Plano Anual de Atividades 2013 – PRONAC 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Nadia Lúcia da Silva Garrido
Entrevistada por Márcia Trezza e Eliete Pereira
Iranduba, 26 de abril de 2014
WHLP_HV018_Nadia Lúcia da Silva Garrido
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
P/1 – Nadia, a gente vai começar a entrevista, fala o seu nome completo.
R – Meu nome completo é Nadia Lúcia da Silva Garrido.
P/1 – Onde você nasceu, Nadia?
R – Eu nasci aqui mesmo, na comunidade de Tumbira, na RDS do Rio Negro, na qual eu permaneço até hoje.
P/1 – Qual é o município aqui?
R – Município de Iranduba.
P/1 – No Estado do Amazonas, né?
R – Sim.
P/1 – Qual a data?
R – Do ano que eu nasci? Mil novecentos e setenta e sete.
P/1 – E o dia e mês?
R – Dia 11 de abril.
P/1 – Onze de abril de 1977?
R – Isso.
P/1 – E o nome dos seus pais, Nadia?
R – O nome do meu pai é José Garrido Filho e da minha mãe é Raimunda Pereira da Silva.
P/1 – Qual a atividade deles?
R – A minha mãe, sempre ela cuidou de casa mesmo, né, o meu pai era carpinteiro, construtor de barcos, carpinteiro naval.
P/1 – Desde sempre ele construiu barcos?
R – Sempre, só parou mesmo depois dos 80, acho que com 80 anos ele parou de trabalhar com isso.
P/1 – Quando você lembra de um tempo atrás que lembranças você tem dele?
R – Ah, eu tenho muita coisa bonita, assim, que a gente viveu junto também, até agora, graças a Deus, ele tá aqui ainda, né, mas eu lembro que desde pequenininha, assim, eu fui muito apegada com ele, pescava na canoa com ele, andava com ele pra soltar malhadeira também, pra pegar peixe de malhadeira, né? Então sempre assim, a gente fazia umas atividades junto, eu não acompanhava ele na carpintaria porque isso não, mas sempre a gente ajudou muito, teve junto.
P/1 – Você lembra dele construindo barco?
R – Lembro sim, lembro, porque sempre eu tive perto, né, então o estaleiro no qual ele construía barco era perto de casa, então ele trabalhava com bastante gente pra ajudar ele, daí a gente fazia sempre o almoço dos trabalhadores dele, o café da manhã, então a gente sempre trabalhou assim, junto.
P/1 – Fala um pouquinho dessa construção de barco.
R – Ele trabalhava com barcos grandes, né, de 25 metros, de 30, então era sempre, até hoje ainda tem muitos barcos ainda que foi ele que fez, esses grandes barcos de, turístico, né, não lembro o nome de um, mas...
P/1 – Como ele fazia? Ele pegava madeira, desde pegar madeira?
R – Era, ele sempre trabalhava com itaúba, que é a madeira mais resistente, né, mas, assim, até eu posso dizer que não foi, foi uma exploração, mas era uma exploração que não foi pra acabar porque quando ele precisava fazer um barco ele tinha as pessoas que forneciam a madeira pra ele, mas era só aquela qualidade. Ele encomendava a quantidade de madeira que ele ia precisar e daí ele comprava das pessoas, né, então ele também era um grande empreendedor porque ele ajudava muito as famílias, não só daqui da comunidade também, mas das comunidades vizinhas também, que trabalhavam na extração da madeira, né? Que hoje já, graças a Deus, com o tempo já foi legalizada, as pessoas que trabalham já trabalham de forma manejada, então mudou muito essa conscientização também, né, mas até hoje aqui ainda é uma comunidade muito rica em madeira ainda,
P/1 – Você falou que ele fazia de um jeito que não acabava a madeira.
R – É, não acabava e quem tirava madeira pra ele sabia qual era a madeira que era boa, né, o trabalhador mesmo que é acostumado, que nasceu assim nessa vida, né, de madeireiro, ele bate na árvore, ele sabe qual é que é a boa e qual é que não é, então ele não matava a árvore que não fosse, que servisse pra tirar a madeira boa. Então isso ajudou muito também na preservação da espécie, né, da itaúba também.
P/1 – Pelo o que eu ouvi o seu esposo contar, a madeira que tava mais nova também não tirava.
R – Não também, que não serve, né, também, a madeira que é muito fininha não serve pra construção, então tem todo aquele cuidado, né, com a madeira, que hoje a gente entende, que tem a neta, a mãe, a avó, sei lá, só pode tirar a filha e a mãe e a neta fica, que é pra preservar, né, a espécie, né, não pode acabar.
P/1 – O seu pai aprendeu com quem essa arte de fazer barco?
R – Ele aprendeu com uma pessoa que ele disse que ajudou muito ele quando ele veio pra cá, que ele perdeu os pais dele muito cedo, com 14 anos, se eu não me engano, então ele trabalhou muito, assim, com outras pessoas, o qual ajudaram ele. Não lembro como era o nome da pessoa que ajudou o papai, que ele ensinou, com o qual ele aprendeu, ah, Seu Josias, Seu Josias de Araújo.
P/1 – Seu pai nasceu aqui na comunidade também?
R – Não, ele nasceu no outro lado, que hoje é denominado APA, no Pagodão.
P/1 – Mas nessa região mesmo?
R – É, do outro lado do rio, que é em Cueiros, né, também, a parte do Cueiros, ele passou parte, acho que até uns 14 anos ele viveu por lá, depois que pais morreram é que ele foi pra Manaus e daí conheceu Seu Josias e veio trabalhar com ele pra cá.
P/1 – Você disse que você tem bastante lembranças, que você ia pescar com o seu pai, você aprendeu a pescar com ele?
R – Aprendi, aprendi a pescar com ele, ele sempre só pescava com malhadeira, nunca ele foi de pescar de linha, mas com a minha mãe também a gente pescava com caniço, a gente ia pro igapó e pegava o peixe de caniço.
P/1 – Malhadeira é a rede?
R – É, malhadeira é a rede.
P/1 – E hoje, você pesca, Nadia?
R – Não, só na época do rio seco a gente ainda pesca, piranha, né, que tem uma época que tem muita piranha e daí a gente vai pescar, mas é de linha, não é mais de malhadeira.
P/1 – A piranha pra alimento?
R – É pra alimento, fazer uma caldeirada de piranha é muito bom.
P/1 – Quando você era criança você já vivia aqui nesse lugar.
R – Sim.
P/1 – Você nasceu aqui, mudou muita coisa de lá pra cá?
R – Mudou muita coisa.
P/1 – O quê?
R – A vida das pessoas, né, tiveram uma qualidade de vida muito melhor, hoje em dia eu acho que isso é reconhecido por todos, porque até mesmo a moradia, assim, tem mais conforto, realmente a qualidade de vida mudou muito mesmo.
P/1 – Então vamos falar como era quando você era criança, depois você conta um pouco as mudanças, tá?
R – Tá bom.
P/1 – Como era onde você morava?
R – Onde eu morava...
P/1 – Na sua infância.
R – A minha infância, desde quando eu era pequenininha a gente não tinha água encanada em casa, né, então a gente carregava água do rio mesmo, tanto pra fazer alimentação, tomava banho no rio, né, também. Daí no final de semana a gente tinha aqueles tambor grande, de 200 litros, a gente carregava água na cabeça pra encher aqueles baldes, pra passar a semana com a água armazenada. Mas isso era uma diversão pra gente porque a gente pulava n’água, carregava pra terra e enchia aquelas panelas todas com água, né? Lavava roupa também na beira do rio, tomava banho, lavava louça, tudo era feito no rio, e geladeira também a gente tivemos, mas a gás, que na época não tinha energia, né, daí o papai comprava a geladeira a gás, sempre nós tivemos uma geladeira.
P/1 – Eram vocês que moravam num sítio?
R – Sim, nós morávamos todos lá, todos nós passamos nossa infância e juventude morando no sítio, depois que a gente saía pra estudar e depois retornava de novo.
P/1 – O banho no rio era divertido também?
R – É, até hoje é, né, divertido, essa parte, assim, é inesquecível, dá pra reviver isso tudo, não como infância, mas como uma coisa boa.
P/1 – Vocês ainda usam o rio pra essa diversão.
R – É, pra tomar banho, e até em alguns lugares ainda, aqui mesmo ainda tem gente que lava roupa no rio ainda, por ser mais espaçoso, tem mais abundância de água, né, então os panos maiores elas lavam no rio.
P/1 – Nadia, você lembra de algum dia que aconteceu alguma coisa marcante aqui, ou travessura no rio, alguma coisa diferente quando você era criança, alguma história no rio?
R – Não, eu não lembro, todas as lembranças são boas, né, mas não teve, assim, algo tão marcante que eu possa lembrar.
P/1 – Que brincadeira que vocês faziam no rio, tinha alguma?
R – Não, só de, às vezes até de mergulhar e manja-pega, que chama, mãe d’água, a gente nadava, o outro quando pegava daí era aquele que era pego que ia pegar os outros.
P/1 – E outras brincadeiras, tinha outras brincadeiras, não do rio?
R – De modo geral?
P/1 – É.
R – A gente brincava mais com brinquedos mesmo, assim, a gente tinha as nossas bonecas, a gente tinha, eu lembro até hoje que eu tinha uns brinquedinhos de infância, que eu nunca esqueci, eu tinha um ursinho de plástico que o nome dele era Tororó, o bichinho era durinho depois de bem velhinho, mas eu tinha um carinho enorme por ele, então esse é um brinquedo inesquecível, assim. E uma geladeira também, que na época também os brinquedos, era acho que a tecnologia mais avançada, nós ganhamos uma geladeira bem parecida com a geladeira que a gente usava mesmo, né, que por fora era até alumínio, tudinho. Foram brinquedos marcantes, assim, que eu lembro até hoje.
P/1 – Quando você foi ficando mais jovem, foi crescendo, vocês continuavam por aqui ou iam pra Manaus, pra outros lugares, como era?
R – Eu passei uma época fora, que eu estudei, terminei o ensino fundamental, né, daí depois eu voltei pra cá.
P/1 – Você foi estudar em Manaus depois?
R – Fui, estudei em Novo Airão, depois fui pra Manaus e daí depois voltei pra cá de novo, só com o fundamental, eu passei a concluir o ensino médio depois que essa escola daqui foi fundada, né, faz dois anos agora que eu terminei o ensino médio.
P/1 – O começo do ensino fundamental fez aqui mesmo?
R – Fiz aqui mesmo, minha professora, como eu sempre falo, que a minha primeira professora foi minha mãe, né, que, embora ela tenha estudado só até a terceira série, que na época quando ela era criança não tinha escola no interior, então a oportunidade que a pessoa tinha de aprender era muito pouca, né? Então ela estudou até a terceira série, mas nenhum dos filhos foi pra escola sem saber ler e escrever, ela era a nossa primeira professora, então depois...
P/1 – Antes mesmo de ir pra escola?
R – Antes de ir pra escola, daí depois, sempre eu tive irmãs que foram professoras, né, a Vera, minha irmã mais velha, a Maria, a segunda irmã, então eu aprendi, até a quarta série eu estudei com a Maria, minha irmã também.
P/1 – Mas daí já não era em casa?
R – Não, ela ensinava na casa dela, era mais aqui fora do igarapé, mais aqui mesmo na comunidade, eu passava a semana morando com ela pra estudar e no final de semana minha mãe vinha me buscar, a gente vinha e voltava remando na canoa.
P/1 – Era próximo daqui, mas em outra comunidade?
R – Não, era aqui mesmo, só que era cerca de, acho que uns 20 minutos remando, não era tão pertinho, mas também não era distante.
P/1 – Até que época você estudou, até quarto ano com ela?
R – Foi, até o quarto ano.
P/1 – Depois é que você foi pra escola?
R – Sim.
P/1 – E a outra escola, quando você começou a frequentar que sensações você teve?
R – Pra quem mora no interior é sempre um impacto, porque nossa vida do interior é bem diferente da de cidade, né, de município, mas, assim, a gente nunca viveu isolado, sempre o meu pai trabalhou com muita gente, como eu já falei, os amigos dele sempre vinham, então a gente não tinha tanto impacto assim com a sociedade, não.
P/1 – Eu digo da escola, porque você estudou com a sua mãe, com a sua irmã mais velha, mas depois a escola era um pouco diferente ou não?
R – Era bem diferente, é porque no interior até agora é multisseriado, né, as escolas do município, então a gente não tem, assim, específico só pra uma série, a professora trabalha da alfabetização ao quinto ano, que é hoje, né, assim, trabalha com todos. Então a diferença é essa, né, que quando a gente passa a estudar em outro lugar cada sala tem a sua série, né, a diferença é essa, é bem melhor também.
P/1 – Você achou melhor?
R – É, porque dá pra trabalhar melhor, né, até se colocando no lugar de professor, com certeza e bem melhor de trabalhar do que multisseriado.
P/1 – Essa diferença que eu estava querendo ouvir como é que você tinha percebido. E pra se divertir, quando você foi ficando mais velha quais as atividades que vocês tinham aqui?
R – Aqui no interior o que a gente tem, cada comunidade tem a sua festa anual, festejo de santo, né, do padroeiro, e também tem festa esportiva, então nós não éramos muito de sair, assim, pra festa, mas tinha algumas festas que o meu pai sempre levava a gente pra ir, então até jogo mesmo, nunca gostei de futebol e outros tipos de esporte também não gostava muito.
P/1 – Seu pai levava muito vocês pras festas?
R – Algumas vezes, também não era todas as vezes. Mas, assim, outra forma também que eu gostava muito, que pra mim foi inesquecível, é que nós íamos duas vezes em Manaus por ano, mas todas as vezes que a gente ia pra Manaus a minha mãe sempre levava a gente no zoológico pra ver os animais. Na época do mês de junho, que era a época que a gente ia pra Manaus também, ela levava a gente lá na Bola da Suframa, que tinha também aquela apresentação toda, né, e também tinha roda gigante lá e daí ela levava, era bastante divertido.
P/1 – Aqui nessa comunidade tinha alguma festa que acontecia todo ano?
R – Tinha, mas eu não me recordo muito porque era, na época que tinha essas festas eu ainda era muito criança, eu não andava em festa, mas tinha uma festa que comemorava Nossa Senhora da Saúde, até era festejo religioso.
P/1 – Depois foi deixando de ter essa festa?
R – Depois parou de ter por um tempo e depois passou a ter o festejo de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que tem até hoje, há 15 anos.
P/1 – Você sabe, Nadia, como que foi que apareceu essa nova festa? Você lembra dessa história?
R – É porque é tradição toda comunidade festejar, assim, um padroeiro, ter um padroeiro na comunidade, né, e daqui é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, então surgiu, sempre começa assim, com uma pessoa que é devota daquela santa, que começa fazendo assim, dando um jantar ou fazendo o que chamam de reza, né, que seja, é um culto, uma novena. Daí surgiu, foi aprimorando mais e foi crescendo.
P/1 – E aí continua essa festa?
R – Continua essa festa.
P/1 – E namorados, como que era?
R – (risos) Namorados, deixa eu pensar, acho que essa parte eu esqueci (risos).
P/1 – E o Roberto, como foi que você conheceu seu marido?
R – Ah, ele trabalhava com o meu pai, ele era um dos, ele trabalhava com o pai dele, que tirava madeira pro meu pai também, né, daí sempre a gente se via, né, e depois a gente começou a namorar, passou um tempo.
P/1 – Foi amor à primeira vista?
R – Acho que não (risos).
P/1 – A primeira vez que vocês se encontraram, conta um pouco pra gente como foi.
R – Ah, a gente sempre se encontrava em festa também, não era com freqüência, né, mas daí...
P/1 – Na festa da padroeira?
R – Não, festa esportiva aqui nas comunidades vizinhas também.
P/1 – Era futebol?
R – Futebol.
P/1 – Tem bastante festa esportiva?
R – Tem.
P/1 – É uma coisa antiga, Nadia, ou começou de uns tempos pra cá?
R – Uma coisa antiga um pouco, só que, como eu to falando, assim como os festejos religiosos, também os festejos esportivos foram evoluindo, antes era uma coisa, marcava um jogo, um amistoso, iam numa comunidade, e daí depois que fosse naquela comunidade, aquela comunidade vinha pagar a visita, que chama na comunidade da gente, né? Mas depois não, já foi uma forma, hoje em dia é uma forma lucrativa de ganhar dinheiro mesmo, hoje são feitos esses eventos esportivos pra ganhar dinheiro, né, fazem torneio, daí se junta bastante time e todos pagam, né, e vendem bastante comida também. Então é uma forma de, hoje em dia é uma forma de ganhar dinheiro também com isso, né?
P/1 – Como que funciona essa parte do dinheiro, essa circulação do dinheiro, quem organiza, pra quem fica o dinheiro?
R – Por exemplo, se tem um time, daí tem os sócios do time, daí todo aquele time trabalha em função daquele evento, depois o lucro que tem é dividido entre eles, vaga todas as despesas e divide o lucro. Porque também tem que sair muito, né, por exemplo, tem uma festa lá no final da reserva e daí todo aquele grupo tem que ir, você sabe que quando a gente sai a gente gasta, né? Então, assim, é uma forma de renda em cada comunidade, toda comunidade hoje tem o festejo esportivo, assim como também o religioso, mas é uma forma de gerar renda e também, assim, uma forma de uma comunidade ta ali conectada à outra, né, pelo evento que cada uma promove.
P/1 – Cobra ingresso?
R – Não, é livre assim, tem muitas pessoas que vão nem pra jogar, mas porque vai alguém, daí vai também e acaba que você indo num lugar você tem que almoçar, você tem que tomar uma água, um refrigerante, né, acaba deixando uma renda praquela comunidade.
P/1 – Gera renda mais pra quem recebe, né?
R – É.
P/1 – Aí quando você vai pra outro lugar você claro que vai usar, é assim?
R – É assim mesmo.
P/1 – Gera renda mais pelos alimentos, por essa parte.
R – Bebida, e pelo jogo também, né, que cada jogo é, o time vai participar do torneio, daí paga pra participar.
P/1 – Quem vai participar é que paga?
R – Humhum.
P/1 – A gente estava falando do seu marido, o Roberto, aí vocês se conheceram e aí resolveram como a história depois?
R – Depois, eu engravidei antes de ta com ele, né, depois, quando eu já tava grávida, é que a gente passou a viver juntos, nós não casamos mesmo, eu sei que hoje a gente tá com 17 anos vivendo juntos.
P/1 – Você tem filhos?
R – Tenho dois.
P/1 – Fala o nome deles.
R – Tem o Giovane, que vai fazer 17 anos esse ano, e a Giovana, que vai fazer 15.
P/1 – Como foi essa experiência de ter filhos? O que mudou pra você? Você logo saiu da casa dos seus pais ou não?
R – Não, eu passei um ano ainda morando na casa do meu pai e depois nós construímos a nossa casa também, que é próxima a uma casa que ele tem lá no sítio, aqui mesmo na comunidade, mas num local separado.
P/1 – Ele morava aqui nessa comunidade, o seu marido?
R – Não, morava na Comunidade do Inglês, em outra comunidade, fora daqui.
P/1 – Aí vocês construíram essa casa no sítio que você morava, naquele terreno?
R – Sim, lá mesmo, próximo à casa do meu pai.
P/1 – Como era essa casa, Nadia?
R – Era uma casa bonitinha, toda de madeira, tinha seis cômodos, uma varanda, uma sala, sala de jantar, cozinha e dois quartos, e o banheiro atrás, sete cômodos.
P/1 – Você criou os seus filhos nessa casa?
R – Não, deixa eu ver quando foi, faz dois anos que eu saí de lá, mas na verdade eu tinha a casa só pra guardar minhas coisas, porque sempre eu vivi muito junto com o meu pai e a minha mãe, daí a casa deles era bastante espaçosa, daí eu passava o dia na casa deles, só ia dormir em casa (risos).
P/2 – Nadia, você tem irmãos?
R – Tenho, nós somos oito irmãos, sete mulheres e um homem.
P/1 – Duas professoras.
R – São mais de duas professoras.
P/1 – Qual o nome delas e dele?
R – É Vera, Maria, Marluce, Lucilene, Lucineide, Isolina, eu, né, Nadia, e o meu irmão Manuel.
P/1 – Você é a mais nova antes do Manuel?
R – Eu sou a mais nova, não, ele é o terceiro, o terceiro filho.
P/1 – Você é a mais nova de todos?
R – Sou a mais nova de todas.
P/1 – Eu falei que são duas professoras, aí você ia falar que não, que tem mais, né?
R – Tem mais, cinco professoras.
P/1 – Você falou que foi estudar pra fazer o ensino fundamental e o ensino médio em outro município, mas você morava lá, Nadia, ou dava pra ir e voltar todo dia?
R – Não, eu morava lá, quando eu estudei em Novo Airão eu morava na casa da minha irmã Vera e quando eu passei a morar em Manaus, o meu pai tem uma casa também em Manaus, daí eu ficava lá, também com outra minha irmã, a Marluce.
P/1 – Então você passou mais a sua juventude em Manaus?
R – Não, parte dela, porque sempre no final de semana eu voltava pra cá, dava pra vir.
P/1 – Você gostava de ficar lá em Manaus?
R – Na verdade não, Manaus até hoje pra mim, assim, é só pra comprar mesmo alguma coisa que é necessária, né, mas pra mim viver bem mesmo é aqui.
P/1 – Por quê? O que em Manaus não te agrada e aqui sim?
R – Eu acho que é porque eu me acostumei assim, eu nasci aqui, né, então pra mim, assim, lá é muito sufocante, assim, aquele barulho, calor, aquela rua, né, tudo muito tumultuado. Então a gente vai lá só pra mesmo resolver alguma coisa que não pode ser resolvida aqui, né, e voltamos pra cá de novo, pra mim aqui é bem mais tranquilo, você poder dormir com a janela aberta, poder a casa ta aberta, sem medo, sem nada. Só o fato da gente poder ta sentada aqui olhando tudo a redor, né, a floresta, assim, em Manaus a gente só olha pros lados, só vê parede quase, né, na maioria das casas é assim, né, então eu acho que é melhor aqui.
P/1 – Nadia, e a parte da comunicação, você pode falar um pouco pra gente como é que você percebe isso? Você mesma falou: “A gente não ficava isolado”, você olhando essa calma toda, será que as pessoas ficam mais isoladas, como que é essa parte pra você?
R – Agora, atualmente?
P/1 – Quando você era mais nova, como é que isso foi acontecendo, se você puder falar um pouco pra gente.
R – Na época que eu, quando, na minha juventude e infância também era mais difícil a comunicação, a gente não tinha telefone aqui, então o meio de comunicação, eu lembro até hoje que quando eu era criança era por carta. Tinha uns barcos que chamavam de regatão, que saiam no beiradão vendendo mercadoria e daí quando as pessoas necessitavam mandar uma carta pra Manaus pra informar alguma coisa mandavam por eles, daí ele ia, gastava um tempão pra chegar lá, mas quando chegava entregava a carta ao destinatário, mas era assim. Hoje não, hoje a gente tem acesso à internet, tem o telefone, não de modo geral porque só pega na antena, a antena rural, mas a gente já tem vários outros tipos de, meios de comunicação, isso melhorou muito também.
P/1 – De quanto tempo pra cá, Nadia, começou essa parte da internet, comunicação?
R – A internet faz, de 2010 pra cá, telefone já fazia mais tempo também.
P/1 – E energia elétrica?
R – Energia elétrica, antes era gerador, funcionava das seis até às dez da noite, daí parava o motor, né, a comunidade ficava no escuro, muita gente até usava um meio de iluminação que a gente chama de lamparina, que era a diesel, colocava diesel dentro e acendia pra não passar a noite no escuro. Daí depois nós conseguimos já pra cá, acho que 2009, 2010...
P/1 – Nadia, em relação à eletricidade, o que você achou quando chegou eletricidade aqui? Como é que foi essa transição?
R – Essa mudança?
P/1 – É.
R – Foi muito bom, foi uma coisa nova, assim, pra gente, né, a energia solar.
P/1 – Primeiro foi a solar?
R – Não, a primeira mesmo foi o gerador, ele era movido a combustível e o horário de funcionamento era das seis às dez da noite, a partir daí as pessoas usavam a lamparina, que era feito de lata ou de uma garrafinha, colocava um pavio e o combustível embaixo pra fazer a iluminação. Daí depois, alguns anos atrás, veio um projeto pra cá e trouxe a energia solar, que foi uma coisa, assim, inovadora na comunidade, né, que foi colocada luz em todas as casas, foi um trabalho muito bonito que fizeram.
P/1 – Quem fez esse trabalho, foi um projeto, você sabe, você lembra?
R – Foi um projeto.
P/1 – Foi do governo, foi de uma organização?
R – Não, uma organização.
P/1 – Você lembra o nome?
R – Como é o nome da energia, Roberto? Villa Smart.
P/1 – Foi só aqui nessa comunidade ou foi mais geral?
R – Em duas comunidades, foi feito aqui e na Comunidade do Inglês também.
P/2 – Vocês tinham televisão na época do gerador?
R – Sim, televisão, só não dava pra ter a geladeira porque o gerador, ele não tinha capacidade de poder ligar uma geladeira ou outra coisa, só era pra luz e pra televisão mesmo, no máximo. Depois, já com o projeto da Villa Smart da energia solar, nós já podemos usar a geladeira, não podia usar outras coisas que gastassem mais energia, como microondas, máquina de lavar, essas outras coisas não podiam ser ligados porque consome mais energia, mais outras coisas, como a geladeira. Daí foi a época que melhorou muito a condição da vida das pessoas aqui, daí todos compraram uma geladeira, um ventilador, a televisão já tinham, né, então foi melhorando mais.
P/1 – A geladeira faz bastante diferença pelo o que você tá falando.
R – Faz, faz porque quando ninguém tinha geladeira a gente não podia comer um peixinho fresco, né, quando conseguia o peixe, daí tinha que tratar e salgar, então era assim, a única forma de ter, né, armazenar o peixe era salgado mesmo, e hoje em dia não, as pessoas podem ter uma fruta na geladeira, uma verdura, um peixe, né, novinho também, então é uma forma que melhorou muito também.
P/1 – E depois com a eletricidade?
R – Agora, há menos de um ano, chegou a Luz para Todos, com a Luz para Todos a gente já pode ter acesso a todo tipo de eletrodoméstico, né, que não faz restrição, então melhorou muito.
P/1 – Isso que eu queria ouvir de você, se realmente fez diferença ou nem tanto.
R – Não, mas fez, pra todos fez diferença, tanto, assim, pra dentro de casa mesmo, como pro trabalho, né, que as pessoas que trabalham com carpintaria tiveram como melhorar mais o trabalho também da carpintaria, que compraram plaina elétrica, tudo elétrico, né, então melhorou muito o trabalho também, a qualificação do trabalho.
P/1 – Aqui tem muito trabalho com carpintaria, nessa comunidade?
R – Tem bastante, pessoas que fazem canoa, remo, construção de casas também, então tem bastante trabalho.
P/2 – Nadia, e alimentação, como vocês obtinham produtos, verduras, legumes, vocês plantavam aqui?
R – Antes?
P/1 – Isso, antes.
R – Antes a gente plantava, sempre aqui quase todas as famílias trabalharam com o cultivo da roça, então da roça pode se extrair a macaxeira, fazer farinha, tirar a goma que a gente faz a tapioquinha, né, fazer a farinha de tapioca também. Então também tem outras coisas que se faz com a mandioca também, como biju, né, que serve como, pra quem não tem pão, assim, é melhor até que pão, que é acostumado a comer, né, então tem muitas outras coisas que dá pra fazer com a farinha. E a verdura também, os pequenos canteiros familiares também, é uma forma, a gente faz igual uma caixa e daí aduba aquela terra, planta cebolinha, chicória, cheiro verde, tudinho lá, pimentão, pimenta de cheiro, então dá pra colher mesmo do próprio cultivo, dá pra fazer uma comida boa.
P/1 – E verduras, aí vocês compram?
R – Não, a fruta também, quase toda família tem um sítio, né, lá mesmo no sítio do meu pai tem bastante árvore de laranja, então, só que fruta é por época, né, tem época que dá e daí tem época que, só dá uma vez por ano, a manga, a laranja, o abacaxi, essas coisas dá pra cultivar aqui mesmo.
P/1 – Existe troca dessas frutas entre os vizinhos?
R – Não, troca não, por exemplo, se eu tenho uma fruteira que tá produzindo daí eu apanho as frutas da minha fruteira e daí eu dou pros meus vizinhos, mas troca não, e assim mesmo eles fazem quando eles têm alguma coisa, eles dão pra gente, vida de comunidade é isso.
P/1 – Além do abacaxi, da manga, o que mais que vocês têm de fruta?
R – Nós temos umas frutas nativas também, buriti, a bacaba, tucumã, que também é uma fruta nativa, mas que também hoje em dia muita gente já cultiva, né, também, tem o chicoro, o uxi-liso também, que são todas frutas do mato mesmo, frutas nativas, né, mas que são bastante consumidas quando tem a época dessas frutas pelas pessoas da comunidade.
P/1 – Nadia, agora vindo mais presente, você falou que teve uma mudança, que agora a vida aqui está melhor, conta um pouco pra gente como foi que isso aconteceu. O que provocou essa mudança?
R – Vou falar um pouco, assim, daqui, da própria comunidade de Tumbira, né, antes ela era uma comunidade esquecida por político, por qualquer que fosse um órgão que pudesse ajudar a nossa comunidade, como ela é dentro do igarapé todos passavam por fora, né, mas nunca entravam aqui. Então pra gente ser praticamente reconhecido foi através da Fundação Amazonas Sustentável, quando ela veio pra cá, né, que foi criada a reserva, a RDS, então eles vieram com um projeto de fazer um núcleo, né, esse núcleo que é implantado aqui na comunidade. Então isso trouxe, assim, um impacto muito grande pra nossa comunidade, porque a partir daí ela foi reconhecida, não, até mesmo pelo nosso município, que é Iranduba, mas, assim, pelo mundo todo praticamente, porque, como ela é uma ONG, ela é bastante reconhecida. E quando eles vêm fazer a visita no núcleo eles também gostam muito de valorizar a comunidade, então, assim, não foram eles que vieram mudar nossa comunidade, mas assim, nós sempre tivemos nossa comunidade bastante, assim, organizada, em termos da gente gostar de limpar, de manter ela limpa, sem lixo. Então isso também valoriza muito porque as pessoas que vêm de fora, elas reparam muito nisso, né, então a partir daí a nossa comunidade ficou bastante reconhecida. Hoje em dia, assim, todos sabem que pra gente ser reconhecido a gente tem que também fazer a nossa parte, né, trabalhar, então eu acredito que tem pessoas aqui na comunidade que elas puderam ser reconhecidas pelo seu trabalho também, não só aqui, o nosso trabalho da pousada, mas também outros trabalhos que também tem.
P/1 – Vocês já tinham práticas, costumes.
R – Já.
P/1 – Que você disse que era um lugar que vocês cuidavam da limpeza, tinha produção, trabalho, mas aí esse reconhecimento, além do próprio reconhecimento, o que mais mudou aqui?
R – A educação, a questão da educação também foi o fator principal, né, porque tinha muita gente que tinha parado de estudar porque não podia, os pais não tinham condições de colocar os filhos pra outro lugar pra continuar estudando. Hoje em dia ficou muito mais fácil, várias pessoas daqui já terminaram o ensino médio e outras já até tão fazendo faculdade, quando também foi implantada essa escola, também do estado, né, da SEDUC aqui, que deu continuidade no ensino fundamental e o médio também. Isso foi uma valorização muito grande e também os cursos que vieram pra cá de empreendedorismo, vários outros cursos, de eletricista, muitos cursos já foram feitos aqui, que qualificaram a vida das pessoas. Uns seguiram, né, conseguiram arranjar um emprego ou continuaram em outro lugar e outros ficaram aqui mesmo, mas hoje nós temos muito mais oportunidades de uma vida melhor do que antes.
P/1 – Essa escola, ela funciona de que forma? Como é o ensino?
R – É tecnológico, é ensino a distância, que é televisionado, né, então tem os professores ministrantes e tem o professor presencial dentro da sala de aula pra tirar a dúvida dos alunos.
P/1 – Do sexto ano até o ensino médio?
R – Do sexto ano até o ensino médio.
P/2 – Nádia, como houve esse encontro com o Amazonas Sustentável, como que isso aconteceu?
R – Tudo começou de uma maneira muito impactante porque, como eu já falei, as pessoas daqui trabalhavam muito com a madeira, né, e depois foram surgindo os órgãos de proteção ambiental, foram surgindo com mais frequência e isso causou um impacto porque comunitários foram presos com a retirada de madeira ilegal, né? Então isso, por parte, causou uma revolta muito grande na reserva toda, que hoje eu posso dizer reserva, né, e daí foi feito uma movimentação.
P/1 – Pela comunidade?
R – Se reuniram as comunidades, somos 19 comunidades aqui da reserva, daí foi feito um movimento pra tentar solucionar esse problema, né, porque as pessoas que tinham sido presas eram bastante queridas aqui na reserva, né, e causou um impacto grande. E daí fizeram o movimento e foram pra Manaus, lá na sede do governo, fazer um protesto, daí nesse protesto daí teve a presença de vários órgãos, no qual foram surgindo assim e depois ficou um consenso todo e a Amazonas Sustentável resolveu dar apoio aqui. Foi depois que foi criada RDS, porque nós éramos APA, né, Área de Proteção Ambiental, depois virou RDS, que é Reserva de Desenvolvimento Sustentável, no qual a gente poderia permanecer aqui, mas de uma forma mais organizada.
P/1 – APA você não poderia?
R – Não.
P/1 – Fala um pouquinho, a gente até sabe, mas até pras pessoas que forem ouvir depois, a diferença.
R – APA é Área de Proteção Ambiental, então se for seguir a lei não pode caçar, não pode pescar, não pode fazer roçado, praticamente não pode nada, né? E já como RDS, por ser uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, você pode fazer tudo, desde que não faça um impacto muito grande no ambiente, né, de forma que sempre vá renovando, né?
P/1 – Como é que ficou a questão da extração da madeira com a reserva?
R – Cada comunidade tem um projeto do manejo florestal, em algumas comunidades isso já tá dando certo, né, já tão há três anos trabalhando no manejo, com a madeira manejada, mas em outras ainda tá meio parado ainda. Aqui mesmo as pessoas continuam tirando madeira, mas o que não é proibido é pra construção de casa na própria comunidade, isso pode, né, mas ela não pode ser tirada a madeira e levada pra Manaus ou pra outro lugar, se for pego no rio vai preso mesmo, mas pra trabalhar dentro da própria comunidade pode.
P/1 – Essa parte da madeira manejada o que significa? O que eles têm que dar conta pra ser legal?
R – Ah,é um processo bastante demorado, né, que tem todo o mapeamento da área com a pessoa responsável e daí eles fazem aqueles trilhos, marcam a madeira todinha, daí é um processo que eu não sei nem bem explicar, mas é bastante demorado.
P/1 – Tem uma orientação pra isso?
R – Tem orientação, tem a pessoa responsável do acompanhamento pra fazer tudo isso, plaqueamento das árvores e tudo.
P/1 – Quem é a pessoa, é um técnico?
R – É um técnico.
P/1 – Quem que manda esse técnico?
R – Hoje é a fundação, hoje em dia e fundação, é em parceria com a fundação, o IDAM que manda o técnico vir fazer todo esse acompanhamento.
P/1 – O que é o IDAM, é algum órgão público?
R – É órgão público, órgão do estado.
P/1 – Só pra gente situar quem está junto com vocês fazendo essa mudança. Você disse que aqui teve mais mudanças, melhorou, teve mais alguma coisa assim, que você falou: “Nossa, isso aqui ficou melhor agora, esse lugar”?
R – Recentemente foi o Consulado, né, que tem ajudado bastante a gente também, incentivado e tudo também, né, é isso.
P/1 – Como é que o Consulado chegou aqui? Como é que vocês se encontraram com o Consulado?
R – Foi o Consulado que chegou aqui, foi através da fundação também, né, que eles trouxeram e viram o nosso trabalho, não só o nosso também como de outras comunidades também, onde já tava sendo trabalhado isso, né, eles vieram pra apoiar.
P/1 – Agora vocês têm essa pousada, como é que começou essa pousada, Nadia, essa ideia aqui?
R – Essa pousada começou com uma ideia do meu pai, eu acho que quando ninguém tinha o mínimo de noção, assim, que um dia pudesse, sei lá, mudar, né, ter essa mudança, mas o meu pai já tinha grandes sonhos. Foi ele que mandou construir a pousada, até mesmo pra ele, ele queria bem maior o piso em cima, daí minha irmã disse que não, que tava bom só, ia dar muito, né, que não precisava fazer tão grande. Mas começou também por causa do festejo religioso, que todo ano quando tinha o festejo, nossa família é bastante grande, daí vinha todo mundo pra cá e daí a casa, não tinha casa pra ficar, daí ele mandou fazer. Mas o sonho dele sempre foi esse, que um dia isso vai mudar, uma dia isso vai ter resultado, vai melhorar, então ele era bastante, ele tinha muita esperança, ele tinha uma visão, tem, né, uma visão bastante boa, assim, do futuro, assim.
P/1 – Aí ele construiu a pousada, quando foi que ele construiu, você lembra do ano?
R – Dois mil e quatro, né, 2004.
P/1 – Era só pousada ou tinha um restaurante?
R – Não, só era, na verdade era uma casa familiar, né, hoje em dia a gente já trabalha com hospedagem, mas antes era só uma casa familiar mesmo, então é isso.
P/1 – Você disse que vinha toda família pra cá, como era quando vinha todo mundo?
R – Ainda continua assim, tem vezes que a gente tá, todos tão reunidos aqui no natal principalmente, né, e no festejo também no mês de junho.
P/1 – Desde quando vocês transformaram numa pousada? Era uma casa que foi construída em 2004 desse jeito, mas virar pousada, ser registrada como pousada, como é que foi isso?
R – Foi em 2010 que a gente começou a trabalhar com isso.
P/1 – Como foi essa mudança?
R – Essa mudança foi...
P/1 – Por que ela aconteceu?
R – Pela necessidade de muitos visitantes virem pra cá e daí precisarem de um lugar pra ficar e daí a gente começou a adaptar, também já trabalhar com isso, né, e alimentação também foi assim, pela necessidade, nós já, desde 2009 a gente começou a trabalhar com isso, com alimentação, então, assim, é um projeto que tem dado certo pra gente.
P/1 – Foi uma iniciativa de vocês mesmo?
R – Foi.
P/1 – Não foi uma proposta de fora?
R – Não, foi nós mesmo.
P/1 – Quem participa desse trabalho, esse da pousada, quem trabalha nesse empreendimento?
R – Por ser uma pousada familiar é conforme a necessidade, quando a demanda é pequena a gente não precisa envolver muita gente, mas quando é grande a família toda se reúne, todo mundo ajuda e tem mais umas pessoas daqui, os comunitários que ajudam, Dona Teresa, Dona Isabel, a Any e quando precisa mais gente tem mais outras pessoas também que a gente chama pra trabalhar.
P/1 – Quando tá mais tranquilo quem que fica mesmo cuidando?
R – Sou eu, o Roberto, o Renato, a minha filha Giovana e sempre a Dona Teresa é que tá mais frequente aqui com a gente também, nossa vizinha, e a mamãe também, que ajuda muito.
P/1 – Seus filhos moram aqui?
R – Moram.
P/1 – Estudam aqui?
R – Estudam também, tão fazendo o primeiro ano do ensino médio, todos os dois.
P/1 – Eles gostam de viver aqui ou eles falam que querem mudar?
R – Não, nunca falaram que queriam mudar, não, eu acho que eles gostam daqui.
P/2 – Nadia, eu vi umas fotos suas, tem uma foto que você tá ali com vários bolos que você tinha feito, você era bem jovem. Desde quando você começou a cozinhar?
R – Eu comecei a cozinhar desde eu não lembro que idade, mas desde sempre, quando eu era pequena já ajudava minha mãe na cozinha, né, então sempre eu ajudei ela na cozinha, desde cedo.
P/1 – Você vendia esses bolos no tempo das festas ou não?
R – Era, eu fazia pro meu cunhado vender, ele vendia quando tinha jogo, daí ele pedia pra mim fazer e vendia, mas era pra ele vender o bolo, vendia dindin, bolo, então eu ajudava ele nessa parte, eu fazia os bolos pra ele vender. Mas antes disso também eu passei uma época que eu vendia perfume da Avon (risos).
P/1 – Já era uma empreendedora.
R – Era, porque quando eu fiquei com o Roberto eu, praticamente, eu tinha tudo, assim, do pessoal, tudo eu comprava, trabalhava, conseguia o meu dinheiro, comprava o que eu precisava.
P/2 – Você pode dizer que o seu primeiro trabalho foi vendendo produtos da Avon?
R – Vendendo produtos da Avon.
P/1 – Depois os bolos?
R – Mesmo durante eu vender os produtos da Avon eu costurava, eu já costurei muito também, eu fazia, confeccionava roupa masculina, especificamente bermuda masculina.
P/1 – Como você aprendeu a fazer as bermudas?
R – Com a minha mãe também, então eu gostava de trabalhar, nunca gostei de trabalhar com roupa pra mulher, mas eu gostava de trabalhar, camisa e bermuda masculina eu fazia.
P/1 – Você fazia pra vender?
R – Fazia pra vender por encomenda.
P/1 – A sua mãe também fazia pra vender?
R – Ela também, ela trabalhava mais com roupa de criança, de bebezinho, vestidinho pra criança, ela gostava mais de trabalhar.
P/1 – Vocês faziam por encomenda ou também pra vender?
R – Ela fazia pra vender.
P/2 – Onde que ela vendia? Ela saía daqui pra vender?
R – A minha irmã Vera vendia pra ela em Novo Airão.
P/1 – E as que você fazia?
R – As que eu fazia eu vendia aqui mesmo.
P/1 – Mas você vendia na sua casa?
R – Era encomenda, as pessoas que trabalhavam com o papai me encomendavam pra mim fazer, daí eu fazia pra eles.
P/1 – Quando vocês começaram a investir mesmo na pousada você continuou morando lá no sítio?
R – Acho que sim, uns dois anos ainda.
P/1 – E agora?
R – Agora nós passamos a morar aqui.
P/1 – Nadia, vocês começaram a investir como pousada mesmo pro sugestão de alguma organização ou não?
R – Não, foi uma iniciativa particular mesmo.
P/1 – Depois teve o encontro com o Consulado, antes do Consulado vocês tiveram algum incentivo, alguma capacitação de outra organização?
R – Tivemos.
P/1 – Como foi? Conta um pouco.
R – Em questão da alimentação, eu participei de vários cursos de empreendedorismo, o Mesa Brasil também veio, passou umas orientações pra gente, então isso foi melhorando mais o nosso trabalho.
P/1 – Esses cursos que você fez você foi buscar ou vieram?
R – Vieram pra cá?
P/1 – Quem que trazia esses cursos?
R – Eu fiz um curso de empreendedorismo pelo SENAR e fiz outro pelo SEBRAE.
P/1 – O SEBRAE que trouxe a proposta?
R – Foi, em parceira com a Amazonas Sustentável também, tudo parceria.
P/1 – Como foi o encontro com o Consulado? Você disse que também foi pela fundação.
R – Foi pela fundação.
P/1 – Quando eles vieram o que é que eles propuseram pra vocês?
R – Eles vieram e vieram ver o que a gente tava precisando pra melhorar mais o nosso trabalho, né, que nós já estávamos trabalhando há uns três anos ou mais até, então eles vieram e fizeram, anotaram tudo o que a gente tava precisando pra melhorar mais o nosso trabalho, né?
P/1 – O que foi isso que vocês falaram que tavam precisando?
R – Era freezer, geladeira, mais um fogão, que eles trouxeram e máquina de lavar.
P/1 – Tudo isso que vocês pediram, que vocês disseram que tavam precisando, foi atendido?
R – Foi, foi atendido, então o que a gente tinha juntou com o que eles doaram e daí melhorou mais porque hoje a gente tem capacidade de atender até um grupo bem maior de pessoas porque a gente tem como fazer, né, como fazer isso.
P/1 – Aí você tava falando dos equipamentos que vieram, os eletrodomésticos que vieram, pode continuar.
R – Assim, quando o Consulado veio ver o que a gente necessitava eles deram suporte de freezer, fogão, máquina de lavar também, pra atender a pousada, né, no caso lençol e toalhas que precisam ser lavadas, isso só veio somar, assim, com o que a gente já tinha, então melhorou muito a qualidade do nosso trabalho.
P/1 – Além dos equipamentos, vocês trouxeram mais coisas que necessitavam?
R – Ultimamente nós ganhamos talheres e pegadores de massa, também do Consulado, então, como eu já falei, isso juntando com o que a gente já tinha dá pra atender melhor a quantidade de pessoas, né?
P/1 – Além da parte de objetos, materiais, equipamentos, teve outra participação do Consulado no empreendimento de vocês?
R – Teve bastante orientação também, né, de como a gente manejar com alimentação, com a limpeza do ambiente, tudo, e, assim, a gente tem recebido muita ajuda deles, eu sou muito grata pelo Consulado.
P/1 – Em relação à organização do negócio, a gestão do negócio, como é que vocês foram desenvolvendo isso?
R – A organização?
P/1 – Como é que vocês se organizam nas finanças, como é que é feito esse controle?
R – Como a gente trabalha com alimentação e hospedagem, e também nós trabalhamos com transporte também, mas a gente tem resolvido bem essa situação porque não é todo dia que nós trabalhamos com alimentação, mas sempre tem grupo que nós atendemos, então o dinheiro que a gente investe, depois a gente faz assim, o dinheiro que a gente investe depois a gente tira o dinheiro investido e vê o que sobrou, né, e sempre vendo o que tá faltando pra melhorar mais o nosso trabalho.
P/1 – Eu perguntei na verdade se vocês mesmos é que fazem essa administração.
R – Nós mesmos fazemos, mas essa parte da administração é com o Roberto.
P/1 – Vocês tiveram orientação pra isso, algum curso, ou não, vocês foram aprendendo na prática mesmo?
R – Eu tive um curso, né, mas na verdade ele que lida com isso não fez o curso, mas essa parte financeira é mais com ele mesmo.
P/1 – E aí foram desenvolvendo na prática?
R – Na prática, ele sempre entendeu um pouco, né, disso, então pra ele não foi dificuldade nenhuma, então tá dando pra gente resolver bem a questão financeira.
P/1 – Quais as melhorias? Você disse que melhorou, teve mudanças, com tudo que foi vindo e com a participação também da fundação, você acha que teve algum movimento de pessoas, pessoas que saíram, voltaram, teve alguma mudança nisso?
R – De modo geral na comunidade?
P/1 – Dos moradores, na comunidade.
R – Teve, várias pessoas que saíram hoje em dia tão voltando pra trabalhar, se qualificaram lá fora e tão voltando pra trabalhar aqui.
P/1 – Pra morar aqui?
R – Pra morar e trabalhar.
P/1 – Você chegava a ouvir por que essas pessoas iam embora?
R – Sempre foi pela falta de emprego, sempre foi por isso, porque se fosse só vela qualificação dava pra ir e voltar, como tá acontecendo hoje, né, mas só que a pessoa ia lá fora, se qualificava e não tinha como voltar pra cá e arranjar um emprego, hoje em dia, pra algumas pessoas já tiveram essa oportunidade.
P/1 – Trabalham em que aqui quando voltam?
R – Eu tenho duas irmãs que voltaram pra serem professoras aqui na escola e tem uma amiga que voltou pra trabalhar na área da saúde, no posto, então ela tá aqui na comunidade.
P/1 – Antes não tinha posto aqui?
R – Não, e hoje ela tá desempregada, né, esse ano, porque ela tá esperando ser chamada pelo concurso, ela era contratada só, mas antes não tinha posto, também esse, o posto faz parte do núcleo da Fundação Amazonas Sustentável.
P/1 – Atende quantas comunidades esse posto?
R – Ele atende os alunos que estudam na escola, que são de cinco comunidades que vêm.
P/1 – Vêm cinco comunidades pra cá?
R – Sim.
P/1 – E nas outras comunidades, tem a mesma...
R – Estrutura?
P/1 – É, que são 19 aqui na região, que você falou, aqui o posto e a escola atendem a cinco, e as outras?
R – As outras, por ser difícil, porque na verdade esse posto, tanto esse, tem outro, a UBS, né, Unidade Básica de Saúde, na Acajatuba, mas nem sempre dá pra atender a tudo que a pessoa precisa, né, então tem pessoas, por exemplo, das comunidades mais distantes, que ficam mais próximas de Novo Airão, preferem ir pra Novo Airão do que procurar um posto ou uma Unidade Básica, então eles procuram mais Novo Airão. E da Acajatuba, apesar de ter uma UBS lá, também Acajatuba faz parte da reserva, mas eles também vão pra Manacapuru, que também fica próximo.
P/1 – Além dos equipamentos, teve alguma outra mudança no trabalho de vocês, no empreendimento com a entrada do Consulado?
R – Teve mudança.
P/1 – Você disse do manuseio dos alimentos, mas eu digo assim, o resultado. Você percebeu alguma diferença?
R – Deixa eu pensar, a diferença sempre pra melhor, né, assim, até mesmo, assim, a forma de você ser reconhecido e ser apoiado por uma instituição, ela já faz a diferença, né, porque seguir os critérios que ela dá pra gente é uma coisa boa, mas, assim, as pessoas saberem que a gente tá sendo apoiado pelo Consulado é uma, isso é um ponto positivo eu acho.
P/1 – Nadia, houve um aumento do número de pessoas que vêm de fora daqui de Tumbira, procurando um pouco conhecer a região, fazer turismo?
R – Não, a frequência turística aqui não é muita, não, mas eu acho que pra nossa estrutura é o suficiente que dá pra atender bem, né, porque não adianta a gente sonhar com uma demanda grande e a gente não atender bem as pessoas, né? Mas o que tem melhorado também, eu acredito, não querendo dizer que o nosso trabalho é bom, mas o que tem melhorado muito é, por exemplo, quando tem uma reunião do CU, ou da própria fundação mesmo, eles, por gostarem do nosso trabalho, eles trazem pra cá e daí a gente oferece o nosso trabalho, né, preparo de alimentação. Então eu acho que tudo isso é em foco disso, né, de uma boa estrutura, de um bom apoio, por exemplo, do Consulado, então cada vez a gente tá melhorando mais, assim, a qualidade de servir a alimentação, né, do preparo das coisas, então tem ajudado. Eu acredito, porque se não fosse boa eles não queriam voltar nunca, né, e ultimamente eles têm trazido muita reunião pra cá, isso ajuda muito o nosso trabalho.
P/1 – Você falou do preparo da alimentação e oferta também de produtos. Como vocês fazem, por exemplo, pra coletar essa matéria prima, as verduras, os legumes, a carne? Como vocês têm acesso a esses produtos pra oferecer essa alimentação?
R – Parte desse produto dá pra conseguir aqui mesmo, mas outros, como, por exemplo, a carne, o frango, vem de Manaus, porque aqui, além de não ser um ambiente que, um local que dê pra criação de gado, por exemplo, né, não tem um acompanhamento técnico pra tudo isso. Então pra gente querer uma coisa de boa qualidade tem que vir tudo de Manaus, mas peixes a gente compra daqui das comunidades vizinhas, a farinha, a macaxeira, verdura mesmo a gente compra lá no Saracá, que é uma comunidade onde vocês vão passar por lá também, e galinha caipira também nós conseguimos aqui mesmo de pessoas que criam. Então isso tudo vai gerando renda pra várias pessoas.
P/1 – Isso já acontecia, vocês já tinham essa prática ou teve um momento que não era assim e depois ficou assim, de comprar dos próprios vizinhos?
R – Não era muito costume porque, como não tinha pra quem vender, as pessoas não produziam, mas depois que passou a ter quem comprar, assim, por exemplo, nós compramos agora, já tem pessoas que criam, que plantam pra vender pra gente. Então, ou seja, deu um incentivo também, né, pros produtores também.
P/1 – Quem teve essa ideia: “Vamos comprar do pessoal da comunidade mesmo”?
R – Porque, além de ser uma coisa mais saudável, né, uma verdura boa, né, de boa qualidade, também a própria galinha caipira, que é uma das preferências também de muitas pessoas, né, gostam de galinha caipira, então, assim, a gente vê que é uma carne saudável, né, comprada aqui mesmo, novinha, o peixe também, nós temos nossos fornecedores que pescam e já trazem pra cá pra gente.
P/1 – Nadia, você disse que vocês já tinham uma organização aqui na comunidade antes de tudo isso acontecer. Com toda essa mudança como é que ficou essa organização? Quando vocês têm que decidir as coisas, quando tem outras mudanças aqui, como é que ficou isso?
R – A organização da comunidade mesmo, nós temos aqui o nosso local de trabalho, mas a gente procura ser muito junto com a comunidade, então hoje em dia a comunidade tem uma liderança, então quando essa liderança faz a reunião a gente vai, a gente coloca, participa ali com a comunidade. O que dá pra gente apoiar a gente apóia, se é uma limpeza todo mundo ajuda, se é uma cooperação todo mundo coopera. Hoje em dia a gente também tem um grupo também que é responsável pelo esporte, né, no qual vocês viram os meninos ali atrás descendo a malhadeira, é porque todos eles fazem parte do grupo esportivo, daí todos eles tão tecendo a malhadeira, que é pras traves, fica assim, um tá tecendo, o outro tá esperando a vez, aí quando um cansa o outro pega, é uma maneira coletiva de produção.
P/1 – Aquele trabalho que era pra pescar, é o mesmo jeito de fazer a rede?
R – É o mesmo jeito de fazer rede, só que com os fios grossos, né, pra aguentar a bola.
P/2 – Aí jogam nesse campo aqui?
R – É
P/1 – Tem uma associação aqui?
R – Não, uma associação não tem, tem assim, o grupo de pessoas, mas não, assim, formado mesmo, não tem, não.
P/1 – A liderança é espontânea ou tem eleição?
R – Tem eleição, tem eleição, daí é eleito o presidente da comunidade, que vai buscar, assim, ajuda pra comunidade, alguma coisa que tá faltando, reúne o povo, marca dia pra fazer limpeza, pras outras coisas que precisa resolver dentro da comunidade, né, então tem isso.
P/2 – Vocês têm encontros freqüentes, Nadia?
R – Não, freqüentes não, quando há necessidade de se resolver alguma coisa daí é marcado um dia, distribuído convite pra todos os comunitários, a gente se reúne pra decidir.
P/2 – O seu esposo, o Roberto, tinha comentado com a gente antes que existe uma associação das 19 comunidades.
R – Tem.
P/1 – Qual o nome dessa associação?
R – Ela é denominada ACS Rio Negro.
P/1 – Essa é registrada como associação?
R – É registrada como associação, associação mãe, né, que lida com todas as 19 comunidades que tão aqui dentro da reserva.
P/1 – Foi uma proposta da própria comunidade ou foi a fundação que fez?
R – Não, não foi nem a fundação, foi um órgão do governo que eu não lembro o nome, que propôs junto com os outros, né, que tivesse isso, uma eleição pra eleger, como a gente daqui, as nossas comunidades viraram reserva, tinha que ter, né, essa associação pra poder buscar as coisas.
P/1 – Você acha que funciona?
R – Funciona, tanto que até o próprio Consulado, tudo que a gente consegue pra cá é preciso ser assinado pelo presidente da reserva.
P/1 – Que é o presidente dessa associação?
R – Que é o presidente dessa associação.
P/2 – Quem é o presidente hoje?
R – É o José Roberto, o nome dele.
P/2 – De qual comunidade que ele é?
R – Terra Preta.
P/1 – Pra própria comunidade fez diferença ter essa associação que reúne todas as comunidades, você acha que fez alguma diferença?
R – Fez, porque também a Fundação Amazonas Sustentável, ela tem, ela trabalha com o Bolsa Floresta Renda Social e Familiar, Bolsa Floresta Familiar é 50 reais que cada família recebe, né, uma ajuda de custo. Mas o Bolsa Floresta Social e o Renda, ele tem um valor, não é um valor específico, certo todo ano, mas todo ano ele tem um valor que é pra ser usado, o social é pra ser usado em igreja, na parte social da comunidade, o Bolsa Social Renda é pra ser implantado que vá gerar renda dentro da comunidade. Então todos esses projetos, eles só vêm, só chegam na comunidade quando a comunidade se reúne e eles tem um consenso de ver o que tá, o que a comunidade tá necessitando pra vir e daí depois vai a proposta feita em ata dentro da própria comunidade, vai pra fundação e lá só vai ser liberada quando o presidente da reserva assina pra ser liberado também pra comunidade. Então essa é a diferença, sem o presidente da associação as coisas não chegam também, tem que vir tudo por ele, por meio da associação.
P/1 – Você observa que esse recurso que vem a comunidade tem participado de dizer pra que ele serve, pra que pode usar?
R – É do conhecimento de todos, isso é uma coisa bem clara mesmo, se nas comunidades não tiver funcionando é por falta de interesse de dentro da própria comunidade mesmo, mas todo esse recurso chega e vem pra comunidade mesmo. Só que tem a contrapartida comunitária, por exemplo, se eu quero fazer aquele centro ali vem parte do dinheiro pra madeira, vem a cobertura, vem os pregos, vem toda a matéria prima, só que também a comunidade tem que entrar em contrapartida de também trabalhar sem receber pra ver a coisa acontecer, né? Isso é o que mais tem prejudicado porque em muitas comunidades as pessoas não querem trabalhar no voluntariado, né, daí é quando as coisas vão mais devagar, mas quando resolve trabalhar acontece sim. Mesmo porque esses projetos, eles, por exemplo, se ano eu não conclui o projeto que eu pedi, ano que vem o recurso não é liberado, então tem que aprontar aquele projeto pra poder conseguir um investimento pro próximo ano.
P/1 – Pra geração de renda, aqui teve alguma dessas?
R – Teve, mas ultimamente não tá tendo resultado porque foi pra um grupo de artesanato, no qual era um grupo que era formado, depois foi debandado, assim, cada qual foi pro seu lado, mas ainda foi. Eu acho que tem um investimento de quase 50 mil no social, que era pro artesanato e pra costura também, que não teve continuidade, inclusive nós temos várias máquinas paradas aqui, mas que a gente pensa pra frente, quem sabe não vai começar um novo trabalho, né, um novo grupo, talvez com força de vontade maior.
P/1 – Por que não teve continuidade, Nadia?
R – Por falta de interesse mesmo, falta de união às vezes, que cada um só quer pra si, né, isso prejudica muito o trabalho, né, coletivo, que esse não é individual, esse é coletivo. Então no coletivo você sabe que você tem que trabalhar em prol de todos, não é só pra me favorecer, né, e não tem dado grande resultado, afinal de contas a única que continuou o trabalho foi a minha irmã, mas na casa dela mesmo, essa que eu falei que costura, que faz os cestos de palha também.
P/1 – Então vem o recurso, mas não tem o acompanhamento depois?
R – Tem e tem bastante cobrança também, tem.
P/2 – Quem oferece esse recurso?
R – Tem acompanhamento da fundação.
P/2 – É a fundação que oferece?
R – É a fundação.
P/1 – Mas o recurso é do governo dessa bolsa?
R – É a fundação também.
P/1 – É Bolsa Floresta, é um programa, né?
R – É um programa.
P/2 – É do governo federal ou governo estadual?
R – É uma ONG, né, que arrecada recurso.
P/1 – A fundação administra, mas o recurso é da bolsa, que é um programa, é isso?
R – Acho que sim (risos).
P/1 – Nadia, hoje qual o sonho que você tem maior?
R – O sonho que eu tenho maior é, uma pessoa não vive sem sonhos, né, mas eu quero trabalhar cada dia assim, tentar melhorar mais, né, e ver os meus filhos se dedicando a fazer a mesma atividade que a gente tá fazendo, e eles estudando, eu vejo, assim, um futuro bem melhor pra eles. Eu penso em mim, mas também eu penso bastante neles também, né, e to feliz.
P/1 – Você vê o futuro deles onde, aqui ou fora daqui?
R – Aqui mesmo, eu acredito que o futuro é aqui mesmo por a gente não ter tanta, assim, o que eu posso dizer? Aqui a gente tem oportunidade e lá fora pode ter muita oportunidade, mas também tem muita gente também no mesmo objetivo, né, então aqui eu acho que a gente tem o local, tem o trabalho e tem tudo, tem o apoio, eu acho que o futuro é aqui mesmo.
P/1 – E a diversão pra eles, eles sentem falta?
R – Não, não sentem porque a gente sempre tá saindo, assim, e, embora aqui não tenha cinema, outras coisas.
P/1 – Nadia, você disse que o seu sonho é que os filhos, pensando nos filhos, aí eu perguntei pra você: “E a diversão, como é aqui pra eles?”, porque o seu sonho é que eles continuem aqui.
R – Sim, eu acredito que esse meu sonho também seja o sonho deles, né, porque hoje em dia nós temos tudo, né, aqui, praticamente, e o que eles gostam, meu filho gosta muito de futebol, ele tem aqui, tem os meios de comunicação também, internet, tem o Face, tem WhatsApp. Então a gente não tá isolado, né, tá em contato com o mundo mesmo, então tá bem atualizado e sempre nós saímos daqui, vamos pra outros lugares também, mesmo Manaus, eles têm acesso ao cinema, shopping. Então isso pra eles é uma coisa boa porque eles não tão, assim, praticamente, não é porque a gente mora aqui no meio da floresta que a gente não tem conhecimento de outras coisas. Ou seja, nós temos conhecimentos de outras coisas, mas a gente acha que o nosso lugar é aqui, então a gente vive feliz e eu vejo que eles também querem isso pra vida deles.
P/1 – A gente terminou, você gostaria de falar alguma coisa, contar alguma coisa que eu não perguntei nem a Eliete?
R – Olha, no momento eu acho que não, só quero agradecer vocês por essa entrevista.
P/1 – O que você achou de contar essa história toda?
R – Achei legal, porque é, a bem dizer, é reviver, né, momentos da vida da gente que muitas vezes a gente deixa de lado, né, não lembra, mas às vezes quando as perguntas vão surgindo a gente vai recapitulando aquelas imagens do passado, então isso é uma coisa boa.
P/1 – Então tá bom, pra nós foi ótimo também, a gente ficou sabendo de um monte de coisa, obrigada.
R – De nada, obrigada vocês.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher