Se me perguntassem se eu poderia fazer uma faculdade, eu teria dito não. Se me perguntassem se eu poderia viajar pra fora do país entrevistar em outras línguas e fazer um livro com isso, eu teria dito não. Este é o ponto:o “não” nunca pode ser a última resposta. A educação serve pra gente acordar toda a potência que mora na gente.
O meu nome é André Gravatá, sou filho de baianos, meus pais descendentes indígenas cresceram em uma cidade chamada Paripiranga, bem no interior, onde a luz elétrica só chegou há pouco tempo. Eles vieram pra São Paulo com esse sonho de morar em cidade grande, minha mãe era doméstica e meu pai era pedreiro, um faz-tudo. Eles insistiram muito pra ter um filho, então, depois de dez anos fazendo tratamento de saúde para realizar o sonho do nascimento do filho, minha mãe engravidou de mim. Quando ela estava quase no nono mês de gravidez nossa casa foi invadida por ladrões, foi um desespero sem fim, até hoje meus pais guardam essa memória trágica. Quando eu fui nascer e chegamos no hospital lá na cidade de Embu das Artes, não tinha médico, meus pais tiveram que sair correndo pra outra cidade. Eu nem tinha nascido e já estava aprendendo muito sobre o mundo onde eu estava vindo.
As minhas primeiras lembranças são muito empolgantes, recordo infinitas possibilidades me convidando pra brincar. Só que eu já estava atrás das grades. Devido ao incidente com os ladrões minha família ficou com muito medo e gradeou tudo, meus amigos vinham brincar comigo e ficavam do lado de fora e eu do lado de dentro. Essa barreira com a rua ficou cravada em mim.
Outro lugar cheio de grades era a escola. Antes era super colorida com professoras muito carinhosas assim como a minha mãe, mas depois vão enquadrando, padronizando... Eu era considerado muito inteligente, era até ajudante de professor, mas me sentia meio desconfortável com isso sabe? Eu ficava pensando porque será que meu professor de...
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Se me perguntassem se eu poderia fazer uma faculdade, eu teria dito não. Se me perguntassem se eu poderia viajar pra fora do país entrevistar em outras línguas e fazer um livro com isso, eu teria dito não. Este é o ponto:o “não” nunca pode ser a última resposta. A educação serve pra gente acordar toda a potência que mora na gente.
O meu nome é André Gravatá, sou filho de baianos, meus pais descendentes indígenas cresceram em uma cidade chamada Paripiranga, bem no interior, onde a luz elétrica só chegou há pouco tempo. Eles vieram pra São Paulo com esse sonho de morar em cidade grande, minha mãe era doméstica e meu pai era pedreiro, um faz-tudo. Eles insistiram muito pra ter um filho, então, depois de dez anos fazendo tratamento de saúde para realizar o sonho do nascimento do filho, minha mãe engravidou de mim. Quando ela estava quase no nono mês de gravidez nossa casa foi invadida por ladrões, foi um desespero sem fim, até hoje meus pais guardam essa memória trágica. Quando eu fui nascer e chegamos no hospital lá na cidade de Embu das Artes, não tinha médico, meus pais tiveram que sair correndo pra outra cidade. Eu nem tinha nascido e já estava aprendendo muito sobre o mundo onde eu estava vindo.
As minhas primeiras lembranças são muito empolgantes, recordo infinitas possibilidades me convidando pra brincar. Só que eu já estava atrás das grades. Devido ao incidente com os ladrões minha família ficou com muito medo e gradeou tudo, meus amigos vinham brincar comigo e ficavam do lado de fora e eu do lado de dentro. Essa barreira com a rua ficou cravada em mim.
Outro lugar cheio de grades era a escola. Antes era super colorida com professoras muito carinhosas assim como a minha mãe, mas depois vão enquadrando, padronizando... Eu era considerado muito inteligente, era até ajudante de professor, mas me sentia meio desconfortável com isso sabe? Eu ficava pensando porque será que meu professor de Matemática não vem na aula, o que eu fazia nas aulas daquela escola que o professor não ia nunca? Mas quem nunca mais foi naquela escola foi eu. Ligaram para minha casa e falaram com minha mãe que eu ia morrer se continuasse indo naquela escola. Ou seja: se eu quisesse continuar vendo o sol nascer todo dia, tinha de me mudar. Imaginem como ficou minha mãe, saiu voando para a escola, me tirou da classe na hora e eu nunca mais voltei lá.
Um amigo foi o "contratado" pra fazer a CPI do caso, não sei se ele descobriu ou inventou mas chegou à história que eu estava próximo da menina que um outro menino gostava, que o fez tomar ações mais drásticas. Foi drástico mesmo, vários choros nasceram em mim. E eu achei que ia pra outra escola, mas o que encontrei foi um cenário de ruínas, o diretor me recebeu me convidando para uma bateria. Mas não uma bateria de Maracatu, foi uma bateria de exames e provas mesmo. Como se faz isso com uma pessoa em estado de dor?
Paralelo a isso, nessa fase onde descobrimos os selinhos, eu descobri outro tipo de selo. Os selos de correio. Custava 1 centavo cada selo, isso me deixou extremamente empolgado. Então comecei a buscar em revistas, jornais, de diversos modos eu consegui endereços e comecei a enviar cartas para estranhos. Parece estranho? Muitas dessas cartas não foram respondidas, mas outras foram, conheci pessoas de lugares que nunca imaginei visitar e passei a descobrir suas histórias. Mas isso foi antes de eu descobrir que era possível ligar para as rádios. Então eu ia para orelhão e ligava para rádio, pedia música, falava com os ouvintes, deixava mensagem de ano novo. Tudo ficava gravado, e quando eu voltava pra casa, eu ouvia tudo.
Foi essa época que eu descobri os números 0800 e ligava pra conversar com as pessoas de empresas também, o que me levou a descobrir os concursos culturais. Durante todo Ensino Médio eu participava incessantemente e insistentemente desses concursos. O que era maravilhoso, pois eu exercitava muito a escrita. E até era uma fonte de renda, inesperada, maluca, mas uma fonte de renda. Eu consegui uma máquina de lavar assim, um fogão. Botijões de gás por um ano. Quando chegava um caminhão de sorvetes em casa, os vizinhos perguntavam se a gente ia abrir uma doceria, eu respondia que não e entregava sorvetes para os amigos.
Eu pensava que queria ser várias coisas quando crescesse, presidente do Brasil, fazedor de filmes, escritor. Mas será que isso era possível, ser escritor se o meu pai era pedreiro? Se só umas pessoa da minha família havia entrado na Universidade e ela tinha saído logo em seguida, sem terminar o curso? Bem, foi nessa época que começaram a existir programas mais consistentes que distribuíam bolsas de estudo. Pelo ProUni, ganhei uma bolsa integral de jornalismo na PUC-SP.
Eu queria aproveitar essa oportunidade para unir minhas habilidades e causar um impacto social, pois todo mundo sempre me olhou, ah aquele é o pobre, aquele é o da periferia. E eu queria mudar essa imagem, mostrar que somos potentes. E a faculdade abriu um mundo para mim, eu fui para a Amazônia fazer pesquisa, escrevi muito. Realizei um projeto chamado "Jogo de Cinema" onde estimulava os jovens a produzirem filmes e os exibirem nas próprias escolas.
Isso e outras coisas foram me empurrando para aquilo onde eu realmente poderia fazer a diferença, na educação. Educação não é só sala de aula não. Eu e uns amigos organizamos no formato do TEDx onde pessoas vinham contar suas experiências em transformação local – e a maioria estava relacionada com educação. Aconteceu no Ibirapuera, com jovens palestrantes de toda parte, desde uma jovem educadora do Rio de Janeiro, até um garoto de 16 anos da Zâmbia, que veio contar um projeto sobre o tema das mudanças climáticas envolvendo crianças. Um dos grupos presentes realizou uma cena de teatro sobre bullying, aprofundando o tema do preconceito contra os alunos gays. Será que educação não é essencialmente aprender, trocar? Não é uma arte do encontro? Impregnado por essas reflexões e provocações, eu e uns amigos juntamos e decidimos contar boas histórias que existem no mundo da educação. Fizemos uma campanha de financiamento coletivo na internet, mobilizamos pessoas online e offline, em ações na rua, e juntamos a verba necessária para realizar o sonho de publicar um livro sobre educação criativa.
Aconteceu, eu fui para outros países para pesquisar. No começo sentia um preconceito quando as pessoas se aproximavam de mim, me achavam muito jovem para realizar esse tipo de ação. Eu falava que queria entrevistar alunos, professores, professoras, pais, todo mundo, falava que eu queria ficar na escola vários dias pra entender como funcionava tudo e que isso ia virar um livro. E as pessoas me perguntavam: mas quem está por trás disso? Só por ser jovem eu não poderia fazer isso. E o jovem precisa assumir mais seu protagonismo, pois ficam colocando muitas condicionantes, faculdade, emprego, etc e etc e o jovem esquece do poder que tem. E isso é um problema para o mundo, quando alguém não se descobre quem perde é o mundo inteiro.
Foi assim que percebi também que não dá para fazer nada de impacto coletivo sozinho. Então nessa caminhada muita gente criou e realizou comigo. Só não vou citar os nomes agora, pois foi tanta, mas tanta gente importante que me atravessou, que dariam páginas e até livros de nomes. Depois do projeto do livro, que foi publicado com o título Volta ao mundo em 13 escolas, juntei outros amigos e criamos um coletivo, o Movimento Entusiasmo, que desenvolve ações em escolas públicas. Seja durante as pesquisas do livro, seja com o Movimento Entusiasmo, vi experiências potentes de todo tipo, na rede pública e privada, na periferia e no centro, com ou sem sala de aula, com ou sem professor. Pouco a pouco fui tirando os rótulos de como a educação tem que ser. Me abrindo para a criatividade possível, as novas formas que podem ser inventadas e as antigas que, de tão vigorosas, merecem ser resgatadas. Tirando os rótulos dá pra ver a alma, dá para descobrir inesperados.
Sou apaixonado por palavras e estou me aventurando pelas redes sociais com os versos do Jornal das Miudezas. Que são fotografias com apontamentos de coisas que não percebemos no cotidiano, como as rachaduras que se unem pra lutar contra a especulação imobiliária. Pois é na miudeza que está a grandeza. Aprendi isso com um mestre indiano. Logo depois do projeto, tomei uma decisão inesperada, mas pensada e calculada: viajei para a Índia. Fui enganado, mas não me enganei. Ao chegar lá, todo mundo tentou passar a perna em mim, mas a vida inteira me ensinou a me desviar de rasteira. Chegando lá, passei três semanas com um senhor de 75 anos, um mestre que a toda noite conversava comigo sobre tudo: a morte, a vida, as ilusões... nas suas metáforas o nublado do pensamento ia sendo removido pouco a pouco.
A Índia me ensinou a importância das raízes. De criar ações que insistem em aprofundar seus passos. Por isso que a primeira ação do Movimento Entusiasmo foi a Virada Educação, um convite para ocuparmos escolas públicas criativamente. Na primeira edição, em 2014, aconteceram mais de 100 atividades preparadas ao longo de meses. Desde uma oficina de cupcake na cozinha da escola, até trilhas pelas ruas, cinema, música, diálogos. É um projeto que já está no terceiro ano e se espalhou por vários cantos do Brasil para transbordar a sala de aula. A escola é ocupada como um centro onde as pessoas se encontram e o aprendizado acontece, não um centro onde as pessoas se encontram e a burocracia acontece.
E meu sonho é esse, que a educação verdadeiramente sensível se expanda, onde os jovens tenham o sonho de trabalhar com educação, e sigamos pensando quem são nossos educadores. O nosso vizinho que passa o dia na calçada não é um educador? Esses jovens que ocuparam as escolas não deram uma aula para gente? Minha insistência é em aprendermos com o que está acontecendo hoje no Brasil, aprendermos a aprender de jeitos diferentes, mais vivos, aprendermos a extrair poesia do que há de mais banal, aprendermos a extrair entusiasmo a partir de cada encontro. Cada encontro é precioso.
Se me perguntassem se eu poderia fazer uma faculdade, eu teria dito não. Se me perguntassem se eu poderia viajar pra fora do país entrevistar em outras línguas e fazer um livro com isso, eu teria dito não. Este é o ponto:o “não” nunca pode ser a última resposta. A educação serve pra gente acordar toda a potência que mora na gente.
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