Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Maria Auxiliadora Venâncio de Souza
Entrevistada por Eliete Pereira e Márcia Trezza
Manaus, 27/04/2014
WHLP_HV023_Maria Auxiliadora Venâncio de Souza
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Auxiliadora, boa noite.
R – Boa noite.
P/1 – Pra gente começar eu gostaria que a senhora me dissesse o seu nome completo.
R – Eu me chamo Maria Auxiliadora Venâncio de Souza.
P/1 – E a cidade que a senhora nasceu?
R – Manaus.
P/1 – Qual foi a data?
R – Quatro de outubro de 1961.
P/1 – Como se chamam os pais da senhora?
R – Antônio Villaça Venâncio de Souza.
P/1 – Os pais da senhora eram daqui de Manaus?
R – De Manaus.
P/1 – A senhora pode repetir o nome dos pais da senhora?
R – Antônio Villaça Venâncio de Souza e a mãe Antônia Lopes.
P/1 – Eles eram de Manaus?
R – De Manaus.
P/1 – O que eles faziam?
R – Bem, o meu pai, ele estudava, começou estudando aqui em Manaus, depois ele foi pra interior, trabalhar com verdura, e castanha, cacau.
P/1 – Ele coletava?
R – Ele coletava.
P/1 – Ele era extrativista?
R – É, isso, ele herdou justamente do meu avô, que faleceu, ele que passou a tomar de conta.
P/1 – Ele tinha uma área que ele coletava?
R – Tinha a própria área.
P/1 – Onde que era essa área?
R – Uma era em Autazes e o outro era no Rio Madeira.
P/1 – Ele veio a Manaus pra estudar?
R – Só pra estudar.
P/1 – Ele completou os estudos?
R – Completou, quando ele terminou foi a época que o meu avô morreu, ele teve que ir pra lá cuidar no lugar do meu avô.
P/1 – Lá em...?
R – Em Autazes, Rio Madeira.
P/1 – Ele ficou quanto tempo lá?
R – Muito tempo, muitos anos mesmo, foi na época que eu nasci, que eu nasci aqui, mas eu até minha idade de dez anos ainda fiquei lá no Madeira junto com eles.
P/1 – A sua mãe era de lá também?
R – A minha mãe também.
P/1 – O que ela fazia?
R – Ela também ajudava meu pai.
P/1 – Ela também era extrativista?
R – Hãhã.
P/1 – Por que vocês voltaram pra Manaus?
R – Porque nós tínhamos que estudar, e lá não tinha como estudar.
P/1 – E o trabalho do seu pai, como ficou? Ele conseguiu outro trabalho em Manaus?
R – Não, foi na época que ele teve que vir pra Itacoatiara, foi na época que ele se aposentou e também que ele se separou da minha mãe, houve essa separação e eu fiquei sempre junto com o meu pai, minha mãe se separou, mas eu fiquei com o meu pai e minha avó, que ainda cuidava da minha avó.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Na época eu tinha o quê? Uns 12 anos.
P/1 – Você que quis ficar com o seu pai?
R – Eu preferi ficar com ele, porque ela, na época que ela se separou, ela conheceu outra pessoa também, como ele também, eu não to aqui julgando, é um direito dela, como também é um direito dele, mas ficou tudo bem.
P/1 – O seu pai se aposentou.
R – Se aposentou.
P/1 – Como extrativista?
R – Exatamente.
P/1 – Como foi a sua infância? Você ficou um tempo nesse lugar.
R – Rio Madeira.
P/1 – No Rio Madeira, como era a infância no Rio Madeira?
R – Até hoje eu sinto saudade, porque lá era um lugar que tudo era farto, principalmente a parte da alimentação, peixe, frutas, até mesmo, assim, que naquela época não existia maldade, como hoje, tanta violência. Tinha praia, a gente brincava à vontade, então foi muito bom esse momento da minha vida, eu sinto saudade.
P/1 – Do que vocês brincavam?
R – Pulava n’água, jogava bola, entendeu, era muito bom mesmo, mas tinha que vir estudar, entendeu, todo final de semana eu tinha que voltar pra lá, mas na segunda-feira tinha que retornar por causa das aulas.
P/1 – Você teve irmãos, você tem irmãos?
R – Tive irmão por parte de pai, e por parte de mãe também.
P/1 – Quantos por parte de pai?
R – Ah, de parte de pai eu tive bastante irmão, eu acho que uns 20 irmãos.
P/1 – Vinte irmãos?
R – É, agora, por parte de mãe eu tive duas irmãs só.
P/1 – Como que era a casa? Você era a primogênita, a mais velha?
R – Eu era a mais velha, e, assim, quando o meu pai se separou da minha mãe, que ele arranjou outra esposa, pra mim foi muito difícil esse momento porque, eu vou ser assim, bastante franca, assim, eu tive um momento muito difícil porque a senhora sabe que madrasta, eu não me dava muito bem com a minha madrasta. E hoje é totalmente, hoje ela se dá muito bem comigo, hoje tá fazendo um ano, praticamente, que eu perdi o meu pai, entendeu, então hoje a minha madrasta, ela me procura muito, entendeu, quando ela passa por problemas, ela liga pra mim e eu to pronta a ajudar ela. Mas naquela época era totalmente diferente, mas a gente superou isso.
P/1 – Por que era diferente?
R – Porque, eu acho assim, porque eu era filha de outra mulher, e geralmente não aceita, e sempre a minha avó falava assim pra mim: “Filha, você tem que entender que ela não gosta de você”, e eu percebia que ela não gostava quando eu me aproximava do meu pai.
P/1 – Você foi a única dos seus irmãos que ficou com o seu pai?
R – Isso.
P/1 – E os seus outros irmãos ficaram com quem?
R – Ficaram com a minha mãe.
P/1 – Com a sua mãe?
R – Foi, então, assim, foi muito, muito mesmo, mas passado o tempo, eu pude superar tudo isso.
P/1 – Auxiliadora, como era o seu pai?
R – Bem, o meu pai, quando ele chegava assim, que ele saía, viajava, quando ele chegava ele sempre me procurava pra dar carinho, mas sempre tinha esse impedimento, que tinha a madrasta, entendeu, sempre eu me sentia muito rejeitada.
P/1 – Mas antes, quando o seu pai tava com a sua mãe, como que era o seu pai com você e com os seus irmãos?
R – Ele era uma pessoa muito boa, diferente, mas quando ele tava ao lado dela ele era outra pessoa, entendeu? (choro) Assim, é uma coisa assim, que às vezes a gente acha que a gente já esqueceu, mas eu pensava que eu não ia passar por isso aqui.
P/2 – É natural a gente chorar quando lembra dessas coisas, não precisa se desculpar, a gente faz essa entrevista pra conhecer quem é a Auxiliadora como pessoa, as coisas que ela já viveu, fica à vontade.
R – Obrigada, então foi isso, que aconteceu na minha vida em relação aos meus pais, mas, como eu falei, ano passado eu perdi ele, que até hoje, e, assim, antes dele morrer, com sete anos antes dele morrer, eu procurei meu pai pra gente, que a gente era muito afastado, depois que tudo isso aconteceu a gente se afastou mesmo. Mas , devido a uma situação que eu passei, um problema de câncer no útero, e, assim, uma cobrança muito grande.
P/1 – Por parte de quem?
R – Do meu pai, minha, com ele, eu, várias vezes eu saía daqui, ele já tava morando em Itacoatiara, eu ia, eu chegava lá, eu voltava muito triste, às vezes eu vinha chorando, que eu não conseguia falar com ele, que eu sentia vontade, de encontrar o meu pai. Até que um dia eu falei assim, que eu não ia mais procurar ele, que eu deixaria na mão de Deus.
P/1 – Você não conseguiu encontrar?
R – Não consegui encontrar ele. Aí depois que eu fiz a cirurgia, eu tava com sete dias de operada, eu recebi uma ligação de uma irmã por parte de pai falando que o meu pai queria me visitar. Nesse dia foi um grande encontro, assim, ele pedindo perdão, nesse dia eu pensava até que ele ia morrer e eu também, que todos os dois com pressão alta. Ele falou assim, quando ele entrou eu falei assim: “Eu quero ter uma palavra a lhe dizer, pai, que a palavra de Deus me ensina, que embora que você me abandonasse, mas ele nunca me abandonou”. E ali, aquele momento, a gente se encontrou ali, pediu um perdão um do outro, e ali veio a restituição, ele ainda passou sete anos assim, a gente bons amigos mesmo, tudo que ele ia fazer, ele ligava: “Filha, o que você acha?”, sabe? A gente passou a ser amigo mesmo, depois de sete anos foi que ele faleceu, foi muito rápida a morte dele também, que foi um infarto, e, assim, no momento ele só chamava, assim, por mim. Tanto que até pra enterrar ele tudo foi, a decisão, foi tudo comigo, quando me chamaram, a assistente social me chamou no hospital pra levar ele pro IML, eu disse que eu não queria, entendeu, porque ele já tinha sofrido muito. Fiz a vontade, que ele tinha a vontade de ser enterrado em Itacoatiara, entendeu, tudo isso eu fiz pra enterrar ele em Itacoatiara, queria ser enterrado em cima da mãe, que era a minha avó, tudo isso eu fiz por ele, até mesmo depois de morto.
P/1 – Auxiliadora, vocês tiveram um tempo que vocês não se conversavam mais?
R – Não.
P/1 – Mas por que vocês separaram? Foi depois que você saiu de casa?
R – Não, depois que ele separou da minha mãe, eu fiquei praticamente sendo criada pela minha avó.
P/2 – Na mesma casa?
R – Na mesma casa, só que ele viajava muito e a esposa dele, viajava junto com ele, quando eles chegavam era essa diferença, que eu procurava, já não era mais o mesmo o meu pai.
P/1 – Então quando os seus pais separaram você foi morar com a sua avó?
R – Com a minha avó.
P/1 – Mas o seu pai morava também na mesma casa?
R – Morava na mesma casa.
P/2 – Você ficou nessa casa até quando?
R – Eu fiquei até acho que uns 17 anos, assim, entendeu? Aí depois eu comecei a entender, assim, na minha cabeça, que o meu pai não me amava mais, que ele tinha, já tinha outros filhos com essa outra mulher, eu me sentia assim, rejeitada. Mas sempre a minha avó chegava pra mim, dizia: “Filha, mas ele é seu pai”, “Ah, é, mas ele me abandonou”, eu sempre, eu não aceitava essa parte, entendeu? Mas foi depois que eu me casei, tive filho, tudo mudou, tanto que até hoje, assim, eu não critico pelo o que a minha mãe fez porque eu acho que cada um tem o direito de ser livre, escolher a vida que quer viver.
P/1 – Auxiliadora, a gente vai voltar um pouco, e o período da escola? Você veio pra Manaus pra estudar.
R – Isso.
P/1 – Você tem a lembrança, quando você veio pra Manaus, como era a cidade, se te causou algum impacto?
R – Com certeza, era uma diferença muito grande e, assim, até porque a minha avó, ela se preocupava muito comigo em relação a isso, ela queria que eu estudasse, terminasse meus estudos, ela fazia aquele sacrifício, tanto que chegou uma época que ela teve que abandonar tudo lá pra me acompanhar aqui. Ela nunca, assim, me deixou só, entendeu, e, assim, eu falo, tenho uma boa imagem, assim, dela, que ela foi uma pessoa, assim, que me ensinou muita coisa boa, acima de tudo ter caráter, entendeu? Então toda vez que eu converso com os meus filhos, hoje com os meus netos, eu falo, porque eu aprendi com ela, entendeu, foi bons ensinamentos, isso eu devo muito a ela.
P/1 – Auxiliadora, você morou com a sua avó, quem mais morava com vocês?
R – Ah, nessa, morava a família toda, entendeu, mas eu era a única neta.
P/1 – A família toda, quem, o seu avô também?
R – O meu avô já tinha falecido.
P/1 – Já tinha falecido?
R – Já, tanto que eu tenho 52 anos, é o que ele tem de morto também, foi ele morrendo e eu chegando, entendeu?
P/1 – Você pode falar quem eram as pessoas que moravam com você em casa?
R – Posso sim, era meus tios, minhas tias, tudo por parte de pai que moravam.
P/1 – Os seus tios eram quantos?
R – Tinha dois tios e duas tias.
P/1 – Como eles se chamavam?
R – Uma se chamava Marivalda e a outra Elza, outro se chamava Vivaldo, outro se chamava Aldo.
P/1 – A sua avó, como se chamava?
R – Neca.
P/1 – E o seu pai também com a madrasta?
R – Com a madrasta.
P/1 – E os filhos dele também, com ela?
R – Com ela já.
P/1 – Quantos filhos ele teve?
R – Ele teve seis filhos com a minha madrasta.
P/1 – Todos moravam com vocês?
R – Todos moravam lá.
P/1 – Voltando pra escola, quais as lembranças que você tem da escola?
R – Esse momento, quando eu vivia na escola, foram momentos bons, porque era um momento, assim, que eu me desligava mais, assim, da situação que eu tava passando, de família.
P/1 – Você tem o nome de alguma professora ou professor que você teve que te marcou?
R – Marcou, era, o nome de uma professora que eu tinha, que era Professora Claudia, hoje, inclusive, o nome da minha filha mais velha é Claudia, ela conversava muito comigo, ela sentava, ela perguntava, muitas vezes ela perguntava: “Por que você tá triste?”, eu falava assim: “Nada não, professora”, “Você tem algo sim”, entendeu? Aí ela acabava fazendo eu chorar, eu dizia: “Ah, professora, toda vez a senhora me faz eu chorar”, ela dizia: “Mas você tem que chorar, Dora”, ela dizia pra mim, então, assim, foi uma professora que marcou muito a minha vida, a Professora Claudia.
P/1 – Vocês brincavam na escola?
R – Brincávamos.
P/1 – Você tem alguma lembrança assim, de brincadeiras ou até mesmo lá com os seus irmãos também?
R – A gente brincava muito na escola, era, brincava de corda, pular corda.
P/2 – Você era boa de pular corda?
P/1 – Auxiliadora, você cresceu então lá na casa da sua avó, como era a vida de uma jovem, de uma adolescente, da Auxiliadora jovem?
R – Eu, assim, eu confesso, assim, pra vocês que foi um momento também, no momento de jovem, assim, eu me diverti bastante, quando eu era jovem eu gostava de dançar, entendeu, de ir pras festas, entendeu?
P/1 – Você ia pra festas?
R – Eu ia.
P/1 – Quais festas?
R – Assim, carnaval, eu gostava (risos).
P/1 – Como era o carnaval aqui?
R – Lá era assim, por exemplo, nessa época eu já tava em Itacoatiara também, lá, com o meu pai, perto lá também.
P/1 – Você não tava em Manaus então?
R – É, sempre eu ia pra lá.
P/1 – Você ia pra lá?
R – É, porque minha avó também tinha casa lá também.
P/1 – Vocês tinham então duas casas, uma em Manaus e outra em Itacoatiara?
R – Isso, sempre eu ia pra lá, a minha avó me levava, pra ir pras festas, não ia só, não, eu ia com ela, me acompanhava.
P/2 – Carnaval era lá?
R – Era, era muito diferente, assim, porque hoje você sabe que o mundo que nós estamos vivendo é muita violência, lá era totalmente diferente, era uma brincadeira sadia, todo mundo se respeitava, agora não, agora é muita violência.
P/1 – Em Itacoatiara quando vocês iam? Era um final de semana?
R – Mais final de semana.
P/1 – O que tinha lá? Tinha o rio.
R – Tinha rio, e minha avó também tinha lá um lugar lá que era tipo um sítio também, em Itacoatiara, entendeu?
P/1 – Ia toda a família?
R – Ia toda a família pra lá, sempre todo mundo andava perto dela também.
P/1 – A adolescência, a senhora teve um amor, namorados?
R – Tive, o meu primeiro relacionamento eu tive eu tava com o quê? Com 15 anos, quando eu conheci meu primeiro namorado.
P/1 – Ele era de Manaus?
R – Não, era de Itacoatiara.
P/1 – Como ele era?
R – Era um rapaz muito bom, na época, só que também eu passei por um momento também com ele, porque a minha família não aceitava, entendeu, esse relacionamento.
P/1 – Por quê?
R – Porque na época eu era muito nova, eu tinha o quê? Quinze anos, quer dizer, na realidade eu conheci ele na escola também, ele sempre foi, ele era um amigo, sempre tava do meu lado, quando eu tava ali triste ele chegava comigo: “Dora, por que você tá triste? Dora, você vai superar, um dia você vai superar tudo isso”. Era um companheiro mesmo, mas não deu certo, minha família não aceitava, eu tive meu primeiro relacionamento, ele foi o meu primeiro namorado, eu tive um filho com ele na época ainda, meu filho mais velho.
P/1 – Vocês terminaram?
R – Terminamos, não deu certo.
P/2 – Você chegou a morar com ele?
R – Não, não cheguei a morar com ele.
P/2 – Quantos anos você tinha, 15?
R – Eu tinha 16 anos na época que eu tive o meu primeiro filho.
P/1 – Você ficou então na casa da sua avó?
R – Fiquei na casa da minha avó.
P/1 – Você continuou a estudar?
R – Continuei.
P/1 – Depois, Auxiliadora, estudando com uma criança, como que era a vida?
R – Sim, como eu sempre eu falo, assim, minha avó sempre me deu apoio, apesar de tudo que aconteceu, mas ela sempre tava do meu lado, nessa época que eu fiquei com ela, ela me ajudava, inclusive ele sempre queria assumir a criança, mas a minha família nunca deixava ele chegar nem perto, sempre, eles não aceitavam.
P/1 – Por quê?
R – Porque naquela época era assim, muito rígido, as coisas, achavam que eu era muito nova e foi assim que aconteceu.
P/1 – Auxiliadora, qual o nome do seu primeiro filho?
R – Ricardo.
P/1 – Como que foi cuidar do Ricardo, como foi essa experiência de você ser mãe?
R – Era incrível, assim, que eu tinha vontade de cuidar do meu filho, mas era, as minhas tias não deixava, a minha avó não deixava, todo mundo se metia, assim, na criação, inclusive isso eu paguei um preço muito alto em relação a isso, porque quando ele já tinha o quê? Sete anos, foi quando eu conheci esse meu segundo marido, que hoje, até hoje eu to com ele, que eu luto, pago um preço que não é fácil, mas eu creio que família é isso, a gente tem que lutar e superar, ele já tinha o quê? Sete anos quando eu conheci o meu segundo marido.
P/1 – Qual o nome do segundo marido?
R – Francisco Assis Gomes da Costa.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – Bem, eu fui pra Itacoatiara, lá eu conheci ele, sempre quando eu frequentava uma praça, sempre ele chegava lá, que ele dirige desde a idade de 12 anos, ele tinha uma namorada que era minha amiga, ele chegava lá, falava pra ele assim: “Olha, essa daí um dia vai ser minha esposa”. Eu falava pra ela assim: “Esse teu namorado é doido, porque namora contigo e diz que eu que vou ser a esposa dele, é difícil”, entendeu, mas ele lançou a palavra, profetizou, e acabou.
P/1 – Como aconteceu isso, você lembra?
R – Ah, eu lembro sim, porque toda vez ele chegava perto de mim, eu dizia: “Você tem namorada”, tanto quando ele terminou com ela, ela me procurou, ela disse: “Dora, eu acho que o Assis gosta de você mesmo, eu amo o Assis, mas eu acho que você que é a mulher da vida dele”. Eu falava: “Mana, pelo amor de Deus, isso não existe”, inclusive ela escreveu uma carta pra mim, que eu tinha que cuidar bem dele, porque ela amava ele, e eu não amava, entendeu, eu falava pra ele mesmo: “Não vai dar certo, eu não amo você”. Sempre eu dizia assim pra ele: “Olha, eu não casei com o pai do meu filho, então eu não caso com mais ninguém”, eu falava sempre essa palavra: “E eu não quero mais gostar de ninguém como eu gostei, eu sofri muito, entendeu”. E a minha avó que me apoiava, me ajudava, eu não sei se eu vou ter ela pro outro relacionamento, então eu fiquei assim, muito assim, como é que se diz a palavra, meu Deus? Eu tinha medo de sofrer na realidade, mas ele sempre, assim, insistindo, que eu ia conseguir, entendeu, que isso ia passar, que ele me aceitava do jeito que eu era, entendeu, então tá, e assim foi. Tanto que quando ele foi me pedir pra minha avó pra mim casar com ele, ele disse: “Hoje eu vou conversar com a sua avó”, eu digo: “Vá”, que ele chegou e foi mesmo, a minha avó disse pra ele assim: “Olha, eu não posso decidir por ela porque ela que tem que decidir, porque a minha filha já sofreu muito, entendeu, e quem tem que resolver é ela, não sou eu, porque quem vai viver com você”. Aí eu falei pra ele: “Tá bom, se você quer ficar comigo eu fico, mas eu não caso”, entendeu, fui assim, muito decidida, e ele teve toda a paciência de esperar, entendeu, sempre me respeitou, me respeitava. Aí tá, conheci ele lá, foi na época que a gente resolveu mesmo ficar, e viemos embora aqui pra Manaus, foi quando eu vim me embora aqui pra Manaus, morar mesmo de uma vez pra cá, entendeu?
P/1 – E o seu filho?
R – E meu filho ficou com a minha avó, entendeu, que ela não abria mão dele de jeito nenhum, eu sempre, final de semana eu ia, eu conversava com ela, que ele tinha que ficar comigo, que eu era a mãe, que eu tinha que compartilhar a vida dele, mas ela nunca aceitava, ela achava que ela é que tinha que cuidar dele. Aí foi, eu sei que ele já tava com uns 16 anos quando eu descobri, ele já tava envolvido com drogas lá, foi uma luta muito grande, entendeu, ela também já tava na, também na, muito, ela morreu tava com o quê? Com cem anos quando ela morreu, ela não tinha mais pulso pra ele, foi quando eu tive que ir lá buscar mesmo, entendeu, ter atitude mesmo, e hoje eu quero dizer que eu passei por tudo isso, mas hoje ele é um filho, valeu a pena, entendeu?
P/1 – Você teve outros filhos?
R – Tive mais duas, a Claudia e a Roberta, que é filha do Assis, meu segundo marido.
P/1 – Permanentemente em Manaus então com o Assis?
R – Bem, quando eu cheguei aqui em Manaus, depois que eu conheci o Assis eu tomei uma decisão, fui trabalhar, eu trabalhava no distrito, trabalhei 25 anos no distrito, na Philco na época.
P/1 – Distrito era na Zona Franca de Manaus?
R – Isso, foi quando eu tive a Claudia, a Roberta, eu também já tinha tido a Claudia e a Roberta, que são minhas duas filhas, eu também não pude mais ter filho, eu tive que parar nas duas mesmo. Hoje a Claudia tem 30 anos e a Roberta tem 29 anos, minhas duas filhas.
P/2 – Você trabalhou quanto tempo na Philco?
R – Vinte e cinco anos e eu não saí porque eu era uma má funcionária, não, porque a empresa foi à falência (risos).
P/1 – O que você fazia lá na Philco?
R – Eu era líder de processo, produção.
P/1 – Como era o trabalho?
R – Ah, era, eu gostava do que eu fazia, entendeu, tomava conta de 200 pessoas, cem pessoas, depende, todo tempo me trocando de lugares, meus chefes chegavam: “Dorinha, você vai tomar conta da área tal”, eu sempre tava ali sendo obediente, porque era o meu trabalho, entendeu, trabalhei com pessoas deficientes, entendeu?
P/1 – No início qual foi a sua primeira função lá na Philco?
R – Montadora, quando eu entrei na Philco, assim, foi uma coisa assim, que até hoje eu lembro, assim, tinha um rapaz, que ele era, o nome dele se chamava Regis, e quando eu entrei eu tava na área de montagem, a minha líder chegou e disse assim: “Amanhã vocês vêm tudo bem arrumada, se comportem que amanhã o nosso chefe vem nos visitar aqui”. Aí tá bom, eu era a primeira da linha, quando eu vi, ele chegou lá, eu olhei assim, eu disse: “Meu Deus do céu, esse homem que é nosso chefe”, ela disse assim: “Por que, você conhece?”, eu disse: “Não, não conheço, não”. Aí que ele chegou bem perto de mim, ele falou assim: “Dora, o mundo dá muitas voltas.”.
P/1 – Quem era ele?
R – Era um colega meu, que a gente brincava de casinha junto e que era muito amigo desse que era pai do meu filho, entendeu? Aí eu olhei pra ele assim, eu falei: “Vamos ser profissional, eu não lhe conheço aqui”, ele falou assim: “Mas eu não sei mentir, eu lhe conheço” (risos), foi muito engraçado, assim, essa parte. Aí a minha líder perguntava: “Você conhece o chefe?”, eu dizia: “Não, eu não conheço, não, não sei nem quem é ele”, “Mas ele lhe conhece muito bem”, eu digo: “É o que ele fala, mas acho que ele tá me confundindo com outra pessoa” e foi assim, uma pessoa que me ajudou muito. Que às vezes chegava pra mim: “Dorinha, vai ter, eu vou te inscrever pra ti fazer uma”, eu tava como montadora: “Eu queria que você fosse revisora, entendeu, vai ter um curso, então você vai fazer esse curso”, eu dizia: “Não vou, não”, “Você vai, nem que eu lhe amarre, mas você vai”, ele era todo tempo assim. Aí eu falando: “Mas por que tu não quer que eu fale que eu te conheço?”, “Não, porque aqui a gente tem que ser profissional.”, eu falava pra ele, então foi uma pessoa, assim, que me ajudou muito mesmo dentro da empresa. Aí depois eu conheci a família dele, também tinha uma família, daí a gente conversava muito, me ajudou muito mesmo, sabe, que pena também que faz três anos que ele faleceu também, ele bebia muito, mas foi um amigão mesmo, entendeu?
P/1 – Como que era trabalhar na linha de montagem? Qual era a sua função lá?
R – Eu passei só dois meses na parte de montagem, montando componentes, na época não existia seção automática, era montado tudo manual, os champions, os resistores, passei só dois meses, depois foi quando eu fiz o curso, eu passei pra ser revisora. Depois de revisora foi que eu passei pra ser líder de processo, depois de líder de processo ele mandou eu fazer outro curso, eu passei pra ser contramestre, mas foi quando acabou a função, eu fiquei só nessa função, fui trabalhando diretamente com pessoas, entendeu?
P/1 – Auxiliadora, como era ser mãe, trabalhadora?
R – Ai, era muita luta porque eu trabalhava nessa época sábado, domingo, feriado, e tinha que dar conta da família, e, assim, fora uma filha, assim, a minha filha mais velha, a Claudia, que hoje eu vejo que ela é um milagre de Deus na minha vida, minha filha mais velha.
P/1 – Por quê?
R – Ela teve muitas doenças, a última doença que ela teve foi a meningite, então eu vejo, hoje eu falo assim: “Ela é um milagre na minha vida”, então por todas essas lutas assim eu passei, não foi fácil, entendeu? E, assim, hoje eu falo assim pro meu esposo: “Se hoje eu”, hoje eu to com um glaucoma na minha vista, uma pressão alta, eu falo assim com ele: “Foi devido muita luta que eu enfrentei na minha vida, eu quero dizer que isso aqui é carne, é osso, é tutano”, eu falo pra ele isso hoje, não foi muito fácil, não, mas glória a Deus que eu superei tudo isso.
P/1 – Auxiliadora, voltando um pouquinho, você terminou então, você continuava a estudar ou não? Você tava com uma criança, o seu primeiro filho, você continuou estudando então?
R – Continuei estudando.
P/1 – Você terminou o ensino médio?
R – Terminei.
P/1 – Quando você entrou na Philco você já tinha terminado os estudos?
R – Já, já tinha terminado meus estudos.
P/1 – E ali na Philco você ficou 25 anos.
R – Vinte e cinco anos, trabalhando sábado, domingo, feriado, entendeu, eu saía de casa às vezes quatro da manhã, chegava meia noite em casa.
P/1 – Auxiliadora, quem ficava com as crianças pra você trabalhar tudo isso?
R – Bem, como ele sempre trabalhou por contra própria, ele olhava mais elas do que eu, assim, na época, e na época, como eu tinha condição também de pagar uma pessoa, sempre eu tinha uma pessoa comigo que me ajudava.
P/2 – Ele trabalhava em quê?
R – Na época ele trabalhava com metalúrgica, entendeu, sempre, de tudo ele sabe fazer um pouco, mecânica, metalúrgica, tudo ele, entendeu, antes dele ir pro artesanato ele...
P/1 – Ele era empregado de uma firma?
R – Ele trabalhou no Colégio Objetivo mais ou menos uns oito anos, de carteira assinada mesmo, depois ele...
P/1 – Depois trabalhava por conta própria?
R – Por conta própria.
P/1 – Quando você saiu da Philco, conta um pouquinho como que foi.
R – Ah, foi muito difícil na época que eu saí na Philco porque nessa época que eu saí da Philco foi na época que eu tava lutando contra essa doença, mas nenhum momento, assim, eu não digo a empresa, mas sim as pessoas, me deram todo apoio. Apesar de toda essa fase que a empresa passou, mas me deram todo o apoio, entendeu, em nenhum momento eu fiquei sem o apoio, entendeu, mas, assim, quando eu saí eu quis entrar em depressão, entendeu?
P/1 – Você saiu por quê?
R – Porque a empresa foi, ela foi vendida pra Gradiente na época, e logo em seguida que ela foi vendida pra Gradiente a Gradiente foi à falência, entendeu?
P/1 – Quando você soube da notícia, você lembra o dia?
R – Sim.
P/1 – Como que foi quando você soube?
R – O dia quando, sempre o meu chefe falava: “Tá de mal pra pior, Dorinha”, mas uma coisa ele sempre dizia assim pra mim: “Mas você não pode se preocupar com isso porque o seu estado, você tem que se preocupar com você”, ele dizia pra mim e era isso que me acalmava, que realmente eu tinha que me preocupar comigo mesmo, porque naquele momento eu precisava acima de tudo me amar, mas eu consegui.
P/1 – O que você teve?
R – Eu tive um princípio de um câncer no útero.
P/1 – Como você soube? Foi um procedimento de rotina?
R – Foi, eu fazia todos os exames, nunca dava nada, e quando foi um dia chegou umas enfermeiras do PAM da Codajas, escolheram 50 mulheres pra fazer. Aí a médica do trabalho, eu me dava muito bem com ela, ela, eu entrei no consultório dela, ela disse: “Dorinha, você vai fazer esse exame”, “Ah, não vou, não, eu já fiz esse ano”, eu respondi assim mesmo pra ela. Ela falou assim: “Olha, Dora, não é você que sempre diz assim: a uma palavra é melhor obedecer do que sacrificar?”, eu ficava assim: “Ah, é mesmo, doutora, tá bom, eu vou obedecer, daí foi que eu fiz o Papanicolau, os exames. Quando o resultado saiu ficaram me escondendo, entendeu. Eu lembro que eu saí nesse dia da fábrica mais cedo e cheguei, tinha um rapaz lá do PAM querendo falar com a minha família. Eu falei assim: “Não, mas pode me falar. Você tá atrás de quem?”, “Da Dona Auxiliadora, eu queria falar com a família dela”, eu falei: “Mas eu sou irmã dela, pode falar” (risos), ele pegou: “Não, mas, olha, a sua irmã tá com esse problema, é pra ela ir amanhã às sete horas na assistência social, com o psicólogo, tem que tá lá no PAM da Codajás”, eu disse: “Não, pode deixar que eu acompanho ela”. Eu me senti, assim, forte: “Você vai mesmo levar ela?”, “Vou”, quando ele terminou de sair eu liguei pra fábrica, eu falei: “Poxa, muito obrigado pela consideração, porque vocês me enganaram”. Ela ficou doidinha, como é que eu fiquei sabendo, eu digo: “Agora não adianta, não, eu já sei, amanhã eu vou sozinha lá”, entendeu? Aí fui, conversei com a assistente social, psicólogo. Uma senhora que tava com o mesmo problema chorava, ela dizia: “E você tá tão tranquila”, eu falava assim pra ela: “Eu creio que eu to na mão de Deus, se for da vontade de Deus, amém, se não for também amém”, eu falava pra mulher. Mas, assim, todo tempo eu agindo assim, forte mesmo, entendeu. Aí até a minha família não sabia de nada, até que uma noite eu me acordei, parece que eu tava tendo um pesadelo. Me levantei, eu comecei a orar, esse meu filho já morava comigo. Ele escutou no quarto dele eu assim, eu pedindo socorro de Deus, ele foi, disse: “Mãe, o que tá acontecendo, eu vi você tão aflita, você tava pedindo socorro de Deus?”. Ele pegou, me chamou pra dentro do quarto dele: “Sente aqui, o que tá acontecendo?”. Eu desabei, entendeu? Aí eu falei tudinho pra ele, ele: “Mãe, mas hoje tem tratamento, entendeu, nós estamos do seu lado”, ele foi o primeiro a saber de tudo que tava acontecendo, e foi mesmo, minha família, assim, me apoiou em tudo mesmo.
P/1 – Aí você fez o tratamento?
R – Fiz, eu tirei, eu tive que tirar o útero todo, eu perdi, foi muito bom.
P/1 – Seu marido soube também?
R – Soube, me apoiou também.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha na época 45 anos, eu perdi o útero, e foi assim, Deus me encaminhou, assim, até pro melhor hospital que tem aqui dentro de Manaus, que é o Adventista, entendeu, e graças a Deus tive todo o apoio, não tenho que reclamar, não.
P/1 – Nesse período que a senhora fez o tratamento a senhora já tava...
R – Desligada da empresa já.
P/1 – No mesmo período que a Philco foi à falência também?
R – Exatamente.
P/1 – E depois do tratamento, quando a senhora já tava curada, a senhora teve um outro emprego?
R – Não, foi nesse momento que também o Seu Assis também passando já pela perca da audição também.
P/2 – O seu marido?
R – É, e foi, teve um que se apoiar um no outro, entendeu?
P/1 – Ele estava ainda trabalhando como autônomo?
R – Hãhã.
P/2 – Por que ele perdeu a audição, Auxiliadora?
R – Porque, assim, porque sempre eu falava pra ele assim, que eu acho que ele trabalhou muito, assim, sem usar a proteção.
P/1 – Na metalúrgica?
R – Hãhã e nessa época ele bebia muito também, não me ouvia, não, eu falava, mas nada.
P/1 – Como surge a ideia de trabalhar com a madeira, marchetaria.
R – Da parte dele também saiu também um pedaço hereditário, que vem de família, também, tem um irmão, que é o Ti, que trabalha muito bem com violão, o Isaias, também tem outro irmão que trabalha com marchetaria, entendeu? Mas eu achava que ele não ia se dedicar a esse trabalho, entendeu, eu achava.
P/1 – Com quem que eles aprenderam?
R – Com o tio, ainda conheci ele, Seu Francisco, ele fazia umas canoas, uns violão, entendeu, e eles sempre acompanhavam esse tio.
P/1 – Por que você achava que não, que ele não iria seguir?
R – Porque eu não gostava de artesanato (risos), eu não dava valor, por isso que de vez em quando eu encontro as pessoas: “Ai, eu não dou valor”, “Tá certo, fale aquilo que o seu coração tá cheio, assim mesmo, não preocupe, não”, entendeu, porque eu passei por isso. Então a gente entende, também a reação das pessoas, e eu falava: “Meu Deus do céu”, então ele viu que não tinha mais pra onde correr, eu vi ele já começando a trabalhar em cima disso, da madeira, e ajudava o irmão lá com os violões, eu falei: “Meu Deus, será que ele vai seguir esse mesmo ramo”. Aí aquilo que eu falei aquele dia lá no Consulado, a primeira caixa que ele fez, que ele me mostrou, ele disse que era minha a caixa, até hoje eu tenho essa caixa, eu digo: “Meu Deus, agora ele vai ficar doido e eu vou ficar junto com ele, doida, porque eu vou ter que caminhar junto com ele”, que eu não podia abandonar ele no momento que mais ele precisava, de apoio.
P/1 – Conta pra gente quando ocorreu essa, que ele fez essa caixa, que se tornou...
R – E assim, também foi um desafio, assim, muito grande quando ele pegou, assim, ele tem uma prima que tinha uma loja aqui no porto de Manaus, ela ligou: “Assis, tem um gringo, um rapaz aqui, se chama Agna, da Alemanha, ele quer 60 espécies de madeira.”. Aí o Assis: “Manda ele vir aqui comigo”, ele foi lá com o Assis, ele perguntou: “Você garante fazer essas 60 espécies de madeira?”, “Eu garanto”, eu disse: “Meu Deus do céu”, fiquei, não me liguei, pensando que ele ia desistir. Aí no outro dia o irmão ligou, que já é artesão, que é o Pedro.
P/1 – Fazia caixas também?
R – Fazia. Ele falou assim: “Queria falar com o Assis, Dora”, eu falei: “Assis não tá, Pedro”, ele falou assim: “Dora, eu preciso conversar com Assis, o Assis tá ficando doido, é? Eu que já tenho um tempão de artesão só conheço 23 espécies de madeira, como é que ele vai trabalhar com 60 espécies de madeira? Ele não faça isso, que ele vai envergonhar o nome dos artesãos”, ele falou, meu Deus. Aí eu falei: “Você terminou, Pedro?”, porque se ele fosse outro tinha ido lá: “Meu irmão”, já veio assim, eu falei assim: “Tá bom, Pedro, terminou?”, ele: “Terminei”, eu falei: “Pois eu conheço um homem que vai dar as 60 espécies de madeira”. Aí ele: “Eu posso saber o nome desse homem?”, eu disse: “Pode”, “Como é que chama o nome desse homem, Dora, que vai dar 60 espécies de madeira?”, eu disse: “Chama Jesus de Nazaré”, eu falei mesmo assim pra ele e naquele dia foi um desafio. Quando ele chegou eu olhei pra ele, eu disse: “Olha, eu vou entrar nesse desafio, eu não sei o significado de madeira, eu não conheço nada, mas eu vou junto contigo agora”, foi um grande desafio. Aí o rapaz chegava lá, o Agna, ele dizia assim: “Eu quero ajudar, quero ajudar o trabalho”, pra adiantar o trabalho, o irmão dele ligava pra ele: “Você não vai aceitar esse rapaz , não”.
P/1 – Quem é o Agna?
R – Era o alemão (risos), eu falava assim: “Você corra já daqui”, eu lhe dizia: “Come, então esse vai ser nosso almoço”, ele passou um mês lá comendo da minha comida, tinha um quarto, que era das minhas filhas, digo: “Bem, eu vou ligar o ventilador aqui, você vai colocar a etiqueta na madeira”, “Tá ótimo, eu quero é ajudar”, ele dizia, sabe, o Agna. O irmão dele achava que ele não deveria fazer, tá, ligou: “Assis, eu to sabendo que tu aceitou o rapaz dentro da sua casa”, ele disse: “Eu mesmo não, foi a Auxiliadora que aceitou ele”, eu digo: “Mas o rapaz queria ajudar, e ajudou mesmo”. Então foi um grande desafio, foi quando eu fui no INPA, que eu conheci a Doutora Claudete, que é...
P/1 – Só pra entender um pouquinho, Auxiliadora, o alemão fez uma encomenda.
R – Uma encomenda.
P/1 – Essa encomenda era produzir o quê?
R – Sessenta espécies de madeira catalogada assim, mais ou menos desse tamanho, entendeu, com os nomes das madeiras.
P/1 – Tinha que achar a madeira aqui?
R – É, isso.
P/1 – Então ele iria fazer uma pesquisa, um levantamento.
R – Isso, onde entra um rapaz chamado Gean, que trabalha no Tiê, que é muito nosso amigo, inclusive essa semana eu tive no sítio dele com ele, ele se lembrou desse desafio, ele disse: “Dora, tu não sabia nem pra onde ia a madeira, mas tu entrou no desafio.”.
P/1 – Como vocês fizeram?
R – Fomos nas, onde vende as madeiras, na madeireira, também, temos contato com algumas pessoas em Itacoatiara, lá a gente trazia a madeira e o Gean levava pro INPA pra reconhecer as madeiras, entendeu? E também um rapaz também chamado Rubens, também trabalha com as crianças de rua, ele tinha madeira certificada também, ele conseguiu pra gente uma parte da madeira também, foi um ajudando o outro, sabe?
P/1 – Você falou que conversou com uma pessoa do IMA?
R – Do INPA, que é o Gean, foi ele que conseguiu, consegui com a Doutora Claudete até, inclusive até hoje, marcou assim, que hoje a Mirele, ela é engenheira Florestal, ela tá lá na UFAM, ela: “Você tá precisando de ajuda, Dora”, ela passa sempre lá comigo, dá aquela reforçada, sabe, então encontrei muitas pessoas assim, amigos mesmo pra ajudar.
P/1 – Esse alemão era um pesquisador?
R – Era um pesquisador.
P/1 – Ele era um pesquisador da universidade daqui ou da Alemanha?
R – Da Alemanha, conseguimos.
P/2 – Quanto tempo levou?
R – A gente passou um mês.
P/1 – E conseguiram.
R – Conseguimos, entendeu, até ele, assim, ficou impactado, que ele viu o esforço da gente, ele se uniu junto com a gente, sabe, foi muito mesmo a experiência.
P/1 – Ele pagou por esse trabalho?
R – Pagou, entendeu, com certeza.
P/1 – Esse trabalho vocês consideram o primeiro trabalho que vocês fizeram com a madeira?
R – Na minha vida foi, um desafio.
P/1 – E depois?
R – Depois veio os outros, entendeu, mas todos a gente tem vencido
P/1 – Eu lembro que você contou lá na roda de história da caixinha, a caixinha que o seu marido produziu foi depois dessa encomenda que ele recebeu?
R – Foi antes, antes, quando ele me mostrou aquela caixa, que eu vi o design da caixa, eu falei: “Meu Deus, ele tá doido, entendeu, vai trabalhar colando peça”, eu, entendeu?
P/1 – Por que doido?
R – Porque ele passava o dia lá embaixo, eu esquecia dele, quando eu vi ele vinha com os blocos de madeira: “Olha, Dora, o que tu acha desse desenho?”, eu: “Não sei nem pra onde vai isso”, falava, sabe, entendeu?
P/1 – Quando vocês começaram a ter consciência de que isso poderia ser um empreendimento?
R – Quando a gente começou a ter consciência foi quando a gente, eu conheci o Klein, da Economia Solidária, que o Klein entrou, o Klein falava pra mim assim: “Dora, tu tem que incentivar ele, que isso vai dar certo”.
P/1 – Como você conheceu o Klein?
R – Eu conheci numa política, era o Vagner, que era um rapaz que era candidato. Que é irmão da Vanessa, que era diretor do artesanato na época, que agora a Vanessa é no lugar dele, Elisângela, sabe disso? É o Vagner, que é irmão da Vanessa, a sobrinha dela, da Vanessa, trabalhou comigo, eu fui líder, então eu conheci a família, entendeu, quer dizer, eu plantei lá no passado, sem saber. Aí foi onde ele foi lá em casa, o tio dele sempre ia lá em casa também, ele: “Dora, você tem tudo pra dar certo, Dora”, “Mas ele, entendeu, ele não vai querer levar isso a frente”, “Mas é tu que tem que incentivar, sabe”.
P/1 – Não tinha vendido nenhuma ainda?
R – Não, ele falava assim: “Olha, Assis, tuas peças é bonita, Assis”, entendeu, incentivava mesmo. Depois esse Vagner chamou o Klein: “Klein, você tem que chamar a Dorinha, incentiva ela, entendeu, porque é através dela que ele vai, entendeu”, tanto que quando ele chamou: “Não, mas não vou mesmo”, eu falei: “Não, tem tudo pra dar certo, Assis, deixa eu fazer primeiro as formações, entendeu”, e assim eu fui.
P/1 – As formações foram onde?
R – São na Economia Solidária.
P/1 – O que é Economia Solidária?
R – Bem, é um movimento, a Economia Solidária, ela é um movimento que tem ajudado muito empreendimento, aqui dentro de Manaus, inclusive o nosso é um deles, que tem recebido muito apoio. Inclusive as meninas também, elas também fazem parte desse movimento, foi através desse movimento de Economia Solidária que eu conheci as meninas do Consulado também. Até hoje eu falo assim pras pessoas: “Não desista, entendeu, da Economia Solidária, porque esse movimento tem nos apoiado”, entendeu, embora que às vezes, um dia desses lá na reunião tinha só cinco pessoas, o Klein: “Ninguém vai desistir, não, Dona Auxiliadora?”, “Não vamos, não”, entendeu, nós temos que insistir, mostrar pra essas pessoas que as coisas funcionam, depende de cada um de nós.
P/1 – Você teve contato com a Economia Solidária também através de reuniões?
R – De reuniões.
P/1 – Como era a organização dessa rede de economia solidária?
R – Bem, quando eu comecei na formação de economia solidária, sempre quando o Klein me convidava, pra mim ir pras reuniões, ele me chamava pra ir pras plenárias, onde é discutido as propostas, e eu falava: “Isso aqui não é pra mim, não”, às vezes eu mesma falava assim, mas achava, pra mim mesmo: “Mas eu tenho que ficar aqui, não posso desistir, se eu já to aqui eu não posso desistir”.
P/1 – Por que você achava que não era pra você, Dora?
R – Porque fala muito sobre política, mas é isso mesmo, tem que se envolver também na política mesmo, porque através deles que nós vamos receber apoio. Como hoje eu tenho, assim, o empreendimento, ele tem apoio não só das meninas do Consulado, como tem hoje da municipal, da estadual, hoje quando ela perguntou assim de mim: “Você tem várias exposições.”. Porque às vezes tem uma feira no Plazza, as meninas me ligam: “Olha, Dona Auxiliadora, tem um espaço do Consulado”, mas o municipal já ligou pra mim, o Virgílio: “Dora, tem o teu espaço lá”, tem o estado, que é a Vanessa: “Dora, tem um espaço”. Aí eu fico, eu digo: “Não, eu tenho que decidir por um”, entendeu, e muitas vezes perguntam: “Você tem alguém pra indicar?”, o Virgílio sempre pergunta de mim: “Você tem alguém pra indicar, Dora?”, eu creio que aí entra a economia solidária: “Tenho sim”.
P/1 – Quem é o Virgílio?
R – Que é o diretor do Economia Solidária pela municipal, entendeu, eu digo: “Tenho sim”, sempre eu indico alguém pra tomar o meu lugar.
P/1 – Esse espaço pra exposição.
R – Isso, exatamente.
P/1 – Eu lembro que, Auxiliadora, você tinha comentado que o seu marido não tava acreditando muito.
R – Isso.
P/1 – E que houve um momento ali que foi decisivo pra você acreditar também na rede de economia solidária, você pode contar um pouquinho pra gente?
R – Essa parte aí quando o Klein chegou.
P/1 – O Klein é do...?
R – Ele é do movimento da Economia Solidária, ele é empreendimento também, mas ele faz parte, do movimento, e ele... Essa parte aí também, o Assis falava pra mim assim: “Ah, isso é perda de tempo, entendeu, Dora”, eu digo: “Tá bom, eu vou continuar na formação, não vou desistir” e foi quando foi a primeira viagem, que foi aquela que eu contei pra vocês lá no Consulado. Quando ele falou assim: “Olha, tem uma passagem aqui, entendeu, pra ti levar o empreendimento, eu tiro no teu nome ou no nome do Seu Francisco?”, eu falei: “Klein, eu gostaria que fosse no nome dele”, “Mas é melhor no seu porque você que fez formação, você fez isso”, eu disse: “Mas eu queria que ele tivesse vendo que as coisas acontecem”, entendeu? E eu falei pra ele: “Olha, Assis, as passagens tão sendo tiradas no seu nome”.
P/1 – Era pra onde?
R – Pra Bahia, ele ficou assim: “Mas você que tinha que ir, Dora”, eu digo: “Não, é você que vai ter que ir”, entendeu, e foi uma experiência muito boa porque foram dez empreendimentos, então, assim, foi uma experiência muito boa pra ver que dentro de, foi dez empreendimentos que foi escolhido pra ir e o nosso foi o único que vendeu lá, entendeu?
P/1 – Ele gostou?
R – Aí ele gostou, quando ele veio ele disse: “Não é que o negócio funciona mesmo, Dora?”, entendeu, quer dizer em nenhum momento eu pensei em mim, eu digo: “Não, eu vou, eu comecei, não, é você que vai”.
P/1 – Auxiliadora, você falou das formações também da rede, que formações eram essas? O que você aprendeu?
R – Olha, uma das formações que eu tenho aprendido, os cursos, como agora recentemente teve esse lá no Consulado, que eu falei assim: “Assis, vamos lá”, ele falou: “Mas a gente já fez esse curso lá não sei aonde”, eu disse: “Eu também fiz, entendeu, lá dentro da secretaria”, só que, como eu falei pra ele, ele saiu com uma diferença agora nesse curso , eu falei: “Eu não lhe falei como é diferente o curso?”. Nós fizemos lá acho que uns seis meses atrás, praticamente, nós fizemos esse curso, houve uma mudança muito grande.
P/1 – Sobre o que era o curso?
R – Esse curso, pra mim ele foi valioso porque não foi só na teoria, como na prática, como a gente ali tava na teoria, mas num momento a gente passava um pouco pra prática, como lidar com o cliente, então foi totalmente diferente daquele que eu fiz seis meses atrás. Então essa demonstração eu mostrei pra ele, entendeu: “Embora que você já fez, mas não custa nada você tentar renovar de novo”.
P/1 – Auxiliadora, como você conheceu o Consulado da Mulher?
R – Através da Economia Solidária, entendeu, as meninas fazem parte, foi lá que eu conheci as meninas, quando foi um dia ela chegou lá dentro do shopping...
P/1 – Ela quem?
R – A Elisângela, ela foi pegando nosso cartão e fazendo convite, pra gente ir lá, eu liguei, eu sempre fui assim, o Klein sempre foi o meu líder, assim, eu liguei: “Klein, a Elisângela foi lá, pegou nosso cartão”, “Não, tudo bem, Dona Auxiliadora, tranquilo” (risos), eu tinha que participar, e ele também, a gente pensa a mesma comunicação, porque ele que foi, assim, um líder pra mim desde o início.
P/1 – E o contato com o Consulado, um contato maior, como aconteceu? A senhora fez cursos?
R – Agora que a gente tá fazendo, agora pelo Consulado a gente tá fazendo os cursos.
P/2 – Essa primeira vez era pra quê?
R – De quê?
P/1 – Quando ela chamou você.
R – Ah, tá, era pra fazer o convite pra gente pra fazer assessoria dentro do empreendimento.
P/1 – A assessoria, como ela vem sendo, a assessoria do Consulado da Mulher?
R – Ela tem acompanhado, por exemplo, o espaço, como aquilo que eu falei, o Consulado liga: “Tem um espaço pra você lá na feira do Plazza”, eu tenho que escolher qual é o espaço, um dos espaços que eu escolhi, como o Virgílio veio: “Você me traiu”, eu digo: “Não, eu to pelo Consulado, então vou ficar no Consulado”. E, assim, a outra moça, a Odacir, me acompanha na parte do relatório de venda, que eu acho isso muito importante, que a gente fazia todas essas formação, mas essa parte aí a gente não tinha esse acompanhamento dentro do empreendimento, que eu acho isso aí, hoje eu vejo, muito importante mesmo, que você tem uma base daquilo que você vende, entendeu? Então isso eu aprendi através, com as meninas, com a Odacir, que tem me acompanhado nessa parte dos relatórios todo mês, hoje eu aprendi, no caso eu vendia, mas eu não anotava nada, eu digo: “Ai, meu Deus, agora eu tenho que anotar tudo”, porque chega no final do mês a Odacir me liga, ela quer o relatório da venda. Então tudo é assim, um processo na nossa vida, e a gente tem que começar se adaptar.
P/1 – Vocês estão conseguindo gerar renda com o empreendimento de vocês?
R – Hoje a gente vive da renda do artesanato.
P/1 – Os filhos também dependem?
R – Quer dizer, hoje só é nós dois, entendeu, mas tem mais duas que faz, que nos ajuda, que é a Claudia e a Roberta, a Claudia trabalha, mas elas ajudam, entendeu, com a gente no empreendimento, dá opinião na parte de qualidade, elas falam, entendeu?
P/2 – A Claudia é sua filha?
R – Isso, a mais velha.
P/2 – A Roberta também?
R – A Roberta também.
P/2 – Elas participam dando opiniões.
R – Dando opiniões também, que é muito válido.
P/2 – Como é esse relatório de vendas?
R – Todo mês eu passo pra ela aquilo que eu vendi, o meu, e também o meu consumo, o meu, por exemplo, o que eu gastei de gasolina, o que eu gastei de comida (risos), tudo eu tenho que passar pra ela, é o mês. Ela me pede, todo final de mês ela me liga: “E aí, Dona Auxiliadora, o seu relatório, pode me passar”, então tem que tá tudo anotado, então isso aí eu não tinha, esse hábito de anotar, o que eu vendia, entendeu, hoje não. Eu sento com o Seu Assis: “Qual foi teu gasto de cola, de verniz, entendeu, gasolina”, quando eu coloco a comida: “Comida?”, eu digo: “Claro, tem que colocar tudo, entendeu, porque tudo isso aí eu vou explicar pra ela”, entendeu?
P/2 – Comida quando você tá vendendo?
R – Isso, que é meu almoço, no local onde eu to, que eu almoço, conta o que eu gastei de alimentação.
P/1 – A produção é só o Seu Assis que faz?
R – É, mas quando ele tá assim, muito agoniado, que na UFAM eu, como eu faço hoje parte, aí tá, lá na UFAM eu fui pela Economia Solidária, quando eu tava no período de um ano lá, que eu já vou pros quatro anos lá
P/1 – A UFAM é Universidade Federal do Amazonas?
R – É, isso, foi quando a Professora Selma me chamou, ela falou: “Olha, eu fui puxar no sistema, vi que você faz parte do Economia Solidária, eu to precisando de uma pessoa que me ajude na parte da coordenação”, eu falei: “Meu Deus”.
P/1 – Na coordenação da feira?
R – Da feira.
P/1 – Na universidade?
R – Isso. Aí eu digo: “Tá bom, professora, eu vou lhe ajudar”, ela disse: “Dora, eu vou passar parte do tempo fora, viajando, e a responsabilidade vai ficar com você”, entendeu, aí tá, então hoje eu sou uma das coordenadoras de lá.
P/2 – É um trabalho voluntário?
R – É um trabalho voluntário, eu gosto também de fazer.
P/2 – Como é essa coordenação?
R – É pra organizar a feira, por exemplo, são 25 mulheres, tudo é um, tem que ter a mesa com a estopa, tem que ter se as meninas tão de farda com crachá, entendeu, a parte de tomar conta da organização. E de vez em quando tem, assim, umas coisas de contenda, que uma vem, se queixa: “Olha, fulana tem o mesmo produto, tá vendendo mais caro, vá lá conversar”, eu tenho que ir lá, entendeu?
P/1 – Como você faz pra resolver esses problemas?
R – Um dia desses era por causa de uma pulseira, a pulseira da outra era feita com uma pedraria e a outra era com açaí: “Ai, a minha eu vendo a dez reais, a outra vendendo lá de 15, 20”, eu falei: “Filha, mas você já prestou atenção que o material dela lá é um material mais caro, com pedraria, o seu é com açaí, é uma diferença muito grande, entendeu, então tem como você vender barato e ela vender mais caro, entendeu? Como é que você fica julgando a sua colega desse jeito, a sua companheira?”, eu fico falando. Aí as meninas: “Eita, agora entrou até o partido do PT” (risos), mas eu tenho que conversar assim com elas, mas a gente resolve, acaba resolvendo a situação.
P/1 – Dora, você falou que nas reuniões da Economia Solidária, no começo você achava que era muita fala, sobre política, você lembra o que eles falavam quando você achava que era muita política?
R – Era assim, pelos direitos, por exemplo, nós artesãos, nós temos todo um direito, e ninguém sabe disso. Inclusive eu tenho uma amiga, que ela ganhou hoje pra vereadora, e a diretora tava apresentando ela na feira, e quando ela se deparou comigo ela disse: “Não, Claudia, essa aqui é minha amiga, a gente trabalhou juntas”. E ela falou assim: “Dora, vai lá no meu gabinete, tem um fundo, que é pros artesãos, mas a gente precisa sentar pra conversar, chama o Klein, o pessoal de economia solidária pra gente conversar sobre isso”. Quer dizer, eu nem sabia disso, que a gente tinha um fundo dentro de economia solidária que podia, entendeu, e ela tem nos chamado pra isso, inclusive eu até coloquei isso na reunião agora: “Klein, a gente precisa ir lá com o Rose, ela já chamou a gente e pode nos ajudar em relação às barracas, que a gente tá querendo montar uma feira, entendeu, então ela pediu pra gente ir lá, que ela vai ver, ajudar a gente”, entendeu? Mas essas coisas só podem acontecer se a equipe toda, se reunir pra ir lá lutar por esse fundo, que tem.
P/1 – Sobre a produção, é só o marido da senhora que faz as peças?
R – É só ele, quando a gente pega uma encomenda, assim, por exemplo, já aconteceu da gente pegar uma encomenda, sempre a gente um rapaz que já trabalhou com o irmão dele, que hoje tá trabalhando numa fábrica, ele trabalha no segundo turno, quando o negócio aperta mesmo a gente dá um, sempre ele liga: “Poxa, tem um dinheirinho aí extra pra mim ganhar , que eu to precisando”, ele mesmo se oferece. Mas quando termina o trabalho a gente paga ele, entendeu, não tem compromisso nenhum.
P/2 – Ele é pago por hora?
R – Não, por semana, entendeu?
P/2 – Mas não tem a ver com o quanto você vende, você paga o trabalho dele?
R – O trabalho dele, entendeu?
P/1 – Quais são as peças que vocês produzem?
R – São essas, os porta-jóias, porta-cartão, os baús, as esferas, que são feitas do cipó, material de cipó, também, e hoje também ele tá trabalhando também com quadro, inclusive ele tá até terminando um todo trabalhado no cipó também. E conforme assim, também o pedido do cliente, por exemplo, a gente tá, eu tava até falando pra ele: “Assis, já terminou nossas caixas grandes”, hoje eu vendi três caixas grande no shopping, que o pessoal tem procurado muito com um design diferente. E são aquelas caixas que é feita com esse material aqui, que é a palha do urucum e o açaí, que se torna assim, um material, uma peça regional, ela não entra, essa fechadura, ela é muito bonita, mas com o tempo ela fica frágil. Agora, essa aqui não, ela tem mais durabilidade.
P/1 – Essa é uma criação do Seu Assis?
R – Isso, entendeu?
P/2 – A Eliete perguntou sobre os desenhos que ele faz.
R – Os designs também é assim, nós tivemos também um curso no SEBRAE, que veio uma senhora chamada Dona Virgínia, também um amor de pessoa, e a Lilian levou ela lá em casa, ela pegou, ligou: “Lilian, eu não tenho que trabalhar mais nada sobre o Seu Francisco, porque eu sou designer, mas eu não faço o que ele faz”, entendeu? Porque é criado, uma coisa assim que vem da cabeça dele mesmo, os designs.
P/1 – O Consulado da Mulher, além dos cursos, ofereceu mais alguma outra assessoria pra vocês ou deu equipamentos?
R – Olha, agora também, porque a gente tá bem recente, a gente tem um processo de uma máquina, que a gente precisa dessa máquina porque os maquinários do Seu Francisco tudo é ele que faz (risos). O pessoal chega lá, foi um mapeamento do pessoal da UFAM, pra fazer o mapeamento lá, e aí eles: “Mas Seu Francisco, o senhor que faz os seus maquinários?”, “É”, entendeu? Aí a Odacir foi lá, viu nossas condições, ela tá fazendo um levantamento sobre uma maquina que a gente tá precisando, que é um torno, pra gente trabalhar com a madeira torneada, entendeu, vai melhora muito mais ainda o processo.
P/1 – Auxiliadora, como que essa assessoria do Consulado da Mulher mudou o empreendimento de vocês?
R – Mudou em relação, assim, por exemplo, como eu falei pra você, eu não tinha hábito de anotar as vendas, pra mim eu, entrava e saía, não sabia em que eu gastava, entendeu, hoje não, hoje eu tive que apreender isso , entendeu? Embora que às vezes eu me esqueça, eu falo pra ele: “Tu tem que me lembrar porque no final do mês a Odacir vai ligar e quer o relatório, ela quer ver em que eu gastei, entendeu, o que foi comprado de material”, entendeu, então, quer dizer, isso foi uma coisa que o consulado, tem nos cobrado e tá funcionando. Que hoje inclusive serviu pra mim lá na Economia Solidária, o Klein me pediu, pra fazer um relatório lá, eu falei: “Não, tá tudo aqui na agenda, agora o pessoal do Consulado (risos) me cobra todo mês e eu tenho, entendeu?”, ele: “Tá vendo”, entendeu, então tá sendo muito bom a assessoria do Consulado. Fora o tratamento, como as meninas são, com a gente, como ser humano, entendeu, isso é muito bom, principalmente quem teve uma vida lá na infância toda rejeitada, e poxa, chegar na velhice, você, mas graças a Deus eu superei tudo isso, hoje encontro pessoas maravilhosas. Eu quero dizer que o pessoal do Consulado são umas pessoas maravilhosas, entendeu, na nossa vida, todas elas.
P/2 – Dora, essa Economia Solidária, o que ela contribui pros artesãos? Eu entendo que são vários parceiros na Economia Solidária, a prefeitura, inclusive, não sei se a universidade, mas o Consulado da Mulher...
R – A universidade também, hoje ela faz parte do Economia Solidária também.
P/1 – O que a Economia Solidária, se é que ajuda, em que ela ajuda os artesãos?
R – O que eu tenho visto hoje dentro do movimento é que as pessoas, elas procuram muito pelo espaço de vendas, entendeu, elas esquecem o quê? As formações, que eu creio que é muito importante dentro de um empreendimento, os cursos, isso é bom. Aquilo que eu falei, que houve uma mudança muito grande agora na cabeça do Seu Francisco com esse último curso que nós fizemos lá no Consulado, que eu acabei de citar, entendeu, então isso é importante pro artesão. Muitas vezes ele se preocupa só em produzir, a parte só capitalismo, entendeu, e a formação ele esquece, e também o movimento chama pra uma reunião, todo mundo pensa que é feira, lota, mas chama pra uma reunião coletiva vai pouco.
P/1 – Nessa reunião coletiva o que tem de discussão?
R – É justamente pra falar sobre as pautas em relação, também entra feira, também, como é que nós vamos fazer pra gente conseguir um espaço, mas só que eles só se preocupam mesmo, só querendo espaço, eles não querem se preocupar em lutar, correr atrás do espaço junto com o pessoal do movimento. Quando foi montada uma feira de economia solidária na Praça da Saudade, tá, a gente se reuniu, a feira vai acontecer, pra essa feira acontecer a gente precisava de transporte, de barracas, entendeu, de água, também, um monte de coisa. Aí na hora o pessoal quer chegar lá, eles querem encontrar tudo montado, tudo bonitinho, só mesmo pra venda, eles não querem se preocupar com esse lado, entendeu?
P/1 – Auxiliadora, se a senhora não fosse empreendedora junto com o marido da senhora, o que a senhor estaria fazendo hoje?
R – Bem, olha, às vezes, tem vezes que, eu confesso pra vocês que essa, é assim, caminhar nessa caminhada, ela é um pouco rígida, assim, a gente tem que ter amor mesmo, principalmente por vidas, como eu falei, que lá na UFAM eu faço parte da coordenação, então a gente tem que ter amor pra entender um ao outro lá, porque senão as coisas não funcionam. Mas às vezes eu digo assim: “Poxa, eu acho que eu vou fazer meu currículo, vou atrás de trabalho”, entendeu, mas ao mesmo tempo eu digo: “Bem, se eu for voltar a trabalhar de novo, eu sinto que isso vai acabar tudo, aquilo que, poxa, eu já venho lutando”. Eu penso também muito nele, porque se eu desistir ele desiste também, entende, isso me dá mais força pra mim ir em frente, entendeu?
P/1 – O que é importante pra senhora hoje?
R – Minha família.
P/1 – E um sonho que a senhora tem?
R – De cada vez mais, progredir mais dentro do empreendimento junto com ele.
P/1 – A senhora gostaria de contribuir com mais alguma informação, alguma informação que a gente não tenha perguntado, ou sobre a rede de economia solidária, ou sobre até o empreendimento de vocês e os desafios que vocês tenham?
R – Bem, eu acho que no momento agora eu só tenho que agradecer, por essa oportunidade de tá aqui, podendo compartilhar, com esse momento, através, mais uma vez através do Consulado, de eu tá aqui hoje junto com vocês compartilhando até momentos que foi difícil na minha vida, que eu pensava que isso não ia acontecer. Eu peço até desculpa, que mexeu comigo, (risos) eu não esperava que isso ia acontecer, mas é assim mesmo.
P/1 – A senhora quer acrescentar mais alguma informação de algo que a gente não tenha perguntado?
R – Não, eu só queria agradecer mesmo pela oportunidade que vocês me deram, foi muito bom, parece que ainda tinha algo preso aqui dentro de mim que eu coloquei pra fora.
P/1 – Nós que agradecemos, Auxiliadora, obrigada.
P/2 – Obrigada e parabéns.
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