Eu e minha irmã Célia éramos unha e carne quando crianças. Mas nossa infância não foi das melhores. Nossa mãe se prostituía e nosso pai era músico, tocava na noite. A vida deles era regada a álcool e cigarro. Ele morreu com cirrose quando eu tinha 6 anos e a Célia estava com 1. Lembro dessas cenas da infância como se fosse ontem: nossa mãe nos deixando sozinhas numa casavelha e abandonada, sem comida,sem roupa e sem higiene. Foram nossos bondosos vizinhos que nos resgataram e nosencaminharam até um abrigo de crianças. Eu tinha 7 anos.Nem sei se minha mãe ficou sabendo. Só sei que ela nuncafoi nos procurar.
Vivi pouco menos de umano no abrigo com minha irmãzinha.Ela era a única amigaque eu tinha. Como não tinhachupeta, Célia chupava meudedinho. Quando chegavamas famílias interessadas em nosadotar no orfanato, éramos enfileirados numa sala como se fôssemos mercadoria. Foi numa dessas visitas que o destino sorriu para a Célia: com 3 anos, ela foi escolhida por uma família de Porto Alegre. Ninguém me deu a chancede me despedir da minha irmã. Acho que queriam me preservar.
Só quando perguntei onde ela estava, na hora de dormir, é que uma tia do orfanato me falou que a Célia tinha sido levada por uma família. Depois disso, adoeci de tristeza. Chorava o tempo todo. Hoje compreendo que aquilo foi o melhor pra ela, mas doeu muito por toda a minha vida. Ainda passei mais três anos naquele orfanato. Quando estava com 11 anos, uma idade já bem difícil pra adoção, uma família de Lavras do Sul (RS), a mesma cidade do orfanato, me levou pra casa. Ah, que felicidade! Finalmente encontrei alguém pra chamar de pai e de mãe. Devo tudo que sou hoje aos meus pais adotivos!
Com o tempo, a dor pela distância da Célia foi diminuindo, mas a saudade dela nunca ia embora. Já chorei muito sozinha por causa disso. O pastor me incentivou a buscar minha irmã. Depois de concluir o ensino médio, em 2000, me casei e tive duas filhas – hoje uma...
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Eu e minha irmã Célia éramos unha e carne quando crianças. Mas nossa infância não foi das melhores. Nossa mãe se prostituía e nosso pai era músico, tocava na noite. A vida deles era regada a álcool e cigarro. Ele morreu com cirrose quando eu tinha 6 anos e a Célia estava com 1. Lembro dessas cenas da infância como se fosse ontem: nossa mãe nos deixando sozinhas numa casavelha e abandonada, sem comida,sem roupa e sem higiene. Foram nossos bondosos vizinhos que nos resgataram e nosencaminharam até um abrigo de crianças. Eu tinha 7 anos.Nem sei se minha mãe ficou sabendo. Só sei que ela nuncafoi nos procurar.
Vivi pouco menos de umano no abrigo com minha irmãzinha.Ela era a única amigaque eu tinha. Como não tinhachupeta, Célia chupava meudedinho. Quando chegavamas famílias interessadas em nosadotar no orfanato, éramos enfileirados numa sala como se fôssemos mercadoria. Foi numa dessas visitas que o destino sorriu para a Célia: com 3 anos, ela foi escolhida por uma família de Porto Alegre. Ninguém me deu a chancede me despedir da minha irmã. Acho que queriam me preservar.
Só quando perguntei onde ela estava, na hora de dormir, é que uma tia do orfanato me falou que a Célia tinha sido levada por uma família. Depois disso, adoeci de tristeza. Chorava o tempo todo. Hoje compreendo que aquilo foi o melhor pra ela, mas doeu muito por toda a minha vida. Ainda passei mais três anos naquele orfanato. Quando estava com 11 anos, uma idade já bem difícil pra adoção, uma família de Lavras do Sul (RS), a mesma cidade do orfanato, me levou pra casa. Ah, que felicidade! Finalmente encontrei alguém pra chamar de pai e de mãe. Devo tudo que sou hoje aos meus pais adotivos!
Com o tempo, a dor pela distância da Célia foi diminuindo, mas a saudade dela nunca ia embora. Já chorei muito sozinha por causa disso. O pastor me incentivou a buscar minha irmã. Depois de concluir o ensino médio, em 2000, me casei e tive duas filhas – hoje uma delas tem 14 e outra 7. Segui minha vida adulta me dedicando às minhas pimpolhas. Pensei muito na Célia esses anos todos, mas não tinha tempo nem dinheiro para procurá-la. Também faltava coragem para lidar com o passado. Eu tinha muito medo de procurar e descobrir que minha irmã estava morta ou que ela não me reconhecesse ou me rejeitasse. Isso só começou a mudarem abril de 2014, num culto da igreja que eu frequentava. O pastor falou pra mim que Deus ia fazer coisas impossíveis na minha vida. Eu só fechei meus olhos e orei: “Deus,quero rever minha irmã. Por favor, me faça encontrá-la”.
Poucos dias depois, minha filha mais velha, que já vinha procurando minha irmã nas redes sociais, encontrou o perfil de uma Célia Machado no Facebook. Olhei a foto com cuidado: ela era igualzinha a mim! Era minha irmã, só podia ser ela! Adicionei a Célia no Facebook e fiquei esperando que ela respondesse. Passaram quatro meses e nada. Que angústia! Cheguei a achar que eu estava enganada, que ela não era minha amada irmã. Em agosto do ano passado, quando eu já estava perdendo as esperanças, Célia me respondeu. Ela era mesmo! “Você é minha irmã?”, ela perguntou. “Célia, sou eu, Luísa, sua mana de 35 anos atrás!”, respondi. Para tirar as dúvidas, a Célia foi me descrevendo tudo que lembrava do orfanato e da nossa separação. Eu chorava diante do computador enquanto compartilhávamos nossas recordações de infância. Foi tão emocionante...
Nos dois meses seguintes, colocamos em dia 35 anos de conversa atrasada! Quando ouvi a voz dela pela primeira vez no telefone, foi como se o tempo não tivesse passado. Deus tinha protegido a Célia a vida inteira, como me protegeu. Ela foi muito amada pela sua família adotiva e hoje mora em Florianópolis (SC), é casada, tem duas filhas e trabalha como produtora de eventos. Foi só no começo de outubro que finalmente fui rever minha irmã em carne e osso. Fiz uma longa viagem de ônibus para encontrá-la na rodoviária de Florianópolis. Quando cheguei, ela não aguentou me esperar no ponto onde tínhamos marcado, invadiu a área restrita de passageiros e me abordou enquanto eu retirava minhas bagagens. Foi um longo abraço, o abraço que esperei a vida inteira. Choramos juntas e aquela dor do abandono no orfanato finalmente se foi. Minha mana tinha o mesmo cheiro e o mesmo jeitinho de 35 anos atrás.
Há dois meses, me mudei para Florianópolis com as minhas filhas para ficar mais perto da Célia. Agora queremos aproveitar a oportunidade que temos de sermos amigas pelo tempo de vida que nos resta. Até sabemos onde nossa mãe biológica mora, mas nunca a procuramos. Afinal, construímos nossa vida sem ela e é melhor que tudo continue assim. Finalmente, estou em paz.
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