem pouco, pelo menos, no almoço, eu não vejo muitas pessoas e isso na Colômbia…
P/1 – Isso em São Paulo, tem menos variedade, eu acho, né?
R – Pode ser.
P/1 – E aqui, você procurou outros colombianos, outras comunidades da Colômbia? Porque tem um monte, né? Se procuraram, assim, ou você…
R – Eu cheguei por casualidade. Eu conheci colombianos depois de um ano e meio. E foi numa festinha de uma pessoa que terminou faculdade na USP, mestrado e era colombiano, tinha uma galera gigante. Cheguei lá, meio: “Oi, tudo bem?” e foi incrível, eu ter dançado as músicas que eu gosto, tinha comida, tinha minha língua, falavam espanhol sem parar, eu estava assim, verborreica, sabe?
P/1 – Eufórica! Você gosta do quê? Músicas, dança, o quê que é?
R – Salsa, sabe? Salsa…
P/1 – Mas espera aí, salsa! Você sabe dançar salsa?
R – Sei, não que eu seja esperta, mas salsa, danço, é a balada que eu vou quando eu estou na Colômbia, o que eu ia.
P/1 – Geral, assim? Todo mundo, seus amigos, todo mundo dança? O quê que é?
R – Em Calle, sim, porque Calle é a capital da salsa! Chama assim. Então, sim, meu companheiro, ele é músico de salsa e minhas amigas, meus amigos, é isso!
P/1 – Seu companheiro, ele é… você é casada? Juntada?
R – Sim, desse jeito!
P/1 – Conheceu ele aqui?
R – Não, ele é colombiano e ele chegou em janeiro deste ano. Aí, a gente já estava junto antes de eu vir e agora, a gente está aqui, juntos no Brasil. Esperamos um pouquinho e ele está aqui, também, de fato, fazendo coisas com músicas colombianas. Ele está fazendo um grupo de danças colombianas, mais folclórico, mas ele também é músico de salsa. Essa é uma saudade incrível (risos).
P/1 – E quais são os seus planos, aí? Ficar no Brasil? Ficar um pouco? Ficar, só estudar e voltar? O quê que você quer?
R – Então, eu vim para estudar. Eu vim para fazer um mestrado. Meu plano era ir na ONG, aprender português e depois, fazer mestrado. Até agora, eu não entrei para fazer o mestrado, isso é o que eu quero fazer, tenho trabalhado, estou trabalhando e sei que eu quero estudar, aproveitar a qualidade da educação, mas também do olhar, da forma de educação que tem no Brasil, tenho gostado muito. Então, depois disso, eu não sei, talvez voltar… muitas coisas, eu não sei se eu quero voltar, deixei minha mãe lá, meus irmãos… isso está aí, na pergunta (risos).
P/1 – E me fala uma coisa, você tá trabalhando para a imigração, agora, né?
R – Sim, sim.
P/1 – Obviamente, são contextos diferentes, né? Qual o seu trabalho hoje? Fala um pouco. O quê que você faz? Qual que é a questão do seu trabalho?
R – Então, a questão do meu trabalho é direitos dos imigrantes. O tema da imigração desde de uma perspectiva dos direitos humanos. Eu sou assistente psicossocial, mas sempre tem muitas outras coisas para fazer e neste momento, ou pelo menos, a cidade de São Paulo tem muita coisa com o tema da imigração e da migração, em geral. Eu faço um atendimento, mas não como psicóloga, mas voltado a explicar às pessoas os serviços que tem na cidade, se bem, muitas pessoas não conhecem os serviços da cidade, os imigrantes mesmo, pela barreira da língua, porque ninguém explica, porque as pessoas não sabem, porque o Brasil tem, por exemplo, um sistema de saúde que é para imigrante acessar também, ou da assistência social, dos problemas sociais. Coisas assim também eu faço.
P/1 – Você trabalha com imigrantes legais?
R – Bom, então, por exemplo…
P/1 – Ou que estão querendo a legalidade? O quê que é? Como é que funciona?
R – Legais não é o termo, para começar (risos)…
P/1 – Isso é bom explicar.
R – É regular.
P/1 – Regular?
R – Regular. Então, por exemplo, Brasil está… América do Sul, uma proposta bem diferente de tratar os imigrantes ou a migração. Começando porque aqui, raramente, uma pessoa é deportada, você pode vir aqui, uma pessoa de outro país pode vir, mas pelo fato de não ter documentação regularizada, não é que vão tirar você, não colocam você num navio, tem deportação, mas por outros motivos. Brasil faz parte do Mercosul, que é uma plataforma dos países do Mercosul, onde há livre trânsito. Brasileiro pode morar, trabalhar, estudar na Argentina, Paraguai e no Uruguai, na Bolívia, coisas assim, então já há um trânsito. E a maioria das pessoas que vem de países da América do Sul fazem esse visto Mercosul, que é bem fácil. Por dois anos, você tem o seu documento e depois, você pode fazer um permanente que é bom, garante mais tempo aqui. Agora, para outros países são outras formas.
P/1 – E você trabalha com todos? Não só do Mercosul, mas qualquer imigrante que venha para o país?
R – Pelo o que está acontecendo hoje em dia, a gente trabalha com imigrantes de muitas partes, a maioria, até certo ponto, eram de países da América do Sul, mas africanos, haitianos…
P/1 – Às vezes, tem planos de governos, né, de acolhimento, então os haitianos, por exemplo, que vieram pra cá, enfim…
R – Isso!
P/1 – E tem outros que são esses esporádicos, não sei se é o termo, né, mas que vêm ou fugiu e agora, tá vivendo um momento aí na Europa… eu não sei, vocês ficam acompanhando isso?
R – Sim, sim, muito.
P/1 – Como o Brasil tá se posicionando e como que… se vai trazer ou não vai, se vai acolher? E daí, isso chega para vocês?
R – Sim. É uma das pautas, assim, do trabalho nosso. Bom, sempre tem esse olhar internacional, porque faz referência também, mas fortalecer, fortalecer também as políticas que tem o Brasil.
P/1 – Qual é o nome do lugar em que você trabalha, mesmo?
R – Chama Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante.
P/1 – É público?
R – Não. É uma organização social…
P/1 – É uma ONG, mesmo!
R – É uma ONG. E tem várias, tem várias na cidade. Está bastante já, a oferta.
P/1 – Eu vou meio que fechando, né, tenho que dar umas corridas pelo tempo, mas me fala, tem alguma história que eu não perguntei e você gostaria de falar? Que a gente vai numa toada… tem alguma situação que você vê, alguma viagem, uma pessoa, alguém, que eu não perguntei que você…
R – Sabe que sempre é mais difícil quando eu tenho que trazer da memória… acho que não (risos).
P/1 – Acha que não? Tudo bem (risos).
R – Assim, assim… difícil, não consigo, você tem que me ajudar (risos).
P/1 – Tá certo. Você gostou de dar a sua entrevista?
R – Sim, gostei. Gostei, eu quero ver como eu falo em outra língua (risos).
P/1 – (risos) Esse é o motivo de vir aqui? Tá certo (risos)!
R – Não é fácil.
P/1 – Mas fala muito bem, né? Então, Ana, em nome do Museu da Pessoa, queria agradecer, muito obrigado pela entrevista e é isso.
R – Obrigada, eu por… pelo espaço, acho maravilhoso ter um Museu da Pessoa único!
P/1 – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher