Projeto Ponto de Cultura Museu Aberto
Depoimento de Vera Helena Andrade de Campos Maia
Entrevistado por Erick Krulikowski e Ana Caroline de Aguiar
São Paulo, 26 de março de 2007
Realização Museu da Pessoa
PC_MA_HV001_Vera Helena Andrade de Campos Maia
Transcrito por Suely Aguilar Branquilho Mont...Continuar leitura
Projeto Ponto de Cultura Museu Aberto
Depoimento de Vera Helena Andrade de Campos Maia
Entrevistado por Erick Krulikowski e Ana Caroline de Aguiar
São Paulo, 26 de março de 2007
Realização Museu da Pessoa
PC_MA_HV001_Vera Helena Andrade de Campos Maia
Transcrito por Suely Aguilar Branquilho Montenegro
P – Bom dia dona Vera.
R – Bom dia.
P – Eu queria que a gente começasse a senhora me dizendo o seu nome completo, sua data e o local de nascimento.
R – Meu nome completo é Vera Helena Andrade de Campos Maia, data de nascimento é 19 de outubro de 31, estou com 75 anos, nasci em São Carlos, Estado de São Paulo.
P – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Eduardo de Campos Maia Filho e minha mãe é Maria Andrade Maia.
P – Qual é a origem da sua família, ela é de São Paulo mesmo?
R – É, é de São Paulo, é quatrocentona (RISO), e é de São Paulo e lá acho que do tempo de, dos bandeirantes, sei lá, eu não sei essa história muito antiga, lá do tempo dos bandeirantes, eu não sei e veio de Portugal. Teve um português lá que veio pro Brasil, ficou aqui em São Paulo e daqui a família...
P – Seus avós também são de São Carlos?
R – Não, são de São Paulo, assim, meu pai nasceu em Itatiba, minha mãe, assim, por acaso em Jacutinga, Minas e que ela não aceitava de jeito nenhum, porque meu avô tinha ido passar, fazer um trabalho lá, foi com a minha avó, ela nasceu e ela não admitia isso, ela era paulista, então só eu, da minha família só eu. Era meus pais, tinha quatro irmãos nascidos aqui, aí, na revolução de 30 meu pai perdeu o emprego aqui e escolheu morar em São Carlos, aí, foi que eu nasci lá, bem, bastante diferença de idade. Na época a minha irmã, a caçula, da época tinha sete anos quando eu nasci, então...
P – A senhora tem quantos irmãos?
R – Tinha quatro.
P – E a senhora é a caçula?
R – Eu a caçula.
P – O seu pai fazia o quê?
R – Meu pai era advogado e foi advogado da Prefeitura de São Carlos 30 anos e minha mãe era formada professora, mas nunca trabalhou, era do lar.
P – E daí a senhora foi a caçula, sete anos depois da...
R – Depois, é, aí, aí, era a rainha, (RISOS) pra grande ciúme da minha irmã anterior a mim, então, mas tudo bem.
P – E a senhora em São Carlos morava aonde, morava numa casa?
R – Numa casa, então, a gente, eu não, tem a casa que eu nasci, tá lá até hoje, depois teve outra que eu morei, assim, que eu guardo mais na memória é uma casa que agora é uma biblioteca. Depois mudamos prá outra casa que, pouco tempo e fomos morar numa chácara, mas no centro da cidade, tinha seis quarteirões da avenida. Então, era uma chácara grande, era uma fazenda pequenininha e que meu pai arrendou, aí, quando estávamos nessa chácara, não sei quanto tempo nós moramos lá e era muito gostoso, tinha vaca, tinha cavalo, porco, cabra, pato, papagaio, cachorro, gato, coelho, então, prá mim era uma festa e a chácara era um pomar imenso, imenso, tinha tudo. Tinha jabuticaba, laranja, mamão, abacate, abiu, tudo que você imaginar tinha lá. Então, nós estávamos lá e aconteceu a minha vinda prá São Paulo foi assim, era aniversário do meu irmão mais velho, porque todos os meus irmãos já estavam estudando aqui em São Paulo, então foi aniversário do meu irmão mais velho e minha mãe veio e me trouxe prá passar o aniversário dele aqui e eu estava lá, acho que era segundo ano primário do colégio de freiras lá de São Carlos, aí, chegamos aqui prá passar o aniversário do meu irmão e voltar. Nesse meio tempo a mãe da minha mãe adoeceu, então, minha mãe foi ficando, foi ficando, meu pai vinha todo fim-de-semana e a minha infância lá foi maravilhosa.
P – Lá em São Carlos?
R – Lá em São Carlos, até essa época, então eu tinha minhas amiguinhas, colegas de escola e meu pai era muito conhecido, então, e eu também e todos nós. Aí, quando viemos prá cá minha avó foi piorando, minha mãe foi ficando e tal, aí, o que quê aconteceu? Eu achei, nós achamos que íamos ficar aqui, aí, eu escrevi pro meu pai mandar minhas bonecas, mandar meu fogãozinho, mandar minhas coisas e ficamos na casa da minha avó na Aclimação, então, e aquilo separou, meu pai ficou lá, trabalhando só vinha fim-de-semana e até minha avó falecer, a mãe da minha mãe. Tá bom, agora vamos voltar, aí, eu fui, esse tempo como foi se alongando, eu fui estudar no Colégio São José, que era da mesma ordem das freiras lá de São Carlos. Aí, então, vamos voltar, mas aí, a mãe do meu pai adoeceu, aí, ele disse – “agora você vai cuidar da minha mãe” – então, aí, eu já era uma adolescente, então juntou a família, eu, minha mãe, meus irmãos com a família da minha avó, minha avó com os tios e tudo, então ficou uma casa enorme que tinha acho que umas 12 pessoas, sem contar os empregados. Então tá bom, aí, prá mim foi muito ruim, então é uma fase que eu não tive assim uma adolescência muito legal, porque eu era sozinha com 11, 12 anos no meio tudo de adulto.
P – Sua outra irmã já tinha 19.
R – É, já tava, é, já tava tudo na faculdade e os tios e as noivas dos meus irmãos, que moravam, depois meu irmão casou, ficou morando lá, então, era, tinha as duas cunhadas, tinha duas irmãs da minha mãe, dois do meu pai, então, você veja e, e eu fiquei naquele meio e aí diziam, implicavam muito comigo e que eu era mal-criada, eu acabei ficando mal-criada, porque, é lógico (RISOS) como é que, como é que eu podia reagir, não é? Ia prá escola, matemática era a coisa que não entrava na minha cabeça, aí, eu pedia prá me ajudar, a turma não queria saber de me ajudar, olha, era um drama, aí, tinha as vizinhas com quem eu me relacionava um pouco, as meninas da minha idade, mas veja, não era um lar prá mim, porque meu, o lar que eu entendia, que eu deixei em São Carlos, era pai, mãe, irmãos e eu. Agora, aqui, fundiu tudo e, aí, voltando então, prá entrar um pouco no campo da dança, porque lá em São Carlo eu não ia ao cinema, porque tinha três anos, eu não tinha televisão, não tinha nada daquilo e perguntavam o que quê eu queria ser quando crescer e eu dizia que eu queria ser bailarina, não sei como, (RISOS) entendeu? Ou eu queria ser bailarina ou eu queria ser dona de casa, então...
P – A senhora se lembra de algum momento assim que, do porquê essa escolha, seguir uma bailarina?
R – Não sei, não sei, eu não sei como, é coisa acho que nasceu comigo e, aí, minha mãe comprava prá mim no verão a sandália branca e no inverno era sapato de verniz preto e tinha que ser sem pulseirinha prá eu poder ficar na ponta do pé e isso eu era criancinha e quando eu falava que eu queria ser bailarina desde essa época minha mãe punha a mão na cabeça (RISOS) e ficava apavorada, sabe o que é apavorada? É apavorada – “não me fale nisso e tal” – as amigas da minha mãe vinham e perguntavam e mamãe não admitia que eu falasse, “não a Vera Helena ta falando bobagem”. Então, eu passei, quando viemos prá São Paulo, eu estava com dez anos e eu passei muitos anos em luta com minha mãe, porque todo ano, era aniversário – “O quê você quer de presente?” – “Eu quero ir prá escola de balé.” – pronto, ela ficava indignada – “Não, você largue de pensar nisso.” – e não adiantava, chegava no outro ano era assim e eu fui, sabe, com o negócio de dizerem que eu era mal-criada, eu fui criando um pé, sabe, prá mim, e naquele ambiente tudo de adulto eu criei uma defesa. Então, foi que chegou um dia eu falei prá minha mãe: “Vai ter teste, exame pro balé do Teatro Municipal e eu vou me inscrever, porque a idade máxima é 16 anos e eu vou fazer 16 anos em outubro, então eu vou me inscrever porque é minha última oportunidade.” – e ela falava também que era caro “e lá é de graça, porque é da Prefeitura, então eu vou me inscrever”. Ela, daí, não teve como reagir e eu fui e fiz a inscrição.
P – Isso a senhora tinha quase, tinha 15 anos, né?13.37
R – É, prá 16 já.
P – E o seu pai, o que quê ele achava?
R – Meu pai era, ficava quieto, porque ele, sabe a história da régua e compasso? Ele confiava na que ele tinha me dado, então ele não era contra não e deixava – “Vera Helena quer?”, “tudo bem”, era a minha mãe que tinha preocupação de que bailarina, naquele tempo era prostituta, então ela não queria isso prá mim. Aí, então, quando eu decidi que ia fazer, quando ia ser a época do exame, meu irmão ele estava trabalhando, ele instalou a colônia do SESC em Bertioga, essa colônia aí começou com ele e ela sabia que eu gostava muito de mar, então, o que ela fez? “Ah, Júlio vem aí, você vai com ele prá Bertioga.” – eu digo – “Mas, tem o exame.” – “Ah, mas por enquanto você vai, enquanto não tem.”. Aí, a minha tia, uma irmã de meu pai disse: “Você pode ir que quando sair no jornal eu mando um telegrama prá você vir fazer o exame.” – então, eu fui e não o ônibus o meu irmão comprou o jornal e justamente tava lá no dia, que dia que ia ser o exame, eu já falei – “Ó, tal dia eu venho de volta.” - que seria a véspera e aí eu consegui fazer, consegui entrar, mas veja, eu tava com 16 anos quando começou, quando eu comecei. Então, a minha mãe, com todos cuidados dela, minou a minha carreira, porque com 16 anos o físico já tá, já tá completado, pronto, não tem, aí, a dificuldade prá fazer balé é mil vezes maior, então, porque o corpo já...
P – A senhora nunca tinha feito aula antes?
R – Não, nada, balé era proibido. Então, aí, eu fui prá escola do teatro, fiquei um ano e a que tinha professora famosa era a Madame Olenewa, daí, chegou uma outra professora, a Lina Bernaca e tinha uma das professoras do teatro, lá da escola do teatro, tava fazendo aula com a Lina e a Lina queria montar um balé, um corpo de baile, então a Mune, que é essa professora levou algumas, algumas alunas do teatro pro balé da Lina, então saí do teatro e fui prá Lina Bernaca e lá eu fiquei até 52, acho que eu fiquei anos na Lina, né, aí, apareceu o concurso para o balé do IV Centenário. Então, ela avisou que ia ter um balé em São Paulo que era para os festejos e tal, e prá gente ir se inscrever e eu fui, me inscrevi, mas eu não queria ir, não, eu não queria ir, porque eu adorava a Lina, a escola da Lina, então eu achava, eu não sabia o quê que era o balé do IV Centenário, como que eu vou sair da Lina, né? Então eu fui, aí, recebi esta carta que está no álbum, recebi uma carta comunicando que o exame e ia ser de tanto a tanto prá ir lá prá confirmar, pegar meu número, aí, eu fui, mas fui prá dizer que não ia, entendeu? (RISOS) E chegou e eu trabalhava, onde que eu trabalhava naquela época? Era funcionária pública, então, eu cheguei lá e disse – “Ó, eu recebi, recebi duas convocações, mas eu vim aqui prá dizer que eu não posso, não vou participar, não venho fazer exame, porque eu trabalho, eu não posso vir nesses horários”, aí tá riscado. – lá ele disse assim: “Mas o seu número...” acho que é 105, “é 105, 105 é o último do domingo, então você pode vir.” – eu fiquei, aí, não tinha como fugir, então...
P – Só um minutinho. Então, continua falando dona Vera da seleção do balé.
R – Sim, que era o último chamado do domingo, então, aí, eu tinha, um pouco antes eu tinha pedido prá Lina me fazer uma coreografia que eu queria apresentar surpresa no Natal pros meus pais em São Carlos, porque aí, aí, minha mãe já tinha voltado prá São Carlos, que ela voltou em 48, 49, quando a minha outra vó faleceu, ela voltou prá São Carlos e eu não quis ir, porque aí eu tava no balé da Lina e eu queria continuar, então eu fiquei, morava com uma irmã, não sei se com uma irmã ou irmão, não sei. Aí, então, eu fui, aproveitei essa coreografia que ela fez prá mim, eu aproveitei prá levar pro exame, aí, o pianista foi, tocou e eu dancei aquela coreografia.
P – Era você que escolhia a sua coreografia pro exame?
R – É, ali cada um levou a sua coreografia e tudo e o coreógrafo que era o Aurélio Millos, então, tinha a banca examinadora, aí, tá aí no livro tinha o Millos, o Nicanor Miranda, o Souza Lima, agora eu não me lembro o nome de todos, então, às vezes, o Millos, além da coreografia que a pessoa levava, pedia alguma coisa, pedia piruetas ou pedia prá fazer alguma coisa.
P – Improvisação?
R – Prá mim não pediu nada, só fez aquilo e eu saí de lá aliviada, achando que pronto, já tinha cumprido a minha missão e que eu não ia entrar, porque veio o pessoal do Teatro Municipal do Rio [de Janeiro], tinha bailarinos já formados e eu era limitadíssima pelo fato de ter começado tarde, eu nunca imaginei que eu ia entrar pro balé do IV Centenário, né? Então, aí quando saiu no jornal o resultado desse primeiro exame, porque esse era para, vamos dizer, prá verificar, prá fazer uma seleção e daí teve o outro exame, que era prá daí já ver as condições, quem seria o quê, quem tinha possibilidade de ser solista, quem era primeiro bailarino, quem era corpo de baile e tal. Então, aí já classificou e nessa classificação teve mais um outro, um outro, uma outra, nós entramos como estagiários, que daí era menos corpo de baile prá fazer uma nova classificação. Então, era estagiário de primeiro grau, estagiário de segundo grau e eu não me lembro que grau que eu entrei, deve ter sido segundo.
P – A senhora entrou como estagiária?
R – Como estagiária, é porque dentro da minha limitação, né, então eu devo ter entrado como segundo grau que era e, daí, foi feito, aí, a gente teve aulas e freqüentávamos as aulas de corpo de baile e aí misturou tudo e o Millos foi vendo e então, aí, peneirou mais, e eu acabei ficando.
P – Mas a senhora ficou como, como estagiária?
R – Não, aí passei prá corpo de baile, estagiária era prá ver quem tinha condição de ficar ou não, então, prá mim foi uma surpresa imensa que eu nunca imaginei. Digo, e agora? Tem que sair da Lina e aí ainda uma vez eu insisti fui lá prá comissão e disse que eu não podia ficar, porque eu trabalhava, eu não podia, eu era funcionária pública e eu não podia deixar meu emprego, como é que, né? Aí eles disseram: “Continue indo que a gente vai providenciar.” E um dia eu chego prá trabalhar, tudo eu era apanhada assim de surpresa, (RISOS) eu chego prá trabalhar na secretaria e disseram: “Ah, a parabéns, cê vai embora.” – eu digo: “Eu vou embora prá onde?” – “Ah, você vai prá comissão do IV Centenário.” Então, eles conseguiram o comissionamento, o afastamento, eu continuei funcionária pública, só que fui trabalhar na comissão do IV Centenário.
P – Então a senhora trabalhava na secretaria, mas ensaiava no balé.
R – Não, eu não fui mais prá secretaria, eu recebia pela secretaria, porque eu tava afastada sem prejuízo dos vencimentos e exercia a função de bailarina na comissão do IV Centenário e aí que eu fiquei lá os três anos e quando entrou o Jânio Quadros, porque o Jânio que não quis terminar o, a reforma do teatro, do teatro municipal, isto foi falado antes, ta valendo.
P – Não, falando ainda sobre o balé, como é que era o cotidiano assim dos ensaios, como é que eram as...
R – Então, aí, nós, os ensaios no começo e as aulas foram onde hoje é o MASP. Quando nós fomos prá lá no início de 53 tinha havido uma bienal em São Paulo que foi, a bienal foi lá, tinha lá um, não é um museu, que fizeram lá prá receber a bienal, acabou a bienal saiu, nós entramos pras aulas onde é o MASP, até um dia que uma colega mostrou que tava rachando a parede, aquilo ia cair. Então, nós saímos de lá, ficamos um tempo na escola da Lina e depois a gente foi prá um prédio que tava acabando de ser construído na Florêncio de Abreu, nos dois últimos andares lá ficou o balé do IV Centenário. O nono andar, o último eram os, as salas de aula, os camarins dos primeiros bailarinos e sala de repouso era em cima, no oitavo eram os camarins e a costura e alfaiataria e massagistas, essas coisas eram... bom, então, a gente tinha aula todo dia. As professoras eram a Lia Del Lara que veio com o Millos, o Millos era o coreógrafo, veio com ele e a Edith Pudelko que era nossa bailarina aqui, primeira bailarina da madame Olenewa e então a gente tinha aula de uma hora e meia todo dia, geralmente de manhã e depois os balés. Foi primeiro montado um balé, que era Passacaglia e o Millos levou bastante tempo prá montar esse balé, isto até acho que o meio de 53, prá depois começar a montagem de outro, então se dividia em grupos, por exemplo, Passacaglia era grupo amarelo, grupo verde, então, grupo casais, foi assim. E assim foi feito cada balé, os ensaios eram à tarde, terminava sempre lá pelas oito, nove horas da noite, e uns num salão, outros no outro, é isto, e as aulas de manhã, também às vezes era dividida, porque nós éramos 60 elementos, então...
P – Nossa... E de quem a senhora era mais próxima, assim, suas amizades dentro do balé?
R – Dentro do balé a grande amiga minha, mas uma amiga, assim, que marcou profundamente a minha vida, é Lenita, o nome dela é, era Maria Helena Rocha Freire e faleceu muito moça com 36 anos e já não dançava mais, depois que ela saiu ela foi ser veterinária, então, ela, então nós tínhamos no balé grupos cada um no seu camarim.
P – Quem dividia o camarim com a senhora?
R – Não sei, não me lembro se foi determinado pelo, eu acho que a gente mesmo que formou o grupo assim, então, o meu camarim, o nosso era o camarim das velhas, (RISOS) que nós tínhamos 22, 23 anos, porque os outros tinham 16 anos, sabe, era uma coisa assim e o meu, o meu camarim, eu resolvi, eu que inventei isso depois as outras copiaram parece, o pus o nome de Vila Shangri-lá, porque era muito feliz, sabe, era o paraíso, então, ficou ali e nós éramos muito unidas, éramos mesmo as mais velhas e então, mas todo mundo, era tudo muito junto. Tinha uma ala que era das bailarinas e a outra ala dos bailarinos, então cada um fez seu camarim, decorou do jeito que quis e tal, então, é isso, éramos oito no meu camarim, no nosso, né?
P – E como que foi trabalhar com uma pessoa como o seu Aurélio Millos, né, que era um estrangeiro que veio com um balé totalmente inovador prá cá?
R – Olha, o Millos foi uma pessoa da maior coragem, porque quando ele chegou não era tanto nós como vamos ver o Millos, mas o Millos tinha 60 pessoas prá ele trabalhar e que ele não conhecia, não sabia absolutamente nada do que ele queria fazer, com o quê que ele contava e nós éramos, nós não sabíamos nada de balé, entendeu? Hoje a gente vê, nós não éramos nada, nós não sabíamos, não tinha, era muito rudimentar, então, por exemplo, eu pensei assim, balé do IV Centenário, tal, a gente vai dançar Sílfides, Lago dos Cisnes, essa coisa que dos grandes balés, russo, francês, aquela coisa. Quando chega o Millos pôs logo uma música de Bach e era um negócio que não tinha nada, digo, mas como que é isso, né, completamente diferente, por isso que ele levou meio ano prá montar e prá nos formar, então, ele foi muito inteligente e muito corajoso e nós fomos muito curiosos e a gente então foi caprichando nas aulas, porque as aulas também eram diferentes das que a gente tinha.
P – Mas essa inovação dele de mudar a música e a forma, como que isso foi, como que o grupo de balé de vocês foi encarando?
R – Foi conquistando, foi nos conquistando e a gente foi se entregando e procurando alcançar o objetivo dele. Nós tivemos um balé sem música que era com ruídos, então tinha uma madeira assim toda, outra madeira raspava, tipo um, não é um reco-reco, que aquilo, mais raspava, outro era um, eram ruídos e falava, tinha uma fala assim que nós seis, éramos seis monstros da floresta e é a lenda da Iara, então tinha a Iara que era a Edith Pudelko, primeira bailarina e o Pescador, que era o primeiro bailarino, Raul, tudo isso com cenários e traje do Di Cavalcanti, uma coisa louca, porque o Di Cavalcanti, então, a Lúcia, uma colega que não se conformava, porque os trajes era tudo cheio de espumas, então ela não se conformava, porque ele era gordo e ela tinha mania de ser gorda, ela não era, mas ela se achava, então ela ficava ainda, se sentindo gorda e botando enchimento de espuma, ela não se conformava, ela dizia – “Ele é deformado e quer deformar a gente.” – e era uma coisa, por exemplo, a entrada em cena dos seis monstros era assim: “au, au, au, au, o pitaca” – quer dizer, isso ficou na memória e a gente entrava e depois os ruídos, não teve nada de música, eu não me lembro quais eram os ruídos, cada um o que fazia. (RISOS) Então, tinha, quando era ensaio de Lenda do Amor Impossível, era convocado o primeiro bailarino, os monstros e a orquestra entre aspas, porque era esse pessoal que devia ser umas dez, 12 pessoas, que cada uma fazia uma coisa, fazia, então, e conseguiu. Eu detestava dançar isso, mas é contrato, então dança e depois teve balé, assim, teve um Loteria Vienense com valsas vienenses e a gente também não gostava, porque era a caráter, não era balé clássico. Mas, agora, hoje foi nossa primeira bailarina, ninguém dava valor, mas prá assistir, porque ela não dançou essa Loteria, ela via da platéia, ela disse que era a coisa mais linda, então, e isto quando foi época, você quer saber mais perto assim dos ensaios já perto de, das...
P – Pode falar.
R – A gente ensaiava de preferência à noite e de madrugada, por causa das luzes, de trajes, então vestia o traje, marca primeira cena, todo mundo lá, aí marcava a luz ali; a segunda cena mudava tal, marcava a luz ali; enquanto o grupo não entrava em cena, não podia sentar que era prá não amassar os trajes, então, e a gente fez esses ensaios no, no palco, no teatro montado no Ginásio do Pacaembu, a maioria foi feita aqui, daí quando a gente foi pro Rio prá estrear, aí, terminamos esses ensaios já no Municipal do Rio de Janeiro e a gente ficava às vezes até cinco horas da manhã, mas não cansava, sabe, porque era uma magia, era uma coisa assim muito, como é que eu vou dizer, é, é uma magia mesmo que deixava todo mundo encantado, é, então, não sei se respondi
P – Ah, com certeza.
P – É, mesmo depois dessa resistência, né, porque vocês não gostavam por causa do balé clássico, né, mas depois ele foi conquistando vocês.
R – Foi, foi, não é que não gostávamos, nós fomos surpreendidos, nós fomos sendo conquistados e, aí, fomos, foi abrindo um mundo novo prá nós, entendeu? E aí a gente se empenhou e tudo e foi, nossa, a gente tinha muito orgulho de ser do balé do IV Centenário. Eu, então, quando entrou o Jânio prá governador, porque ele já nos prejudicou quando prefeito que ele não quis terminar a reforma do teatro, quando governador, eu tava afastada da minha secretaria, ele mandou que quem tivesse afastado tinha que voltar pro seu emprego, aí, eu pedi demissão do meu emprego prá continuar no balé, arrisquei. Não, eu digo, “porque de repente o balé acaba e você”, digo, “não sei, não vai acabá, quando acabá eu não sei, mas é meu sonho e eu vou ficar no balé” e, daí, eu continuei e virei profissional, é outra surpresa na minha vida, porque que eu nunca imaginei que eu conseguisse nem passá no exame e amava a dança, eu pagava prá, prá escola da Lina prá ter um espetáculo no fim do ano, agora eu ia ganhá, mas eles iam me pagar, eles me contrataram, então, e ganhava muito bem, ganhava mais do que o que eu ganhava no Estado, né, mas durou pouco.
P – Mas, aí, e a reação da mãe da senhora que era contra no começo?
R – Ah, daí foi se animando, aí gostou, aí, no álbum que eu, tem assim o cartão que me mandou flores quando estreamos no Pacaembu e, aí, nossa, aí, agora, admitiu, foi assisti, mesmo quando antes do IV Centenário um dia eu consegui levá-la prá assisti uma aula na escola da Lina Bernaca, quando eu era aluna da Lina, aí, ela viu que não tinha mais jeito, que eu não pretendia desregrar na vida (RISOS), então, aceitou. Mas, quando ela foi nessa aula, por exemplo, que assistia, não sabia que ela tava assistindo, não sabia como é que eu tava agüentando, porque era muito cansativo, coisa assim, mas depois aceitou, se orgulhou, assistiram não só o espetáculo do IV Centenário como os que eu dancei no tempo da escolinha da Lina.
P – E a senhora lembra como que foi a estréia lá no Ginásio do Pacaembu?
R – Como foi?
P – A estréia.
R – A estréia? Sim, a gente estava assim um pouco frustrada, né, porque afinal é o Pacaembu, é um lugar de esportes, mas a gente ensaiou muito no Pacaembu antes da estréia e era interessante, lá tava, como é que diz quando os jogadores ficam, ficam num hotel, ficam...
P – Uma delegação?
R – É, eram os jogadores do Corinthians, estavam lá fechados lá prá treino, então, eles iam assistir, porque ia ter uma jogo importante, sei lá, então, era o Baltazar, os jogadores importantes do Corinthians iam assistir nossos ensaios, né, e lá no Pacaembu nós levamos três balés, um que foi feito especial e só foi exibido lá, porque o cenário não cabia no Municipal do Rio e levou mais um balé, que acho que foi Deliciae Populi, não me lembro e o balé Fantasia Brasileira, um balé brasileiro e um outro moderno prá época e este que foi feito prá lá era bem clássico que era a Ilha Eterna, uma coisa assim, que tinha os pastores, vamo dize assim e o cenário tinha colunas gregas, tudo branco e tinha aquelas estátuas brancas assim, sabe, só que daí, quando começou as estátuas começaram a se mexer e aí foi aquele “Oh!”, sabe, porque era tudo estátua e eram bailarinos, que estavam os primeiros bailarinos, então, foi um sucesso e aí começou a encher. Nós dançamos de seis a 15 de novembro e acabou, São Paulo, quem viu, viu, quem não viu, visse.
P – Isso foi em São Paulo do dia seis ao dia 15.
R – Aqui de seis a 15 de novembro no Pacaembu.
P – E como que foi receber a notícia de que o Teatro Municipal estaria fechado e que vocês não iam poder se apresentar lá?
R – Pois é, a gente ficou desorientado, mas o Millos, tem que ensaiá, vamos aprontar os balés e depois a gente vê como é que fica em algum lugar. Aí, a comissão do IV Centenário que, na época, porque o presidente da comissão era o Ciccillo Matarazzo e ele amava o balé do IV Centenário. Aí, se desentendeu parece com o Jânio Quadros, ele saiu e entrou o Guilherme de Almeida, poeta e o Guilherme de Almeida não tinha o mesmo interesse que o Millos, que o Ciccillo, então, quando foi que não arrumou mesmo jeito, gente, como é que vai sê? Aí, veio a notícia que nós íamos estrear, porque a gente tava desanimado de trabalhar, aulas, ensaios e tudo e aonde e prá quê? Isso já era final do ano do IV Centenário, outubro de 54, o Centenário foi em janeiro de 54, então, tava, nós távamos frustrados e preocupados, aí, quando foi que conseguiram que a gente utilizasse o Teatro Municipal do Rio prá estrear. Aí, nós fomos prá lá, fomos de ônibus.
P – Como que foi a viagem pro Rio?
R – Foi, foi muito bom, mas é, a gente, nós fomos à noite, então, todo mundo, tinha gente que morava no Rio, que era do Rio, né, não que morava, tava morando aqui, mas então foi muita folia, tudo, na hora que entramos, depois dormimos, porque eram quantas horas? Seis horas, sete horas de viagem e tal, dormimos. Aí, quando chega, tava amanhecendo, era bonito, acordamos, aquela coisa, aí, quando a entrada do Rio toda assim, tudo colado, o, a propaganda do balé, feita pelo Darcy Penteado – “ai, ó, olha, nossa, olha” – aquilo foi uma acolhida prá nós, entendeu, aquilo tudo assim, pelo caminho todo e depois vocês vão ver a capa do programa, só que aquilo em ponto grande. Daí, fomos pro hotel prá descansar, daí fomos conhecer o teatro, os camarins, aí, eles dividiram os camarins, mais ou menos de acordo com o que a gente tinha aqui em São Paulo, né, no próprio balé, lá no nosso ambiente. E foi assim, só que no Rio os camarins tinha aqui embaixo, tinha no andar de cima, separou um pouco e lá a gente continuou com uns dias com os ensaios de luz, de luzes e com cenário, trajes, tudo e daí foi a estréia, a estréia foi assim, a expectativa dos cariocas, a rivalidade, né, vamo vê o quê que São Paulo tem prá apresentar, tá trazendo aí, diz que é novidade e tal, aí a gente, quando foi a estréia tinha a casa cheia, mas, aí, já foi um impacto, era tudo novo, tinha a ponta, Passacaglia, por exemplo, que é essa, primeiro ensaio, primeira coreografia que é Passacaglia de Bach era ponta, então tudo bem, depois acho que no mesmo dia era Pétrouchka, aí, é clássico e também dança caráter, as danças, tinha os cocheiros, que então aquela dança do, dos russos, então, tudo assim diferente, uma Pétrouchka que eu não sei se já tinha sido visto aqui no Brasil. Aí, teve o ponto alto do balé do IV Centenário altíssimo foi o Bolero de Ravel, este bolero, porque teve um filme que tinha os bailarinos dançavam o Bolero de Ravel, talvez vocês tenham visto que todo mundo ia prá ver que era tipo um tablado com os bailarinos em volta e um no meio em cima e todo mundo precisava ver este filme porque era um bolero, era uma dança, só que quem não viu o Bolero de Ravel no IV Centenário não viu nada. Era uma coisa que foi em níveis e o Bolero são oito danças senão me engano, oito, então, no térreo, vamo dizê assim, tava, estavam os primeiros bailarinos, a Lia Dell'Ara e o Djalma, só o casal, aquilo começa muito baixinho, então aquilo no escuro, veio a luz só no bailarino, depois foi aumentando, veio também na bailarina, eles dançavam, aí, iluminava o segundo plano, aí, os bailarinos começavam a acordar, tava tudo assim, como se tivesse acordando, assim, cada grupo estávamos acho que quase os 60 elementos, até o que chamava o grupo galeria, que era lá em cima que dançava menos tempo e isto, o Bolero você sabe que a música vai num crescendo, então foi num crescendo a música, a dança, a luz, até chegar no paroxismo da..., então, quando termina, todo mundo no chão, só o bailarino sozinho em pé, foi uma, aquilo você ouvia mesmo uma mosca voando enquanto estava passando esse balé, foi um impacto. Quando acabou o teatro ficou meio assim, sabe, eu não dancei no Rio isso, eu tava na platéia, eu que conhecia os ensaios eu fiquei, nossa, as lágrimas vieram, porque ficou aquilo parado e de repente foi uma gritaria, uma salva de palmas, foi uma coisa, um impacto muito grande.
P – A senhora não dançou nenhum número no Rio de Janeiro?
R – Dancei, não dancei esse Bolero, dancei os oito que eu dançava mesmo, depois quando saíram com os bailarinos, eu dancei o Bolero aqui em São Paulo, entendeu, é o meu predileto, ah, uma coisa maravilhosa. E, daí, uma coisa que me chamou muita atenção, porque quando os bailarinos rodaram, o público e tudo, aí, chamaram o Millos, que ele entrou, o Millos foi bailarino, né, lá na Europa e ele conheceu o Brasil nessa ocasião, então, ele entrou no palco, uma pessoa, assim, sabe, um que, um, um carroceiro, sei lá, entrou assim murcho e foi até, caminhou até o meio do palco, quando ele chegou no meio do palco ele se postou, menina, mas ele olhou assim de cima como quem diz assim – vocês são nada, eu fiz isto – sabe, mas foi, eu fico arrepiada até hoje, (RISOS) porque eu me lembro da figura do Millos, como é que ele dominou aquela platéia só com a postura dele de palco, olha, é lindo, mas foi tudo assim, tudo muito, uma pena que tenha acabado.
P – E depois dessa temporada no Rio de Janeiro, o quê que aconteceu, vocês voltaram prá São Paulo, entraram de férias, continuaram ensaiando?
R – Nós chegamos, o Millos fez uns primeiros ensaios e ele disse: “Parecem soldados voltando da guerra.” – tudo caindo, (RISOS) tudo que não se agüentava, não tinha força nas pernas e tudo, aí, veio o choque que o Millos não ia continuar e ficaria a Lia Dell’Ara no lugar dele.
P – A senhora sabe por quê que ele saiu?
R – Eu tenho, assim, eu ouvi falar, não sei se isso é verdade ou não, fico meio assim, porque parece que foi problema de contrato, de pagamento, então eu não sei se convém, porque eu não tenho certeza do que, do que me falaram, né?
P – Aí a Lia Dell’Ara que assumiu?
R – Dell’Ara continuou, aí, aconteceu, a gente fez uma temporada no Teatro Santana, muitos colegas já foram saindo, não tinha mais os 60 elementos e a gente continuou, continuou com muito esforço, sem garantia, sem saber o que ia acontecer, continuamos ensaio, aula, tudo durante o correr de 55. Os programas eu posso ver quando que foi a temporada do Santana. Aí, chegou o final do ano, o Balé do IV Centenário foi convidado a representar o Brasil num festival de dança em Nova Iorque e esse convite veio pro Itamarati e o Itamarati encaminhou pro balé do IV Centenário que era o único que estaria à altura, só que aí entrou o problema de não ser mais o Ciccillo, ser o Guilherme de Almeida. Aí, ia ter a temporada lírica e nós soubemos desse convite e fomos conversar com o Guilherme de Almeida, que eles tavam falando que a gente ia ter que dançar na temporada lírica e temporada lírica o balé não seria, seria o balé da ópera, tem que fazer a coreografia, sei lá, aquilo lá, daí falaram que não, que ia ser o próprio balé do IV Centenário iria dançar, leva uma ópera, acaba aquela ópera ou antes, antes daquela ópera passavam três balés do balé do IV Centenário, não, mas teve sim coreografias para as óperas e eu não dancei nas óperas e ia ter cachê além do salário, cachê pros balés das óperas e eu nem fui ver e daí, havia também junto os bailarinos dançavam as óperas e também os balés marcados prá completar o espetáculo, tá bom, as nossas coreografias. Aí, nós fomos, antes de acontecer isso nós soubemos do risco da gente não ir prá Nova Iorque por causa da ópera, das óperas, então fomos conversar com o Guilherme de Almeida e tava hora marcada, nós chegamos antes da hora marcada e quando nós távamos lá esperando nós vimos, não, aí, nós conversamos com o Guilherme de Almeida e ele disse que dependia da Prefeitura, porque acontece, a frase que ele disse: “Quando um amigo nos pede, a gente depende de um favor de um amigo e esse amigo nos pede um cigarro, a gente não pode negar o cigarro pro amigo e é o caso, a gente tá pedindo prá Prefeitura encampá o balé e a Prefeitura tá pedindo prá dançar na ópera, nós não podemos negar isso.” – eu digo, “Mas a gente também não pode deixar de ir prá Nova Iorque por causa disso, então vamos falar com o prefeito.” – e, aí, marcamos uma entrevista com o prefeito. O prefeito, o Jânio tinha largado a prefeitura, o prefeito era o Lino de Mattos, que era senador e veio, saiu de lá prá ser prefeito aqui, e quando nós estávamos aguardando o momento de sermos chamados prá conversar com o prefeito, quem desce, sai do elevador? O Guilherme de Almeida que foi antes puxar o tapete da gente, então quando nós subimos, o Lino de Mattos fez aquele, uma encenação, chamou lá um secretário, disse: “Ligue prá Brasília.” – assim, que era prá mandar dá avião prá gente, porque a gente tinha os pedágios, mas não tinha avião, então ligue prá Brasília, então, dali a pouco voltou – “Ah, tá ocupado.” – “Ah, então, olhem, podem ir embora, nós vamos falar com Brasília.” – tudo uma encenação, a gente era muito jovem, muito ingênuo, acreditamos naquilo e depois foi que não teve avião, não teve nada, dançamos na ópera e foi quando acabou a ópera, aí, ia ser só apresentação nossa. Nós começamos em dezembro a fazer essas apresentações, que foi quando um dia eu cheguei para o ensaio e fui impedida de entrar no teatro, que o servente disse: “A senhora é do, você é do balé do IV Centenário?” – “Sou.” – “Então o balé do IV Centenário foi extinto, não pode entrar.” – eu disse: “Mas, como, nós temos ensaio.” – ele disse: “Não, não tem, foi extinto.” – eu: “Mas nós temos espetáculo à noite.” – “Os ingressos já estão sendo devolvidos.” – aí, eu falei: “Mas eu tenho minhas coisas no camarim.” – “Então eu lhe acompanho prá você pegar as suas coisas.” – aí eu fui com ele, ele tava com medo de eu furtar alguma coisa, bem que eu teria furtado a minha bota de Pétrouchka, viu, (RISOS) que estava lá no camarim. E, assim, foi que acabou, agora...
P – Como que a senhora se sentiu nesse momento?
R – Agora, o que foi feito, por que, nós tínhamos 600 trajes os tecidos não eram da [Rua] 25 de Março, não, a Diretora de costura, Madame Ferrara veio com o Millos do Scala de Milão, foi prá Roma, foi tudo comprado em Roma, os tules, os cetins, a gente dançava com tafetá de seda pura, tudo, olha, tudo, foram rios de dinheiro e que depois que acabou pegaram tudo, encaixotaram tudo e deixaram não sei se é no porão do Teatro Municipal. Depois, tava dando infiltração, os cenários maravilhosos, caríssimos, pegaram aquilo e jogaram no porão do Centro Cultural que depois inundou lá e rato tava comendo e tinha um cenógrafo que acompanhou toda trajetória, o Gia Chieri, então ele estava para, para, ele disse que ele poderia recuperar tudo, isso já era há pouco tempo atrás, o que? Uns dez anos? Um pouco mais talvez. Então, outro dia, teve alguém que comentou com a Lúcia que o Gia Chieri morreu de tristeza, porque ele morria de paixão por aquele trabalho dele, né, e se perdeu tudo. Então, agora tens uns trajes que sobraram, tava no teatro, no Teatro Municipal e agora foi lá, tem qualquer coisa do teatro na Vila Guilherme, então, tudo que é traje de óperas, de tudo, parece que tá tudo lá.
P – E a reação do grupo do corpo de balé quando ficou sabendo do fim do balé?
R – Então, eu uma vi uma entrevista do Secretário de Cultura do Município falando mal do balé do IV Centenário, que ninguém não teve, não aproveitaram porque o balé decaiu, decaiu, porque não teve o apoio e, aí, tem, por exemplo, uma entrevista que eu dei, não sei se era Diário da Noite, Folha da Noite, tá no álbum, eu e mais dois colegas fomos rebater o que o Secretário falou e a gente fez, mas não teve jeito, a prefeitura não quis, largou mão e acabou.
P – Mas a senhora tem idéia do que levou ao encerramento da companhia de balé, por que a Prefeitura?
R – Porque eu acho que é porque o brasileiro é assim, não tem memória, não cultiva as coisas, sabe, importantes, não dá valor, porque uma coisa tão importante não era prá, olha nós tivemos, eu estive no Museu Lasar Segall, lá tem o traje do primeiro, porque o Lasar Segall fez trajes e cenografia de um balé importante, quando acabou o balé, o Lasar pegou tudo que era dele e levou pro museu, então levou prá ele. Depois, foi feito o museu, então o traje da bailarina tá lá. Tem maquetes, tem fotos, tem muita coisa lá, o resto se perdeu, teve gente, porque tem os desenhos dos grandes artistas plásticos que trabalharam com a gente, Burle Max, Portinari, olha, tanto no campo das artes plásticas, como da música, porque teve cinco balés brasileiros, menos os lenda que não tinha música, foram feitas quatro composições prá, pro balé, sumiu, não tem, a Lúcia não pode por no dvd dela essas quatro músicas, então, é a falta de interesse mesmo, porque, só pode, é inacreditável. O dinheiro que foi posto ali foi muita coisa, muito.
P – E qual é a herança que o balé do IV Centenário deixou prá dança de São Paulo na opinião da senhora?
R – Olha, eu acho que o balé do IV Centenário é a raiz de tudo, de tudo que tem aqui agora, depois foi evoluindo, então, tem agora, tipo, os balés contemporâneos, tem a Débora Colker, tem, mas o começo foi o Millos, o Millos que trouxe toda essa, essa coisa nova. Foi como a Semana de Arte Moderna, em 22, prá artes plásticas, literatura e tudo, não teve dança, não tinha, quando o Millos chegou não tinha, tinha escolinha, tinha as escolas, as principais, da Lina e da Madame Olenewa, a escolinha do teatro que era bem, era pobre, porque, da prefeitura e só, e tinha o balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que era um pouco melhor, agora, o que ficou de todos nós, muita gente, eu, a Lúcia, por exemplo, abandonei tudo, com aquele choque que eu levei, digo, eu era profissional sem esperar, eu consegui ser profissional agora voltar prá escola prá fazer um espetáculo de fim de ano e ficá trabalhando e aula duas vezes por semana, isso é mutilar, eu não vou fazer isso. Fiz tentativa dancei uma vez na televisão achei horrível, não quis, outros colegas gostaram, fizeram, ficaram, muitos colegas continuaram, foram pro, pro Rio de Janeiro, ficaram aqui, mas eu tinha que trabalhar e eu não me sentia à altura, entendeu, prá ir prá grupo pequeno, porque como eu disse, minha carreira começou minada, desde que eu comecei com 16 anos de idade o primeiro pliê aos 16 anos de idade, é muito limitada, a carreira exige, é efêmera, então eu comecei tarde prá acabar cedo também.
P – Então depois do baile do IV Centenário nunca mais dançou.
R – Nunca mais dancei, a Lúcia também não e teve outras colegas, outros continuaram, tão aí, são professores e, por exemplo, a Ady Addor, que era a primeira bailarina, ela foi primeira bailarina do Ballet Teather de Nova Iorque, o Juan Juliano era nosso solista, depois primeiro bailarino, terminou primeiro bailarino da Ópera de Paris, era uma turma muito boa, entendeu? Então, foi é que dispersou tudo, quer dizer, a Prefeitura, o prefeito Lino de Mattos, matou uma coisa que base prá, que se tivesse continuado, eu nem sei, porque o se não existe, né, mas alguns trouxeram alguma coisa do Millos aqui pro balé do Brasil hoje, a raiz tá lá.
P – E depois que acabou, o quê que a senhora fez, foi trabalhar em outro lugar, em outra área?
R – Aí, eu fui prá São Carlos, primeiro eu fiquei aqui, arrumei, eu fui trabalhar no que hoje é CESP, eram pequenas empresas, né, menores empresas de energia, aí eu fui trabalhar. Da minha mesa, porque eu era datilógrafa tal, da minha mesa eu via lá longe o prédio do balé, as salas do balé, as lágrimas desciam e eu em dois metros quadrados datilografando, eu agüentei o quanto deu. Depois eu digo não, eu vou, eu vou abrir uma escola de balé em São Carlos e aí voltei prá São Carlos em 58, 58? É, 57, por aí, aí, voltei lá prá casa dos meus pais e aí fui me empolgando com outras coisas, acabo que eu nem abri a escola de balé e voltei a encontrar as pessoas da minha infância e tal e fiquei lá até 1960 quando meus pais tiveram enfarte, primeiro minha mãe, depois meu pai, aí, meus irmãos disseram que eles não podiam ficar lá só comigo, então tinha que vir embora prá São Paulo. Meu pai não se conformava com a história, porque ele amava São Carlos, mas veio, nós viemos.
P – A família toda veio?
R – Não, porque eu já tinha um irmão que morava em São José dos Campos, o outro morava em Campos do Jordão, o meu irmão mais velho foi primeiro promotor, depois juiz e ele foi tanto promotor como juiz de Campos do Jordão, o outro era dentista em São José dos Campos, a outra casou e eram casados, tinham os seus filhos lá, a outra era taquigrafa da Assembléia Legislativa, aquele tempo não tinha computador era taquigrafia e ela trabalhava, emendava dia, noite, tudo, porque dependia da sessão e a outra, enfermeira, enfermeira padrão, então e aí eu fui trabalhar, que eu era balé, eu não tinha diploma da nada, então eu fui, voltei prá São Paulo e voltei a trabalhar aonde? Aí eu fui, eu acho que eu fui, eu fui, prá aí já era a CESP, voltei prá lá, depois tinha uma empreiteira que ia pagar melhor, eu saí era uma firma de engenharia, enfim, eu fiquei funcionária burocrática dessas companhias, eu não dancei mais e depois, mas eu fiz eu acervo grande, eu catei tudo que pude do IV Centenário meu, né, então eu tenho muita coisa em casa, tem sapatilha, eu tenho a maquiagem, eu tenho tudo e daí quando inaugurou o SESC Belenzinho, que não sei como, parece que uma colega sugeriu que fosse, o tema fosse o balé do IV Centenário, aí, vieram me procurar, porque um dos colegas disse que eu tinha muita coisa, então, aí, ah, quando fez 20 anos do balé eu não sabia mais, mais nada de ninguém, tá acabando?
P – Não.
R – Não sabia mais nada de ninguém e essa colega Neide Rossi com uma outra colega resolveram comemorar os 20 anos do balé do IV Centenário e ninguém sabia de mim, então, um dia eu tinha mudado de casa, mudei de um apartamento que eu morava com minha irmã, aí, eu já não tinha nem pai nem mãe, né, e fui morar sozinha mais perto do meu serviço, aí, no dia de mudança tinha jornal, a empregada pos assim um jornal forrando a lata de lixo, embaixo assim, né, que eu olhei, digo, ex-integrantes do balé do IV Centenário, digo: “O quê que é isso, tira esse lixo daí.” – aí que eu fui ver era ex-integrantes do balé do IV Centenário, enfim, que pretendia comemorar os 20 anos prá entrar em contato. Então, as que estavam perdidas puseram no jornal prá encontrar a gente, essas estavam ainda na dança, aí, que eu encontrei, tava debaixo da lata de lixo. Aí, eu peguei, telefonei, aí então a gente voltou, cada tempo a gente se reúne e agora tem uns 20 e poucos, não sei, porque já morreu bastante gente, né?
P – E vocês se reúnem com freqüência?
R – Mais ou menos, não é assim tão, por exemplo, a Lúcia agora trouxe isso, aí, o Ismael fez, vai fazer 70 anos, vamos reunir, quando eu fiz 70, uma festa prá mim, então, aí, às vezes tem algum acontecimento a gente... às vezes é saudade, vamo fazer uma festa? Vamos e aí avisa todo mundo.
P – Então dona Vera como são esses encontros que vocês fazem prá relembrar o balé do IV Centenário?
R – Ah, é muito gostoso, quando tem, apresenta alguma oportunidade, não é muito fácil da gente se reunir, principalmente, assim, quando tem feriados, aí, os que são professores de balé hoje sai tudo de férias viajar, então, mas aí a gente começa a organizar, já, vamos fazer um encontro, é porque vai ser, “ah fulano vai fazer 70 anos, que mês é? Ah, é fevereiro, mas fevereiro, vamo marcar prá março que tem mais gente”, então, aí, em geral quem a gente chama vai, a maioria vai, tem alguns que são acho que talvez mais, mais ocupados ou que tenham mais, estejam mais ligados com o seu próprio balé, o seu próprio grupo, aí já não faz tanta questão, mas tem aqueles que são assim muito fieis e que a gente se encontra quase como, é como uma família, sabe?
P – Quantas pessoas mais ou menos se reúnem?
R – Ah, é perto de umas 20, 20 e poucas, as que são mais assíduas, assim. Olha, este último vieram duas do Rio, que moram no Rio, uma agora é da Globo, é contratada, faz assim alguns papéis na novela da Globo que ela foi pro campo de, de teatro é a Suzana Faíne, veio a Suzi, veio a Cecília, o Manhani é outro que veio de Piracicaba, a Lúcia veio de Brasília, então, a gente, tem uma que vem que mora em Campinas e vem, mas tem problema de saúde do marido, desta vez ela não pode vir, então, em geral o pessoal daqui de São Paulo, né, vai todo, assim, não vem todo não, mas e tem outros que não querem mais saber do balé do IV Centenário, tem, é triste, mas tem, não sei se enjoaram, o quê que é, que a gente nem chama mais. Teve gente que mudou, “Ah, dê seu endereço novo.” – “Ah, quando chegá lá eu aviso.” – que foram mudar, foram pro Interior, prá Jundiaí, prá não sei o que, mas nunca deram, quer dizer, se afastaram, cada um tem suas razões a gente respeita, né?
P – E tem alguma coisa assim que a senhora queira contar mais marcante do balé, alguma coisa engraçada que...
R – Do balé?
P – Dos ensaios.
R – Por exemplo, nesse balé, uma vez, uma coisa assim que eu to lembrando, da lenda que não tem música e quando foi a hora lá do, nós íamos entrar, não, nós já tínhamos entrado, os monstros e era lá quem tava dançando era a Iara e o Pescador e um da orquestra errou o ruído que ele tinha que fazer e quando errou os monstros ficaram olhando, porque não sabia, porque aquilo é contado, então nós tivemos um ataque de riso, podia, porque era tudo com máscara, então, nós de máscara com ataque de riso dentro da máscara e o Raul e a Lia Dell’Ara, danados, porque eles não tinham máscara e a gente rindo, eles acharam aquilo uma falta de respeito e quando o Raul virava de costas e dava com a gente ele dizia: “Vocês vão ver.” – olha, a braveza que foi, quanto mais bravos eles ficavam, mais nós dávamos risada.
P – Mas isso foi ensaio ou foi em espetáculo?
R – Espetáculo e, aí, nós improvisamos, pois erraram lá, a gente não sabia se era prá andar prá frente ou prá trás, né, então, depois pegamos o fio, até pegá o fio a gente improvisou, depois nós fomos, os seis, multados, pagamos um bom dinheiro, aquele dia trabalhamos de graça e isso foi um dia, uma coisa assim diferente, né? Teve muita coisa, são três anos de muito, muita gente junta, né, então, teve momentos assim que a gente guarda prá sempre na memória.
P – A senhora estuda hoje em dia, não é dona Vera? A senhora estuda hoje em dia?
R – Não, eu tô aposentada com a graça de Deus, eu corro muito prá lá e prá cá, porque eu sou sozinha, né, então todo mundo – “Mas o que você faz?” – você não lembra o que você faz, mas eu não paro. Bom, de manhã, toda manhã, eu sou sócia do Pinheiros, eu venho prá ginástica e prá caminhada e eu faço cinco quilômetros em 50 minutos, prá mim é o que me mantém, assim, depois eu tenho duas vezes por semana eu tenho aula de ginástica, depois, ou é supermercado ou é banco ou é prá ir pro Centro da cidade e aqui em São Paulo é uma coisa por período, eu não dirijo, não consegui perder o medo, tirei carta, fazia uma baliza linda, mas no trânsito eu morria de medo, então, não tenho carro porque eu não consigo, só se viesse com motorista dentro e, então, eu tenho que fazer uma coisa no Centro da cidade, eu pego aquele trânsito da Santo Amaro, da Brigadeiro, até ir providenciar, olha, eu corro que chega de tarde eu tô exausta. Então, eu tenho gravado assim uns balés lindos da, do canal Film and Arts, da TVA, todo domingo tem, eu gravo e não tenho tempo de vê, tá lá, tô emprestando prá Neide, ela copia e eu tô aguardando umas férias, eu vou entrar em férias – “prá onde você vai?” – “ah, é segredo” – e não saio de casa. Só assim que eu vou poder ver, sabe por quê? É isso, então...
P – Como é que a senhora acha que é o balé hoje em dia aqui no Brasil atualmente?
R – Então, tem coisas que eu gosto, mas tem coisas que eu não gosto, esse balé contemporâneo que eu digo que vão dançar de shortinho e tênis eu detesto, agora, ah, mas tem muita coisa boa, eu digo: “mas eu não vou” – eu não vou, eu tenho dificuldade, porque geralmente é à noite, então eu vejo quando passa na televisão, então, aí, Grupo Corpo, não sei o quê eu vejo, mas tem coisa que eu não gosto, não.
P – A senhora percebe alguma influência do balé do IV Centenário nessa dança de hoje?
R – Não, não, não, a coisa tá, é o balé contemporâneo, a coisa aí, eu acho que se aproxima muito da, de ginástica, sabe, isso aí eu não gosto, agora, tem uns balés que são tipo o Berjar, então, que bailarino é tudo assim, ele faz assim, mas é bonito, porque tem um fundo clássico, né, tem, aí, então, aí, eu gosto e tem mesmo alguns aqui que quando eu vejo na televisão, esse eu gosto, mas tem outros que... quando é muita ginástica e rolar no chão, ah, eu não...
P – E ninguém da família da senhora seguiu a dança também?
R – Ninguém, é Vera primeira e única, ninguém.
P – Tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de contar?
R – Eu não, eu acho, não sei se serviu prá vocês aquilo que eu contei, se ficou faltando aí da parte pessoal, porque aí a parte pessoal é realmente muito pouco, né, o que da minha vida não tem assim tanta, tanto movimento, né, então, não sei, se você quer perguntar, você mais alguma coisa.
P – Como é que a senhora se sente dando esse depoimento?
R – Eu me senti à vontade, algumas vezes emocionada, sabe, de... porque trás muito, mexe muito com coisa que tá lá e que fica arquivado durante muito tempo, né, não, é muito raro, é que agora foi junto, o nosso encontro no outro domingo, agora aqui falar, então é gostoso e a dança tá sempre dentro de mim, sabe, é uma coisa, uma vez me falaram, Vera, uma vez eu fiz, fizeram prá mim, como é que chama? O mapa astral e a pessoa disse, tudo o que aparecer de dança, faça, porque você, há uma ligação muito grande com a dança, então, as vezes, e é gozado, as vezes, assim, eu fui prá Gramado, aí, tem lá no hotel, uma festa lá tal prá, pros turistas, então, vem buscar as pessoas prá ir dançar lá e me pegam, não sei, parece que tem uma coisa lá, ai, eu vou e eu danço, porque aquele “Põe aqui o seu pezinho”, é comigo mesmo, já três vezes que eu fui prá lá, (RISOS) quatro, três vezes me chamam e são pessoas diferentes, grupos diferentes. Uma vez teve uma festa aqui na Rua Normandia, era Natal, e tinha uma moça lá, é dança, dança do ventre, sei lá, que ela tava lá e ela tirou uma pessoa prá dançar, a pessoa não quis ir, aí, ela veio prá mim, tudo bem, eu fui, aí, eu toda de calça jeans, tinha a malha amarrada aqui e ela, a senhora faz assim com este braço e eu e, aí, no fim, tudo o que ela fez lá eu fiz com tranqüilidade, porque tá em mim, sabe, aí, então, ela agradeceu muito, eu voltei, tinha uma pessoa, porque era, era na rua, aí, as pessoas lá, tudo assistindo, aí, uma pessoa que tava, um homem veio atrás – “a senhora nunca imaginou que sabia dançar assim, né?” – (RISOS) eu disse não, então, veja, falou de dança. Quando foi a inauguração, não, foi uma das noites lá no SESC Belenzinho veio um grupo de João Pessoa, era assim, a quadrilha da fazenda não sei o que e tal, eu digo – “Ih, isso aí deve ser chato, mas vamo lá vê.” – e eu fui, tava com uma colega da secretaria que fotografou tudo prá mim, tal, aí, quando chega no fim, porque primeiro eles dançaram a quadrilha, depois, no fim era a coisa mais linda, um espetáculo, aí, no fim foi eles vestidos de cangaceiros, já era o chachado, então era, foram duas danças que eles fizeram. Eu no começo que tava assim desinteressada, eu acabei sentada na ponta da cadeira, que era uma coisa vibrante, tal, quando chega eles dizem, agora, quem estiver aí que quiser vir dançar com a gente pode descer, eu fui pelo, por cima das cadeiras antes que eu ficasse sem par (RISOS) sabe, eu fui assim, isso foi em 98 e, aí, cheguei lá tinha um camisa toda de cetim, mas ele tava encharcado, porque ele dançou os dois eu cheguei e disse - “Dança comigo?”, ele disse “Danço.” – ele ficou assustado, digo, ele tá pensando que ele pegou uma coroa aí e ele vai ter que carregar um trem, quando chega lá ele, embaixo, no palco, ele nem subiu, porque os outros tavam no palco, aí que ele começou, comecei o chachado, “ah, a senhora sabe”, “sei”, “então vamos subir”, aí, fomos, no fim eles pararam de dançar prá ver, porque apareceu chance, eu adoro, adoro, então. Essa foi a última aventura. (ROSOS) Então já tem coisa aí engraçada prá vocês, né? Então você vê como eu me senti bem, tô tranqüila e é tudo muito agradável.
P – Eu gostaria de agradecer a senhora pela entrevista.
R – Oh, imagine, eu que agradeço a oportunidade.
P – Nós é que agradecemos a oportunidade.
R – Sabe por que? É bom reviver.Recolher