Entrevista de Irani de Fátima Silveira Rocha Forte
Entrevistada por Luiza Gallo e Maria Helena da Cruz
Rafard, 03/10/2022
Projeto: Todo Lugar tem uma História pra Contar – Rafard
Entrevista número: PCSH_HV1366
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Irani, quero te agradecer demais por estar aqui com a gente e, pra gente começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Primeiramente eu que agradeço [por] estar aqui, pela Maria Helena e por vocês também, pelo Museu da Pessoa, que é incrível. Eu me chamo Irani de Fátima Silveira Rocha Forte, sou filha de [Pedro] Silveira Rocha e de Lúcia Martins Rocha, um casal ímpar e que era o amor em pessoa. Eu nunca vi meus pais brigarem. Nunca vi meu pai levantar a voz pra minha mãe, nem a minha mãe retrucar o meu pai. Nunca. Então, só de pensar neles eu já fico, assim, emocionada, porque era mesmo um casal exemplar. Tenho dois irmãos, uma irmã e um irmão, a irmã Eliane e meu irmão, Pedro. Dois filhos: a Luciana e o Maurício. E uma neta, (risos) a Lívia, que é o meu xodó.
P/1 – E que dia você nasceu?
R - Eu nasci dia 22 de março de 1956.
P/1 – Onde?
R – Aqui em Rafard, mesmo.
P/1 – E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Me contaram. Sim, porque como eu falei pra você, o meu pai era de muito escrever, então tudo ele contava pra nós. Porque ele era, foi um historiador. Então tudo ele contava. E o meu nascimento foi em casa, com a Dona Natalina, que é conhecida como Natalina, mas o nome dela é Nadalina e ela que fez os partos de todas as mulheres da época e o meu não poderia ser diferente, né? E ela estava fazendo trabalho de parto da minha mãe e tinha um dentista, que era muito amigo do meu pai, na minha casa, porque eram vizinhos. Ele se chamava Doutor Vítor e a mulher dele Dona Aidé. E os dois estavam na minha casa nessa hora e, quando ela saiu comigo no colo, entregou pro Doutor Vitor em primeiro lugar (risos) e o meu pai ficou muito chateado, pelo fato dele ter pegado primeiro que ele. Então esse é um fato que a gente ria, quando contava, porque até os últimos dias, ele falava: “Fiquei com ciúmes do Doutor Vitor, que ele pegou você primeiro que eu”, mas é essa a coisa mais marcante do meu nascimento. E eu acredito até que eles esperavam um homem, porque eu fui a segunda filha e a minha irmã, Eliane Maria, foi a primeira e eu a segunda. Mas nisso eu ganhei, porque eu ficava o tempo todo com meu pai e com a minha mãe também, que não tenho nem o que falar da minha mãe, mas era o tempo todo com meu pai, porque acho que ele esperava o segundo filho como filho, mesmo e nessa eu conheci tudo que possa pensar e a minha irmã também ele levava, mas eu, tudo ele ficava comigo. Inclusive uma prima minha me falou esses dias: “Irani, você se lembra que seu pai fazia você declamar com cinco anos de idade?” (risos) Falei: “Eu me lembro”. Então, a infância foi bem peculiar, com meu pai e minha mãe muito presentes, bem legal, mesmo. E agora eu só queria dar uma pausinha aqui no assunto, porque eu esqueci de falar que meu filho é casado com a Helena e minha filha com o Roberto, porque senão eles vão ‘puxar minha orelha’, né? (risos)
P/1 – A gente vai chegar neles.
R – Ah, tá. Então, tá bom.
P/1 – Irani, você pode descrever um pouco da sua mãe, como era o jeito dela?
R – Nossa, minha mãe era um sonho, quem conheceu, de verdade. Se você perguntar pra algumas pessoas aí, antigas, quem a conheceu era, de acordo com todos, muito linda. Ela não era daqui de Rafard, ela era de Porto Feliz e então ela era uma pessoa muito linda, muito simpática, muito bem arrumada, sabe? Então, perto das vizinhas, ela era tida assim como a chique. Em Rafard todo mundo saía de qualquer jeito, até hoje, de chinelo, coisas assim. E ela nunca foi assim, sabe? E, apesar disso, ela era muito querida, até hoje ela é lembrada, todos os dias alguém lembra dela. É incrível! Eu não entendo isso. Todos os dias alguém lembra dela. Então foi uma pessoa muito querida, sofreu muito, com 42 anos ela já ficou doente, mas não deixou ‘cair a bandeira’ e conseguiu viver pelo menos até 64 anos. Mas sempre foi assim, incrível. Era uma costureira de alta categoria, era muito legal. A filha é suspeita de falar, mas se alguém falasse, você ia ouvir a mesma coisa. (risos)
P/1 – Irani, eu queria saber se você lembra de alguma história, de algum momento muito marcante com a sua mãe, na infância?
R – Então, a minha vida com a minha mãe foi muito marcante, sempre. Por exemplo: ela cantava muito... nunca cantou fora, nada disso, mas em casa. Então, ela cantava, eu cantava junto, a minha irmã cantava junto. O rádio estava tocando, ela estava dançando com meu pai, eu estava dançando junto. Ela, por exemplo, parava de fazer tudo que ela estava fazendo e ia ajudar a gente a montar casinha, que a gente brincava de casinha. Arrumava tudo direitinho, pra gente. E dava oportunidade pra fazer as coisas. Então eu brincava de boneca, por exemplo, ela me deixava fazer mingauzinho pra boneca. Ela sempre me incentivou, em tudo. Então, por exemplo, nos carnavais de criança, eu me lembro bem: cada carnaval era uma fantasia, porque ela fabricava, fazia as fantasias pra nós irmos dançar. Então, foi assim o tempo todo, muito presente, desde pequena, até depois que eu me casei, porque eu ia todos os dias almoçar lá na casa dela, jantava na casa dela. Enfim, tudo com ela. Então, foi uma vida muito boa, muito boa. Por isso que a falta dela é muito grande até hoje, porque foi muito presente. Eu falo que eu agradeço muito pelos pais que eu tive, porque não foram muitas pessoas que tiveram pais como eu tive, porque a minha mãe foi especial e meu pai também, muito especial como pai. Então, essa lembrança deixa a gente contente, porque não é qualquer um, não, que tem esse tipo de lembrança.
P/1 – E seu pai, como era o jeito dele na família?
R – Como a minha mãe, sempre muito gentil, mas sempre muito firme. Vamos ver aí o que vocês acham de ficar ou não nisso, (risos) mas por exemplo: ele sempre... a minha mãe, com sete anos, sentou-se com a gente e explicou que a gente ia ter menstruação, bebê, entendeu? Mãe nenhuma, na época, fazia isso. E o meu pai também conversava com a gente. Inclusive ele tinha um livro, que se chamava Educação Sexual, ele deixava na estante (risos) e escreveu educação sexual e falava assim: “Irani, não é pra mexer aqui, tá?” (risos) “Tá, pai, pode deixar, não vou”. Eu convidava as minhas amigas, (risos) tirava o livro da estante, íamos num quarto, escondido, lá e ia ver o livro. (risos) Então, veja: um pai que era muito especial. Ele contava história todo dia. Eu até já comentei isso com algumas pessoas do museu, que ele tinha hora pra gente ler, a gente tinha que lavar as mãos pra ler, por exemplo, uma coleção de livros, na época, muito boa, que era Tesouro da Juventude, então a gente tinha que lavar as mãos, virar as páginas de cima pra baixo, não assim. Histórias maravilhosas e lá abordava tudo, era uma enciclopédia, então ficamos por dentro de tudo, nós tínhamos livrinhos de histórias, muitos, que ele comprava pra gente. Então tudo isso foi uma coisa porque meu pai era especial. Porque hoje ainda os pais não fazem isso, infelizmente. Então foi uma infância e uma juventude maravilhosa e ele falava bem assim pra mim: “Presta atenção, Irani: você vai namorar, mas olha o que você vai fazer. Uma mulher, quando se entrega, vai ficar falada, então veja bem. O seu namorado vai sair de perto de você e vai comentar com os amigos dele o que fez com você”. Então apesar dele ser tudo assim, a gente... quando eu namorava, se eu pensasse que ele estava perto da gente, eu já soltava a mão, porque não podia. Mas tudo isso ele conseguiu por quê? Porque ele soube falar comigo, com a minha irmã. Não que nós não pegássemos na mão ou coisa assim, mas perto dele tinha que ter respeito e não que ele fosse ‘durão’, porque todo mundo que o conheceu sabia que ele não era, mas ele soube direcionar a gente pra tudo. Mesmo pro estudo, pra tudo.
P/1 – E quando chegou seu irmão?
R – Nossa! Aí foi a festa, porque foram oito anos depois. Então você imagina como ele se sentiu, porque meu pai se casou ‘velho’ entre aspas pra época, 32 anos e aí teve meu irmão, depois de mim, oito anos depois. Então ele já era, vamos considerar assim, velho, né? Eu falo que a visão do idoso, do velho, é melhor, de mais amor, mais concessão. Então, no caso dele, imagina como foi com meu irmão! Mas ele não deixou de dar amor pra nós, não. Nem um pouquinho. O que ele fez de poesias pra minha irmã, fez pra mim e pro meu irmão.
P/1 – Você lembra de alguma?
R – Não. De cor eu não sei. Eu tenho, inclusive, as poesias, eu trouxe pra você ver, mas de cor eu não sei nenhuma. Nunca soube, porque eram longas, então... agora, uma, se eu não estou fazendo confusão aí, era... agora eu não vou lembrar. Então, foi assim. A juventude, o casamento, tudo foi muito bom, com ele e com ela. Graças a Deus ela estava ainda aí quando eu me casei, quando eu tive o meu filho, então foi muito prazeroso esses dois pais, essa mãe e esse pai foram simplesmente incríveis. E não que eu fosse boazinha, não. Eu apanhava, eu era sapeca, moleque, nunca fui assentadinha, bonitinha. Não, eu ia na rua, jogava bolinha de gude com os meus amigos, brincava de Casamento Chinês com as minhas amigas. (risos) Casamento Chinês, na época, escolhia, por exemplo: o que você quer? Um beijo, um abraço, só um beijo de longe. Criança de sete anos, brincava na rua, (risos) então já tinha também a malandragem, mas foi muito bom. Ele vinha, me puxava a orelha sim, ficava bravo sim, mas não era o que é hoje, que tem que ir no psicólogo porque apanhou, (risos) porque a mãe ficou brava. Não era assim, não. Era tudo com muito amor. Eu sentia que eles me amavam e eu fazia chantagem com meu pai, porque ele acabou vivendo vinte anos na minha casa e eu falava: “Pai, não adianta, o senhor gosta mais de mim, né?” (risos) E ele falava assim: “Filha, não fale isso, pelo amor de Deus! Eu gosto dos três igualzinho. Você não gosta dos seus filhos?” Mas era pra atormentá-lo. Eu falava que ele gostava mais de mim, porque ele morava comigo. (risos) Mas foi assim e, assim, quando eu estava trabalhando, por exemplo, eu ficava na parte de baixo lá da minha casa e ele me falava assim... descia dez horas da noite lá e falava: “Filha, você não quer que eu traga um copo de leite pra você?” Isso ele já tinha oitenta e ‘lá vai pedra’, noventa anos.
P/1 – Uau!
R – Uau! Ele foi, de fato, muito especial. Se eu fosse ficar falando aqui, eram lembranças incríveis: ele pegava a gente de sábado, domingo ou feriado, minhas amigas iam juntas, elas podiam estar sempre juntas, a minha irmã, na época não tinha meu irmão ainda e íamos andar a pé pelas fazendas e ele contando as histórias da fazenda e nos mostrando o que tinha Rafard, como era: “Essa fazenda é assim, começou em tal época, foi comprada pela usina e tal”, desde quando eu era menina. Então,foi mesmo bem gostoso. Pegava folha, falava: “Essa folha é assim”, explicava. Pegava, por exemplo, na época umas sementes redondas, que eu não me lembro o nome, mas ensinava a gente a jogar taco, a mamãe me ensinava a jogar taco. Então era tudo muito – e no meio da estrada, sabe assim? – gostoso.
P/1 – Irani, qual é a história deles? Sua mãe era costureira. E seu pai?
R – Pra começar mesmo a história deles foi assim: meu pai tinha 32 anos, eu tive oportunidade de conversar com algumas pessoas que o conheciam, ele era bonito também, muito bonito, galã, meio assim, sabe, (risos) com as mulheres, mas ele ainda não tinha... namoro firme, enfim, mas ele não achava hora pra casar. Enrolava e não casava, (risos) essa era a verdade. E teve uma festa aqui em Rafard, na época que eles eram jovens e a minha mãe veio, porque ela tinha parente aqui. Ela era de Porto Feliz, como eu já falei e ele estava na janela da casa dele, com a mãe dele, que ele era um filho também incrível. Aí ele viu a minha mãe passar com as amigas e a prima e ele falou pra minha avó assim: “Eu vou me casar com essa moça”. Parece mentira, né? Mas foi verdade. Minha avó falou: “Ah, Pedrinho, para de falar bobagem! Como você vai casar com ela, se você nem a conhece?” (risos) “Então espere pra ver, mãe, se eu não vou me casar com ela”. Depois de um ano eles estavam casados. Incrível! Ele saiu depois, da janela, aqui em Rafard tinha uma rua do vai e vem, que os jovens iam, que você já deve ter ouvido isso e ele, nesse vai e vem, olhou muito pra ela, ela correspondeu e trocaram olhar. A minha mãe namorava, nessa época, só que antigamente era um namoro diferente de hoje, não era tão chegado, então ela veio pra essa festa e já fazia três anos que ela namorava esse moço, inclusive era um médico de Porto Feliz. E ela chegou na casa dela, terminou com ele, sem conversar com meu pai. E percebeu que não era ele que ela queria. E esperou. Aí um dia, depois de uma semana ou duas, ele foi pra Porto Feliz, alguém avisou a minha mãe que ele iria, ela morava na fazenda e se encontraram e a partir dali começaram a namorar. E a minha ‘nonna’ falou pra ela, que a minha avó era do meu pai, a minha ‘nonna’ era da minha mãe (risos): “Você está louca! É um poeta. Poeta tem futuro? (risos) Então veja bem o que você vai fazer, Lucia! Veja bem!” Ela falou pra minha ‘nonna’: “Mãe, claro que eu sei o que eu estou fazendo, eu não quero mais o meu namorado”. Então, foi uma história surreal, né?
P/1 – Linda!
R – Linda, linda. É uma história muito bonita e eles se casaram e eu acredito que foram felizes juntos, porque eles iam em festas, dançavam. Como eu falei, eu não vi nunca, não é mentira isso que eu estou falando: nós nunca vimos...
P/2 – Sempre juntos, né?
R – Sempre juntos. Eu nunca os vi brigando. Então, tinha que ser bem, né? Porque hoje em dia a gente sempre fala, ‘dá uma’ pro marido, fica meio brava e os filhos vêem. Com ela eu não vi isso, nem com ele.
P/2 – Ela saía assim, na rua, na calçada _____. Era sempre impecável. O pessoal estava falando: “Olha só a Lucia, olha como ela é linda!” Sempre bem arrumada e sempre aquele sorriso na boca, ela deixa as pessoas atraídas pelo sorriso dela.
P/1 – E aí, quando eles se casaram, ela veio morar em Rafard?
R – Veio morar aqui em Rafard, com a sogra. Saiu de uma vida bem tranquila e veio morar com a sogra, meu pai funcionário público, nunca foi de ter um ganho alto e pra poder... como fala?... complementar a renda, ele, desde pequeninho, com nove anos, ele já começou a cortar cabelo, porque aqui em Rafard tinha um barbeiro que se tornou amigo dele e ensinou. No caso ele chamava ‘seu’ Bert, então ele ensinou meu pai e meu pai não deixou de cortar, mesmo depois, até bem velho, já, com setenta anos, tinha os que iam lá em casa, já nem tinha mais barbearia, nada e ele cortava o cabelo. Então...
P/2 – Inclusive meu pai cortava o cabelo só com o ‘seu’ Pedrinho.
R – É. Então, ele foi assim. (risos)
P/1 – E seu pai não nasceu aqui?
R – Não nasceu. Ele nasceu em Piracicaba e com quatorze anos ele veio pra cá. Só que ele conhecia o ‘seu’ Bert(?) de nome, enfim. Aí o pai faleceu e ele teve que vir pra cá, porque a minha avó, na época, tinha muitos filhos e não conseguiria cuidar de todos e o meu tio trabalhava como chefe da estação, aqui em Rafard. Então ela veio pra morar com todos os filhos e o meu tio que começou a manter a casa e aí meu pai já começou a trabalhar, minhas tias também, cada um já foi... pra poder viver, né? Então foi assim. E a partir daí, já com dezesseis, dezessete anos, meu pai já começou a escrever versos, foi um autodidata, porque na verdade ele foi até o quarto ano de Grupo, chamava Grupo o Ensino Fundamental I, mas ele não terminou, pela dificuldade que teve. Com quatorze anos ele mudou pra cá, então e lá em Piracicaba tinha muita dificuldade, ele deixou de estudar oficialmente, mas sempre se interessou por leitura, por livros e ele foi considerado autodidata, porque nos livros dele, que tem mais de dez, ele não tem um erro de português, de concordância e o que você conversasse com ele, ele sabia sobre o assunto. Sem ter internet. (risos) Sem ter televisão. Porque lia muito, muito. Então nos intervalos da vida dele era leitura e escrita. Então era o dia todo escrevendo, quando não estava no trabalho e quando não estava na barbearia. E quando ele estava na barbearia e não tinha ninguém, ele estava escrevendo e lendo. Então eu acho que foi... quando a gente é criança, ou então jovem, a gente não percebe quanto incrível ele foi, porque você estudar sozinho não é pra qualquer um e ele acabou editando os livros, fazendo parte da Academia Piracicabana de Letras, de vários, do Clube dos Escritores, enfim, pra gente ver quanto ele fez por ele mesmo.
P/2 – No fim ele se tornou cidadão rafardense.
R – Sim. Ele recebeu o título de cidadão rafardense. Por tudo que ele fez, porque ele participava de toda a vida social de Rafard, em questão de apresentação das coisas, de discurso pra homenagear pessoas, inaugurações, enfim, ele estava em tudo, pela oratória dele. Ele tinha muita facilidade da fala, da escrita. Então ele estava em todas e graças a Deus ele foi reconhecido.
P/1 – Irani, você sabe o que fez com que ele se encantasse por Rafard?
R – Eu acho que o que fez ele se encantar por Rafard é o povo. Mas eu acho que também, pela leitura que ele teve, de outros lugares, e o encantamento que ele teve por Rafard era sempre pra ver Rafard melhorar. Tudo ele pensava e, se você vê os escritos dele, no jornal, sempre ele dava ideias pra que os governantes fizessem alguma coisa, pra Rafard ser melhor. Então o encantamento dele eu acredito que deve ter vindo da leitura que ele teve, de cidades históricas, internacionais, na França, na Itália, porque ele sabia tudo disso e ele percebia a importância. Então eu acho que o que mais fez ele gostar foi o povo rafardense, que é muito amigo, sempre foi, sempre apoiam todo mundo e as leituras que ele teve, com certeza. Eu acho que foi isso. E a minha mãe (risos) se apaixonou por Rafard por causa dele. (risos)
P/1 – E tem algum... você se recorda de algum momento muito importante ou algum grande feito dele, que você queira destacar?
R – Então, ele teve muitos em Rafard, mas eu acho que o que ficou, mesmo, foi a construção do Centro Cívico Cultural Major Pires de Campos, que ele era amigo do Vinicius Stein, era amigo dele mesmo, de ir lá em casa, que também era historiador e ele, conversando com esse amigo, o amigo falou: “Olha, eu precisaria… a gente gostaria de fazer um asilo aqui em Rafard, alguma coisa pra marcar o nome da minha família aqui em Rafard”. Meu pai falou: “Tudo bem, vamos atrás, ver quem pode doar as terras”. E eles foram conversar com umas pessoas, mas não se interessaram, não doaram, enfim, não deu certo. Aí na conversa, meu pai falou: “Mas Vinicius” – ele chamava Vinicius Stein – “vamos fazer um museu aqui em Rafard, alguma coisa, biblioteca, um centro cívico”. Ele falou: “Pedrinho, valeu a ideia. Eu vou falar com meu irmão, vamos ver se ele faz aí a construção pra Rafard”. E ele foi, na outra semana já estava liberado. Ele conseguiu com o prefeito Heitor Turolla o apoio, porque ele poderia não aceitar, falar: “Não, não me interessa” e o ‘seu’ Heitor também ‘caiu de cabeça’ nessa e a usina doou as terras e foi construído o Centro Cultural, que é esse que nós estamos, nesse momento. Então eu acho que o maior feito foi esse. Além dele fazer tudo sobre o museu: foi ele que montou, catalogou, foi atrás de fazer a arrecadação das peças, a biblioteca a mesma coisa. Então inclusive, o museu não iniciou-se aqui. Iniciou lá embaixo, perto da Praça da Bandeira, numa casa da usina e depois que a ideia o ‘seu’ Vinicius ‘amadureceu’, passou pra cá. Mas estava começando algumas coisinhas pelo meu pai, na frente. Então a gente viu isso, eu principalmente, que a minha irmã já é mais distanciada disso, (risos) mas eu estava presente em tudo. Então eu acho que o maior feito dele foi esse, além de escrever o livro de Rafard. Do livro não tem o que falar, porque é a história de Rafard, desde o início, desde a pedra (risos) assentada da usina, que foi o marco do início de Rafard, até os dias de 1984, que foi o que ele registrou, mas no livro tem até 1987, que foi a época do lançamento do livro. Esse livro é único em Rafard, não tem outro que tenha feito a história da cidade, só ele que escreveu, então é uma coisa assim, um orgulho pra mim, muito grande, porque onde você vê alguma coisa sobre Rafard, pode olhar lá no livro, que está lá, que foi autoria de meu pai, através de muita pesquisa, muita força de vontade, de ir atrás de patrocínio pra conseguir editar. A prefeitura ajudou, a usina ajudou e outras entidades ajudaram, mas ele teve que ir atrás de tudo, né? Então foi letrinha por letrinha, à mão e à máquina, ali. Então, foi uma coisa assim, incrível nós termos aqui a história de Rafard, por um autodidata. É um feito, eu acho, incrível, que Rafard tem que se orgulhar, mesmo e eu estou lutando pra que isso aconteça, porque as pessoas, normalmente, não dão importância pra cultura. Só que é como eu falo sempre: “Quem não conhece o passado, não sabe viver o presente e não sabe planejar o futuro, porque não sabe como aconteceu tudo”. Então eu preciso conhecer o passado, pra eu viver bem o presente. Então, isso Rafard deve ao meu pai. O passado só existe em Rafard, porque meu pai foi ousado em escrever a história da nossa cidade. Então além da construção, que deveria estar imortalizando objetos e fotografias e coisas assim da cidade, que hoje já não está mais, (risos) está fechado o museu hoje, tem o livro do meu pai, que não é um só. Depois desse, que ele fez a história social e política de Rafard, ainda ele escreveu Rafard - Cidade Coração, em dois volumes, também todo da história, só que aí eram, foram reportagens, crônicas, escritos em jornal, que ele separou e tornou livro. Então é muito gratificante falar isso e saber que meu pai fez tudo isso.
P/1 – Queria que você contasse pra gente um pouquinho da sua infância, de como era esse momento com seu pai contando sobre a cidade, que recordações você tem dessa época? Pensando na cidade, o que mudou pra hoje.
R – Então, Rafard mudou muito e ao mesmo tempo mudou pouco, em questão de rua onde eu vivi, que é a Maurício Allain a principal e a pracinha da Bandeira, que é a Praça da Bandeira, que foi aí que eu mais vivi. Então se a gente for ver, não mudou muito, apesar de estar com asfalto hoje e tudo mais, continua mais ou menos igual, mas em questão de vida social, de clubes, tudo mudou demais. Rafard tinha dois, três clubes ao mesmo tempo. Hoje não tem nenhum. Teve cinema, que meu pai pegava nas nossas mãos e nos levava até o cinema pra assistir série do jogo de segunda-feira, filmes maravilhosos, que eram... nossa! Só tinha cinema, na época não tinha quase televisão, não eram todos que tinham, então a gente frequentava muito cinema, hoje não existe mais. Tinha futebol, no caso, na época do meu pai, dois times: União e Elite, que eu não conheci, mas que os dois juntos se tornaram RCA, que aí eu já vivi. Menina, mas eu me lembro muito bem. Desse RCA tinha uma sede na Mauricio Allain mesmo e nessa sede, além de jogos de bocha, baralho, coisas assim, tinha o salão onde os jovens dançavam e eu cheguei a dançar nesse lugar. (risos) Com disco de vinil, mas foi muito legal. Então da infância, também, porque, como eu falei, eu ia ao cinema, brincava no jardim o tempo todo e nós ficávamos na rua até dez horas da noite. Até 22 horas a gente ficava na rua, brincando! O tempo todo brincando com todos da rua, meninas e meninos. Aí o meu pai dava um assobio, dez horas da noite, a gente vinha correndo, que já sabia que tinha acabado a brincadeira, mas era muito gostoso. Tinha, pra lembrar bem, que as pessoas que vão ouvir, da minha época, vão se lembrar também: os amigos que faziam cineminha e, pra entrar, você tinha que pagar com um palito de fósforo. (risos) A gente pagava lá com palito, três, quatro, dez, dependia (risos) do filme que ia passar, ou do teatrinho. Não, mentira, não era teatro, circo que ia ter na casa do amigo, a gente pagava, então a gente dava os fósforos pra os pais, porque acendiam os fogões, mesmo a lenha, ou a gás, com fósforo, porque não era automático, como é hoje. Então cobrava-se o fósforo. (risos) Então, todos os dias tinha alguma coisa pra fazer e, na época, a gente estudava, fazia a lição muito rápido e ia brincar e ficava até às dez da noite. Se a gente estudasse à tarde, chegava em casa, jogava a bolsa, que na época era bolsa. ‘Jogava’ entre aspas, porque minha mãe saía atrás de mim e falava: “Irani, e a bolsa?” Eu ia lá e punha no lugar (risos) e ia brincar. Então, foi uma época muito boa, muito boa, muito boa. De juventude mais ainda, né, no caso, porque a gente lembra até mais da juventude, mas a infância foi muito boa. Brincava de casinha e boneca e minhas professoras eram, foram incríveis pra mim e eu era, vamos dizer assim, a ‘puxa saco’ da professora, porque eu adorava as minhas professoras. Elas chegavam a me levar na casa delas, porque não moravam aqui, só uma que morava aqui, as outras moravam em Capivari, vinham de ônibus, a gente ia até o ponto de ônibus, pegava a bolsa delas e levava até a escola, recebia o beijo delas e eu brincava de casinha com a minha amiga Sueli Groppo, no caso e a minha amiga Cida Fabrício, Aparecida Fabrício e nós colocávamos os nomes em nós, da professora e eu era a Leonice, que era a professora mais bonita que eu achava, mais maravilhosa. (risos) Então, foi uma época linda, até os dez anos, bem de sonho. E eu adorava estudar e ajudava a professora sempre. E também não tirava nota boa de comportamento, (risos) porque eu conversava muito, que dá pra ver que eu sou falante e eu tirava a nota mínima, cinco de comportamento, dez nas outras... dez não, minto, cem, era cem. Eu tenho até um boletim, até hoje, daquela época, tenho meu caderno de primeiro ano (risos) até hoje e eu tirava cinco e eu falava: “Mas dona” – na época era dona – “por que você deu cinco pra mim?” “Porque você não para de falar!” (risos) Então, a de trás, a dos lados, a da frente cutucava, (risos) enfim, mas foi tudo muito bom. Só a saudade ótima, não tive nada que pudesse falar: “Mas qual foi a tristeza que você teve?” Claro que teve as perdas da minha ‘nonna’, não da minha avó, que da minha avó eu me lembro. Teve algumas perdas, mas não quando eu era criança, mesmo. Então, eu não tive tristeza, só tive alegria, graças a Deus!
P/1 – Quer fazer alguma pergunta?
P/2 – A pergunta é que a gente conheceu a família dela, desde criança, que meu pai sempre ia cortar o cabelo lá na barbearia dele e eu achava o pai dela uma pessoa muito culta, quando ele fazia...
R – Os discursos.
P/2 - ... os discursos com as autoridades, então eu ficava olhando-o e tudo isso eu fui aprendendo um pouco do que ele...
R – Com ele.
P/2 - ... com ele. Eu fui aprendendo com ele.
R – E eu agradeço a você dar tanta importância pra ele, né?
P/2 – Eu vou na missa, leio na missa a leitura, então eu sempre procuro ler na mais perfeita harmonia, pra que a comunidade possa entender a importância da leitura, né? Acho que você já me viu lendo, né?
R – Sim, já vi, lógico que já vi. Ô!
P/2 – Então, eu sempre gostei do pai dela, dessas apresentações. Eu gosto muito dessas coisas, sabe? Me faz muito feliz.
P/1 – Irani, eu queria te perguntar: nessa época da infância você pensava o que você queria ser quando crescesse?
R – Eu pensava. Várias coisas.
P/1 – Quais são?
R – Tudo que me iludia, eu gostava. Então uma das coisas era ser aeromoça, que na época era aeromoça que dava o nome, não era como é hoje, que eu até me esqueci o que é.
P/1 – Comissária?
R – Comissária de bordo. Então eu queria ser aeromoça, porque elas eram bonitas, elegantes, tudo, então eu queria ser aeromoça. Depois eu queria ser empresária. Olha se pode! Já naquela época eu queria ser empresária! Então eu brincava de vendas, de escritório, já naquela época. E no fim eu me tornei professora. (risos) Brinquei muito de escolinha, mas eu não pensava em ser professora. E a vida acho que encaminha pra o que a gente deve ser, sei lá. As escolhas que a gente faz na vida. E uma das escolhas foi ser professora, mas antes de ser professora eu fui visitadora sanitária, na época era um cargo do Centro de Saúde. Com dezenove anos eu fui essa visitadora sanitária, que cuidava da parte de fazer o esclarecimento das doenças que são contagiosas: hanseníase, tuberculose. Fiz muitos cursos disso, fiz o concurso, passei e os meus ingressos todos foram em Mumbuca, nenhum aqui em Rafard. Eu comecei de inspetora de alunos, com dezessete anos eu fiz o concurso, com dezoito eu ingressei em Mumbuca, como inspetora de alunos, então na educação. Aí o cargo de visitadora sanitária era bem maior, o salário maior, então eu fui fazer o concurso, passei novamente, onde era a vaga? Mumbuca. (risos) Trabalhei no Centro de Saúde de lá, fazendo a parte de visitadora sanitária, que não visitava, na verdade. Só visitava quando alguém vinha e falava: “Alguém deve estar doente lá”, pra gente orientar sobre vacinas, as doenças, as contagiosas principalmente, que tinha que tomar cuidado, orientava, mas sempre acabava sendo dentro do Centro de Saúde mesmo. Aí apareceu o concurso novamente, de professora. Outro concurso, né? Fiz novamente. Passei. Continuei como visitadora durante seis anos. Passei nesse concurso, escute bem. Surgiu outro concurso de professora, fiz novamente. Passei novamente, estadual. O concurso anterior me chamou - não só, lógico, quem ainda estava na lista – na época. Eu tinha o concurso novo, fui chamada pelo velho, olha só! O estado acho que ajeitou, deu pra alguém, não sei (risos) e eu saí ganhando também, entre outras, lógico, daqui. Quando ingressei: Mumbuca. (risos) E logo em seguida eu já fui pra Fazenda Pau a Pique, aqui em Capivari, dando aula pra três séries juntas que, naquela época, era multisseriada, tanto dava aula pro primeiro, segundo e terceiro ano juntos, repartia a lousa. E aí, como é que eu fiz? Eu estava ligada à Saúde. Acho que meu pai também me influenciava, eu lia muito, estava sempre ‘ligada’ nas coisas, mas pra eu ser professora, eu fui bater na porta de algumas professoras aqui em Rafard pra saber como se falava com os alunos, fui, perguntei qual vocabulário eu usava, enfim, não entrei na sala de aula zero, por que o que aconteceu? Durante o meu curso de Magistério, quando chegou a minha vez de dar a aula, eu me programei totalmente, com aquele medo, aquela preocupação, acabou o ano e então eu não dei aula. (risos) Eu fui fazer estágio, mas eu não dei aula. E aí eu fiquei preocupada, falei: “Eu preciso ir”. E eu acho que isso é uma coisa que deve ser falada, por quê? Porque hoje eu me engrandeço por isso. Por quê? Porque a gente precisa aprender. E foi o que eu fui fazer. Eu fui aprender a dar aula com as professoras daqui de Rafard. E aí eu continuei, com muito prazer, porque as crianças são incríveis, são tudo pra gente, é o que faz com que a professora continue e aí foram 42 anos de trabalho, pra depois eu me aposentar. Então, foi uma vida bem cheia de coisas, mas tudo valeu a pena.
P/1 – Irani, nessa de perguntar pras professoras, você lembra de alguma - o que ela te disse - história marcante?
R – Sim. Eu me lembro, por exemplo, que uma delas, agora não vou citar o nome, porque eu não sei exatamente qual delas foi, mas eu me lembro muito bem, porque me marcou. Então, no caso da alfabetização, família silábica. Então eu conhecia as sílabas. Na minha época não se falava família silábica. Quando eu comecei a dar aula, já se falava em família silábica. A letra maiúscula era a letra ‘mamãe’, a letra minúscula a letra ‘filhinha’. Pros alunos irem se familiarizando com a escrita, falando: “Olha, é a letra ‘mamãe’, lembra? Letra ‘filhinha’. A letra ‘mamãe’ inicia frases”. E assim foi. Então, muitas coisas foram assim que eu aprendi. E aí, graças a Deus, com muito estudo, com muitas coisas, a gente vai evoluindo e, na escola, no estado, tudo tem muita reciclagem, a gente faz muita aprendizagem, sempre cursos, muitos cursos e aí, graças a Deus, eu me dei bem como professora. Inclusive agora eu vou jogar um pouco de falsa modéstia, não vou ter modéstia nenhuma: eu ganhei essa medalha da Alegria de Crescer, da Escola EAC, pelos feitos como professora. Eu ganhei uma medalha de ouro com o símbolo da escola. Então foi legal. Eu acho que eu marquei um ponto, né? (risos) Então, é isso.
P/1 – E, ao longo da sua carreira como professora, teve algum ou alguns alunos que você se recorda muito?
R – Olha, todos eu me recordo, mas professora, infelizmente, é assim: ou ela se recorda do muito quieto e do muito sapequinha e o meio fica meio esquecido, ou então ela esquece de todos. Pode ver, professora: “Você foi meu aluno?” E graças a Deus eu não esqueci, mas as que mais me marcaram foram exatamente os que se sobressaíram de tão quietinhos e os que se sobressaíram por serem muito ativos, muito estudiosos, muito dedicado ao estudo e os que, de fato, bagunçavam muito e chegaram a brigar comigo mesmo, porque eu exigia silêncio, enfim, eu não fui considerada professora boazinha. Eu não fui, não. Mas eu fazia questão que os meus alunos aprendessem. Eles tinham que aprender. Eu não admitia que não aprendessem. Então eu precisava ficar lutando por isso. E, graças a Deus, os meus alunos, pelo menos os que eu encontro, estão tendo uma vida profissional boa e não só profissional, porque não adianta só profissional. A vida íntima deles, em particular, também tem que ser boa, né? Porque quem não tem uma vida boa dentro de casa, não vai ter uma vida profissional boa, por melhor que seja. Então a família é a base. Eu percebo que os meus alunos estão aí, os meus mesmo, que já estão com trinta, trinta e pouco, com filho no colo, enfim, mas eu recordo muito deles, demais. Os que se sobressaíram em Matemática, por exemplo, que você falava: “Ai, professora, eu já fiz”. Na hora. Alunos que hoje a gente tem a parte da internet, que mostra os superdotados, na televisão, enfim, eu acredito que esses foram superdotados. Mas esses superdotados, veja bem, que isso aqui sirva de exemplo pra alguém, se vier a ouvir: os pais estavam atrás. Então nenhum filho vai ser superdotado, se ele não tiver oportunidade pra se desenvolver. Então, eu tive, acredito, muitos superdotados e também os que precisavam de ajuda, mas que deram ‘conta do recado’ certinho e o quietinho, que eu nunca ouvia a voz. E um dia eu estive numa reunião de pais, bem no final de carreira, eu estava numa reunião, eu fazendo, entrou um moço, me cumprimentou: “Boa noite”, foi à noite, aí ele veio e falou assim: “Professora, a senhora lembra de mim?” Eu falei: “Eu não acredito. Você é aquele que não falava? E hoje você fala?” (risos) Aí ele falou: “Não falo, professora, eu estou falando com a senhora, mas eu não falo até hoje”. (risos) Então, ele era quietinho mesmo e ficou quieto até, mas ele veio falar comigo e eu me lembrei dele exatamente por isso, porque era muito quietinho, muito inteligente. Então, tem muitas histórias. Professor, todo ano tem história pra contar. Mas eu tenho uns doutores aí, que já estão se sobressaindo. Tive, né? E que ainda eles se lembram de mim, por tudo que a gente fez e uma das alunas falou: “Professora” - encontrou comigo na relojoaria, um dia – “a senhora não acredita”. Eu falei: “O quê?” Ela falou: “O vestibular eu consegui, porque eu lembrava da senhora falando as regras de acentuação, quais eram. Por isso que eu lembrava da senhora, falando uma musiquinha, não sei o quê”. Então, é gostoso ouvir, né? Foi muito bom. Aí eu fui da Pau a Pique, vim já pro Aldo Silveira e acabei me aposentando aí, do estado. ‘Aí’ entre aspas, né? Não dei mais aula no estado, porque teve as mudanças, a municipalização do ensino, aí eu fiquei por aqui mesmo, o meu cargo acabou indo pra Monte Mor e eu continuei aqui, por causa da municipalização do ensino, foi uma época terrível pros professores, mas hoje é melhor a municipalização, porque a prefeitura fica direto, olhando tudo. E naquela época era meio de longe o que acontecia. Mas eu me aposentei no Aldo Silveira, aqui num bairro, vamos dizer, de periferia, com muitos problemas sociais e que os alunos, dentro da sala de aula, não deixavam transparecer. Não sei se eu ajudava nisso, ou eles mesmo, mas sempre tem casos pra contar. Casos até que tristes, pela fome, inclusive, mas ao mesmo tempo foi muito bom, porque eu até comentei com a minha filha, ontem, falei: “Luciana, eu me lembro de uma mãe analfabeta, que foi mãe de um aluno meu, sentava com o filho pra fazer lição e falava: ‘E esse, agora? Você precisa fazer esse. Olha, lê pra mamãe que eu vou te ajudar’. Quer dizer: analfabeta, ajudando o filho. Hoje, como é que tem? Mães trabalhando, trabalhando, trabalhando. Os filhos em escolas particulares, ou em escola pública, fazendo de tudo - a ‘escola’, entre aspas, tem as que não são assim – pra dar nota pro aluno, não querendo muito aprendizagem, conhecimento, né? Então, essa parte é a triste, da educação. Mas é isso.
P/1 – E nesses anos teve algum projeto muito marcante pra você?
R – Então, eu dei aula no Silveira e numa escola particular, EAC, ela tem esse nome porque é a Escola Alegria de Crescer. Então esse crescer é bem assim, com vários significados. Crescer (risos) a criança entra no maternal e cresce, pra sair de lá, e crescimento em conhecimento. E eu tive a sorte de trabalhar nessa escola, que foi uma aprendizagem incrível e desenvolvi vários projetos. Todo ano a escola, até hoje, lança um projeto e os professores têm que desenvolver. Um deles, entre muitos que eu adorei fazer, o que mais marcou, pelo fato de abordar a cidade, entre outros que eu também abordei, mas esse foi o principal e os meus alunos de quinto ano deram nomes às ruas do bairro Santa Tereza D’Ávila, de Capivari. Então foi um projeto maravilhoso, porque não foi apenas dar um nome pras ruas do bairro, foi um estudo completo, em tudo. Então o projeto todo envolvia todas as matérias. Então, foi uma coisa incrível e eles deram nome de Rua da Felicidade, Rua do Amor, Rua da Piedade, enfim, muitos nomes, porque nós estudamos anteriormente um poema do Manuel Bandeira, que é Evocação ao Recife e lá falava que era a Rua do Amor, Rua do Sol, Rua do Pôr do Sol, Rua da Igreja. Então tinha nome. Então ‘embarcamos’ nessa, eu e meus alunos, principalmente, porque eles ‘toparam’ e fomos desenvolvendo e conseguimos concretizar, através de ofício pro presidente da Câmara, os alunos fazendo ofício, um aluno sendo orador, ocupando a tribuna. Enfim, foi assim, incrível, e os vereadores, porque teve a exposição para os vereadores, como seria, com os pais presentes, as crianças, todo mundo torcendo pra que passasse na votação dos vereadores e todos foram unanimidade, votaram a favor do projeto e conseguimos concretizar isso com inauguração, não nossa, lógico, do estado, porque era um bairro popular, de casas populares e de pessoas que, inclusive, as casas populares não foram dadas, mas como a gente pode falar? Vendidas, porque eles têm que pagar, lógico, pras pessoas que sofreram pela enchente. Então eram pessoas que foram sofridas e receberam aquela casa e numa rua de nome especial. Rua da Felicidade, por exemplo, quem não gosta? Rua da Honestidade, quem não gosta? E foi assim. Então, foi um projeto incrível, que eu acredito que os alunos que viveram não vão esquecer tão já, que eu mesma ainda não esqueci. Pode ser que eu esqueça, (risos) ainda não esqueci. E outros, mas foi muito bom.
P/1 – Estava contando. Quer contar mais sobre isso? Imagens e sons?
R – O projeto da escola era esse: Imagens e sons. E aí acabei desenvolvendo isso.
P/1 – Como sons?
R – Porque a escola envolve todas as salas de aula. Então, na época, sons seriam qualquer coisa: o canto do pássaro, um poema, entendeu? Qualquer coisa seria um som e as imagens que a gente também veria na vida. O tempo todo você tem imagens. Não precisa ser uma foto pra ser imagem, qualquer coisa é imagem. E a partir daí todo mundo desenvolveu de uma maneira e eu desenvolvi dessa maneira. Então foi muito legal, a diretora ‘caiu de cabeça’, a coordenadora, todo mundo apoiando, ajudando, mas as ideias saíam das nossas cabeças: das crianças e da minha, né? Porque você ‘joga’, a criança retorna. Sempre. Então, tem que dar oportunidade pras crianças, porque elas são muito, muito ativas. Todas. Não tem ninguém que não seja. Mesmo que tenha algum probleminha, todas vão dar alguma coisa. Então só precisa saber conseguir tirar isso delas. Então é muito legal.
P/1 – Irani, vou voltar um pouquinho, queria saber da sua juventude. Recordações.
R – Então, eu iniciei lá que minha juventude também foi muito boa, eu sempre fui muito participativa, desde menina, doze anos, eu já estava em todas. Então, na época, Rafard era muito dinâmico, os meus amigos hoje já são idosos, uns até já morreram, enfim, mas eles eram Eduardo Honora e o José Maria de Campos, que eram amigos mais velhos que eu, mas eu estava na turma, porque a minha irmã era mais ou menos da idade deles e nós que fazíamos tudo em Rafard, bolávamos tudo que ia ter. Então, tinha, por exemplo, o Clube Juclurra, Jovem Clube Rafardense. Então, o que o clube pensava, todos nós dávamos opinião, participávamos. Então tinha um baile, por exemplo, na época usava o refeitório da usina pra fazer, que hoje é o escritório da usina. Então esse refeitório tinha que ser transformado e o Eduardo sempre teve muita facilidade em decoração, hoje ele é um decorador renomado em São Paulo, mas ele sempre teve muita facilidade. Então ele pensava e nós estávamos juntos, fazendo a decoração e trabalhando, eu e meu marido, porque desde quatorze anos eu namoro, (risos) sempre junto e nós que decorávamos, junto com o Eduardo, que ajudava a decorar o salão, a fazer tudo. Então, a minha juventude foi muito dinâmica. Os bailes, no caso, eu participava nos bastidores, em primeiro lugar porque eu tinha oito anos, os meus pais iam no baile. Quando a minha ‘nonna’ não vinha, eles me levavam e deixavam atrás do salão, que era a cozinha do refeitório, eu ficava ali quando tinha um juiz de menor no salão. (risos) Quando não tinha o juiz de menor, que era um rafardense, amigo da família e tudo mais, mas eu não podia ficar no baile, porque eu tinha oito anos, aí eu saía de lá e ia na mesa, junto com a minha mãe e com meu pai. (risos) Sempre eu estive e em um baile desses, veio na época, vocês jovens nem imaginam que tivesse esse tipo de baile, mas teve aqui em Rafard, que era o Baile da Saudade e os meus pais foram, dançaram e eu já dançava, porque a gente dançava em casa, meu pai, qualquer música que tocava a gente cantava e dançava, era uma festa, então eu já sabia dançar. E eu participei desse baile, uns outros amigos também foram, mas eu dancei muito com meu pai, (risos) com o Francisco Petrônio, que você nem imagina quem seja, na época era um cantor famoso e ele que fazia esse baile, porque ele já estava com cinquenta anos nessa época, cinquenta e pouco, ele fazia o baile, eu recebia uma flâmula da menina que mais dançava. (risos) Então, pra ter ideia como é que eu participava bastante das coisas. Então, a gente ia em todos os bailes, tinha desfile de moda. Quem ia desfilar? Irani estava lá. Tinha desfile de carros alegóricos, tanto aqui em Rafard, quanto em Capivari. Até mais em Capivari, que Rafard participava, mandando os carros alegóricos. Ou então aqui em Rafard sempre teve desfiles de carros alegóricos. Quem estava em cima do carro? Irani. (risos) Então, foi uma juventude muito participativa. Como eu gostava de dançar, participei do baile de debutantes. Tudo foi muito bom, mesmo. E do festival de música, que alguém já deve ter falado. Ninguém comentou do festival de música?
P/1 – Conta pra gente.
R – O festival de música foi um feito do Eduardo e do José Maria, com o apoio, na época, do prefeito Archanjo Honora, que a filha dele também fazia parte do nosso grupo, a Sonia e o prefeito aceitou, porque na época, 1970, 1968, estava no auge o festival da televisão Record. Então os jovens, vendo aqueles festivais, que às vezes passa ainda na televisão: “Vamos fazer?” “Vamos fazer”. E concretizou. E pra você ter uma ideia dessa concretização, o meu pai foi jurado, porque ele era de escrita, então ele julgava as letras das músicas, porque ganhava pela letra, pela melodia, enfim, por tudo isso. Então nós participamos. Ela participou muito como torcedora.
P/2 – Eu tenho o diploma que eu ganhei. Eu vou _____, pra você ver. Era a maior torcida.
R – É. Ela participava muito como torcedora. Nós, sempre nos bastidores, mas na frente lá dos cantores, enfim, torcendo, então o festival foi incrível. E aqui em Rafard nunca teve hotel. Nunca teve, não. Nos idos do início de Rafard teve hotel, (risos) mas depois nunca mais. Isso também as pessoas nem sabem, que aqui em Rafard teve hotel. Eu sei por causa do livro que o meu pai escreveu. E não tinha hotel, não tinha pensão, nada assim. E o que teve que fazer? Os cantores vieram pra Rafard e nós abrimos as nossas casas pra recebê-los. Então na minha casa dormiram três meninas. Nós demos as nossas camas pra elas e fomos dormir no quarto dos meus pais, pra eles poderem ficar, porque não tinha como ir e voltar. Então, aí que eu falo que Rafard é um povo acolhedor.
P/1 - Como foi isso?
R - Foi muito legal.
P/1 – Por quê?
R – Não só na minha casa, todos nós da turma oferecemos a casa, então todo mundo tinha gente na casa, pra dormir. Inclusive a minha sogra que, na época, não era sogra ainda, eu namorava só, também acolheu, a Sonia, que era o prefeito, todo mundo acolheu. Então foi muito bom. Alguns anos esse festival continuou. Só que, como mudaram os prefeitos, também foram mudando as ideias.
P/2 – Não levaram a sério.
R – Então, acabou em nada, como infelizmente aqui em Rafard acontece: tudo acaba, sem saber por quê.
P/2 – Você viu naquela sala que eu mostrei do pessoal lá ________ perguntou e eu falei: “Acho que deve ser 1960 ou 1970”. Lembra que eu falei?
R – Não. É 1968 que começou. Então, é a partir de 1970, deve ser. E movimentava muito Rafard. Vinham muitas pessoas, de todas as cidades e era assim: mandando fita cassete pra ouvir antes, pra ter a seleção dos que eram os melhores. Não pense que foi assim: vinha quem queria, não. Foram selecionados com tudo, foi muito bom.
P/1 – Você participava?
R – Eu participava. Da seleção, não. Daí já eram os jurados. Mas eu estava, tipo: na minha casa, iam lá, se reuniam, por causa do meu pai e eu estava lá, sentada. Com quatorze anos, mas eu estava lá. Quatorze, quinze anos eu estava lá. Então eu participava assim, tipo: precisava... “Vamos arrumar o palco aí”. Eu, meu namorado na época, estávamos lá.
P/1 – Você estava contando da época da juventude, das várias atividades que você participava. Você se lembra de alguma história marcante, engraçada, complicada, de algum evento que você participou?
R – Nossa Senhora! Tem tantas que, na hora, assim, até some, de tantas histórias que tem. Mas marcante, assim, de engraçada... a gente ‘morria de rir’ com qualquer coisa, entendeu? Eu não tenho uma coisa, assim, que ficou marcada, mas os meus amigos eram muito engraçados, a gente brincava com tudo. Era muito legal. E a gente, por exemplo, pegava uma vitrolinha desse tamanhinho assim, ó, e ia na garagem de uma amiga e fazíamos baile. Então era engraçado, porque os meninos não sabiam dançar, na verdade, e a gente os fazia dançarem. Então era muita risada ao mesmo tempo, que não tinha, vamos dizer, uma piada, por exemplo, mas tinha a graça daquele momento pra nós, ‘tirar um sarro’ do menino. Era muito bom. Pra você ter ideia, quando a gente tinha quatorze anos, quinze anos, que a gente já estava fazendo os festivais, os bailes de debutantes também, que o meu eu trabalhei até quase na hora do baile, fazendo lá a decoração. A minha decoração era assim: aqui tinha um botão de rosa e virava e aparecia uma rosa, mesmo e no que virava, a gente estava nela, a debutante. Quem ficava atrás, virando? Meu marido. (risos) Já era meu namorado, mas ele nem me viu entrar no salão, ser apresentada pra sociedade, porque isso que era debutante, era apresentada pra sociedade através de um baile. Hoje é pelo aniversário de quinze anos, mais familiar, assim. Antes, não. Era, bem dizer, público, né? Ele que ficou atrás, pra você ter ideia. Então a gente ficava o tempo todo fazendo alguma coisa, trabalhando e dando ‘conta do recado’, participando. Então, foram tantas coisas que, se eu soubesse, eu teria até tentado relembrar alguma coisa assim, especial, mas eu só lembro coisa gostosa, não muito engraçada. Por exemplo: os meus amigos iam na frente da minha casa, onde eu morava, que era o jardim, a praça, tocar violão. Todo mundo ia chegando, ficava de noite lá, tocando os Beatles, Caetano Veloso, Chico, enfim. Era muito bom. Muito bom, muito bom, muito bom. Então, não tem uma coisa especial agora, mas eu tive muitas. Se você mandasse eu trazer o meu diário, (risos) eu teria. Mas agora, de momento, eu não consigo lembrar um engraçado, mas teve muitos.
P/1 – Irani, como você conheceu seu esposo?
R – Então, são famílias daqui. Ele morava na mesma rua, dois quarteirões acima. Um, dois, três quarteirões acima. E, na época, ele era da turma de cima e nós da turma de baixo. (risos) Então a turma de cima não se misturava muito com a turma de baixo. Participava de tudo, mas... ele começou a participar, depois que ele começou a me namorar, porque a turma era outra. Então desde pequena eu já conhecia, só que teve um amigo, que o meu marido tem o apelido de Panhó, porque é de família espanhola e quando nasceu começaram: “Espanhol, espanhol” e aí foram diminuindo, né? Tiraram o “Ol” e o “Es”, ficou Panhó. Então o nosso amigo lá falava: “Ê, Panhó”. Ele nem estava e eu ficava toda ouriçada pra saber onde ele estava, sabe? E ele acabou dando um jeitinho pra gente namorar. Mas a gente já tinha... um aniversário meu ele foi e ele tinha terminado com a namorada e eu falei: “E aí, está muito triste, Panhó?” Ele falou: “Ai, estou triste, terminei com a fulana, não sei o quê”. Eu falei: “Ah, mas tudo bem” - eu já querendo ‘dar uma’ – “logo passa”. Ele falou: “Passa” “Ou então você volta com ela, não sei o quê” e no fim quem voltou fui eu, né? (risos) Porque foi em março isso, em abril a gente já estava namorando. Namoramos durante sete anos. Me casei virgem, porque papai não deixava, eu morava na frente da praça, (risos) não tínhamos carro e do lado do bar. (risos) Então, não tinha como fazer nada, (risos) porque a Irani era obediente. (risos) Casamos virgem. Eu, né? Ele, não, porque ele me deixava em casa dez horas da noite, pegava a perua com os amigos, ia dançar em outras cidades, ia lá onde ele tinha que ir, mas eu me casei virgem, exatamente porque meu pai ‘ficava em cima’: “Você vai ver, se vocês fizerem qualquer coisa. Se você engravida, você vai ver, filha”. Conversa franca, né? Mas não é?
P/1 – É.
R – Olha, há quantos anos? Cinquenta anos atrás. É mente evoluída do meu pai e da minha mãe também. Muito evoluída, porque nem hoje os pais não falam.
P/1 – E como foi seu casamento? Preparação.
R – Ah, foi muito bom. Como eu falei: tudo foi muito bom. Mas lógico que fui eu, porque eu adoro fazer isso: arrumar, limpar, deixar tudo em ordem. Eu sou dinâmica nessa parte. Então o casamento eu fui olhando, ‘tim tim por tim tim’. E quem arrumou a igreja? Quem decorou? O Eduardo, (risos) a Irani, o Panhó. (risos) No da minha irmã foi a mesma coisa, nós que arrumamos, o Eduardo que arrumou, foi padrinho dela, inclusive. Então era tudo assim. Aí todos os detalhes do casamento eu que fui atrás. Nossa, uma delícia! Você pensar no casamento é tudo de bom. E graças a Deus deu tudo certo, eu com meu marido fomos de carro, que não era nosso, era da irmã dele, novinho, ela emprestou pra gente, fomos pro Rio com um Fusca. Era zero, mas fomos num Fusca. Aproveitamos muito, conhecemos Petrópolis, todas as praias do Rio. Foi ótimo, sonho mesmo.
P/1 - Quanto tempo de viagem?
R – Nós saímos daqui seis horas da manhã, levamos doze horas. E o primeiro dia no estado de São Paulo - eu acredito que no Brasil, mas como não tinha tanta facilidade com a comunicação, eu falo que era no estado de São Paulo - teve uma época que começou a fechar os postos no domingo. Então de domingo não funcionava mais o posto de gasolina. Foi o primeiro dia que não funcionou. E nós fomos de Fusquinha e com o galão de gasolina dentro do carro. (risos)
P/1 – Uau!
R – Você acha que é loucura? Nossos pais não sabiam do problema que podia ter, de acontecer alguma coisa, mas nós fomos, porque não ia ter posto aberto. E mesmo assim fomos. A gente parou pra almoçar, parava nos lugares bonitos. Então foi muito gostoso, muito bom. E mesmo assim eu namorei sete anos e casei com 21. Então casei novinha, né, pra hoje, que hoje ninguém quase casa com 21 anos, todo mundo com 28, depois que saí da faculdade e nós nos casamos novos, mas foi tudo bem, deu tudo certo, graças a Deus, até hoje.
P/1 – Depois do casamento foram morar juntos?
R – Sim.
P/1 – Como foi essa grande mudança de vida?
R – Foi bom. Eu não estranhei demais, não. Como todo mundo fala: “Ai, e aí, como é que foi?” Não, foi uma adaptação que todo mundo tem, que até hoje acontece, porque cada dia você muda, cada dia você é um. Agora nós estamos idosos, ficando cada dia mais chato, mas não é? Então a gente vai se adaptando, porque eu acho que todos os dias são novos, a gente não conhece a pessoa de amanhã, você conhece a de hoje. Não é? Então você tem que viver o hoje. Sou como meu pai e minha mãe? Não, não somos como papai, nem mamãe. (risos) A gente tem as discussões, mas sempre, graças a Deus, a harmonia, sempre juntos, também vamos em todas as festas, participamos de tudo, né, Maria Helena? Sem problema nenhum, continuamos participando. Ele já fez setenta anos, eu fiz uma festa surpresa pra ele, agora no dia 24 de agosto, só a família, mas foi muito legal, então é tudo de bom, porque a gente não deve pensar no ruim, né? Porque o ruim vai ter e o ruim só existe, porque o bom existe. Não é? Então não pode ficar pensando no ruim, vamos pensar no bom. “Ai, mas é que eu estou...”. Eu sei, eu reclamo, eu tenho dor no corpo inteiro. Meu marido já está... acho que já foi na lua, já voltou, já foi pra Marte, já voltou, de tanto que eu já o sufoquei, de ficar falando: “Ai, bem, eu estou com dor” e assim vai. Mas é a vida. Então, por exemplo: eu estou com dor, tomo um remédio, como meu pai falava: “É melhor a dor com a turma, passeando, indo ao teatro, fazendo alguma coisa, do que ficar no sofá sozinho”. Não é? Então, você toma um remedinho e passa. E assim que eu faço, sabe? Porque a vida é assim: ela vai tirando as coisas da gente e vai colocando outras. E a gente tem que aceitar. Não tem como não aceitar. Só que é difícil? É, mas tem que ver o lado bom. Então, eu pego, tomo meu remedinho, venho aqui no museu, que eu estou tentando reabrir, vou ajudar uma entidade em Capivari, faço algumas coisas pra ajudar aí alguém que precisa, porque hoje eu posso, em relação a tempo, porque eu sempre dobrei o período de escola, de manhã e à tarde. À noite… eu passava a noite lá, fazendo coisas de escola. Então eu não tinha mesmo tempo, agora não é que não tinha, as pessoas falam que quem quer, acha o tempo. Convive com quem mais é ocupado, que ele vai ter tempo; convive com o mais tranquilo, que ele não vai ter tempo. É assim, né? Então, eu estou aí, o tempo todo fazendo alguma coisa. Não tem... então, foi tudo muito legal meu casamento, muito legal a minha vida, meus filhos muito amorosos.
P/1 – Irani, estava contando da maternidade.
R – Então, eu falei que foram dois presentes de Deus que eu recebi, porque são muito amorosos, têm muito cuidado comigo. O meu filho fica bravo, porque eu falo: “Maurício, faz isso, faz aquilo, leve blusa, que vai fazer frio”. Aí ele fala: “Ai mãe, parece que eu sou bebezinho”. Eu falei: “E é. A diferença de idade entre nós continua a mesma, então pra mim você continua sendo o meu bebê”. Ele fica meio bravo, sabe? Aí eu vou sair: “Mãe, o tempo falou que vai chover, que vai isso, que vai aquilo. Olha, mãe, cuidado, hein?” Eu falei: “Ué, olha lá, está vendo? Você está sendo um pouquinho pai meu também, né?” Porque ele tem a mesma coisa. Então, veja, é muito cuidado. Liga todos os dias, duas, três vezes no dia. Minha filha está todo dia em casa, porque eu olho a minha netinha, né? Então, é uma alegria! Os filhos, nossa! Preocupações deram muito, alguns problemas têm. Você tem que entender que o filho é ele e não o que eu quero que ele seja. Então a gente tem que respeitar muito e eu sou mandona, sabe? Aí eu ‘boto o bico’: “Mas vocês, isso aqui, não sei o quê”. Às vezes eu falo até meio ríspida, porque a gente quer que seja como a gente quer. A gente quer o filho perfeito. Seja ele qual for, você quer perfeito: o melhor de estilo, o melhor de postura, o melhor de estudo, o melhor na profissão, você quer o melhor e não é assim. Então, isso a gente vai, durante a vida, aprendendo. É por isso que a gente fala: se hoje eu voltasse, eu mudaria algumas coisas como professora e algumas coisas como mãe. Até como amiga também. Tudo a gente vai... porque a gente vê de outra maneira. Então eu acho que filho é uma coisa ímpar, mas é como eu falei: quem infelizmente não teve a graça de ser pai e mãe, eu acho que tem que se dedicar à outra coisa e não ficar triste por isso, porque não é vida ou morte. Então tem oportunidade de outras coisas. Então, é por isso.
P/1 – Irani, como foi se tornar avó?
R – Avó não tem nem o que falar! É ser mãe duas vezes. É exatamente isso. Ser avó é ser mãe duas vezes. E além de tudo tive a sorte, como todas as avós, (risos) de ter a melhor neta. (risos) A avó ‘coruja’. Então, não tem como, é maravilhoso ser avó. Eu tenho só a Lívia, mas ela preenche todas as lacunas nossas, lá de casa. Quando não vai, a gente sente muita falta. Ser avó é tudo que alguém, assim, que já é mãe, quer ser, porque completa, né? Numa época que você já deixou de produzir, na verdade, porque você não vai mais ter filho, você já está aposentada, a vida começa a ficar muito tranquila e aí vêm os netos. Aí é a coisa mais maravilhosa. Ouvir ‘vovó’ é sonho. É a melhor música que existe, de verdade. “Vovó I”. Ela fala até hoje ‘vovó I”. Está com sete anos, é ‘vovó I’. Então, quer o tempo todo dormir lá em casa, eu que fico ajudando-a nos estudos e danço e rolo no chão e faço tudo que você pensar, eu faço com ela, então eu falo pra ela: “Lívia, será que existe vó igual?” “Claro que não, vó, você não vê que você é louca?” (risos) Eu falo: “Sou, mesmo, louca por você. Lívia, sabe de uma coisa?” Ela já sabe e ela fala: “Eu te amo, te adoro, te venero, te tudo. (risos) Porque eu falava pra Luciana, agora eu falo pra ela: “Sabe de uma coisa, Lívia?” (risos) Ai, é muito bom! Assim: é uma graça divina.
P/1 - E como é a sua rotina?
R – Minha rotina… não tenho tempo, menina. De manhã eu fico com a Lívia de segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, porque a Luciana trabalha, então ela fica comigo. De terça-feira e quinta-feira ela fica com a outra avó e eu vou buscá-la na casa dela e, quando ela vem pra casa, eu já vou cuidando de lição, essas coisas que a Luciana deixou pra mim, pelo fato de eu ser professora, gostar muito e aí eu falo pra Luciana: “Você não fez direito, não era assim”. (risos) É claro que ela sabe, mas a avó quer fazer e ela deixa. A Luciana é bem legal. Então eu tenho essa parte da manhã tomada de segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira pela Lívia. Meio-dia almoçou, já fez tudo, vai pra escola meio-dia e meia, que a Luciana passa lá pra pegar e depois do almoço eu estou preenchendo com o museu, com a história de Rafard, que eu estou estudando o livro do meu pai e passando em tópicos, pra pôr como legenda nas coisas do museu, formando uma história mesmo, com tempo. Tipo: eu organizei a linha do tempo da usina através do livro do meu pai. Agora eu preciso sair procurando a partir de 1972 o que aconteceu com a usina, porque eles não sabem, como passou de uma sociedade pra outra, quem vendeu pra quem. Então eu fico lá o tempo todinho, é muito o tempo todo escrevendo. Se eu não venho no museu, eu estou escrevendo; se eu não estou escrevendo, eu vou na _______; se eu não vou na ______, foram poucas vezes, eu fui até ajudar a varrer a igreja. Então, eu tento ocupar de todas as maneiras, só que às vezes fica até... a sorte, eu consigo fazer tudo isso porque meu marido é um amor: depois que nós nos aposentamos ele arruma a cozinha, tira a roupa do varal, põe a roupa no varal. Senão, não daria. Se ele não colaborasse, não daria. Então, eu tenho isso, mas o meu tempo é o tempo todo e de terça-feira e quinta-feira, que a Lívia não vem, a minha filha, (risos) eu falo pra ela: “Luciana, você fez o favor de fazer isso pra mamãe, né?” Ela, lógico, falava que a Lívia aprendeu a ler e escrever... a escrever com três e meio, mas a ler ela já fazia com três anos, com a maior tranquilidade. Então ela foi pra pré-escola já sabendo ler e escrever. E a Luciana fez o favor de contar que ela aprendeu a ler cedo pras amigas. E teve esse problema da pandemia, um problema seríssimo, porque as crianças ficavam em casa, tendo aula on-line, sozinhas. Então acabou falando que a Lívia sabia ler, escrever, que eu ficava com ela, não sei o que, aí quando voltaram pra escola tinha crianças com defasagens muito grandes. Por causa disso mesmo, de não ter quem acompanhasse direto. Enfim, aí a Luciana falou: “Não, mãe, ajuda fulana, a sicrana”. Falei: “Bom, então vou dar aula particular, porque eu vou ajudar, mas eu tenho o meu tempo também”. Ela falou: “Tá. Pode dar aula particular”. E aí já estou com quatro aluninhos lá. (risos) Vendo que a gente está ‘correndo contra o tempo’. Graças a Deus são muito boas as crianças e já se alfabetizaram, porque eu não era... eu fui alfabetizadora, mas a minha - vamos dizer assim - especialidade mesmo era o quinto ano, que eu sempre gostei, por serem maiores e a gente poder fazer mais coisas, mas eu dei aulas pra todas as salas, as séries. No caso era série, hoje não. Então, eu dou, pra essas crianças: três meninas e um menino. E outro menino já saiu, não precisa mais vir, mas eu tive que socorrer e eu acabei socorrendo até mesmo por ajuda, porque agora que eu estava tranquila, não precisaria, vamos dizer assim, ficar vindo as crianças no horário certo. E eu fico falando com meu marido: “Justo no dia que vem a moça pra me ajudar, no mesmo dia vem as crianças”. E fica uma meia ajudante, sabe? Mas está dando certo. No meu quarto está uma sala de primeiro ano... no meu quarto, não, o quarto lá, que era do meu pai, que ficou vinte anos comigo, né? E se transformou lá numa sala de aula. Bom pra Lívia e bom pra eles também, né? Então, meu tempo todinho é ocupado. Mesmo de sábado e domingo eu não fico um segundo parada. Eu digo que eu não tenho tempo de ver televisão. Não tenho. Aí falam: “Irani, como você é exagerada!” Pode, até, no caso, cortar, se for o caso, mas é o jeito que eu sou, eu não consigo ficar. Se eu ficar assistindo televisão, eu vou ter que ter pelo menos um trabalho manual ou um livro na mão. Então, no máximo o celular lá pra noite, que aí o pessoal fala assim: “Irani, você não viu o whats que eu passei pra você?” “Não vi ainda”. Então é assim: o tempo todo envolvida. Aí eu também comecei a ir no Museu da Pessoa, aí teve essa interrupção, aí eu que convidei a Maria Helena, né, Ma?
P/2 – Isso, foi.
R – Porque eu sei que ela gosta, se envolve. Eu falei: “Vamos lá, Ma”. Ela foi, ‘caiu de cabeça’, continua e vai continuar ainda, bastante tempo, se Deus quiser, enquanto Rafard estiver aí na escuta, eles estiverem na escuta de Rafard. Então o tempo todo eu procuro fazer alguma coisa, porque eu não tenho mais tempo, nós não temos mais tempo, né, Ma? Ninguém tem, porque nós não sabemos a nossa vida, mas a gente tem que ‘correr contra o tempo’. Eu não vou ser o que falou o Raul Seixas, lá: “Esperar a morte chegar”. (risos) Eu posso dizer que eu sou feliz. E, pra eu ser mais feliz ainda, eu preciso ver o museu de Rafard revitalizado e eu acredito que vai acontecer; preciso ver o meu pai não esquecido, porque eu, a Maria Helena e outros somos a última geração que o conheceu. Então, se não fizermos nada agora, vai ficar esquecida uma pessoa que não pode ser esquecida, pelo fato dele ter escrito a história de Rafard. E esqueci de dizer pra você: além dos livros relacionados à história, ele que idealizou o brasão de Rafard. Além dele idealizar, ele fez a descrição Heráldica do brasão e da bandeira, que teve, na época, um concurso do prefeito Archanjo Honora, que fez o concurso, o meu pai se inscreveu, ganhou como melhor brasão, que mais enquadrava na história de Rafard. Não podia ser outro, (risos) porque ele sabia a história inteira. E o Eduardo Honora, o meu amigo especial, que idealizou a bandeira. Só que o Eduardo fez o desenho da bandeira. E a descrição heráldica também foi meu pai, que ele foi pra São Paulo, lá na Heráldica, estudar como deveria ser feito, com palavras... como fala?... apropriadas, tudo com vocabulário da Heráldica, ele foi atrás disso e ele que fez, também. Então meu pai não vai ser esquecido, pelo brasão, pelo livro, por tudo, mas eu espero que o museu, que foi também ideia dele, se revitalize e que a cultura, aqui em Rafard, volte mais. Hoje os governantes também estão fazendo algumas coisas, mas está muito aquém de Rafard 1960, 1970. Então, meu sonho, o que é? Ver Rafard produzindo, todos os meus filhos bem. E é isso a vida, então está tudo uma maravilha. (risos)
P/1 – Você gostaria de acrescentar algo mais, que eu não tenha te perguntado, contar alguma história, algum momento, uma passagem?
R – Como eu falei pra você, na parte do humor, lá, com os amigos, ou coisa assim, a gente... agora parece que eu falei tudo, aí eu vou chegar em casa e vou falar: “Mas eu não acredito! Isso que eu precisava falar, eu não falei!” Então eu não lembro uma coisa especial, assim, da minha vida, mas como eu falei: como professora eu fui reconhecida. Às vezes, aqui em Rafard... às vezes, não, sempre eu estou meio envolvida com as coisas de Rafard, então é como eu falei já, antes, que o sonho do meu pai era ver o progresso de Rafard. Ele só fala isso, em todos os artigos de jornais, nas poesias, em tudo ele quer ver o progresso de Rafard. Consequentemente, eu também gostaria de ver Rafard aí brilhando, linda, maravilhosa, sem o problema de lixo, toda florida. Enfim, eu tenho um sonho de Rafard assim, porque o meu pai escrevia assim: “Se Deus quiser eu vou ter uma praça, em tal lugar!” E até teve o ‘seu’ Heitor, que acabou sendo o prefeito das praças, (risos) porque ele ficava muito com meu pai e acatava a ideia do meu pai. Só que as praças foram esquecidas, Rafard não tem flor nenhuma. Então meu sonho é ver Rafard linda, maravilhosa e com um progresso incrível, se desenvolvendo, ver minha família sempre unida, como foi, continuar sendo, e que meus filhos sempre tenham aí a iluminação de Deus, que Ele esteja sempre com eles pra que a vida deles seja sempre mais fácil do que é, porque a vida não é fácil, só que você não pode ver o lado ruim da vida, como nós já falamos, você tem que ver o lado bom da vida. Porque se você vê só o lado ruim, a gente sofre muito, né? Mesmo as pessoas que estão sofrendo perto da gente, a gente tem que ver o que pode fazer, tentar ajudar e levar em frente, porque a vida é assim. Se nós formos parar porque aconteceu isso, aquilo, não vai acontecer, não vai sair do lugar, porque é mais fácil eu ficar aqui esperando ‘cair do céu’, do que eu ir atrás. Então é isso que eu acho: Rafard, minha família, meus amigos e todos que a gente está envolvido e não só, porque eu falo Brasil, é a coisa mais maravilhosa que tem e ao mesmo tempo quanta coisa precisa arrumar. Então, meu sonho é esse: ver o museu, (risos) Rafard bonita (risos) e meus filhos continuarem lindos como são, tanto em relação a amor, quanto em beleza, mesmo, que são os mais bonitos do mundo. (risos) Não é, Ma? E o seu eu sei que é o seu. (risos) Que toda mãe acha o filho mais bonito, a mãe ‘coruja’, mas é isso. Eu agradeço muito vocês, de darem oportunidade pra Maria Helena, de eu estar aqui, falando. A razão maior, pra mim, seria meu pai, mesmo. Lógico que tem toda minha família envolvida. Minha irmã é uma que não vivo sem ela, de maneira nenhuma. Meu irmão é maravilhoso, casado com a Geórgia. Pedro é maravilhoso! Não tem quem não goste deles. Eles são, também, envolvidos em muitas coisas. Assim, você fala, eu estou lá no Amazonas: “Eu preciso de você agora, Junior”. Eu falo Junior. Ele fala: “Estou indo”. Ele larga o que ele está fazendo e vai, sabe? É um irmão que também eu falo: “Não é por acaso”, porque meu pai deu essa coisa pra nós. Então, é só isso que a gente tem que falar: continuar com essa bênção de Deus, que O tendo com a gente, acho que tudo vai bem, tudo a gente consegue.
P/1 – Você gostaria de deixar alguma mensagem?
R – Nossa! A única mensagem: “Ame, ame e ame, que aí tudo vai dar certo. O amor está aí pra isso”. É uma mensagem que eu quero pra todo mundo: amor, amor e amor. É essa a mensagem: que Deus esteja sempre presente, na vida de todos nós. Não tem outra.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança, da sua vida?
R – Nossa! A primeira lembrança? Ai, dá um tempo, porque eu tenho tantas lembranças que eu não sei nem a que eu vou dizer, mas os Natais eu me lembro muito. O papai tinha... e a mamãe junto levavam a gente até a porta de casa, que a porta já era na calçada, que não tinha área, terraço, nada. É bem em frente ao jardim aí, da praça. Era véspera de Natal e às vezes com chuva eu e a minha irmã e depois o Junior também, íamos até o jardim pegar grama pra pôr pra rena do Papai Noel. Aí, o que meu pai fazia? Os montinhos de grama, até sair na porta, pro Papai Noel ver e deixar o presente. Então, são lembranças que não tem o que... é amor. Eles faziam tudo com muito amor, os meus pais. E a gente está tentando passar pra Lívia também, isso. A gente também faz as pegadinhas do coelhinho, na Páscoa, que ela ainda acredita (risos) em Papai Noel e Páscoa e tudo mais, conserva isso. Então, essa lembrança é incrível, os Natais. Então, é muito bom.
P/1 – Irani, pra finalizar, como foi dividir um pouco da sua história?
R – Gostoso. Muito bom porque, como eu comentei, nunca falei que eu ganhei alguma coisa de escola, foi um projeto que muitas pessoas que já estiveram na escola sabem, mas não foi divulgado. Na época foi, saiu no jornal, saímos até na televisão, mas tudo passa, então eu não tenho que ficar comentando, assim. Às vezes eu comento, pra ver se eu consigo mostrar que eu não estou querendo, por exemplo, revitalizar o museu só por revitalizar. É que eu sonho, mesmo, eu tenho vontade de ver aquilo, como era com meus alunos. Eu pensava, falava: “Ai, meu Deus, eu precisava fazer isso com eles”. Então, é esse o sonho da gente: realizar, mas não pra mostrar. Então, o contar hoje foi muito bom, porque hoje eu já sou idosa, o pessoal não vai mais: “Irani quer aparecer”. Porque eu sempre quis aparecer, né? Não eu, as pessoas sempre acharam, porque eu sempre estava em todas. Então: “Ela quer aparecer. Só ela que é convidada. Por quê?” Mas porque eu topava. (risos) Então, aí que faz a diferença. Se você foi convidada, se você não foi, põe a ‘cara’. Vai lá, tenta, vê o que você pode ajudar, fazer. Então hoje foi uma oportunidade muito boa de falar da minha mãe, que foi uma pessoa lindíssima, meu pai, os meus irmãos, meus filhos, a minha cunhada, a minha nora, meu genro, minha família em si. A minha irmã, que é maravilhosa, que agora a casa dela é a casa da minha mãe, que eu não tenho mais aonde ir, então eu tenho que ir na casa dela. E ela faz a mesma coisa comigo. Se eu viajo, eu a levo junto, porque ela não vai com ninguém mais. Como eu fazia com meu pai, quando ele morava em casa: eu viajava, ele dormia no mesmo quarto que eu, nos hotéis que nós íamos, porque ele já estava com setenta anos, era super moço, mas eu tinha preocupação, então ele dormia comigo. O pessoal falava: “Mas Irani, você foi viajar e foi dormir o seu pai junto?” Eu falei: “Mas, gente, dormir com meu marido eu durmo todos os dias. Agora o meu pai foi viajar comigo e não tem nada demais ele dormir comigo”, com nós dois, eu com meu pai, lógico, a gente sempre pegava uma cama de solteiro pra ele, do nosso lado e eu nunca me incomodei com isso. E hoje a minha irmã, que também ficou viúva, coitada. Não só hoje, antes mesmo de ficar viúva, viaja comigo, fica comigo. Então é um prazer. A minha família eu dou a vida, tranquilamente, por qualquer um deles. Desde meus sobrinhos, até meu marido. Se eu puder dar a vida por eles, eu dou, tranquilamente. Tanto que eu quero que venha pra mim qualquer coisa de ruim e não vá pra eles. Pode vir que a gente aguenta, até quando dar, mas pra eles eu não quero nada, porque eu não aguento. É uma preocupação total, eu sou muito preocupada. Então, é isso.
“E hoje Rafard, da moenda da usina
o barulho constante, no tempo de safra
eu gosto de ouvir do caldo, garapa
da cana madura, o açúcar
o cheiro me agrada sentir
Ah, cheiro gostoso, que emana da cana
e torna esse chão povoado feliz
atraído, trazido por Deus
essa fumaça do tubo roliço das então chaminés ao céu expelida
o homem de terra distante, o imigrante
o homem dos estados do norte, do imenso Brasil veio e ficou
e a terra cavou e a cana plantou
com suor a regou e a moenda rodou
e a cana moeu e açúcar tornou
e deu e dá ao Brasil, à Rafard, ajuda soberba
Rafard, povoado feliz, cresceu, prosperou
e vila e distrito e cidade ficou
E hoje Rafard, dos cânticos meus,
é terra de paz, é terra de amor
é terra que cresce aos olhos de Deus”
APLAUSOS
E o papai fez uma pra mim, especial, então eu vou ler a minha. Ele fez várias, mas pra não encompridar muito:
“Irani, seu nome quer dizer, em guarani
abelha furibunda, enraivecida,
mas tu serás angélica, Irani
brandura, amor, bondade nessa vida
Di-lo meu coração, prevendo em ti essa nobreza
Em parte definida
Di-lo minha alma, que feliz sorri
À Deus, em prece, comovida
De teu nome o contraste tu vai ser
Pois de Fátima, santa idolatrada,
lá do alto azul, te há de proteger!
Irani, Irani, filhinha amada
Hás como a Eliane, de me enobrecer
Fazer-me sempre uma alma afortunada”
P/1 – Ahhh!
APLAUSOS
R – Papai querido! (risos)
P/1 – Que lindo! Muito obrigada por dividir sua história com a gente.
R – Obrigada vocês!
P/1 - Por dividir [a história do] seu pai, os escritos. Foi um prazer essa tarde!
R – O prazer foi meu. Obrigada, Ma!
P/2 – Beijo.
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